Versão eletrônica - Furb
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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU - FURB<br />
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO<br />
DEPARTAMENTO DE ARTES<br />
“A VIDA É SONHO?”<br />
MEMORIAL DESCRITIVO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO<br />
REALIZADO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III.<br />
BLUMENAU<br />
2007<br />
RAFAEL KOEHLER
RAFAEL KOEHLER<br />
“A VIDA É SONHO?”<br />
MEMORIAL DESCRITIVO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO<br />
REALIZADO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III.<br />
Memorial Descritivo apresentado à disciplina<br />
Trabalho de Conclusão de Curso, do<br />
Departamento de Artes, do Centro de<br />
Ciências da Educação, da Universidade<br />
Regional de Blumenau, como requisito<br />
parcial para a obtenção do título de<br />
Bacharel em Teatro - Interpretação<br />
Teatral.<br />
Profª Ms. Olívia Camboim Romano -<br />
Orientadora<br />
BLUMENAU<br />
2007
A VIDA É SONHO?<br />
MEMORIAL DESCRITIVO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO<br />
Presidente/<br />
Orientadora:<br />
REALIZADO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III.<br />
Por<br />
RAFAEL KOEHLER<br />
Trabalho aprovado para a obtenção do<br />
título de Bacharel em Teatro –<br />
Interpretação Teatral pela banca<br />
examinadora formada por:<br />
________________________________________________<br />
Profª. Ms. Olívia Camboim Romano – FURB<br />
Membro: ________________________________________________<br />
Profª. Ms. Marilene de Lima Körting Schramm – FURB<br />
Membro: ________________________________________________<br />
Prof. Ms. André Ricardo de Sousa - FURB<br />
Blumenau, 20 de novembro.
AGRADECIMENTOS<br />
Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, Luís Carlos Koehler e Maria de<br />
Lourdes Koehler, que acreditaram e fizeram se tornar real o meu sonho de cursar<br />
Teatro no Ensino Superior.<br />
À professor Olívia Camboim Romano, que com paciência e sabedoria orientou<br />
este Memorial Descritivo.<br />
Aos professores da Universidade Regional de Blumenau que tanto me<br />
ensinaram nestes últimos quatro anos, em especial aos professores Roberto Carlos<br />
Murphy, Fábio Luís Hostert, André Ricardo de Sousa e Olívia Camboim Romano que<br />
nos auxiliaram no processo de montagem deste último semestre.<br />
Ao diretor teatral da cidade de Blumenau, Pépe Sedrez, que me fez acreditar em<br />
um teatro voltado para a arte e que me inspira até hoje.<br />
Aos meus amados amigos de classe, Joanna Oliari, Léo Kufner, Sabrina Moura,<br />
Sabrina Marthendal, Luciana May, Roberto Morauer, Leomar Peruzzo, Kátia Meyer,<br />
Gisele Bauer, Alessandra Gonçalves, Daniela Farias e Mariana Freitas, que me<br />
ensinaram o quanto é importante a união dentro de um curso universitário, o valor de<br />
uma amizade, e principalmente, porque me ensinaram a amá-los com suas<br />
particularidades.
RESUMO<br />
Este trabalho consiste em um Memorial Descritivo do processo de criação do<br />
espetáculo realizado no segundo semestre do ano de 2007, pelos acadêmicos do<br />
VIII semestre do curso de Bacharelado em Teatro – Interpretação Teatral, sob a<br />
direção/orientação do professor Roberto Carlos Murphy. Sendo esta a terceira<br />
montagem realizada pelos acadêmicos durante o curso, nas disciplinas de Prática de<br />
Montagem, recebe o nome de “A Vida é Sonho?”, baseada nas obras “A Vida é<br />
Sonho” de Pedro Calderón de La Barca e “A Vida em Comum” de Tzvetan Todorov.<br />
Este trabalho está estruturado em quatro capítulos: no primeiro se localiza a<br />
introdução ao trabalho. No segundo a descrição e análise do processo de<br />
concepção de dramaturgia e cenografia do espetáculo. No terceiro capítulo se<br />
encontra a exposição e avaliação da construção das três personagens que interpreto<br />
nesta montagem: Signos, Guardas e Poderes. No quarto e último capítulo as<br />
considerações finais do trabalho.<br />
Palavras Chave: Teatro; “A Vida é Sonho?”; FURB; TCC/Memorial Descritivo.
SUMÁRIO<br />
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 07<br />
2 O PROCESSO .................................................................................................... 08<br />
2.1 CONCEPÇÃO DRAMATURGICA ..................................................................... 08<br />
2.1.1 A VIDA EM COMUM ....................................................................................... 09<br />
2.1.2 A VIDA É SONHO .......................................................................................... 13<br />
2.2 DRAMATURGIA DE “A VIDA É SONHO?” ....................................................... 17<br />
2.2.1 A VIDA É SONHO? ........................................................................................ 19<br />
2.3 CENOGRAFIA .................................................................................................. 22<br />
3 ATUAÇÃO .......................................................................................................... 26<br />
3.1 SIGNOS ............................................................................................................ 32<br />
3.2 GUARDAS ........................................................................................................ 36<br />
3.3 PODERES ........................................................................................................ 40<br />
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 43<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 45<br />
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA ........................................................................... 47<br />
ANEXOS ................................................................................................................... 49<br />
ANEXO I –DIFERENÇAS ENTRE O MODERNISMO E O PÓS-MODERNISMO ..... 49<br />
ANEXO II – “O GRITO MUDO”- HELENE WEIGEL .................................................. 51<br />
ANEXO III – IMAGENS DA CRIAÇÃO DA PERSONAGEM SIGNO ......................... 52<br />
APÊNDICES ............................................................................................................. 53<br />
APÊNDICE I – ESPAÇO CÊNICO - ANDAIME ......................................................... 53<br />
APÊNDICE II – ESPAÇO CÊNICO - ESCADAS ....................................................... 54<br />
APÊNDICE III – “A VIDA É SONHO?”– PRIMEIRO ESBOÇO.................................. 56<br />
APÊNDICE IV – “A VIDA É SONHO?” – VERSÃO FINAL ........................................ 66
1 INTRODUÇÃO<br />
Este Memorial Descritivo visa expor o processo de construção do espetáculo e<br />
das personagens desenvolvido na disciplina Prática de Montagem III, sob a direção<br />
do professor Roberto Murphy, com o auxílio das disciplinas: Interpretação Teatral<br />
VII, professora Olívia Camboim Romano; Preparação Corporal para a Cena III,<br />
professor Fábio Luís Hostert; Dramaturgia II, professor Roberto Murphy; e<br />
Preparação Vocal para a Cena III, professor André Ricardo de Sousa.<br />
Acredito que descrever a última Prática de Montagem oferecida pela<br />
Universidade Regional de Blumenau é de extrema importância, pois neste último<br />
semestre colocamos em prova todo o conhecimento adquirido durante o curso de<br />
Bacharelado em Teatro – Interpretação Teatral.<br />
Com a metodologia utilizada pelo professor Murphy, de divisão da turma em<br />
equipes responsáveis pela produção cenotécnica do espetáculo, os alunos<br />
necessitaram estudar novamente conceitos essenciais sobre os aspectos técnicos<br />
do teatro: iluminação, cenografia, caracterização, e sonoplastia. Esta divisão de<br />
grupos de trabalho põe em avaliação o que foi aprendido pelos acadêmicos nas<br />
disciplinas oferecidas tanto nos semestres anteriores, como Aspectos Visuais do<br />
Teatro, Música e Ritmo, entre outras, quanto as oferecidas neste semestre, como<br />
Preparação Vocal Para a Cena III e Dramaturgia II.<br />
O processo estará descrito neste memorial apenas até a segunda quinzena do<br />
mês de novembro, pois, infelizmente, a entrega do mesmo acontecerá antes do final<br />
do processo de criação do espetáculo, que será concluído no dia 20 de novembro de<br />
2007.<br />
Este memorial descritivo está estruturado da seguinte forma: análise do<br />
processo de criação dramatúrgica do espetáculo: estudos sobre as obras “A Vida em<br />
Comum” de Tzvetan Todorov e “A Vida é Sonho” de Pedro Calderón de La Barca<br />
que culminou na obra “A Vida é Sonho?”; descrição do processo de criação de<br />
cenografia; e análise da criação das personagens interpretadas por mim neste<br />
espetáculo.
2 O PROCESSO<br />
Este capítulo visa apresentar e avaliar o processo de criação do espetáculo “A<br />
Vida é Sonho?” concretizado na disciplina Prática de Montagem III, incluindo os<br />
estudos teóricos feitos, a concepção da peça, até a finalização da obra dramática e<br />
cenográfica.<br />
Dentre os estudos teóricos realizados, posso mencionar: “A Vida é Sonho” de<br />
Pedro Calderón de La Barca, “A Vida em Comum” de Tzvetan Todorov, “Dicionário<br />
de Teatro” de Patrice Pavis, “Dança e Pós-Modernidade” de Eliana Rodrigues Silva e<br />
“O Papel do Corpo no Corpo do Ator” de Sônia Machado Azevedo. Estes estudos<br />
foram feitos com o intuito de termos a base teórica necessária para dar início ao<br />
processo de criação de um novo espetáculo.<br />
Toda essa exposição é necessária para que possa ser compreendido o processo<br />
de concepção do espetáculo desenvolvido na disciplina Prática de Montagem III,<br />
ministrada pelo professor Roberto Carlos Murphy, com o auxílio das disciplinas:<br />
Interpretação Teatral VII – professora Olívia Camboim Romano; Preparação<br />
Corporal Para a Cena III – professor Fábio Luís Hostert; Treinamento Vocal V –<br />
professor André Ricardo de Sousa; e Dramaturgia II – professor Roberto Carlos<br />
Murphy.<br />
2.1 CONCEPÇÃO DRAMATURGICA<br />
O trabalho de montagem no VIII semestre do curso de Teatro teve início, na<br />
disciplina de Dramaturgia II, com a leitura de um trecho do livro “Dança e Pós-<br />
Modernidade” (2005) de Eliana Rodrigues Silva onde a autora aponta as principais<br />
diferenças entre o Modernismo e o Pós-Modernismo (VER ANEXO I).<br />
O professor Murphy nos propôs trabalharmos nessa montagem com os<br />
princípios do Pós-Modernismo. Um estudo sobre as diferenças do Modernismo e do<br />
Pós-Modernismo foi feito juntamente com um estudo sobre o processo genético da<br />
8
produção dos signos corporais, descrito por Sônia Machado Azevedo em “O Papel<br />
do Corpo no Corpo do Ator” (2004). “O processo genético de produção dos signos<br />
corporais […] tem início no instante em que a intenção de criar aparece”.<br />
(AZEVEDO, 2004, p.169).<br />
Dar vida a uma personagem requer um processo de trabalho, um tempo<br />
necessário para criar, o que Azevedo chama de “uma espera ativa”. Este tempo de<br />
criação demanda de uma energia ativada pela vitalidade do intérprete que necessita<br />
de um momento de amadurecimento de significado, como um feto que precisa de<br />
um tempo para se desenvolver e estar pronto para nascer. Após este<br />
amadurecimento é imprescindível utilizar a energia como impulso criador até chegar<br />
ao ato criador em si, ato este que requer um corpo disponível para dar saída a ação<br />
e esteja ao alcance de outro processo de criação: o público, que retorna essa<br />
energia criativa.<br />
O Pós-Modernismo e o Processo Genético de Produção dos Signos Corporais<br />
são a base do nosso processo de montagem do VIII semestre.<br />
O professor Murphy nos propôs, e nós aceitamos trabalhar também com as<br />
obras “A Vida em Comum” de Tzvetan Todorov e “A Vida é Sonho” de Calderón de<br />
La Barca como norteadores da nossa montagem neste semestre.<br />
2.1.1 “A VIDA EM COMUM”<br />
A obra “A Vida em Comum” de Tzvetan Todorov (1996) trata do tema<br />
“Antropologia Geral”. Nos dias de hoje a antropologia dificilmente é trabalhada<br />
pensando no geral, e normalmente tem como objetos de estudo sociedades<br />
particulares ou suas culturas.<br />
Tzvetan Todorov trabalha com o sentindo literal da palavra antropologia:<br />
conhecimento do homem. E sabendo que a antropologia está no meio caminho entre<br />
as ciências humanas e a filosofia é que o autor se concentra na observação dos<br />
aspectos das atividades humanas.<br />
9
A antropologia é vasta e por esse motivo concentramos a nossa leitura em<br />
apenas um aspecto: “tratar não do lugar do homem na sociedade, como se faz<br />
habitualmente, mas, ao contrário, do lugar da sociedade no homem” (TODOROV,<br />
1996, p. 10).<br />
Pesquisadores europeus, referente à definição do que é humano, concluem que<br />
a vida em comum, em sociedade, geralmente não é concebida como necessária ao<br />
homem. Isto nos mostra que a humanidade vive entre dois lados: a vida real,<br />
também de nossas ilusões, e o fato do ser humano estar preso na rede de relações<br />
sociais. Porém pode-se perceber que o homem é um ser que necessita viver em<br />
sociedade, pois para ele não há outra forma de existência possível. Apesar de se<br />
preocupar com os demais apenas na aparência, sendo um ser egoísta e<br />
interesseiro, um ser que vê os outros como rivais ou obstáculos, o ser humano<br />
precisa da sociedade, mesmo ela sendo enganosa. “Os homens não viveriam muito<br />
tempo em sociedade se não enganassem uns aos outros. Cremos erroneamente<br />
que os outros nos querem bem; se nos tornássemos lúcidos, a sociedade<br />
desapareceria”. (TODOROV, 1996, p. 16)<br />
A sociedade tem por intenção amenizar os inconvenientes da guerra<br />
permanente de todos contra todos. Ela é artificial, pois os homens renunciam aos<br />
instintos e conseqüentemente não encontram a satisfação pessoal.<br />
O ser humano tem necessidade dos outros, ele precisa comparar-se aos<br />
demais, ou para se sentir superior ou para querer estar no lugar deles. O homem<br />
sociável não sabe viver senão de acordo com a opinião dos outros e é desse<br />
julgamento externo que extrai o sentimento da sua própria existência.<br />
A humanidade almeja usufruir do reconhecimento alheio. Desejamos “que nos<br />
observem, que se ocupem de nós, que prestem atenção em nós com simpatia,<br />
satisfação e aprovação”. (TODOROV, 1996, p.28). A origem de todo julgamento está<br />
na referência aos outros, não podemos fazer um julgamento sobre nós mesmos sem<br />
sair de nós e sem nos olharmos pelos olhos dos outros.<br />
O ser humano é inicialmente um objeto material (ser), e isso dita alguns de seus<br />
comportamentos. Ao mesmo tempo é um ser vivo (viver), um animal, e partilha com<br />
os demais animais seus traços característicos. Mas o homem é também um ser<br />
humano, sendo diferente a qualquer outro ser vivo, pois vive em sociedade, em<br />
companhia dos outros homens (existir).<br />
10
A humanidade compartilha o “ser” com toda a matéria, arqueja o “viver” com<br />
todos os seres vivos, mas pulsa o “existir” apenas para a humanidade, somente com<br />
o reconhecimento do outro homem.<br />
É o reconhecimento que determina a entrada do indivíduo na existência<br />
especificamente humana. Quando a criança participa das ações como alterar ou<br />
cooperar na brincadeira, recebe também a confirmação de sua existência pelo fato<br />
de que seu parceiro lhe reserva um lugar para ouvi-la.<br />
Nós, seres humanos, necessitamos ser reconhecidos, tanto profissionalmente<br />
quanto nas relações pessoais. Quando somos obrigados pela sociedade a exercer<br />
uma função essencial para obtermos a aprovação pública estamos tentando ser<br />
reconhecidos por pessoas que julgamos ser superiores a nós: o reconhecimento<br />
superior.<br />
Opostamente a isso encontramos o reconhecimento inferior, que também nos<br />
faz sentirmos vivos. Um exemplo disso é quando o artista precisa do aplauso dos<br />
seus admiradores após sua apresentação.<br />
Podemos também nos tornar nossa única forma de reconhecimento,<br />
desenvolvendo em exagero o nosso orgulho e reservando-nos o direito exclusivo de<br />
