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E contou sua lívida vingança<br />
Na mansão da eternal desesperança!<br />
Nem mais estremeceu quando o passado<br />
Do túmulo na sânie revivia...<br />
Quando o velho rugindo sufocado<br />
De fome e raiva ainda se torcia...<br />
Como quando as crianças se mordiam,<br />
E ardentes, moribundas, pão! pediam!<br />
Quando contou as noites regeladas<br />
E o ar da podridão... E a fome impura<br />
Saciando nas carnes desnervadas<br />
De seus filhos... De sua criatura!<br />
Como a pantera emagrecida come<br />
Os filhos mortos p'ra cevar a fome!<br />
Acordei ao tremer de calafrios<br />
Com o peito de mágoas transbordando;<br />
Enxuguei com a mão suores frios<br />
Que sentia na face porejando!<br />
E um dia o pesadelo que eu sentira<br />
Mesclou-se aos moles sons de minha lira.<br />
Mesclou-se como ao vinho um ditirambo,<br />
Ao farfalhar de Pança 3 um velho adágio,<br />
Às alvas flores se mistura o jambo<br />
E um ósculo de amor em um naufrágio.<br />
— Creio que vou dizer alguma asneira...<br />
Como o nome de Deus à bebedeira!<br />
Escrevi o meu sonho. Nas estâncias<br />
Há lágrimas e beijos e ironias,<br />
Como de noite muda nas fragrâncias<br />
Perde-se um ai de ignotas agonias!<br />
Tudo é assim — no sonho o pesadelo,<br />
— Em almas de Madona quanto gelo!<br />
É assim o viver. Por noite bela<br />
Não durmas ao relento na janela<br />
Contemplando o luar e o mar dormente.<br />
Poderá apanha-te de repente<br />
Fria constipação, febre amarela,<br />
Ou alguma prosaica dor num dente!<br />
Vai, c'oa mão sobre o peito macilento<br />
Curvado como um velho peregrino,<br />
Vai, tu que sofres, implorar — sedento<br />
Um remédio de amor a teu destino!...<br />
Um doutor sanará o teu tormento<br />
www.nead.unama.br<br />
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