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O POEMA DO FRADE<br />
(Fragmentos interligados)<br />
Meu herói é um moço preguiçoso<br />
Que viveu e bebia porventura<br />
Como vós, meu leitor... Se era formoso<br />
Ao certo não o sei. Em mesa impura<br />
Esgotara com lábio fervoroso<br />
Como vós e como eu a taça escura.<br />
Era pálido sim... Mas não d'estudo:<br />
No mais... Era um devasso e disse tudo!<br />
Dizer que era poeta — é cousa velha!<br />
No século da luz assim é todo<br />
O que herói de novelas assemelha.<br />
Vemos agora a poesia a rodo!<br />
Nem há nos botequins face vermelha,<br />
Amarelo caixeiro, alma de lado,<br />
Nem Bocage d'esquina, vate imundo,<br />
Que não se creia um Dante vagabundo!<br />
O meu não era assim: não se imprimia,<br />
Nem versos no teatro declamava!<br />
Só quando o fogo do licor corria<br />
Da fronte no palor que avermelhava,<br />
Com as convulsas mãos a taça enchia.<br />
Então a inspiração lhe afervorava<br />
E do vinho no! Eflúvio e nos ressábios<br />
Vinha o fogo do gênio à flor dos lábios!<br />
Se era nobre ou plebeu, ou rico ou pobre<br />
Não vos direi também: que importa o manto<br />
Se é belo o cavaleiro que ele cobre?<br />
E que importa o passado, um nome santo<br />
De pútridos avós? Plebeu ou nobre<br />
Somente a raiva lhe acordava o pranto.<br />
Embuçada no orgulho a fronte erguia<br />
E do povo e dos reis escarnecia!<br />
Não se lançara nas plebéias lutas,<br />
Nem nas falanges do passado herdeiras,<br />
No turbilhão das multidões hirsutas,<br />
Não se enlaivou da pátria nas sangueiras,<br />
Nem da praça no pó das vis disputas!<br />
Sonhava sim em tradições guerreiras,<br />
Nos cânticos de bardo sublimado...<br />
Mas nas épicas sombras do passado.<br />
O presente julgava um mar de lama<br />
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