apreciar nossos próprios méritos.<br />
O ser humano se depara também com o reconhecimento de conformidade:<br />
aquele que obtêm seu reconhecimento pelo fato de se conformar aos usos das<br />
normas que considera apropriada a sua condição. A satisfação se consegue da<br />
conformidade às normas do grupo, o de se sentir existir pelo grupo.<br />
Além de todos os tipos de reconhecimentos já citados, ainda há o<br />
reconhecimento de distinção: aquele que se mostrar o mais forte, mais bonito, o<br />
mais brilhante, quer evidentemente se sobressair aos demais. Esse tipo de<br />
reconhecimento favorece a competição, pois pedimos para que reconheçam a nossa<br />
existência e confirmem o nosso valor.<br />
A humanidade passa a vida tentando ser reconhecida, de uma forma ou de<br />
outra. Se formos amados ou odiados, rejeitados, reforçamos o nosso sentimento de<br />
existência. Até conseguimos ser indiferentes à opinião dos outros, mas jamais<br />
poderemos ficar insensíveis à falta de reconhecimento de nossa própria existência.<br />
O indivíduo procura existir, mais ainda do que viver, e não há existência humana<br />
sem o olhar que trocamos entre nós.<br />
11
Alguns seres humanos rejeitam toda e qualquer forma de reconhecimento tendo<br />
atitudes radicais, como o uso de drogas pesadas, pois quando se está “viajando”<br />
tem-se a sensação de plenitude, de auto-suficiência, que permite a despreocupação<br />
com as reações de quem nos cerca.<br />
Querer ser reconhecido ou negar esse reconhecimento é algo que todos os<br />
seres humanos já sentiram. Mas por que isso acontece com todos nós? A resposta é<br />
simples: há vários “eus” existentes em cada um de nós.<br />
Diariamente temos vários pensamentos e interesses que estão sempre ativos<br />
dentro de nós. Existe no ser humano o “eu” racional; outro que faz insinuações a<br />
cerca de possibilidades; outro que provoca desejos; outro que contesta estes<br />
desejos e muitos outros mais.<br />
Estes diversos “eus” nos fazem criar relações imaginárias sobre nós. Por<br />
exemplo: a relação de antecipação é o nosso julgamento do que achamos que o<br />
outro acha de nós; a relação de suposição é a satisfação dos nossos desejos<br />
através de outra pessoa; a relação de provocação é o nosso desejo indo contra a<br />
nossa vontade; a relação arcaica caracteriza-se pelo que ficou da nossa infância, o<br />
certo e o errado; etc. Todos esses “eus” estão interligados em busca de algo maior:<br />
o reconhecimento; a existência.<br />
Cada um de nós, seres humanos, nascemos duas vezes: na natureza e na<br />
sociedade, para a vida e para a existência. Quando chegamos ao mundo somos<br />
totalmente dependentes, tanto física quanto socialmente, pois necessitamos do<br />
adulto para nos alimentar e do olhar da mãe para entramos definitivamente na<br />
sociedade.<br />
Porém, quando chegamos à velhice, vivemos um declínio não somente do<br />
corpo, mas também da existência. O drama de envelhecer não é ter necessidade<br />
dos outros, mas que os outros não têm mais necessidade do idoso. Os velhos<br />
morrem sós, pois a existência já lhes tirou a vida.<br />
Tzvetan Todorov é um intelectual europeu que se destina a avaliar os rumos do<br />
mundo. Lingüista, semiólogo, filósofo e historiador de origem búlgara, viveu até os<br />
vinte e três anos sob o totalitarismo comunista, e exilou-se na França em 1963,<br />
adquirindo a nacionalidade francesa.<br />
12
Estudou na Universidade de Sofía e após o exílio freqüentou o curso de Filosofia<br />
da Linguagem, ministrado por Roland Barthes e em 1967 escreveu sua tese de<br />
doutorado intitulada “Literatura e Significação”.<br />
Hoje em dia Todorov é Diretor do Centro de Pesquisa sobre as Artes e a<br />
Linguagem da cidade de Paris, porém já ministrou aulas na École Pratique de<br />
Hautes Études e na Universidade de Yale e Diretor do Centro Nacional de Pesquisa<br />
Científica de Paris (CNRS).<br />
2.1.2 A VIDA É SONHO<br />
A peça “A Vida é Sonho” (1635), de Calderón de La Barca, começa ao anoitecer,<br />
em um lugar montanhoso e solitário da Polônia. Aparece em cena Rosaura, uma<br />
jovem vestida de homem. Esta indumentária masculina significa que a jovem quer<br />
esconder sua identidade e, portanto, dá a entender ao leitor que leva consigo um<br />
segredo, possivelmente amoroso. Em efeito, mais adiante irá se descobrir que esta<br />
mulher, viaja à Polônia em busca de sua honra e de Astolfo, sobrinho do rei e<br />
herdeiro da coroa, que a seduziu há um tempo atrás em Moscou. Porém, esta<br />
informação chegará mais tarde. Agora o público só tem em si um mistério.<br />
Junto com a jovem viaja seu criado, Clarim, e ambos se dirigem a um pequeno<br />
palácio que se encontra nas vizinhanças. Seu aspecto é sinistro e a porta está<br />
aberta; entram e descobrem uma prisão escura. Nesse cenário terrível, carregado de<br />
correntes e vestido somente por pele, Segismundo lamenta o seu infortúnio:<br />
Pobre de mim, ai mísero, infeliz!<br />
Descobrir, céus, pretendo,<br />
se neste estado me vi,<br />
que delito cometi<br />
contra vós outros, nascendo;<br />
pois se nasci, eu entendo<br />
o delito cometido.<br />
Bastante razão há tido<br />
vossa justiça e rigor.<br />
Não é delito maior<br />
do homem o ter nascido? (BARCA, 1971, p.12)<br />
13
Ao voltar à torre onde Segismundo está preso, Clotaldo, pai de Rosaura –<br />
informação que é descoberta com o desenrolar da peça – e tutor do príncipe,<br />
encontra a jovem e seu criado dentro do calabouço. Clotaldo manda prender os<br />
intrusos e os leva ao palácio do Rei Basílio.<br />
Segismundo é filho de Basílio, rei da Polônia, que leu nas estrelas o presságio<br />
de que seu filho seria um tirano ao começar a governar; para impedir que isto<br />
acontecesse, Basílio prendeu Segismundo na torre em que Rosaura e Clarim o<br />
encontraram. Recentemente o rei havia proclamado como o herdeiro do trono da<br />
Polônia o seu sobrinho Astolfo, o sedutor da jovem.<br />
Apesar de suas decisões anteriores, Basílio conta a seus sobrinhos (Astolfo e<br />
Estrela) e a toda a corte sobre a verdadeira origem de Segismundo e decide pôr a<br />
prova o seu filho: ordena que o narcotizem e que o transportem ao palácio, para ver<br />
como ele vive em liberdade.<br />
Assim que desperta Segismundo reage com violência, como um ser que não<br />
domina os seus próprios instintos, e seu pai crê estar confirmado os presságios.<br />
Segismundo é novamente narcotizado e devolvido à torre.<br />
Quando desperta, Clotaldo o convence de que tudo havia sido um sonho. Isto<br />
terá conseqüências importantes, porque fará que o jovem príncipe duvide de toda a<br />
realidade: agora já não pode saber nem mesmo se sua prisão é verdadeira, porque<br />
poderia ser também um sonho. A idéia está expressa nos versos que conclui a<br />
segunda jornada:<br />
Eu sonho que estou aqui<br />
de cadeias carregado,<br />
e sonhei que em outro estado<br />
mais lisonjeiro me vi.<br />
Que é vida? Um frenesi;<br />
Que é vida? Uma ilusão,<br />
uma sombra, uma ficção,<br />
e é pequeno o maior bem;<br />
que o sonho a vida sustém<br />
e os sonhos sonhos são. (BARCA, 1971, p.77)<br />
Para o desfecho da peça, Calderón recorre à uma revolta popular: os súditos se<br />
voltam contra Basílio por haver designado o trono a Astolfo, e reclamam que o<br />
soberano Segismundo está preso, ainda duvidando se o que aconteceu foi realidade<br />
ou sonho.<br />
14
Após a revolta do povo Segismundo é solto e comanda os exércitos de seu pai,<br />
e atua com a prudência que se pode esperar de um príncipe, restabelecendo o<br />
equilíbrio: permite a Basílio que siga no trono; perdoa Clotaldo; casa Rosaura com<br />
Astolfo; e faz um contrato de matrimônio com Estrela.<br />
No desenrolar da peça é fundamental a evolução do caráter de Segismundo,<br />
que passa de ser uma criatura bruta, sofrida, dominada, para se transformar em um<br />
exemplo de prudência. A chave desta transformação se encontra justamente na<br />
aparente irrealidade de tudo que acontece. Segismundo aprendeu que toda vida é<br />
um sonho e que essa idéia deve acabar com toda a vaidade e toda a ambição de<br />
seu espírito. Clotaldo lhe havia dito que nos sonhos se deve fazer o bem. Agora<br />
Segismundo sabe que tem de agir corretamente, mesmo nos sonhos. É significativo<br />
que essa incerteza o guie para a prudência.<br />
Pedro Calderón de La Barca, autor de “A Vida é Sonho”, é nascido em 17 de<br />
janeiro de 1600. Era descendente de uma nobre família espanhola. Era seu pai,<br />
Dom Diego, descendente dos nobres. Seu nome de família vem de um de seus<br />
antepassados que parecia ter nascido morto; assim o meteram em um caldeirão de<br />
água quente, segundo costumes da época, para verificar se era certo que não havia<br />
vida naquele corpo, mas no momento em que a criança entrou em contato com a<br />
água de temperatura elevada, deu seus primeiros gritos.<br />
Seu pai, que era ministro das propriedades dos Reis Felipes, II e III, o pôs aos<br />
nove anos em um colégio de jesuítas, e logo passou a Salamanca, onde brilhou no<br />
estudo de matemática e filosofia.<br />
Aos trezes anos estréia sua primeira comédia, “O Carro do Céu”, fantasia que se<br />
desenrola entre o Céu e a Terra, mas em 1625 Calderón de La Barca inicia a sua<br />
carreira oficial como dramaturgo, transformando-se de maneira surpreendentemente<br />
rápida no ‘dramaturgo oficial da corte’.<br />
Autor de diversas obras – autos sacramentais e comédias religiosas, de<br />
costumes, ciúme, amor e filosóficas - Calderón marca, sem dúvida alguma, a história<br />
do teatro espanhol e mundial.<br />
La Barca coloca em cena um número menor de personagens, comparado a<br />
grandes nomes de sua época, como Lope de Vega por exemplo. Com isso a peça<br />
acontece em torno da personagem principal, e todos os elementos giram em torno<br />
15
dela, o que fortalece a intensidade dramática. Suas complexas metáforas e sua<br />
riqueza expressiva vêm de um verdadeiro conceito intelectual.<br />
“A Vida é Sonho” é um exemplo da complexidade de Calderón, pois a obra trata<br />
de quatro temas principais: o livre arbítrio; a comparação da vida com um sonho; o<br />
problema do poder do Estado; e a honra.<br />
O tema principal é o livre arbítrio, questão que em 1635 enfrentava a teólogos e<br />
filósofos: em que medida o homem pode decidir se é livre, se Deus já sabe de<br />
antemão qual vai ser seu destino? Pode um homem vencer as inclinações com que<br />
foi marcado pela natureza? Basílio, baseado em um sonho e em um horóscopo, crê<br />
saber o funesto destino de Segismundo. Pensando em neutralizá-lo, nega<br />
implicitamente a liberdade deste. Mas adiante, duvida, e coloca seu filho a uma<br />
prova. Porém, Segismundo se mostra feroz. Cumpre-se o destino? Não terá sido<br />
Basílio responsável por isto? O desenrolar da peça provará que o homem é livre e<br />
capaz de vencer suas mais poderosas inclinações. A solução de Calderón se adapta<br />
a doutrina ortodoxa dos teólogos espanhóis de seu tempo: o homem possui a<br />
liberdade suficiente para levar sua própria vida pelo caminho do bem.<br />
Outro tema que surge na peça é a comparação da vida com um sonho, uma<br />
relação direta com a aparência e a realidade, e com o sentimento de inconsistência<br />
da vida. Como saber se o que vivemos é realidade ou é ilusão? Calderón não se<br />
detém a resolver o problema. Se esquiva e descobre uma saída moral: se a vida é<br />
sonho, fazer o bem é o que importa.<br />
A obra suscita outra questão: o problema político de legitimidade do poder, da<br />
razão do Estado e da tirania. Basílio, em nome dos interesses de seu reino, anula os<br />
direitos de Segismundo. Este lhe acusa de tirania que, em nome de seu gosto,<br />
pisoteia normas e pessoas. Uma vez mais, Calderón resolverá esta questão com um<br />
enfoque moral: Basílio sairá de seu erro e Segismundo se converterá em um modelo<br />
de príncipe prudente.<br />
O tema honra também tem o seu lugar nesta obra, porém em segundo plano.<br />
Calderón é pertencido a concepção usual: a desonra de Rosaura só pode ser<br />
reparada fazendo com que Astolfo cumpra a palavra dada ou que o mesmo seja<br />
levado a morte. A lei da honra está acima de todos: Segismundo terá de acalmar o<br />
seu amor e renunciar a Rosaura.<br />
16
2.2 DRAMATURGIA DE “A VIDA É SONHO?”<br />
Feito os estudos sobre os livros “A Vida em Comum”, de Todorov, e “A Vida é<br />
Sonho”, de Calderón de La Barca, criamos uma estrutura que seria a base da nossa<br />
peça e dividimos as personagens, suas funções no enredo e os atores que a<br />
representarão.<br />
As personagens denominadas “Signos”, “Guardas” e “Poderes” são<br />
interpretadas pelos acadêmicos: Alessandra Gonçalves, Joanna Oliari Macoppi,<br />
Mariana Freitas e eu (Rafael Koehler); o “Rei Astrólogo” por Roberto Morauer;<br />
“Segismundo” por Leomar Peruzzo; a “Mãe” por Gisele Bauer; “Clotaldo” por Kátia<br />
Meyer; “Estrela” por Daniela Farias; “Astolfo” por Leonardo Kufner; “Clarim” por<br />
Luciana May; a “Voz Dispersa” por Sabrina Marthendal e “Rosaura” por Sabrina<br />
Moura.<br />
Cada uma dessas personagens exerce uma função dentro do enredo: os Signos<br />
são os presságios; os Guardas e os Poderes são a vida real; o Rei Astrólogo é o<br />
meio da peça; Segismundo é o eixo principal, o indivíduo; a Mãe é a lacuna; Clotaldo<br />
é o obstáculo; Estrela e Astolfo são o conflito; Clarim e sua Voz Dispersa são o<br />
sarcasmo e a crítica, respectivamente; e Rosaura é a projeção, o símbolo de<br />
coragem, determinação e superação.<br />
Depois de feita essa divisão, o professor de dramaturgia, Roberto Carlos<br />
Murphy, nos pediu para ler o verbete “Fábula” no “Dicionário de Teatro” (1999), de<br />
Patrice Pavis e fazermos um debate sobre a definição de Pavis.<br />
Podemos constatar que fábula pode ser tanto o material anterior à composição<br />
da peça, quanto a estrutura narrativa da história. Esta última definição de fábula é<br />
que orientou nosso trabalho.<br />
Pensando em compor a fábula como estrutura narrativa da história é que unimos<br />
a essência da obra de Todorov com a seqüência de fatos que constituem a estrutura<br />
da obra de Calderón de La Barca.<br />
Para criarmos a nossa dramaturgia pensamos sempre em “estruturar as ações –<br />
motivações, conflitos, resoluções, desenlace – num espaço/tempo que é “abstrato” e<br />
17
construído a partir do espaço/tempo e do comportamento dos homens”. (PAVIS,<br />
1999, p.157).<br />
A essência da obra de Todorov é levada ao palco pelas seguintes personagens:<br />
Signos, Rei Basílio, Rosaura, Clarim e sua voz dispersa. Tzvetan também nos<br />
inspirou a trabalhar com as sensações do ser humano. Em “A Vida em Comum”<br />
encontramos a ênfase do espetáculo, que está no reconhecimento do individuo pelo<br />
olhar do outro.<br />
Segismundo se reconhece no olhar de Rosaura e automaticamente passa a<br />
existir perante a sociedade e se sente reconhecido. Clarim e sua voz dispersa, em<br />
diversos momentos da peça, fazem uma ligação entre os acontecimentos com a<br />
sociedade atual, a necessidade dos seres humanos viverem em sociedade e de<br />
serem reconhecidos.<br />
Para que essas personagens pudessem estar falando, em seus textos, a<br />
essência do livro de Todorov, todos os acadêmicos selecionaram dezenas de frases<br />
de “A Vida em Comum” e encaixaram em seus textos, supervisionado, obviamente,<br />
pelo professor Roberto Murphy. Um exemplo disso é a fala do Rei Basílio na cena 6,<br />
quando o mesmo decide contar aos sobrinhos sobre a existência do filho:<br />
Os homens não viveriam muito tempo em sociedade se não enganassem<br />
uns aos outros. (Pausa. O rei se surpreende com sua própria audácia).<br />
Cada um de nós nasce duas vezes: na natureza e na própria sociedade,<br />
para a vida e para a existência; tanto uma quanto a outra são frágeis. No<br />
caso de Segismundo, nasceu apenas uma vez. Somente na natureza, para<br />
a vida. [...]. (MURPHY, 2007, p.4).<br />
Da obra “A Vida é Sonho”, de Calderón de La Barca, ficou apenas o que a<br />
turma, juntamente com o professor Murphy, julgou necessário para contar a história<br />
do príncipe Segismundo. (ver em 2.2.1). Dos quatro temas propostos na obra<br />
original, damos ênfase apenas a dois: a comparação da vida real com um sonho; o<br />
problema do poder do Estado;<br />
O livre arbítrio não deixou de aparecer, porém o destaque é menor. A busca de<br />
Rosaura para reaver sua honra foi substituída por uma busca mais ampla,<br />
significando no nosso espetáculo a busca do ser humano por algo maior, como a<br />
humanidade em busca de um Deus que não é visto, mas que se ouve falar da<br />
existência.<br />
18
O professor Murphy incluiu os Signos na história, sendo os astros onde o Rei<br />
Basílio lê o presságio sobre seu filho ser um tirano. Além dessa inclusão, a peça foi<br />
reescrita com falas da obra de Todorov, como já citado, e com diálogos criados pelo<br />
grupo em improvisações, ficando composta pelo Prólogo I, II e III; pela Jornada<br />
Única, dividida em vinte e duas cenas e pelo Epílogo.<br />
No dia 30 de agosto, por exemplo, Alessandra, Joanna, Mariana, Roberto e eu<br />
criamos a primeira parte do prólogo, escolhendo frases do livro de Todorov para<br />
serem utilizadas e improvisando a cena. As demais partes do prólogo foram criadas<br />
no mesmo estilo: reuníamo-nos, escolhíamos as frases do livro de Todorov e<br />
improvisávamos. Ao final, a cena criada era mostrada a todos. O professor Murphy e<br />
a turma discutiam sobre o que era criado e o que estava sendo dito, se as frases<br />
realmente deveriam ficar ou se necessitavam serem mudadas. Essa concepção<br />
coletiva aconteceu durante todo o processo de criação do texto, e após o mesmo<br />
criado fazíamos mudanças e redirecionamentos de frases na nossa obra.<br />
2.2.1 “A VIDA É SONHO?”<br />
O Rei Basílio – astrólogo – lê nos Signos que seu herdeiro, o príncipe<br />
Segismundo, será um tirano quando subir ao trono. Após o parto que nasce<br />
Segismundo, no qual acontece a morte da rainha, o Rei Astrólogo percebe que a<br />
tirania do filho já havia começado e decide mantê-lo confinado em uma torre, onde<br />
Clotaldo, conselheiro do rei, o educa e alimenta.<br />
O tempo passa e Rosaura – uma moça que vaga pelas terras do reino em busca<br />
de algo, que não sabe ao certo o que é – acompanhada por Clarim e sua Voz<br />
Dispersa, seu criado, encontram uma torre e resolvem entrar. Ao adentrar no recinto<br />
descobrem um jovem que há anos reside ali.<br />
Neste momento Segismundo, vê pela primeira vez um rosto humano – o de<br />
Rosaura – e se reconhece através dos olhos dela. Percebendo-a como uma<br />
extensão de si mesmo, o jovem questiona a sua condição e acende em si a<br />
necessidade de transcender.<br />
19
Rosaura, Clarim e sua voz dispersa entraram na torre por um vacilo dos<br />
guardas. Ao voltar ao calabouço Clotaldo encontra os intrusos no local, ameaçando-<br />
os de morte e retirando-os dali, levando os mesmos para o palácio do Rei Basílio.<br />
Os guardas voltam a ficar de prontidão e o príncipe Segismundo dá os primeiros<br />
sinais de querer ir além de si mesmo.<br />
No palácio, Estrela e Astolfo – sobrinhos do rei – ambicionam o trono. O rei<br />
Basílio os encontra e decide contar a verdade sobre o seu filho. Sentindo-se um<br />
tirano por suprimir a liberdade do filho decide submeter o jovem príncipe a uma<br />
prova.<br />
Clotaldo, ao chegar ao palácio para informar o rei Basílio sobre os intrusos na<br />
torre é surpreendido com a decisão do mesmo de pôr a prova os presságios, dando<br />
o poder ao filho. Basílio explica a todos que uma ilusão será criada para que<br />
Segismundo seja testado. É neste sonho que será decidido o destino real do<br />
príncipe: se a tirania for confirmada, o mesmo volta a ser trancafiado na torre e<br />
Clotaldo deve explicar que tudo não passou de um sonho; caso o contrário aconteça<br />
o rei deixa o trono para seu herdeiro real.<br />
Clarim e sua Voz Dispersa, fugitivos, ouvem tudo que se combinou e avaliam a<br />
situação pensando na formatação de um criminoso, pois se assim plantaram, assim<br />
colherão.<br />
Clarim – Alguém que não consegue ter reconhecimento o tentará a força.<br />
Tudo o que o ser humano faz é reflexo do que ele viu os outros fazendo. E o<br />
que os outros fazem é reflexo do que? E no caso de Segismundo, como<br />
vamos saber quem será a vítima e quem será o tirano? (MURPHY, 2007,<br />
p.13).<br />
Após este sonho ser armado, o Rei Basílio manda que dêem ao filho uma poção<br />
para dormir e ordena que o levem secretamente para seu palácio, dando-lhe uma<br />
oportunidade de revelar seu caráter.<br />
Quando acorda Segismundo se depara com os quatro Poderes vestindo-o,<br />
sendo eles o Militar, Religioso, Legislativo e Ilusionista. Ao perceber que o príncipe<br />
acordara, os Poderes se apresentam, explicando as suas funções ao novo rei.<br />
É neste momento que um dos poderes, o Legislador, se contrapõe ao novo rei,<br />
impondo regras. Entusiasmado pela sutileza de sugestões dadas por Astolfo e<br />
Estrela, Segismundo mata o Legislador.<br />
20
Este acontecimento faz com que Clarim se manifeste falando sobre os<br />
presságios que começam a ser cumpridos, deixando evidente que os primeiros<br />
passos de um tirano é eliminar as leis. Segismundo dá sinal de se manifestar,<br />
quando o poder chamado de Ilusionista intervém e rebaixa Clarim a um mero bobo<br />
da corte, que não sabe o que diz.<br />
Clotaldo também se manifesta, dizendo a Segismundo que o novo rei ainda está<br />
vivo e que ele deve ser moderado se deseja continuar no trono. Neste momento<br />
Segismundo rouba uma espada falsa de seu primo Astolfo e mata Clotaldo – o<br />
mesmo finge morrer, pois como a espada é de mentira Clotaldo não morre na vida<br />
real, apenas no sonho.<br />
Rosaura, que até então apenas assistia a encenação feita para o príncipe,<br />
interfere de modo natural, contrapondo-se ao artificial das demais personagens.<br />
Segismundo ordena que tudo pare e olhando nos olhos da moça o novo rei se<br />
transforma, voltando a ser uma criatura pura e poética e reconhecendo-se<br />
novamente no olhar trocado entre os dois.<br />
O Rei Basílio se manifesta contra o príncipe Segismundo, pois o mesmo se<br />
comportou de forma tão abominável no primeiro dia de reinado que seu pai percebe<br />
a impossibilidade absoluta de algum dia confiar-lhe a coroa e o reino. Manda que o<br />
seu sobrinho Astolfo dê a poção novamente ao príncipe e o levem de volta à torre.<br />
Quando o príncipe acorda, entra em contato com Clotaldo e questiona-o sobre o<br />
ocorrido, tendo a resposta de que tudo que havia sido vivido era sonho.<br />
Rosaura, Clarim e sua Voz Dispersa, fugidos do castelo, passam novamente<br />
pela torre onde Segismundo está preso e comentam sobre o príncipe prisioneiro:<br />
Rosaura – Um príncipe... um ser transtornado pelo sofrimento e pela<br />
rejeição... um espírito corrompido... O efeito de uma causa injusta. Primeiro<br />
retiram dele tudo que possa construir um cidadão e depois julgam-no sem<br />
deixar alternativa, sem deixar sequer uma possibilidade de defesa...<br />
Clarim – O homem é solitário e reúne-se em sociedade apenas por fraqueza<br />
e falta de coragem.<br />
Rosaura – Um indivíduo é um resultado do todo que o cerca... (MURPHY,<br />
2007, p.25).<br />
Ao final Segismundo está novamente sozinho na torre e os signos o observam.<br />
O príncipe se questiona se a vida é sonho ou realidade.<br />
21
2.3 CENOGRAFIA<br />
Desde o princípio do semestre a turma demonstrou interesse em trabalhar com<br />
um espaço alternativo e na primeira semana de aula de Dramaturgia II o professor<br />
Roberto Murphy nos apresentou uma proposta inicial do espaço cênico da nossa<br />
peça.<br />
A sugestão do professor foi colocar os Signos no alto, representando os astros;<br />
e o príncipe Segismundo preso numa jaula de ferro, que abriria para os lados<br />
quando o mesmo fosse levado para a sociedade. No espaço onde estaria a jaula<br />
aberta, os Poderes tomariam a cena. O público estaria ao redor da cena – arena<br />
total – com o intuito de tornar a peça mais intimista.<br />
Após os estudos das obras citadas anteriormente, durante as aulas de<br />
Dramaturgia II, o professor sugeriu que nos dividíssemos em grupos de trabalho que<br />
ficassem responsáveis por determinados aspectos da montagem e produção do<br />
espetáculo. Esta sugestão foi acatada por todos, pois apesar de sabermos que a<br />
ênfase do curso de Bacharelado em Teatro é a Interpretação Teatral, sentimos a<br />
necessidade de colocar em prática o que aprendemos nas disciplinas de Música e<br />
Ritmo, Preparação Vocal I, II, II, IV e V, Maquiagem e Caracterização, Canto I e II,<br />
Aspectos Visuais do Teatro, Prática de Montagem I e II, entre outras disciplinas<br />
freqüentadas ao longo do curso, e acreditamos que por ser nossa última Prática de<br />
Montagem necessitamos estar capacitados, como grupo, para montar e excursionar<br />
com a peça de teatro, tendo a responsabilidade que um grupo teatral profissional<br />
necessita na criação e turnê de um espetáculo.<br />
A divisão dos grupos de trabalho foi feita de acordo com o interesse de cada<br />
acadêmico em participar de tal aspecto da criação do espetáculo. Os grupos<br />
responsáveis pela montagem foram divididos em: Cenografia: Sabrina Moura,<br />
Leonardo Kufner e eu (Rafael Koehler); Iluminação: Roberto Morauer, Luciana May e<br />
Kátia Meyer; Caracterização: Daniela Farias, Alessandra Gonçalves, Mariana Freitas<br />
e Gisele Bauer; Sonoplastia: Joanna Oliari, Sabrina Marthendal e Leomar Peruzzo; e<br />
Dramaturgia: todo o grupo.<br />
22
O mesmo método de divisão ocorreu na escolha por produzir a peça em sua<br />
cidade natal ou atual, ficando as datas, cidades e responsáveis por produção da<br />
seguinte maneira: dia 28 de novembro, apresentação em Blumenau, produção de<br />
Kátia, Leomar, Gisele, Mariana e Luciana; 29 de novembro, em Lontras, Alessandra<br />
e Daniela; 30 de novembro, em Jaraguá do Sul, Joanna e Sabrina Marthendal; 01 de<br />
dezembro, em Indaial, Roberto e Sabrina Moura; e 02 de dezembro, em Ilhota,<br />
Leonardo e eu;<br />
Após a divisão de produção e montagem ter sido feita, os grupos começaram os<br />
seus trabalhos. Sabrina, Leonardo e eu iniciamos por pesquisar as possibilidades de<br />
colocar os quatro atores que representam as personagens Signos no alto. A<br />
princípio trabalhamos com a possibilidade de dependurar os mesmos nas barras de<br />
ferro que se encontram na sala S113, porém essa possibilidade foi descartada por<br />
não termos a estrutura desta sala nas cidades que vamos excursionar.<br />
A próxima alternativa foi pendurar os atores no alto de um ginásio de esportes,<br />
pois este espaço é facilmente encontrado em todas as cidades. Para tal ação<br />
precisaríamos de equipamentos de segurança utilizados em rapel, por exemplo.<br />
Para nos auxiliar no estudo dessas propostas, chamamos à FURB um bombeiro,<br />
chamado Silvio. O mesmo avaliou a sala S113 e nos disse que seria possível utilizar<br />
as barras para sustentar os atores, mas pelo que ele percebeu, visualmente, teria<br />
que ser um ator em cada barra e mesmo assim teríamos que ver a planta do local.<br />
Aproveitando a visita, fomos avaliar o ginásio de esportes que há na instituição. O<br />
bombeiro nos falou que seria possível pendurar os atores no alto, porém a<br />
dificuldade seria encontrar escadas altas o suficiente para chegar ao teto e fazer os<br />
acoplamentos necessários para a segurança dos atores.<br />
Em ambas as idéias necessitaríamos utilizar equipamentos de rapel para fazer<br />
tal suspensão. O problema encontrado neste equipamento foi o custo alto do<br />
mesmo, e a não eficiência em voltar ao alto durante a peça, como necessitam os<br />
atores. Outra possibilidade que surgiu foi de trabalharmos com tecidos, porém o<br />
bombeiro nos alertou sobre o custo do material e nos disse que este tipo de trabalho<br />
necessita de um treinamento técnico específico e um condicionamento físico<br />
apropriado, pois o trabalho é voltado todo à força dos atores em se segurar no<br />
tecido, se os mesmos ficarem cansados podem cair facilmente.<br />
23
Após avaliar as reais condições dos espaços, descartamos a idéia de trabalhar<br />
no ginásio, pois além de termos que arquitetar uma estrutura que fechasse o local<br />
para que a acústica fosse melhorada, não teríamos dinheiro para comprar os<br />
equipamentos necessários e para pagar os instrutores do rapel, rejeitamos também<br />
a idéia de os atores estarem pendurados em barras de ferro.<br />
A visita do bombeiro foi importante para o nosso processo, pois colocamos os<br />
pés no chão e começamos a pensar em idéias cabíveis dentro do orçamento da<br />
Universidade. Com toda a turma discutimos sobre quais possibilidades teríamos de<br />
dependurar estes atores. Foi neste momento que surgiu a idéia de utilizarmos<br />
andaimes para os mesmo poderem subir e descer com facilidade.<br />
O andaime, além de facilitar os atores a trabalharem no alto, seria utilizado como<br />
o local onde Segismundo estaria preso, substituindo a grade de ferro inicialmente<br />
proposta pelo professor Murphy (ver APÊNDICE I). Durante uma semana<br />
pesquisamos preços de aluguel e verificamos se a Universidade teria seus próprios<br />
andaimes. Como imaginado inicialmente o aluguel se tornaria caro pelo longo tempo<br />
que teríamos que ficar com estes materiais, utilizando-os nos ensaios e na turnê.<br />
Entramos em contato com as instâncias responsáveis e descobrimos que a FURB<br />
também não tem andaimes próprios.<br />
Como já estávamos em setembro e ainda não tínhamos encontrado uma<br />
solução adequada a nossa realidade, conseguimos marcar uma reunião com a<br />
professora Roseli, do curso de Arquitetura, para que a mesma nos auxiliasse. No dia<br />
24 de setembro fomos ao Galpão de Arquitetura e ficamos esperando pela<br />
professora, como combinado, porém a mesma não compareceu à reunião. Enquanto<br />
esperávamos por ela, a equipe de iluminação chegou ao local, pois somente através<br />
do que nós decidiríamos é que eles poderiam começar a fazer o plano de luz. Juntos<br />
iniciamos uma discussão sobre a realidade do curso, o tempo hábil para deixarmos<br />
pronto a cenografia, e a resolução do problema em colocar os atores das<br />
personagens Signos no alto.<br />
Considerando este último item de grande importância para a realização de nossa<br />
peça decidimos, então, por utilizar escadas para que os atores pudessem estar no<br />
alto. Neste momento a idéia de utilizar a grade de ferro no centro da cena estava<br />
descartada, pois as escadas substituiriam esta grade. Assim que voltamos a sala,<br />
explanamos nossas idéias a todo grupo, sugerindo a utilização das escadas. O<br />
24
professor Murphy ficou interessado em nossa resolução para o problema e<br />
juntamente com a turma decidiram por utilizar as escadas, tanto para que os atores<br />
fiquem no alto, quanto para fazer a torre onde Segismundo está preso.<br />
Durante toda a construção da cenografia estivemos sugerindo mudanças no<br />
espaço cênico. Quando pensamos no ginásio, indicamos uma caixa preta para<br />
abafar o som; quando falamos sobre as escadas, recomendamos que o público<br />
estivesse em quatro lados, formando uma cruz. O nosso trabalho não era,<br />
especificamente, encontrar um espaço cênico, mas sim uma cenografia que<br />
estivesse de acordo com a proposta do espetáculo. Porém, como o processo de<br />
criação do espetáculo foi aberto a todas as opiniões desde o início, tivemos a<br />
liberdade de sugerir espaços cênicos adequados ao que estávamos criando. Por<br />
este motivo o espaço do espetáculo foi se alterando durante o processo.<br />
Iniciamos a utilização do primeiro espaço que sugerimos com as escadas, isto é,<br />
com o público em quatro lados. Em seguida, o professor Murphy nos disse que dois<br />
dos espaços onde o público estava deveria ser descartado, pois a cena estava<br />
ficando sufocada, e desta decidimos por acatar a sugestão do professor e chegamos<br />
ao espaço que utilizamos na peça. Assim decidimos o nosso cenário e, juntamente<br />
com a turma, o espaço cênico (ver APÊNDICE II).<br />
25
3 ATUAÇÃO<br />
As primeiras cenas da peça “A Vida é Sonho?” começaram a ser criadas nas<br />
aulas de Prática de Montagem III a partir de improvisações feitas pelos acadêmicos,<br />
dando-se assim o inicio do processo de construção das personagens.<br />
No dia 30 de agosto, como já citado no último parágrafo do item 2.2, iniciamos a<br />
criação da primeira parte do prólogo, utilizando-nos de frases retiradas do livro de<br />
Todorov e incluindo o trabalho de pesquisa através de imagens que estava sendo<br />
desenvolvido nas disciplinas de Preparação Corporal Para a Cena III e Interpretação<br />
Teatral VII.<br />
Ambos os professores estavam trabalhando a partir de imagens conosco, nos<br />
instigando a encontrar sensações, ações, movimentações que as personagens<br />
poderiam ter e principalmente desenvolvendo o nosso trabalho imaginativo para<br />
alcançarmos o nosso principal objetivo: ser crível, tanto no processo de trabalho<br />
quanto no resultado final.<br />
Exercitar a imaginação do ator e a maneira de criar vínculos entre o que o ator<br />
imagina com o que o público percebe é de extrema importância para conseguirmos<br />
ser críveis. “A imaginação do ator tem que ser uma imaginação que se encarna”<br />
(MALLET, 2000, p.04), uma imaginação não apenas mental, mas que envolva todo o<br />
corpo e os cinco sentidos.<br />
É fato que o corpo e a mente se influenciam reciprocamente e estão em<br />
constante interação, por este motivo o ator deve estar ciente que o corpo e a<br />
psicologia podem ser tanto aliados, quanto os piores inimigos. Se o ator não souber<br />
utilizar estes instrumentos, dificilmente conseguirá expressar idéias criativas no<br />
palco.<br />
Sabemos que o caminho para encontrar uma harmonia entre esses dois<br />
elementos não é fácil, mas o ator tem que lutar pela realização desta harmonia<br />
completa. Michael Chekhov acredita que para chegar a esse encontro é necessária<br />
26
a realização de exercícios que aflorem a sensibilidade do corpo para os impulsos<br />
criativos psicológicos.<br />
O corpo de um ator deve absorver qualidades psicológicas, deve ser por<br />
elas impregnado, de modo que o convertam gradualmente numa membrana<br />
sensitiva, numa espécie de receptor e condutor de imagens, sentimentos,<br />
emoções e impulsos volitivos de extrema sutileza (CHEKHOV, 1996, p.02)<br />
Não podemos pensar em exercícios que trabalhem apenas o físico, mas sim que<br />
desenvolvam juntamente com o corpo a parte psicológica do ator. Se nos fecharmos<br />
ao trabalho físico podemos valorizar demais o significado deste corpo e fazer com<br />
que nos afundemos num ambiente “anti-artístico”, pois o corpo do ator pode se<br />
tornar menos animado, que por fim retrata sempre a mesma personagem e têm as<br />
possibilidades diminuídas, transformando-se em artistas que levam a vida tal como<br />
ela é para o palco, sem nenhuma diferença de energia e motivação. Um ator que<br />
não trabalha o seu corpo junto com a parte psicológica pode se tornar frio, e com a<br />
influência do mundo capitalista e materialista em que vivemos, pode fechar a sua<br />
mente para os impulsos da imaginação, e o corpo do ator só pode ser mais sensível,<br />
flexível e expressivo com incessantes exercícios que entusiasmem o impulso<br />
artístico.<br />
Tanto o professor Fábio quanto a professora Olívia, desenvolveram um trabalho<br />
de preparação do corpo e construção das personagens, respectivamente,<br />
embasados na imaginação do ator. O uso de imagens nesse processo foi<br />
importante, pois através delas exercitamos não somente o corpo, mas também a<br />
mente.<br />
Um exemplo é o exercício proposto pela professora Olívia durante as aulas de<br />
Interpretação. Denominei o exercício de “O Susto do Gato”. Este exercício condiz em<br />
deitarmos no chão como um gato totalmente preguiçoso que deita na varanda da<br />
casa. Deixarmos o corpo relaxado e assim que recebermos um estímulo – seja<br />
sonoro, visual ou imaginativo – devemos primeiramente reagir com o olhar, virando-o<br />
para o local de onde surgiu o estímulo.<br />
Ao receber um estímulo, a máscara exterioriza-o também através do olhar.<br />
[…] Imediatamente segue-se a reação corporal, isto é, o ator se desloca<br />
para aproximar-se e verificar melhor a causa da perturbação. Nesse ir em<br />
direção ao estímulo, não são necessários mais do que três ou quatro<br />
27
passos e, no total, entre o perceber, ir em direção ao estímulo, conferi-lo e<br />
reagir, não deve haver mais do que cinco ou sete movimentos. (AMARAL,<br />
2002, p.50)<br />
Os estímulos utilizados foram diversos, desde o som de uma carteira caindo e<br />
batendo no chão com toda a força, até a percepção imaginativa de uma música que<br />
estaria vindo de um piano. Trabalhar com a imaginação neste exercício é muito<br />
válido, pois imaginar um som ao longe ou uma cobra, – outro estímulo utilizado pela<br />
professora – nos faz crer na reação que temos, e exercitando a nossa imaginação e<br />
a crença no que a mesma é capaz de nos estimular, poderemos obter a capacidade<br />
de sermos criveis, tanto no processo quanto no resultado final, e para isso o ator<br />
precisa encontrar um corpo sensível e uma psicologia rica e viva, conseguindo<br />
completar um ao outro e com isso encontrando uma harmonia necessária.<br />
Durante todo o processo de criação das personagens nos foi exigido ações<br />
claras, vivas e equilibradas; uma harmonia entre corpo, emoção e pensamento.<br />
Estas exigências foram necessárias, pois “para que as intenções do ator fiquem<br />
totalmente claras, com vivacidade intelectual, emoção verdadeira, um corpo<br />
equilibrado e disponível, os três elementos – pensamento, sentimento e corpo –<br />
devem estar em perfeita harmonia”. (BROOK, 1999. p.14)<br />
Encontrando essa harmonia é que poderemos ser críveis aos olhos do<br />
espectador, pois embora tenhamos personagens irreais, estamos falando sobre a<br />
humanidade em nossa peça, sobre a vida.<br />
Apesar de o teatro ser vida, ser sobre a vida, não podemos representá-la como<br />
ela é, pois no palco a vida está centralizada em tempo, espaço e ação. “A vida no<br />
teatro é mais compreensível e intensa porque é mais concentrada” (BROOK, 1999,<br />
p. 8). Para sermos críveis e fazer-nos compreender precisamos eliminar tudo que é<br />
desnecessário, intensificando o restante.<br />
Um artista de verdade tem por objetivo não apenas copiar aparentemente a vida<br />
cotidiana, mas mostrar ao público as diversas faces dos seres humanos e as suas<br />
profundidades, deixar aparecer o que há por trás dos acontecimentos da vida, fazer<br />
com que o público consiga ver além das superfícies e significados do dia-a-dia.<br />
Conseguir fazer com que o espectador veja além da superfície não é um<br />
trabalho simples e fácil. Depende não somente da dramaturgia, mas também do<br />
trabalho de atuação.<br />
28
Na nossa vida cotidiana estamos acostumados a não trabalhar o corpo o<br />
suficiente para que o mesmo tenha uma flexibilidade, sensibilidade e uma<br />
musculatura apropriada para o ator. E é trabalhando o corpo e a mente que o ator<br />
consegue criar imagens que sejam independentes e mutáveis em si mesmas, sem<br />
esquecer-se de aperfeiçoá-las com questionamentos sobre elas, estando aberto<br />
para as mudanças, talvez radicais, que possam acontecer com as respostas<br />
encontradas.<br />
O processo de construção da personagem envolve uma espécie de demolição<br />
do que é criado, e um ator deve aceitar este medo e realmente destruir o que já tem,<br />
para poder descobrir algo novo. “A regra fundamental é que, até o último momento,<br />
tudo é uma forma de preparação, e portanto temos que correr riscos, sabendo que<br />
nenhuma decisão é irrevogável” (BROOK, 1999, p.21).<br />
Neste semestre tivemos a oportunidade de entrar em contato com uma<br />
metodologia diferenciada das vivenciadas anteriormente nas disciplinas Prática de<br />
Montagem I e II, uma metodologia que propõe um processo de criação coletiva,<br />
onde todos os membros do grupo têm voz de decisão no todo da peça. Estar aberto<br />
para demolir o que foi criado é algo presente em nosso processo, tanto na<br />
construção da personagem, quanto na concepção de cenografia, figurino, iluminação<br />
e sonoplastia.<br />
Entrar em contato com esse processo nos fez crescer como atores, pois em<br />
muitos momentos dentro da Universidade nos apaixonamos ou apenas nos<br />
fechamos ao que criamos por primeiro, e esquecemos a possibilidade de<br />
experimentar algo novo, desenvolvendo o que foi criado a princípio, deixando que a<br />
parte intelectual do nosso corpo nos molde e destrua qualquer possibilidade de<br />
criação, deixando-nos totalmente fechados para o novo.<br />
O ator deve cuidar para que o raciocínio não destrua a sua imaginação.<br />
Questionar a primeira criação e a imagem que está sendo utilizada orienta e constrói<br />
a personagem. Criar algo original é de extrema importância para o ator. O diretor<br />
inglês Peter Brook fala sobre um espaço vazio que possibilita a criação do novo.<br />
Para que alguma coisa relevante ocorra, é preciso criar um espaço vazio. O<br />
espaço vazio permite que surja um fenômeno novo, porque tudo que diz<br />
respeito ao conteúdo, significado, expressão, linguagem e música só pode<br />
existir se a experiência for nova e original. Mas nenhuma experiência nova e<br />
29
original é possível se não houver um espaço puro, virgem, pronto para<br />
recebê-la (BROOK, 1999, p.04).<br />
Podemos pensar no que ele diz, não apenas para o espaço, mas também para a<br />
criação do ator. Se o ator conseguir estar vazio, aberto para estímulos diversos, ele<br />
poderá criar, deixando surgir um novo acontecimento. Com o ator vazio pronto para<br />
receber algo e transformar seu corpo com essa recepção, é que vislumbramos a<br />
possibilidade da transformação do nosso corpo através de estímulos, através de<br />
imagens.<br />
Quanto mais o ator conseguir trabalhar a sua imaginação, quanto mais<br />
atentamente e especificamente o ator olhar para o seu íntimo, mais cedo ele<br />
perceberá os sentimentos, emoções e impulsos necessários para a criação e<br />
interpretação da personagem.<br />
Este olhar é a certeza que o ator está conseguindo trabalhar a sua imaginação<br />
de um modo flexível e desenvolvido, de que o mesmo não precisa pressionar seus<br />
sentimentos para tirá-los do seu eu, mas que essas emoções surgirão sem esforço<br />
desnecessário, aparecerão facilmente, pois o ator estará conseguindo ver o interior<br />
de suas imagens.<br />
Um ator aberto aos exercícios propostos pelo diretor(a) ou professor(a)<br />
conseguirá, através de exercícios sistemáticos sobre o uso da sua imaginação,<br />
desenvolve-la e torná-la mais ágil e flexível, transformando imagens mentais em<br />
ações, físicas e vocais, sendo convincente na execução das mesmas.<br />
Um exemplo disso é o trabalho de Helene Weigel na peça Mãe Coragem, de<br />
Brecht. Ao final do terceiro ato os soldados carregam o corpo do filho da Mãe<br />
Coragem para a cena, querendo que a mesma o identifique, porém a mãe nega que<br />
o filho seja seu. Quando Weigel fez esta cena ela permaneceu imóvel, movendo<br />
apenas a cabeça negativamente quando os soldados perguntaram se o corpo era de<br />
seu filho. Após os soldados saírem, ela virou o rosto para o lado oposto e soltou o<br />
que Barba e Savarase chamaram de “grito mudo” (ver ANEXO II).<br />
Weigel descobriu que tinha de representar rodeada de símbolos no palco,<br />
com uma carroça que era metade tanque de guerra, metade um bazar,<br />
sobre uma roda que significava o mundo da Mãe Coragem, e que a cada<br />
situação a colocava em uma diferente posição no espaço. Ela conseguiu<br />
evitar de ser oprimida por tudo isso porque [...] sabia que podia combater o<br />
abstrato explorando a fisicalidade de sua personagem e a criatividade do<br />
30
seu próprio corpo dentro da situação. [...] A postura da enorme dor, a<br />
imagem inesquecível de Weigel mantendo sua boca aberta amplamente,<br />
mas sem emitir nenhum som, apareceu após muitas representações,<br />
quando do seu subconsciente veio uma imagem que ela viu certa vez numa<br />
fotografia de jornal: uma mulher indiana gritando o assassinato do seu filho<br />
(Claudio Meldolesi, apud BARBA, E.; SAVARESE, N., 1995, p. 235).<br />
Este é um exemplo do poder da nossa imaginação quando bem trabalhada.<br />
Fazer com que um público acredite nas ações do ator no palco vai além de apenas<br />
imaginar e imitar o que se imagina. Para convencer o espectador, mesmo nas ações<br />
mais simples, deve-se materializar a idéia “em carne, sangue e realidade emocional:<br />
tem que ir além da imitação, para que a vida inventada seja também uma vida<br />
paralela, que não se possa distinguir da realidade em nível algum”. (BROOK, 1999,<br />
p.08).<br />
As pesquisas realizadas em todas as disciplinas oferecidas nesse semestre<br />
(2007/2), voltadas à Prática de Montagem III, deram ênfase ao uso da nossa<br />
imaginação e pudemos perceber que o trabalho, como dito anteriormente, não é<br />
simples e cômodo. Ao contrário, é um trabalho difícil e presente diariamente em<br />
nossas pesquisas, tanto corporal quanto psíquica. É notório em nosso processo que<br />
o ator que não utiliza a imaginação de uma maneira séria e intensa pode transformar<br />
o seu trabalho em uma simples imitação de alguém ou alguma coisa.<br />
Em uma peça onde não se utilizam cenários elaborados e realistas, como no<br />
espetáculo realizado na disciplina Prática de Montagem III, por exemplo, a<br />
imaginação é que preenche as lacunas deste espaço cênico vazio. Quanto menos o<br />
espaço oferece visualmente ao espectador, mais a imaginação do mesmo é<br />
trabalhada e excitada. Um ator que exercita a sua imaginação, freqüentemente,<br />
conseguirá, sem muita dificuldade, fazer com que o público acredite que uma garrafa<br />
se torne a Torre de Pisa e depois, quem sabe, um foguete a caminho da lua, ou que<br />
os mesmos estejam no céu ou em outro planeta, e assim obterá uma conexão da<br />
sua imaginação, transformada em ação, com a imaginação do público, que está<br />
disposto a jogar este jogo imaginário.<br />
Para que este jogo realmente ocorra, o ator necessita prender a atenção do<br />
público e isso necessita que o mesmo tenha um ingrediente fundamental: a<br />
presença da vida no palco.<br />
31
Ter suas intenções e ações totalmente esclarecidas já é um começo para que o<br />
ator possa deixar em harmonia o seu pensamento, sentimento e corpo, dando,<br />
assim, uma vivacidade intelectual, emocional e corporal ao espetáculo.<br />
O ator estando vivo em cena, pela simples razão de que há um público<br />
observando-o, e partindo do princípio que o mesmo tem um potencial criativo<br />
extraordinário, pode facilmente criar um vinculo entre a sua imaginação e a do<br />
espectador.<br />
Trabalhar a imaginação foi algo essencial para a criação das minhas<br />
personagens: Signos; Guardas e Poderes. Estas três são interpretadas por quatro<br />
atores diferentes, que no todo formam uma unidade. Estes atores são Alessandra<br />
Gonçalves, Joanna Oliari Macoppi e Mariana Freitas, além de mim. Somente as<br />
personagens Poderes têm características individuais, tendo os Signos e os Guardas<br />
posturas parecidas, formando um conjunto.<br />
3.1 SIGNOS<br />
Segundo o dicionário eletrônico Houaiss, Signo é a “designação comum a<br />
qualquer objeto, forma ou fenômeno que remete para algo diferente de si mesmo e<br />
que é usada no lugar deste numa série de situações (a balança, significando a<br />
justiça; a cruz, simbolizando o cristianismo; a suástica, simbolizando o nazismo; uma<br />
faixa oblíqua, significando proibido [sinal de trânsito]; um conjunto de sons [palavras]<br />
designando coisas do mundo físico ou psíquico etc.)”<br />
Em nossa montagem chamamos de Signos as personagens interpretadas por<br />
quatro atores – Alessandra Gonçalves; Joanna Oliari Macoppi; Mariana Freitas; e eu<br />
– que juntos significam os astros, algo que está além de nós, seres humanos. Estas<br />
personagens são abstratas, sem uma forma humana ou animalesca, mas sim sendo<br />
símbolos que representam os presságios que estão no “inconsciente universal”. São<br />
nesses fenômenos que o Rei Basílio lê que seu filho se tornará um tirano assim que<br />
ascender ao trono.<br />
Essas personagens foram as mais complexas de serem criadas e estruturadas,<br />
não somente por simbolizarem algo extra-humano, mas principalmente porque<br />
32
necessitavam estar no alto, problema esse resolvido pela equipe de cenografia<br />
(conferir item 2.3). Porém, como somente no dia 24 de setembro a equipe conseguiu<br />
encontrar uma solução resolvendo colocar os atores nas escadas, ao invés de<br />
dependurados nas estruturas de alumínio (varas de luz) da sala S113, o problema<br />
passou para a FURB que, assim como qualquer Universidade pública, necessita de<br />
um tempo grande para aprovar, em todas as instâncias, as compras ou reformas de<br />
materiais.<br />
Os atores não puderam esperar para começar a criação no alto, e adaptando-se<br />
ao que possivelmente seria o local, iniciaram em todas as aulas esse processo<br />
complicado de construção da personagem. Unindo as imagens solicitadas pelo<br />
professor da disciplina Preparação Corporal Para a Cena III, Fábio Hostert, com as<br />
improvisações iniciadas pelo professor Roberto Murphy, na disciplina Prática de<br />
Montagem III, iniciamos a criação de uma seqüência de imagens por onde os Signos<br />
transitam. Descrevo o processo no plural, pois as personagens foram criadas juntas,<br />
os quatro atores tendo a mesma função e significando a mesma coisa 1 .<br />
Enquanto trabalhávamos apenas com as imagens, a professora Olívia Camboim<br />
Romano, de Interpretação Teatral VII, nos solicitou que escolhêssemos, entre as<br />
imagens que tínhamos, a de um animal e transformássemos o nosso corpo nesta<br />
imagem, o mais fiel possível.<br />
Enquanto pesquisava a imagem da barata em mim, surgiu uma necessidade<br />
grande de emitir um som agudo, como se essa barata estivesse comunicando-se<br />
com as demais. A professora nos instigava a trabalhar com a imaginação e neste<br />
momento a imagem imaginária que me fez descobrir esse som foi a de eu, como<br />
barata, estar em cima de uma pia de cozinha em frente a um bolo de chocolate com<br />
bombons, e emitindo esse som eu chamava a minha família barata para desfrutar<br />
dessa delicia comigo. Durante a pesquisa fomos instigados a deixar mais “humano”<br />
este animal que estávamos reproduzindo corporalmente.<br />
O som foi trabalhado no mesmo dia, 29 de agosto, com o professor André de<br />
Sousa, na disciplina de Treinamento Vocal V, e incluído no Prólogo I da peça, criado<br />
no dia 30 de agosto.<br />
1 As imagens que trabalhei para o início de criação desta personagem encontram-se no ANEXO III.<br />
33
Uma nova etapa começou a se desenvolver no momento que a professora Olívia<br />
nos solicitou que escolhêssemos, no dia 05 de setembro, um dos signos do zodíaco<br />
para termos uma base mais consistente na criação desta personagem.<br />
Nesta mesma data, com orientação da professora, começamos uma<br />
improvisação pensando em um dos doze signos zodiacais. Eu trabalhei com o<br />
Aquário. Improvisei pensando em responder as seguintes perguntas: Onde eu<br />
estou? Como eu me movimento neste lugar? Como eu respiro?<br />
Por não ter nenhuma informação sobre esse signo, o trabalho que iniciei foi<br />
totalmente embasado na minha imaginação. Por ser um signo chamado Aquário e<br />
por lembrar água, imaginei-me no fundo de um aquário de peixes sendo uma alga.<br />
Questionar-me sobre essa imagem foi fundamental para a criação dos meus<br />
movimentos leves, lentos e amplos e a definição do corpo sem forma da minha<br />
personagem.<br />
No dia 19 de setembro mais um passo foi dado nesta criação. Pesquisamos para<br />
a aula de Interpretação características do signo escolhido e incluímos as mesmas<br />
em nosso trabalho.<br />
O signo zodiacal Aquário tem por frase principal “Eu Sei”, mostrando nesta uma<br />
certeza do que diz e faz. Além disso, é um signo que tem uma grande capacidade<br />
de comunicação e é objetivo. Apenas por estas características já pudemos definir,<br />
professora Olívia e eu, que os movimentos dessa personagem podem ser precisos,<br />
tanto pela certeza que ela demonstra, quanto pela objetividade da comunicação.<br />
Este signo do zodíaco é extremamente intelectual, quente e agressivo. Para<br />
buscar essa inquietude para a personagem trabalhei com a imagem da agitação das<br />
águas quando chegam nas pedras que se encontram ao final da cachoeira, pois,<br />
depois da cascata a queda é agitada.<br />
Com toda esta pesquisa sobre Aquário e o trabalho de pesquisa corporal<br />
desenvolvido, a minha personagem foi ganhando um novo jeito. Os movimentos<br />
ainda eram leves e amplos, porém precisos, e a fala começou a ser dita com toda a<br />
certeza que alguém pode ter sobre tal assunto. Com estas pesquisas os Signos<br />
começaram a ganhar particularidades, principalmente na movimentação.<br />
Apesar das personagens estarem seguindo um caminho interessante, havia algo<br />
que me angustiava e me fazia estar perdido na mesma: como estaríamos no alto?<br />
34
Somente no dia 25 de setembro é que a equipe de cenografia, da qual eu faço<br />
parte, conseguiu encontrar uma solução viável para tal dificuldade. Foi decidido<br />
colocar estes atores em cima de escadas.<br />
Teoricamente o problema estava solucionado, mas como citado anteriormente, a<br />
dificuldade prosseguiu, pois agora tínhamos que solicitar à FURB a compra destas<br />
escadas ou a construção das mesmas.<br />
Enquanto isso, nós seguíamos trabalhando em cima de tablados e/ou mesas<br />
para termos a idéia de como era estar no alto, com outras bases de sustentação.<br />
Obviamente não chegava nem perto do que seria transpor tudo criado para as<br />
escadas.<br />
Como a FURB não estava nos dando nenhum parecer sobre as compras destas<br />
escadas, conseguimos emprestadas duas, das quatro que precisamos, na Carona<br />
Escola de Teatro. Quando estas duas escadas chegaram, no início de outubro,<br />
iniciamos o trabalho de adaptação das imagens e movimentos criados nos tablados.<br />
Como já estávamos em outubro e as escadas chegaram frouxas, depois foram<br />
mandadas para pintar e mais tarde para colocar rodinhas, e tínhamos mais duas<br />
personagens para criar, os professores começaram a direcionar as aulas para a<br />
criação das demais, e não tendo tempo de fazer a adaptação dos movimentos, fui<br />
perdendo o que já tinha criado.<br />
Somente na metade do mês de outubro é que tivemos quatro escadas, uma para<br />
cada ator, sendo as duas novas da Universidade. Porém, as duas escadas que<br />
chegaram eram altas demais e com a base muito fechada, fazendo as mesmas<br />
penderem para os lados quando iniciávamos algum movimento inovador sobre elas.<br />
Como as outras atrizes estavam mais inseguras do que eu para trabalhar nas<br />
escadas, deixei as antigas com elas e trabalhei com uma das novas, mesmo tendo<br />
esse perigo de cair.<br />
Durante quinze dias, aproximadamente, trabalhei e adaptei meus movimentos<br />
nos momentos em que os acadêmicos, ou estavam em intervalo, ou não haviam<br />
chegado para as aulas, e quando estava conseguindo confiar e criar uma fluência na<br />
movimentação em cima da escada, as mesmas foram levadas para serem cortadas<br />
de alturas iguais e para incluírem rodinhas e travas nas suas bases.<br />
No último dia que trabalhamos as escadas, antes das mesmas serem levadas<br />
para reforma, o professor Murphy nos auxiliou, especificamente, na construção dos<br />
35
signos. Neste trabalho decidimos que as particularidades encontradas nas<br />
movimentações estavam diferenciando um Signo do outro e não é essa a proposta<br />
dele para as personagens. Assim sendo, fomos orientados pelo professor a deixar<br />
de lado os movimentos trabalhados com os signos zodiacais e para começar a<br />
criarmos imagens que juntas formasse os símbolos necessário para que o Rei<br />
Astrólogo, ao nos observar, lesse nas imagens as idéias de poder, solidão,<br />
isolamento, tirania, e torre. Descobrimos que os Signos sozinhos não têm um<br />
significado importante, mas que juntos eles tem algo a transmitir.<br />
Modificar o que foi criado é algo complicado para mim, principalmente por que<br />
estávamos a um mês da estréia e sabíamos que não haveria tempo hábil para tal<br />
transformação e pesquisa. Porém, sabendo que “o verdadeiro processo de<br />
construção envolve uma espécie de demolição, que implica na aceitação do medo”<br />
(BROOK, 1999, p.20), resolvi encarar tal desafio.<br />
Aceitar o medo de não conseguir criar, juntamente com os demais atores,<br />
imagens críveis ao público, me fez encontrar uma força interior e acreditar que<br />
podemos fazer o que nos foi solicitado, pois creio que nenhum professor<br />
universitário iria exigir de seus alunos algo que eles não pudessem realizar.<br />
Apesar de termos ficado durante duas semanas sem escadas e que somente no<br />
dia 08 de novembro tivemos as mesmas reformadas e com rodinhas na base, creio<br />
que a adaptação dos movimentos em cima das mesmas será realizada com<br />
sucesso, porém ainda não tivemos tempo para trabalhar nisso e, de acordo com o<br />
professor Murphy, iremos parar em algum momento da aula de Prática de Montagem<br />
III para fazermos apenas este trabalho.<br />
3.2 GUARDAS<br />
Em “A Vida é Sonho?” as personagens denominadas Guardas têm a função de<br />
proteger a torre onde Segismundo está preso, impedindo que alguém entre e que o<br />
prisioneiro saia. Os guardas servem a Clotaldo e, conseqüentemente, ao Rei Basílio.<br />
Por serem submissos a Clotaldo e estarem ali para cumprir ordens, estas<br />
personagens não se utilizam da fala, como acontece no original até o final da<br />
36
Segunda Jornada – parte da história que contamos –, apenas agem quando<br />
solicitadas a ação. Por encontrarem-se de prontidão em frente às portas de entrada<br />
da torre onde o príncipe está preso e por não poderem dar nenhuma referência<br />
humana para o mesmo, as personagens utilizam uma burca que cobre o seu rosto e<br />
mãos, decisão esta tomada pela direção de seguir a obra original. Outra<br />
característica recomendada pelo professor Murphy foi que estas personagens<br />
estejam em quase todo o momento imóveis, movendo-se apenas quando<br />
necessário.<br />
Estar imóvel solicita um trabalho tão complexo quanto criar uma cena em<br />
movimento e com falas. Na verdade o ator nunca está imóvel, pois se o mesmo<br />
estiver em situação organizada de representação estará apenas em aparente<br />
imobilidade, o que Eugênio Barba chama de “imobilidade dinâmica”:<br />
Pierre Verry, mímico cuja ação consistia em apresentar os cartazes dos<br />
números de Marceau, contou como tentativa reunir o máximo de presença<br />
cênica no breve instante em que aparecia sobre o palco sem dever – e sem<br />
poder – fazer nada. Para obter esse resultado nos poucos segundos de sua<br />
aparição, concentrava-se em alcançar um “equilíbrio precário”. Desse modo<br />
sua imobilidade convertia-se em uma imobilidade dinâmica. Por falta de<br />
outra coisa, Pierre Verry era obrigado a reduzir-se ao essencial, e descobria<br />
o essencial na alteração do equilíbrio. (Barba, 1994, p.36).<br />
A criação destas personagens começou a ser desenvolvida na metade do mês<br />
de outubro com o professor Fábio Hostert solicitando aos atores que levassem para<br />
a aula imagens de um único animal, sendo estas escolhidas pelos atores e utilizadas<br />
pelos mesmos.<br />
Joanna Oliari, Alessandra Gonçalves, Mariana Freitas e eu iniciamos o trabalho<br />
incorporando as imagens de macaco que Joanna e eu havíamos pesquisado. Após<br />
todos os atores terem as imagens memorizadas corporalmente começamos a<br />
desenvolver uma improvisação com o intuito de pesquisar posturas corporais para<br />
as mesmas.<br />
Durante o tempo de pesquisa e as paradas feitas entre uma improvisação e<br />
outra, conversamos e decidimos que as personagens têm a mesma postura<br />
corporal, porém com pequenas diferenças. A maneira selecionada de o corpo ficar<br />
foi a de termos os joelhos flexionados, os braços ao longo do corpo quando<br />
37
caminhamos, e para trás quando estamos parados, a cabeça inclinada para baixo e<br />
os ombros para frente, fechando o tórax.<br />
Levamos o que tínhamos criado para as aulas de Prática de Montagem III.<br />
Enquanto o professor Murphy trabalhava com os demais acadêmicos, criando as<br />
cenas de dentro da torre, nós trabalhávamos na criação dos guardas, que estavam<br />
em cena, só que do lado de fora da torre.<br />
Durante três semanas criamos essas personagens sem o auxílio direto de<br />
nenhum professor. Na primeira aula de Preparação Corporal Para a Cena III que<br />
trabalhamos com as personagens Signos, isto é, dia 01 de outubro, o professor<br />
Fábio dividiu a turma em grupos de trabalho e questionou o que os acadêmicos<br />
tinham criado naquela ocasião, porém o mesmo não esteve presente em nenhum<br />
momento com o nosso grupo de atores, voltando a trabalhar duas ou três vezes com<br />
outros grupos que já haviam recebido as suas orientações.<br />
Desse modo, enquanto trabalhávamos sozinhos, isto é, pesquisávamos a partir<br />
das imagens dos macacos, pensamos em buscar um corpo que estivesse totalmente<br />
interligado, principalmente por não nos utilizarmos de fala, nem mostrarmos os<br />
nossos rostos enquanto estamos na torre.<br />
[...] é muito fácil ser sensível na fala, no rosto ou nos dedos, mas o que a<br />
natureza não nos deu, e precisa ser desenvolvido através de exercícios, é a<br />
mesma sensibilidade no resto do corpo: nas costas, nas pernas, no<br />
traseiro.“Ser sensível”, para o ator, significa estar permanentemente em<br />
contato com a totalidade de seu corpo. (BROOK, 1999, p.17)<br />
O auxílio direto também não se fez presente durante as aulas de Prática de<br />
Montagem III, pois o professor Murphy estava criando as cenas principais e os<br />
guardas estavam ao redor da torre. Assim sendo, como estávamos em cena durante<br />
todo esse processo de criação e não fomos interrompidos ou questionados sobre o<br />
porquê daquelas posturas pelo professor Murphy, deduzimos que estávamos indo<br />
por um caminho interessante de criação da personagem e adequado à concepção<br />
do espetáculo.<br />
Porém estávamos equivocados, não totalmente, mas ainda assim enganados.<br />
Na aula de Interpretação Teatral VII do dia 24 de outubro, quando passamos pela<br />
primeira vez a peça até a cena 08 a professora Olívia observou as personagens<br />
Guardas e nos questionou sobre as suas posturas. Dando-nos o exemplo de um<br />
38
guarda inglês, que fica totalmente ereto e elegante. Explicamos que estávamos<br />
trabalhando com o oposto – o rude e o primitivo – e por isso acreditávamos que<br />
estes guardas seriam mais brutos, além disso, explicamos para ela que estávamos<br />
trabalhando com a imagem do macaco, conforme solicitado na aula do professor<br />
Fábio.<br />
Até aquele momento não havíamos conversado com o professor Murphy sobre<br />
essas personagens e percebemos que deveríamos definir a postura corporal das<br />
mesmas. Desse modo, na aula do dia 06 de novembro questionamos o professor<br />
sobre isto e o mesmo decidiu trabalhar nossas personagens naquela noite. A partir<br />
disso, criamos as convenções da cena e as posturas corporais das personagens.<br />
Mostrando ao professor de Prática de Montagem III a postura que tínhamos e<br />
explicando a corporeidade que a professora de Interpretação Teatral VII nos<br />
exemplificou, chegamos a um denominador mínimo comum: o meio termo.<br />
Nesta aula pesquisamos durante um longo tempo como seria não ser totalmente<br />
bruto e nem inteiramente elegante. Encontramos um corpo que os joelhos estão<br />
levemente flexionados, a coluna e os ombros voltados para frente e para baixo, a<br />
cabeça minimamente inclinada para baixo e os olhos voltados para o horizonte.<br />
A partir desta orientação do professor Murphy e dos trabalhos desenvolvidos nas<br />
aulas do dia 31 de outubro e 07 de novembro de Interpretação Teatral VII, a criação<br />
desta personagem cresceu rapidamente. Com esta nova postura corporal percebi<br />
que o Guarda é atento e está pronto para agir, que ele não pode deixar ninguém<br />
entrar ou sair sem a autorização do Clotaldo ou do Rei Basílio, que ele está ali, na<br />
frente de uma das entradas da torre, totalmente vigilante, pois se algo sair errado ele<br />
pode ser levado à morte.<br />
Não estar ereto faz com que o meu corpo esteja em um equilíbrio<br />
constantemente instável.<br />
Quando ampliamos nossos movimentos, realizando passos maiores que o<br />
normal ou posicionando a cabeça mais para frente ou mais para trás – o<br />
equilíbrio é ameaçado. Neste momento entra em ação uma série de tensões<br />
para impedir que caiamos (BARBA, 1994, p.36).<br />
Pensando nisso, fez-se necessário encontrar o ponto crítico de inclinação da<br />
minha postura base para que eu adquirisse a presença que o ator necessita no<br />
palco. Estar vivo em cena, descobrir e utilizar o centro das energias e modificar o<br />
39
equilíbrio pode também ocorrer a partir da imaginação criadora, pois a mesma age<br />
diretamente sobre o corpo e também possibilita ao ator encontrar a sua presença<br />
cênica.<br />
3.3 PODERES<br />
Ao iniciar a cena 11 de “A Vida é Sonho?” o clima da peça se transforma,<br />
fazendo com que todas as personagens assumam ares artificiais, tornando-se<br />
exageradas e forçadas. Esta mudança ocorre porque Segismundo será colocado em<br />
sociedade para ser testado e, conseqüentemente, ver se os presságios se cumprem.<br />
O caos predomina na cena, evidenciando a algazarra da humanidade, sua<br />
sociedade e seu funcionamento. Além disso, a cena tem por objetivo “demonstrar o<br />
quanto estranhos são os hábitos do indivíduo em sociedade e o quanto a própria<br />
sociedade se policia e se monitora, tornando-se não humana”. (MURPHY, 2007,<br />
p.14).<br />
As personagens denominadas Poderes aparecem apenas enquanto acontece o<br />
que foi armado para o príncipe. Elas representam as funções sociais, que são<br />
confrontadas por Segismundo em seu “sonho”. São forças que aparecem<br />
personificadas por simbologias, exercendo o gestus social brechtiano, sobre o qual<br />
se constrói a decodificação da sociedade – portanto o distanciamento - no<br />
espetáculo, segundo o professor Murphy.<br />
Estas personagens são dividas em quatro Poderes: o Legislador, que estabelece<br />
as normas; o Religioso, que apazigua os ânimos dos indivíduos; o Militar, que é a<br />
força bruta; e o Ilusionista, que representa a mídia sustentando a ilusão de tirania do<br />
príncipe; representadas por Mariana Freitas, Joanna Oliari, Alessandra Gonçalves e<br />
Rafael Koehler, respectivamente.<br />
A construção da personagem teve início na aula de Prática de Montagem III,<br />
com o trabalho de improvisação das cenas 11, 12 e 13 (ver as cenas no APÊNDICE<br />
IV). O professor Roberto Murphy nos solicitou que pensássemos em uma imagem<br />
para iniciar esta criação. Como interpreto o Ilusionista, que tem a função de<br />
40
epresentar a mídia, iniciei meu trabalho com a imagem mental de um dos ícones da<br />
telecomunicação brasileira: Silvio Santos.<br />
A personagem Ilusionista tem por objetivo sustentar a ilusão de tirania do<br />
príncipe Segismundo, sendo o poder de persuasão. Escolher trabalhar com a<br />
imagem de Silvio Santos não foi mero acaso. Para encontrar a capacidade de<br />
convencer que a minha personagem necessita escolhi este homem simpático com<br />
um poder de comunicação inigualável na televisão brasileira. Silvio Santos faz<br />
sucesso até hoje com platéias das mais diferentes idades, ganhando admiração e<br />
audiência de um público variado. Com um jeito inconfundível, uma risada cativante e<br />
uma dicção perfeita ele iniciou sua carreira como camelô e nos dias de hoje ainda<br />
convence as famílias brasileiras a comprarem seus carnês do Baú; esta é a prova<br />
que este homem tem em si, por “natureza”, a persuasão necessária para a<br />
construção da minha personagem.<br />
Do telecomunicador a minha personagem ganhou o sorriso simpático e a dicção<br />
perfeita, características imprescindíveis para convencer qualquer ser humano sobre<br />
alguma idéia, nesta personagem, para sustentar a ilusão do príncipe.<br />
Na aula de Preparação Corporal para a Cena III iniciamos um trabalho de<br />
exagero em nossas ações, deixando-as artificiais, ilustrativas. Pesquisamos novos<br />
movimentos a estas personagens no seu maior grau de amplitude possível –<br />
fazendo-me descobrir que a minha mão direita fica encostada na barriga e a mão<br />
esquerda nas costas. Mostramos ao professor Murphy o que havíamos encontrado e<br />
o mesmo nos explicou que precisávamos ir além, crescer mais para poder dar o<br />
distanciamento por ele proposto para as cenas do “sonho”.<br />
O trabalho ganhou força na aula de Prática de Montagem III quando o professor<br />
trouxe uma música instrumental que, infelizmente, não temos a informação do nome<br />
da mesma, nem do cd onde está gravada, e muito menos de quem a canta. Estas<br />
informações também são desconhecidas pelo professor Murphy, pois o cd utilizado é<br />
de gravação caseira feita por um amigo dele. Com esta música o mesmo nos pediu<br />
para vestirmos roupas extravagantes que estavam na sala. Durante<br />
aproximadamente vinte minutos improvisamos o que acontece nas cenas do “sonho”<br />
com todo esse artifício solicitado. Pesquisar com a música me fez encontrar o<br />
exagerado, o artificial e o mecânico que o professor propôs, deixando a cena<br />
41
totalmente diferente do que estava até então, fazendo-me perceber a busca pelo<br />
gestus social e o distanciamento proposto pelo professor.<br />
O gestus social consiste em uma síntese de gestos, ações e mímicas, expressos<br />
pelos atores, que demonstrem uma atitude social do período histórico no qual estão<br />
inseridos, fazendo o possível para que o espectador contextualize a ações das<br />
personagens com o seu conjunto sócio-histórico. Esta contextualização permite ao<br />
espectador aumentar a sua consciência crítica sobre o que é representado no palco.<br />
Para o ator manifestar através da personagem as características sociais do<br />
homem de sua época e conseguir decompor a fala em gestus, ele deve selecionar<br />
gestos e palavras que são encontrados no texto e que geram movimentos que<br />
evidenciem as relações sociais de seu período. (Cf. ROMANO, 2005, p.31-33)<br />
Ainda não cheguei a pesquisar as ações essenciais para poder trabalhar o<br />
gestus social na criação da personagem Ilusionista, porém comento sobre tal<br />
assunto, pois este é um dos objetivos a serem trabalhados na cena. Se<br />
conseguiremos ou não incluir o gestus de maneira satisfatória ainda não sei, pois<br />
esta personagem, como as demais, está ainda em processo de criação, mas<br />
acredito que pesquisar sobre tal assunto me fez compreender melhor o todo teatral.<br />
42
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A partir do trabalho realizado neste semestre na disciplina Prática de Montagem<br />
III, com o auxílio das demais disciplinas da grade, pode-se perceber, notoriamente,<br />
que o segredo do teatro está na preparação, do espetáculo como um todo e dos<br />
atores.<br />
Pesquisar, avaliar e compreender o trabalho de imaginação do ator para a<br />
realização deste Memorial me fez levar para dentro de sala de aula a teoria que<br />
estava sendo pesquisada. Mais do que nunca consigo perceber o quão importante é<br />
o estudo teórico sobre o trabalho do ator. Obviamente que este estudo só terá<br />
resultado se unido à prática, pois teatro é feito no palco e não nos livros.<br />
Observações, análises e indagações foram feitas durante a escrita deste trabalho, e<br />
tal pesquisa me instigou a continuar esta investigação fora do âmbito universitário.<br />
Avaliando esse último semestre de universidade, concluo que o processo<br />
vivenciado foi muito válido, pois nos ensinou, mais do que nunca, a trabalhar em<br />
grupo, a montar um espetáculo e cuidar de todas as etapas da produção de um<br />
espetáculo. Assim como, nos auxiliou a compreender e ter paciência com os seres<br />
humanos, e, principalmente, a perceber que teatro é, e sempre será, um trabalho de<br />
grupo; seja ele unido, como o nosso, ou não. Para se fazer teatro é necessário a<br />
união de pessoas que amam a arte e deixam de lado todos os problemas para<br />
poderem criar suas personagens, figurinos, sonoplastia, cenário, iluminação, enfim,<br />
todos os elementos espetaculares para que a montagem seja concretizada. Pois, é<br />
necessária a união e o amor das pessoas para fazerem a arte teatral acontecer.<br />
Foi com união que conseguimos superar diversos problemas durante o<br />
semestre, um deles foi a questão cenográfica. Se Sabrina Moura, Léo Kufner e eu<br />
não estivéssemos unidos e conscientes da realidade temporal e financeira da<br />
Universidade teríamos nos perdido na concepção da cenografia do espetáculo.<br />
Apesar de termos iniciado com idéias mirabolantes, com o tempo fomos percebendo<br />
qual seria a melhor solução. Passar por tal experiência foi extremamente válida para<br />
o meu aprendizado universitário, pois saber estar com os “pés no chão” me fez<br />
43
evoluir artisticamente e perceber que no meu grupo de teatro, Grupo K, precisarei<br />
sempre estar ciente da situação real, tanto temporal quanto financeira.<br />
Como já citado no início destas considerações finais, pude perceber com esse<br />
processo de criação que o segredo do teatro está na preparação do espetáculo<br />
como um todo e dos atores. Infelizmente não tivemos tempo suficiente para deixar a<br />
peça no seu resultado satisfatório, porém participar de tal processo me fez perceber,<br />
com toda a certeza, que é com este modo de criação que quero trabalhar fora da<br />
Universidade, pois assim todos os atores participam da construção da peça e têm as<br />
suas responsabilidades, todos sabem tudo sobre a obra e sentem seguros em cena.<br />
Neste processo a segurança em cena não chegou por completo por falta de tempo<br />
para trabalhar, mas conseguimos compreender a obra como nunca fizemos com<br />
outra obra dentro da Universidade.<br />
Para finalizar, destaco o notório, isto é, a necessidade de tempo de trabalho<br />
hábil para que os atores tenham segurança no que fazem e certeza das<br />
personagens que interpretam dentro da Universidade. Evidente também é o quanto<br />
fomo prejudicados no andamento do processo de criação do espetáculo por serem<br />
solicitados trabalhos como o TCC/Memorial Descritivo simultaneamente a disciplina<br />
Prática de Montagem III.<br />
44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
AMARAL, Ana Maria. O ator e seus duplos: máscaras, bonecos, objetos. São<br />
Paulo: Editora SENAC, 2002. 159 p.<br />
AZEVEDO, Sônia Machado. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo:<br />
Perspectiva, 2004.<br />
BARBA, Eugenio. Princípios que Retornam. In: A canoa de papel: tratado de<br />
antropologia teatral. São Paulo: Hucitec, 1994.<br />
BARCA, Pedro Calderón de La. A Vida é sonho. Trad. Maria Manuela Couto Viana.<br />
Lisboa. Ed. Gris Impressores, 1971.<br />
BROOK, Peter. A porta aberta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.<br />
CHEKHOV, Michael. Para o ator. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.<br />
TODOROV, Tzvetan. A vida em comum: ensaio de antropologia geral. Campinas:<br />
Papirus, 1996.<br />
DOCUMENTOS OBTIVOS VIA INTERNET<br />
A Girafa. Disponível em .<br />
Acesso em: 15 ago. 2007.<br />
BARATAS Nunca Mais. Disponível em: .<br />
Acesso em: 15 ago. 2007.<br />
ESCORPIONÍDEOS. Disponível em:<br />
. Acesso em:<br />
15 ago. 2007.<br />
45
MALLET, ROBERTO. O olho do ator. Blumenau, 2000. Disponível em<br />
. Acesso em: 21 set. 2007. 8 p.<br />
PAVÃO Albino. Disponível em:<br />
. Acesso em: 15<br />
ago. 2007.<br />
TEORIA de Entheogen da religião e da morte do Ego. Disponível em:<br />
. Acesso em: 15<br />
ago. 2007.<br />
DOCUMENTO NÃO PUBLICADO<br />
MURPHY, Roberto et alli. A vida é sonho? Blumenau. 2007. 26p. Documento não<br />
publicado.<br />
DICIONÁRIOS<br />
BARBA, Eugênio; SAVARASE, Nicola; Técnica. In: A arte secreta do ator –<br />
dicionário de antropologia teatral. São Paulo - Campinas: Editora Hucitec e Editora<br />
da Unicamp, 1995.<br />
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. xxii, 483p.<br />
46
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA<br />
ROMANO, Olívia Camboim. Proposições de Peter Brook sobre O Trabalho Do Ator.<br />
In: I Seminário de estudos teatrais. 2007.<br />
SILVA, Eliana Rodrigues. Dança e pós-modernidade. Salvador: Editora da<br />
Universidade Federal da Bahia. 2005.<br />
DISSERTAÇÕES<br />
ROMANO, Olívia Camboim. Uma arena no museu: Reflexões sobre a Primeira<br />
Montagem de Brecht em Santa Catarina. 2005. 173 f. Dissertação (Mestrado em<br />
Artes) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.<br />
DOCUMENTOS OBTIVOS VIA INTERNET<br />
AQUÁRIO. Disponível em: .<br />
Acesso em:<br />
18 set. 2007.<br />
AQUÁRIO. Disponível em: .<br />
Acesso em: 18 set. 2007.<br />
BIOGRAFIA de Pedro Calderón de La Barca. Disponível em<br />
. Acesso em: 02<br />
nov. 2007.<br />
CALDERÓN de La Barca. Disponível em<br />
. Acesso em: 02 nov.<br />
2007.<br />
CIBER América – BIOGRAFIA de Calderón de La Barca. Disponível em<br />
. Acesso em: 02 nov. 2007.<br />
47
PEDRO Calderón de La Barca. Disponível em<br />
. Acesso em: 02<br />
nov. 2007.<br />
SIGNO Solar Aquário. Disponível em:<br />
. Acesso em: 18 set. 2007.<br />
SIGNO Aquário – verbete Márcia Lee. Disponível em:<br />
Acesso em: 18 set. 2007.<br />
TZVETAN Todorov. Disponível em .<br />
Acesso em: 03 nov. 2007.<br />
48
ANEXOS<br />
ANEXO I – DIFERENÇAS ENTRE O MODERNISMO E O PÓS-MODERNISMO<br />
Modernismo Pós-Modernismo<br />
romantismo/simbolismo<br />
parafísica/dadaísmo<br />
forma (conjuntiva, fechada) antiforma (desjuntiva, aberta)<br />
propósito jogo<br />
projeto acaso<br />
hierarquia anarquia<br />
domínio/logos exaustão/silêncio<br />
objeto de arte/obra acabada processo/performance/happenig<br />
distância participação<br />
criação/totalização/síntese descriação/desconstrução/antítese<br />
presença ausência<br />
centralização dispersão<br />
gênero/fronteira texto/intertexto<br />
semântica retórica<br />
49
paradigma sitagma<br />
hipotaxe parataxe<br />
metáfora metonimia<br />
seleção combinação<br />
raiz/profundidade rizoma/superfície<br />
interpretação/leitura não-interpretação/desleitura<br />
significado significante<br />
lisible (legível) scriptible (escrevível)<br />
narrativa/ grand histoire antinarrativa/ petite histoire<br />
código mestre idoleto<br />
sintoma desejo<br />
tipo mutante<br />
genital/fálico polimorfo/andrógino<br />
paranóia esquizofrenia<br />
origem/causa diferença-diferença/vestígio<br />
deus pai espírito santo<br />
metafísica ironia<br />
determinação indeterminação<br />
transcendência imanência<br />
Fonte: SILVA, Eliana Rodrigues. Dança e Pós-Modernidade. Editora da Universidade Federal da<br />
Bahia. 2005. p. 64-65.<br />
50
ANEXO II – O GRITO MUDO – HELENE WEIGEL<br />
Terceira versão da Cabeça de um cavalo relinchante (1937),<br />
estudo para Guernica de Picasso. Fonte: BARBA, E.;<br />
SAVARESE, N., 1995, p. 235.<br />
O O grito grito mudo<br />
mudo<br />
Helene Weigel em Mãe Coragem. Berliner Ensemble, 1949.<br />
Fonte: BARBA, E.; SAVARESE, N., 1995, p. 234.<br />
“O grito mudo” (1949), de Helene Weigel.<br />
Fonte: BARBA, E.; SAVARESE, N., 1995, p. 234.<br />
51
ANEXO III – IMAGENS DE CRIAÇÃO DA PERSONAGEM SIGNO<br />
Pavão Albino. Girafa<br />
Barata Entheo<br />
Escorpião<br />
52
APÊNDICES<br />
APÊNDICE I – ESPAÇO CÊNICO – ANDAIME<br />
53<br />
Desenho: Leonardo Kufner Tofolo, Blumenau, 2007.
APÊNDICE II – ESPAÇO CÊNICO – ESCADAS<br />
54<br />
Desenho: Leonardo Kufner Tofolo, Blumenau, 2007.
55<br />
Desenho: Leonardo Kufner Tofolo, Blumenau, 2007.
APÊNDICE III – “A VIDA É SONHO?” – PRIMEIRO ESBOÇO<br />
ROTEIRO BÁSICO DA ADAPTAÇÃO DE 'A VIDA É SONHO' DE CALDERÓN DE<br />
LA BARCA SOB A LUZ DE 'A VIDA EM COMUM' DE TZVETÁN TODOROV<br />
Personagens:<br />
REI ASTRÓLOGO = Representa o Absoluto, o determinante do destino e dos<br />
desígnios de seu filho. Representa o Pai Onipotente (Deus) que confina seu rebento<br />
numa redoma, onde precisará sofrer com a sua sensação de incompletude e de<br />
dependência incondicional. Sua vontade é lei, a qual não se pode burlar.<br />
CLOTALDO = Representa os Mecanismos de condicionar e formatar o indivíduo,<br />
mantendo-o sob os ditames e limites da redoma. É a Educação e a Religião<br />
enquanto ferramentas sociais de detenção dos impulsos de libertação do indivíduo.<br />
Como no original, é o Tutor que, com esmero e dedicação, não deixa de ser caridoso<br />
e carinho com o Príncipe, como algumas professoras do ensino básico, por exemplo,<br />
que não deixam de ser disciplinadoras e castradoras, mesmo que maternalmente<br />
dispostas e disponíveis. Aparece sob mantos, revelando a ausência do olhar que<br />
determinaria o sentido de existir de Segismundo.<br />
SEGISMUNDO = Representa o Indivíduo, o indivisível. O sujeito diante de si<br />
mesmo e da sociedade em que está. Representa o foco da discussão do espetáculo.<br />
Enquanto cativo, é PROMETEICO (isto é, o homem aceitando sua condição de um<br />
ser submetido a Deus e que se conforma com tal condição). Durante o “sonho”<br />
torna-se FÁUSTICO (ou seja, o homem querendo suplantar sua condição humana,<br />
buscando superar a Deus e ao Diabo). Detém consigo o dilema do ser ou não ser.<br />
56
ASTOLFO e ESTRELA = Representam a ambição pelo poder. Durante o “sonho”<br />
instigam a tirania do príncipe, por saber que isso determinará ascender ao trono.<br />
São ambiciosos e ardilosos. Criam situações que envolvem e comprometem tudo e<br />
todos em suas buscas pelo poder. Representam o conflito. Entre si nutrem<br />
conveniências e favores. Inventam um amor que irá uni-los no poder, mas tão frágil<br />
quanto um cristal, que corre riscos constantes de se desfazer. São patéticos,<br />
portanto cômicos.<br />
ROSAURA = O símbolo da determinação e da coragem. Servirá de espelho para<br />
Segismundo. Mostrará que o ser humano é (ou poderia ser) um ser sem limites na<br />
busca de sua transcendência. Veste-se de homem para burlar os ditames impostos,<br />
apesar de não acreditar que o ser humano precise se definir como homem ou mulher<br />
para impor-se diante da vida. É o estopim das descobertas de Segismundo e o alvo<br />
de seu amor e encantamento pelas possibilidades da vida.<br />
Obs.: Até aqui os personagens têm uma profunda ligação com o original, porém,<br />
diferenciados pelo novo roteiro e enfoque seguidos no espetáculo. Ficar atento a<br />
isso na composição dos personagens.<br />
A MÃE = Representa a lacuna existencial de Segismundo. Ao morrer no parto,<br />
priva-lhe do olhar inicial de aceitação e reconhecimento. Aparece em outros<br />
momentos da peça, servindo de consolo e amparo. Também não tem um rosto<br />
definível. É mais uma sensação, uma presença não física para Segismundo. Não<br />
existe no original, sendo um elemento de ligação entre as duas obras referenciais de<br />
nossa obra (i.e., Calderón e Todorov).<br />
CLARIM E SUA VOZ DISPERSA = Tem a função da crítica e da situação do<br />
público diante da trajetória de Segismundo. Serve de ponte entre os personagens<br />
57
“abstratos” e os “naturais” do espetáculo. Divide-se em dois – por esse motivo feito<br />
por dois atores – sendo uma das partes aquela irônica e inconsequente e outra a<br />
reflexiva, que faz com que todos ali não se afastem de uma avaliação de si mesmos<br />
diante do mundo. É uma adaptação do original, mantendo nuances. Às vezes<br />
contundente e desconcertante.<br />
OS SIGNOS = Os mais significativos personagens “abstratos” da peça,<br />
representam os presságios contidos no “inconsciente universal”, segundo o Rei<br />
Astrólogo. Agem e discursam como analogia. São símbolos. Seres ficcionais de<br />
outra ordem. Exercem a função de trazer os temas de Todorov ao espetáculo, que<br />
são levados adiante na dramaturgia através do Rei Astrólogo e de Clarim e sua voz<br />
dispersa.<br />
GUARDAS = Representam as paredes da torre. Não têm rosto, portanto, sem<br />
identidade. Servem a Clotaldo.<br />
OS 4 PODERES = São funções sociais representadas, as quais são<br />
confrontadas por Segismundo em seu “sonho”. São forças que aparecem<br />
personificadas por simbologias. Exercem o “gestus social” brechtiano, sobre o qual<br />
se tece a desfamiliarização da sociedade – portanto o distanciamento - no<br />
espetáculo. São eles:<br />
O ILUSIONISTA = A Mídia que sustenta a ilusão de tirania de Segismundo.<br />
O MAGISTRADO= O legislador, o que estabelece as normas.<br />
O RELIGIOSO= OApaziguador dos ânimos. O que exerce uma ação nas<br />
emoções das pessoas.<br />
O GENERAL = A Força Bruta. O bélico e o Disciplinador.<br />
58
PRÓLOGO<br />
I<br />
Rei Astrólogo e os signos = Quando o rei estabelece o destino de seu filho, uma<br />
vez que lê nos astros que ele será um tirano quando ascender ao trono. É quando<br />
decide trancá-lo numa torre.<br />
A Mãe e os signos = Quando acontece o parto de Segismundo e a morte da<br />
mãe, motivo da confirmação da decisão do rei.<br />
Segismundo e os signos = Quando se apresenta Segismundo já adulto, nu e<br />
confinado. Os signos enfatizam seus desígnios.<br />
JORNADA ÚNICA<br />
Cena 1<br />
Segismundo e Clotaldo = Quando se mostra a real condição de Segismundo. Ou<br />
seja, um indivíduo sem a noção de suas potencialidades, totalmente dominado por<br />
Clotaldo, que o mantém fraternalmente numa redoma. Há indícios da tutoria exercida<br />
de um para o outro.<br />
Cena 2<br />
Rosaura e Clarim e sua voz dispersa = Quando aparece Rosaura vestida de<br />
homem em busca de algo. Está em busca de alguém que não sabe muito bem quem<br />
59
é, mas que é – segundo sua mãe – o seu pai. Dar enfoque nela como a humanidade<br />
em busca de um Deus que não se vê, mas que se ouviu falar da existência. Dar um<br />
toque becketiano (godot) à cena.<br />
Cena 3<br />
Rosaura, Clarim e sua voz dispersa e Segismundo = Quando Segismundo é<br />
descoberto pelos demais e quando vê pela primeira vez um rosto humano, isto é, o<br />
de Rosaura. Reconhece-se através dos olhos dela. Percebe-a como uma extensão<br />
de si mesmo. Questiona sua condição. Acende em si a necessidade de transcender<br />
sua condição. É – metaforicamente – a passagem da condição prometeica para os<br />
primeiros indícios da fáustica.<br />
Cena 4<br />
Rosaura, Clarim e sua voz dispersa, Segismundo, Clotaldo e seus guardas =<br />
Quando os intrusos são flagrados em sua audácia e são ameaçados e retirados de<br />
cena pela vigilância, que após um vacilo, está novamente de prontidão. Segismundo<br />
dá indícios de querer ir além de si mesmo. Blecaute.<br />
Cena 5<br />
Estrela e Astolfo = Apresentam a real situação do Rei Astrólogo, as suas<br />
descendências, ambições e ligações com o poder. Traçam seus planos e firmam<br />
compromissos.<br />
Cena 6<br />
Estrela, Astolfo e o Rei Astrólogo = Reencontram-se depois de muito tempo.<br />
Falam sobre Segismundo e a decisão de colocá-lo na sociedade para que se<br />
60
certifiquem de que os presságios estejam corretos ou não. O rei quer, antes de<br />
delegar o reino ao casal de sobrinhos, perceber o seu filho, até então tido como<br />
natimorto, em ação com o poder.<br />
Cena 7<br />
Estela, Astolfo, o Rei Astrólogo e Clotaldo = Clotaldo chega trazendo a notícia da<br />
invasão de Rosaura e seu acompanhante, quando é informado pelo próprio rei que<br />
ele, o príncipe, deverá ser socializado, tomando o poder. Para isso combinam<br />
colocá-lo na ilusão de que é um “sonho”, para aí decidirem o seu destino na “vida<br />
real”.<br />
Cena 8<br />
Clotaldo e o Rei Astrólogo, Clarim e sua voz dispersa às escondidas = O rei e<br />
Clotaldo confidenciam a execução do plano. Clotaldo descreve a ação. Basílio – o<br />
rei – pede para que se esteja preparado para caso o novo rei seja realmente um<br />
tirano, ficando acordado que o mesmo, neste caso, deveria voltar à torre e achar que<br />
teve um sonho apenas. Clarim ouve tudo e permanece quando os dois saem.<br />
Cena 9<br />
Clarim e a sua voz dispersa = Fala do destino que traçaram para Segismundo e<br />
avalia algo sobre a formatação de um criminoso. Se assim plantaram, assim<br />
colherão.<br />
Cena 10<br />
Clarim e sua voz dispersa e Rosaura = Rosaura chega trazendo a angústia de<br />
não encontrar quem procura. Clarim lhe diz sobre o “sonho” que o rei encomendou e<br />
61
a necessidade de interferir, não deixando que os presságios se confirmem e o<br />
príncipe possa ter outra referência, além daquela que estão 'armando' para ele. Ela<br />
decide interceder quando e o quanto possível. Anunciam a mudança de ares. O<br />
show devia começar naquele exato momento.<br />
Cena 11<br />
Um clima de show em um cabaré vagabundo se instaura e diversos<br />
personagens-tipo confundem-se com os demais personagens que até agora<br />
estiveram no espetáculo, exceção feita aos signos e guardas. Todos tomam ares de<br />
um artificialismo sem igual. Tudo se torna exagerado e forçado. Há muita música e<br />
uma sensação de embriagues. É um típico clima brechtiano. Clotaldo, Estrela e<br />
Astolfo perambulam pelo espaço como marionetes, tais como os personagens que<br />
representam os 4 poderes. Clarim e sua voz dispersa sente-se à vontade para agir e<br />
interagir num ambiente como aquele. O caos é a tônica da cena, demonstrando a<br />
“babel” humana, sua sociedade e seu funcionamento. Além disso, demonstrar o<br />
quanto estranhos são os hábitos do indivíduo em sociedade e o quanto a própria<br />
sociedade se policia e se monitora, tornando-se não humana.<br />
Cena 12<br />
Os quatro poderes tomam a cena juntamente com Segismundo, os demais ficam<br />
em segundo plano, em movimentos lentos e caricatos. Os 4 vestem Segismundo<br />
com os tons do “sonho”. Apresentam-se e percebem-se. Cada poder está pintado<br />
com cores muito fortes e em traços grotescos até. Segismundo foi artificializado em<br />
sua forma exterior.<br />
62
Cena 13<br />
Um dos poderes se contrapõe ao novo rei. É o legislador impondo regras há<br />
muito tidas como consenso naquele reino. Insuflado pela sutileza de sugestões<br />
dadas por Estrela e Astolfo, decide livrar-se dele, anulando o poder legislativo<br />
constituído para reinar absoluto, impondo as regras conforme as suas necessidades<br />
pessoais. Para tal, manda matá-lo, deixando atônitos todos os presentes.<br />
Cena 14<br />
Clarim e sua voz dispersa e os demais = Clarim comenta sobre o indício de que<br />
os presságios estavam sendo cumpridos. Fala do primeiro passo de qualquer tirano:<br />
a eliminação das legislaturas. Os comentários são tão ambíguos e intrigantes que<br />
todos se percebem tocados, sem acreditar em tamanha audácia. Segismundo dá<br />
sinais de uma reação quando é interceptado pelo ilusionista, que o chama a atenção<br />
quanto à condição de bobo do audacioso.<br />
Cena 15<br />
Clotaldo se manifesta. Diz a Segismundo que seja mais comedido se desejar<br />
reinar e que não deve sentir-se já o todo-poderoso, porque ainda está vivo o legítimo<br />
rei. Roubando uma espada que estava à mão, Segismundo desfere – com uma<br />
espada de alegoria,daquelas retráteis – um golpe “mortal” em Clotaldo, dizendo que<br />
se sentia feliz em eliminar de vez a redoma em que o velho que acaba de matar o<br />
mantinha.<br />
Cena 16<br />
Rosaura intercede. Entra de maneira natural, destoando totalmente dos demais<br />
componentes do quadro do “sonho”. Tal interferência chama muito a atenção de<br />
Segismundo que ordena que tudo pare para que ele possa se aproximar e conhecer<br />
63
tal criatura tão ímpar. Ao olharem-se nos olhos, ele imediatamente muda. Aliás a<br />
cena muda e um foco concentra-se no mesmo reconhecimento do olhar. Diz que já<br />
se espelhou em olhos tão grandiosos, mas que não se lembra de ninguém parecido<br />
com ela. Volta a ser o ser poético e puro que encontrou Rosaura vestida de homem.<br />
Cena 17<br />
O rei astrólogo percebe toda a cena e percebe que seu filho, ali, naquele<br />
momento, mostrou seu lado humano mais louvável. O ilusionista aproveita a deixa e<br />
enaltece as virtudes e valores do novo rei, tentando persuadir a todos para a tese de<br />
que isso suplanta os ajustes que foram precisos na equipe do novo governo.<br />
Cena 18<br />
O rei se manifesta repudiando dois assassinatos no primeiro dia do novo<br />
governo. É confrontado por Segismundo, como quem contesta a autoridade de um<br />
pai ausente e longínquo, invisível.<br />
Cena 19<br />
Mesmo assim, o rei astrólogo decide leva-lo de volta à torre, fazendo valer seu<br />
plano de concluir o “sonho”. Astolfo oferece-lhe um brinde. Bebem juntos.<br />
Segismundo cambaleia até cair. Blecaute.<br />
Cena 20<br />
Cena de transição, na qual todo o elenco transforma a cena para o Epílogo. Há<br />
música cantada, acompanhada por percussão corporal.<br />
64
Cena 21<br />
Segismundo é preso novamente tal como o vimos no início do espetáculo. Está<br />
adormecido. Clotaldo e os Guardas o repõem na torre. Estão novamente cobertos.<br />
Cena 22<br />
Rosaura e Clarim e sua voz dispersa estão novamente clandestinos, desta vez<br />
fugindo daquele castelo. Antes de irem, Segismundo desperta e os três discutem a<br />
sua situação de prisioneiro. Um tirano formatado pela sociedade. Despedem-se.<br />
EPÍLOGO<br />
Segismundo conversa com os signos e conclui ser a vida um sonho, ilusão é<br />
realidade. Fala sobre as razões sociais do ser. NOVAMENTE 'A VIDA EM COMUM'<br />
INSPIRA O CONTEÚDO.<br />
A mãe retorna e ele se pergunta se ela é sonho. Ela não lhe responde nada, a<br />
não ser um beijo que ela lhe dá. Ele adormece.<br />
Há um encontro entre ela e o rei astrólogo. Depois ela some como por encanto,<br />
no meio de uma conversa. Resta ao rei conversar com os signos, que são<br />
implacáveis com ele.<br />
OS SIGNOS RELUZEM NO CÉU.<br />
65
APÊNDICE IV – “A VIDA É SONHO?” – VERSÃO FINAL.<br />
A VIDA É SONHO?<br />
PRÓLOGO<br />
I<br />
66<br />
Texto adaptado da obra “A Vida é Sonho”,<br />
de Pedro Calderón de La Barca, pela VIII<br />
Fase de Teatro com supervisão do<br />
professor Roberto Murphy.<br />
Rei Astrólogo e os signos = Quando o rei estabelece o destino de seu filho, uma vez<br />
que lê nos astros que ele será um tirano quando ascender ao trono. É quando<br />
decide trancá-lo numa torre.<br />
Do alto os 'Signos' sonorizam a cena e projetam fachos de luz no piso, como<br />
pontos de referência para o Rei Astrólogo que tenta decifrar as indicações, ao<br />
mesmo tempo que desenha um complexo esquema no chão com um pedaço<br />
de giz. O esquema deverá lembrar um mapa astral, cujo centro é o local do<br />
nascimento de Segismundo. Palavras – frases - são ditas ao léu. O Rei<br />
responde com as suas interpretações dos enigmas proferidos.<br />
Signo (Alessandra) – Toda pessoa nasce com o instinto natural pelo poder.<br />
Signo (Joanna) – O homem é egoísta e profundamente solitário.<br />
Signo (Mariana) – Toda idéia de liberdade é ilusória.
Signo (Rafael) – A solidão absoluta é um estado triste e contrário à natureza.<br />
(Depois de reflexões e rompantes passionais, o Rei estabelece o destino do filho)<br />
Rei Astrólogo – Poder. (pausa). Poder. Isolamento. (pausa). Solidão. O sentindo de<br />
existir provém da vida em sociedade. Em toda a história da humanidade não se<br />
encontra o sujeito isolado. (pausa. rei observa os astros). Tirania. Torre. Teu destino<br />
está traçado... não verás ninguém e nada mais, a não ser os muros de uma torre<br />
que estará construída para quando chegares, lá tu nascerás e passarás teus dias...<br />
terás um tutor que ouvirás. Vamos conter a tua tirania...<br />
II<br />
A Mãe e os signos = Quando acontece o parto de Segismundo e a morte da mãe,<br />
motivo da confirmação da decisão do rei.<br />
Os fachos de luz vão se dissipando com a saída abrupta do Rei Astrólogo.<br />
Sons tomam novamente a cena. Os fachos de luz voltam a ser direcionados,<br />
desta vez confluindo para a barriga da mãe que está em trabalho de parto.<br />
Signo (Rafael) – ... o filho do rei está nascendo...<br />
Signo (Joanna) – Não deixem que se perca esse olhar...<br />
Signo (Mariana) – Pois o olhar da mãe introduz o ser na existência...<br />
Signo (Alessandra) – Olhar para alguém é reconhecer a existência desse alguém...<br />
Signo (Mariana) – Não deixem que se dissipe esse olhar!<br />
Signos (todos) - Não, não deixem!... (duas vezes cada signo)<br />
67
(Pausa)<br />
Signo (Joanna) - É tarde demais!<br />
(Purpurina é jogada na cena, sobre a figura da mãe que silenciou.)<br />
Gritos anunciam a morte da rainha e de seu filho, o herdeiro do trono da<br />
Polônia... O rei chora a perda e confirma sua decisão de trancafiar o filho como<br />
vingança pela morte da amada rainha.<br />
Rei Astrólogo – Confirma-se a minha decisão. E que ninguém saiba de sua<br />
sobrevivência.<br />
III<br />
Segismundo e os signos = Quando se apresenta Segismundo já adulto, nu e<br />
confinado.<br />
Sons do cosmos tomam a cena. Os fachos de luz concentram-se, cada qual,<br />
nos rostos dos atores.<br />
JORNADA ÚNICA<br />
Cena 1<br />
Segismundo, Clotaldo e Guardas = Quando se mostra a real condição de<br />
Segismundo. Ou seja, um indivíduo sem a noção de suas potencialidades,<br />
totalmente dominado por Clotaldo, que o mantém fraternalmente numa redoma. Há<br />
indícios da tutoria exercida de um para o outro. Os Guardas estão de prontidão nas<br />
quatro portas da torre.<br />
Clotaldo - Há coisas que não estão ao teu alcance, nem na tua compreensão.<br />
68
Concentra-te no mundo dos objetos... Explorar o mundo não significa modificá-lo...<br />
Tudo é assim há séculos... Tudo de que se precisa para viver tens a teu dispôr... Os<br />
mistérios da existência são de outra ordem... da ordem dos deuses... A eles<br />
devemos deixar tais questões... Hoje te concentra nos sons do mundo e ...<br />
Segismundo – Por que não posso olhar teu rosto, Clotaldo? És de outra ordem, que<br />
não seja a minha?<br />
Clotaldo – Um intermediário, digamos assim...<br />
Segismundo – Quem está além de ti, a quem intermedias?<br />
Clotaldo – Teu pai... a quem deves conformar-te, aceitando os desígnios por ele<br />
traçados para ti...<br />
Segismundo – Por que não o vejo? Ele, o arquiteto dos meus desígnios, não expõe<br />
sua face...<br />
Clotaldo – Ele é semelhante a ti... aliás, tu és semelhante a ele... Já tens o seu<br />
reconhecimento... Ele olha por ti... A ti cabe a obrigação de exercer a tua função,<br />
essencialmente...<br />
Segismundo – E qual seria a minha função...<br />
Clotaldo – Viver, apenas... o que já é de grande significação... (Sai de dentro da<br />
torre). Guardas! (Saem de cena. Segismundo volta ao seu estado original.)<br />
Cena 2<br />
Rosaura e Clarim e sua voz dispersa = Quando aparece Rosaura em busca de<br />
alguém que não sabe muito bem quem é, mas que é – segundo sua mãe – o seu<br />
pai. Dar enfoque nela como a humanidade em busca de um Deus que não se vê,<br />
69
mas que se ouviu falar da existência. Dar um toque becketiano (godot) à cena.<br />
Os dois, Rosaura e Clarim estão com roupas simples, tal como os mendigos<br />
Estragon e Vladimir de 'Esperando Godot'. Ela representa a busca da<br />
humanidade e ele, Clarim, é, na verdade, dois.<br />
Rosaura – Estou determinada ao descanso esta noite... Chega de vagarmos em<br />
busca de alguém que nunca encontramos... Estou cansada...<br />
Clarim – Prudente...muito prudente...<br />
Voz dispersa – Escalemos, então, a montanha de pedras...<br />
Rosaura – Como uma última atitude de hoje...<br />
Cena 3<br />
Rosaura, Clarim e sua voz dispersa e Segismundo = Quando Segismundo é<br />
descoberto pelos demais e quando vê pela primeira vez um rosto humano, isto é, o<br />
de Rosaura. Reconhece-se através dos olhos dela. Percebe-a como uma extensão<br />
de si mesmo. Questiona sua condição. Acende em si a necessidade de transcender<br />
sua condição. É – metaforicamente – a passagem da condição prometeica para os<br />
primeiros indícios da fáustica.<br />
Os dois chegam na torre. Segismundo é despertado por Rosaura. Os dois se<br />
olham nos olhos. Segismundo encanta-se e se reconhece como num espelho.<br />
Até aquele momento nunca um objeto ou superfície reflexível havia sido<br />
colocado a sua frente.<br />
Voz Dispersa – O olhar!<br />
Clarim – Que olhar é esse?<br />
Rosaura – Parece nunca ter visto um par de olhos, meu jovem. Onde estão tuas<br />
70
lembranças?<br />
Segismundo – É a primeira vez que vejo... Somente o toque de minhas mãos me<br />
sugeriam uma imagem... Agora me reconheço em ti.<br />
Voz Dispersa – Esse é um dos momentos que podem fazer o homem mudar a sua<br />
maneira de ver a realidade.<br />
Clarim – Reconhecimento... Ele se reconheceu no olho dela.<br />
Voz Dispersa – Tu me reconheces?<br />
Clarim – Olha pra mim.<br />
Clarim e Voz Dispersa – Aaaah, agora sim! (riem)<br />
Rosaura – Há quanto tempo esperas aqui?<br />
Segismundo – Desde sempre... Não sei nada mais que as coisas que Clotaldo me<br />
ensinou...<br />
Rosaura – Então, conhece outros olhos...<br />
Segismundo – Nunca... Os outros seres que conheço usam mantos... suas faces<br />
são para mim um mistério, assim como a minha própria face...<br />
Rosaura – Sempre ouvi dizer que precisamos da imagem do outro para construir a<br />
nossa...<br />
Segismundo – Creio que há algo a mais...<br />
Rosaura – Tens agora o sentido de existir...<br />
71
Clotaldo – Guardas desta torre, deixaram duas pessoas violarem o cárcere...<br />
Cena 4<br />
Rosaura, Clarim e sua voz dispersa, Segismundo, Clotaldo e seus guardas =<br />
Quando os intrusos são flagrados em sua audácia e são ameaçados e retirados de<br />
cena pela vigilância, que após um vacilo, está novamente de prontidão. Segismundo<br />
dá indícios de querer ir além de si mesmo. Blecaute.<br />
Os guardas cercam o trio: Segismundo e os dois intrusos.<br />
Clotaldo – (entrando) O que isso quer dizer? Como podem ter entrado...<br />
Rosaura – Estávamos exaustos e o acaso nos trouxe até aqui... Achávamos que era<br />
outra torre abandonada dessa região...<br />
Clotaldo – Na proibição passaram contra o decreto do rei da Polônia... devem ser<br />
imediatamente levados a ele que passará pessoalmente o fio da navalha...<br />
Rosaura – Não tínhamos a mínima intenção de burlar a lei... não sabíamos...<br />
estamos indo embora agora...<br />
Clotaldo – Não há volta... tal invasão vai além... quebram com um plano estipulado<br />
e um destino traçado...<br />
Segismundo – Que dizes, Clotaldo? Que plano é esse? Falas do meu destino?<br />
Clotaldo – Para o teu bem... para o teu bem, meu caro... Se tu sabes – porque já te<br />
falei muitas vezes – que teus males são tão grandes e que por lei do céu morreste<br />
antes de nascer, porque reclamas? (Aos guardas.) Levem estes dois intrusos para a<br />
morte que merecem... Isolem a torre, fechem as celas... (Dois dos guardas levam<br />
Rosaura e Clarim que não reagem. Outros cuidam de Segismundo.<br />
72
Segismundo – Que bem fazes ao me tirar a liberdade? Por que me tiras os<br />
direitos? (Continua a clamar por liberdade.)<br />
Rosaura – (A Clotaldo, que instiga a truculência) Só crescemos quando nos<br />
relacionamos com os outros. Isso faz o homem ser o que é.<br />
Clotaldo – Essas relações removem a pureza do homem, por isso o preservamos<br />
aqui…<br />
Rosaura – Preservam?<br />
Clotaldo - O ideal é a solidão, esse foi sempre o meu lema, aquilo que me justifica...<br />
Rosaura – O que esperar de alguém de quem foram retirados os sentimentos de<br />
sua própria existência? Sabem que formatam um sujeito apto para o crime?<br />
Clotaldo – Guardas, levem estes dois daqui...<br />
Cena 5<br />
Estrela e Astolfo = Apresentam suas ambições e ligações com o poder. Traçam seus<br />
planos e firmam compromissos.<br />
Cena que apresenta os dois primos em sua busca desenfreada pelo poder.<br />
Cena intermediária, com função de entreter.<br />
Cena 6<br />
Estrela, Astolfo, o Rei Astrólogo e os Guardas = Reencontram-se depois de muito<br />
tempo. Falam sobre Segismundo e a decisão de colocá-lo na sociedade para que se<br />
certifiquem de que os presságios estejam corretos ou não. O rei quer, antes de<br />
73
delegar o reino ao casal de sobrinhos, perceber o seu filho, até então tido como<br />
natimorto, em ação com o poder.<br />
Estrela – Sábio, Douto, Basílio...<br />
Astolfo – Nosso tio, senhor nosso, que entre os signos...<br />
Estrela - Entre os astros...<br />
Astolfo – Hoje governas... Resides...<br />
Estrela – E seus caminhos, seus rastros, descreves, marcas e medes...<br />
Astolfo – Deixa que em ternos abraços nos encontre...<br />
Rei – Sobrinhos, venham ao meu encontro, já que a meu chamado atenderam tão<br />
afetivamente. (Abraçam-se)<br />
Estrela – Salve, Polônia...<br />
Astolfo - Estamos a vossa disposição, tio.<br />
Rei – Chamei-os para que eu faça um acordo...<br />
Astolfo – Acordo?<br />
Rei – Sabem vocês, que os herdeiros mais diretos do trono da Polônia são vocês e<br />
que eu, velho, preciso de continuidade... (Os dois se sentem melindrados e cheios<br />
do poder) Mas, há algo que eu preciso que saibam... uma condicional...<br />
Estrela – Condicional? O que poderia impedir essa ordem natural das coisas?<br />
Rei – Meu filho, Segismundo...<br />
74
Estrela – Filho, meu senhor?<br />
Astolfo – Teríamos nós um primo, com prioridade na sucessão?<br />
Rei – Sim, minha amada Clorilena, minha esposa, rainha esplendorosa, como<br />
sabem, morreu no parto de nosso primogênito.<br />
Estrela – Como todos sabemos...<br />
Rei – Mas, o filho que dissemos ter morrido, na verdade vive mísero, pobre e cativo<br />
numa torre, onde Clotaldo lhe tem falado, tratado e visto, ensinando-lhe ciências. Na<br />
lei católica o tem instruído...<br />
Astolfo – Uma notícia aterradora... se formos ver ... quer dizer...<br />
Estrela – Com certeza, inesperada e contundente...<br />
Rei – Os astros disseram – em sua clara referência – que das entranhas de minha<br />
mulher nasceria um monstro em forma de homem e, no seu sangue, lhe dava a<br />
morte, nascendo víbora humana do signo. Correndo aos meus estudos neles vi um<br />
grande aviso que Segismundo seria o mais atrevido e cruel monarca que se ouviria<br />
falar... Considerando a morte da mãe como o primeiro indício dos presságios,<br />
resolvi encurralar a fera que tinha nascido. Fiz constar que ele viera natimorto e,<br />
prevenido, mandei erguer uma torre entre penhascos e abismos, onde apenas a luz<br />
encontra brecha e os sons vêm dos ventos e pássaros...<br />
Estrela – Não consigo deixar de dizer que estou estupefata...<br />
Astolfo – Eu... nem sei... o que... dizer...<br />
Rei - Os homens não viveriam muito tempo em sociedade se não enganassem uns<br />
aos outros. (Pausa. O rei se surpreende com sua própria audácia.) Cada um de nós<br />
75
nasce duas vezes: na natureza e na própria sociedade, para a vida e para a<br />
existência; tanto uma quanto a outra são frágeis. No caso de Segismundo, nasceu<br />
apenas uma vez. Somente na natureza, para a vida. Tal história tem mantido em<br />
mim uma lacuna, a de não ter percebido o meu filho na sociedade. Não me sinto<br />
muito longe da idéia de um tirano. Sinto-me um tirano ao privá-lo do convívio e do<br />
reconhecimento de sua existência.<br />
Astolfo – Não devias sentir-se assim, nosso soberano. Há de existir uma solução<br />
para isso...<br />
Estrela – Sim, uma solução que possamos colocá-lo assim na verdade... sem ser<br />
verdade... assim... sei lá... entende?<br />
Rei – Sei, sim... uma solução genial: pediremos um remédio tal que lhe conturbe os<br />
sentidos. Hei de pô-lo amanhã, sem que saiba, no convívio com o social, elevando-<br />
lhe à condição de soberano. Daremos a impressão de um sonho. Isso mesmo, um<br />
sonho em que poderá viver os seus dias de reinado e perceber se se cumprem os<br />
presságios. Caso seja benigno, cordato e prudente, deixemos que o sonho seja<br />
eterno, porém, se surgir soberbo, atrevido e cruel, o sonho lhe será breve.<br />
Estrela – Que devemos fazer?<br />
Astolfo – Devemos... fazer... algo,... mesmo?<br />
Clotaldo – (de fora) Senhor rei, peço-vos a atenção... É grave a situação...<br />
Cena 7<br />
Estela, Astolfo, o Rei Astrólogo e Clotaldo = Clotaldo chega trazendo a notícia da<br />
invasão de Rosaura e seu acompanhante, quando é informado pelo próprio rei que<br />
ele, o príncipe, deverá ser socializado, tomando o poder. Para isso combinam<br />
colocá-lo na ilusão de que é um “sonho”, para aí decidirem o seu destino na “vida<br />
76
eal”.<br />
Rei – Entre e diga o que há...<br />
Clotaldo – (entrando, reverência rápida e incompleta) capturamos intrusos na torre...<br />
(referindo-se aos demais ouvintes, pedindo um aparte) na torre principal...<br />
Rei – Calma, estamos todos a par da situação de Segismundo...<br />
Clotaldo – Pensei que...<br />
Rei – Repensei... Vamos socializá-lo... colocá-lo em sua função de soberano, para<br />
observar seus atos. Não podemos fazer um julgamento sobre nós mesmos sem sair<br />
de nós e sem nos olhar pelos olhos dos outros.<br />
Clotaldo – Um caso de reconhecimento obtido à força: a soberania como meio de<br />
julgamento.<br />
Rei - Nosso comportamento é o resultado de fatores múltiplos, passados e<br />
presentes; ele ilustra o exercício de nossa liberdade.<br />
Clotaldo – E se ele não souber lidar com sua liberdade...<br />
Rei – Terá de perdê-la.<br />
Astolfo - Gostaríamos de estar no lugar deles.<br />
Estela – De quem?<br />
Astolfo - Deles... No fundo são tiranos e isso nos fascina...<br />
Estela – Somos tiranos, então... (Saem)<br />
77
Clotaldo – O que faço com os intrusos? Eles fugiram.<br />
Rei – Deixem-nos soltos; talvez possam ser úteis.<br />
Cena 8<br />
Clotaldo e o Rei Astrólogo, Clarim e sua voz dispersa às escondidas = O rei e<br />
Clotaldo confidenciam a execução do plano. Clotaldo descreve a ação. Basílio – o rei<br />
– pede para que se esteja preparado para caso o novo rei seja realmente um tirano,<br />
ficando acordado que o mesmo, neste caso, deveria voltar à torre e achar que teve<br />
um sonho apenas. Clarim ouve tudo e permanece quando os dois saem.<br />
Rei – Comenta, Clotaldo, o que se passou.<br />
Clotaldo – Tudo, assim como mandaste, tudo se cumpriu. Com a aprazível bebida<br />
que de misturas foi feita juntando virtudes de algumas ervas, cujo tirano poder e cuja<br />
força secreta priva o humano da palavra, deixando o cadáver vivo, tirando-lhe<br />
apenas os sentidos e potências... Há venenos que adormentam... Antes de sedá-lo,<br />
tive de ouvir acusações e insultos...<br />
Rei – E onde está Segismundo neste momento?<br />
Clotaldo – As gentes de quem tu fias colocaram-no num carro e levaram-no para o<br />
seu quarto, onde acordará como quem acorda de outro sonho.<br />
Rei – Quero que tudo seja bem realizado... Não deixem suspeitas de que não seja<br />
um sonho...<br />
Clotaldo – Há um sinal que me alerta dizendo que acordou e que logo por aqui<br />
estará.<br />
Rei – Tenho de me retirar. Tu como seu aio, chega e conta-lhe toda a verdade.<br />
78
Clotaldo – Contar a verdade?<br />
Rei – Sim. Poderá ser que sabendo, já conhecendo o perigo, mais facilmente se<br />
vença.<br />
Cena 9<br />
Clarim e a sua voz dispersa = Fala do destino que traçaram para Segismundo e<br />
avalia algo sobre a formatação de um criminoso. Se assim plantaram, assim<br />
colherão.<br />
Clarim – Alguém que não consegue ter reconhecimento o tentará a força.<br />
Voz Dispersa – Tudo o que o ser humano faz é reflexo do que ele viu os outros<br />
fazendo.<br />
Clarim – E o que os outros fazem é reflexo do que?<br />
Voz Dispersa – E no caso de Segismundo, como vamos saber quem será a vítima e<br />
quem será o tirano?<br />
Cena 10<br />
Clarim e sua voz dispersa e Rosaura = Rosaura chega trazendo a angústia de não<br />
encontrar quem procura. Clarim lhe diz sobre o “sonho” que o rei encomendou e a<br />
necessidade de interferir, não deixando que os presságios se confirmem e o príncipe<br />
possa ter outra referência, além daquela que estão 'armando' para ele. Ela decide<br />
interceder quando e o quanto possível. Anunciam a mudança de ares. O show devia<br />
começar naquele exato momento.<br />
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Rosaura – (entra) Aquilo que ouvi falar do príncipe na torre é verdade, Clarim?<br />
Clarim – Sim, tudo arquitetado para um exame de consciência do rei astrólogo...<br />
Estarão todos presentes, mas darão nuances de um sonho... Colocando à prova a<br />
tirania do príncipe...<br />
Voz Dispersa – Ele nunca saberá se o que ele viveu foi realidade ou sonho.<br />
Rosaura – Mais uma mentira?<br />
Clarim – O que faremos?<br />
Rosaura – Interceder nesse sonho...<br />
Clarim e Voz Dispersa – Ouça minha ama... Parece que o show está começando...<br />
(Saem.)<br />
Cena 11<br />
Um clima de show em um cabaré vagabundo se instaura e diversos personagens-<br />
tipo confundem-se com os demais personagens que até agora estiveram no<br />
espetáculo, exceção feita aos signos e guardas. Todos tomam ares de um<br />
artificialismo sem igual. Tudo se torna exagerado e forçado. Há muita música e uma<br />
sensação de embriagues. É um típico clima brechtiano. Clotaldo, Estrela e Astolfo<br />
perambulam pelo espaço como marionetes, tais como os personagens que<br />
representam os 4 poderes. Clarim e sua voz dispersa sente-se à vontade para agir e<br />
interagir num ambiente como aquele. O caos é a tônica da cena, demonstrando a<br />
“babel” humana, sua sociedade e seu funcionamento. Além disso, demonstrar o<br />
quanto estranhos são os hábitos do indivíduo em sociedade e o quanto a própria<br />
sociedade se policia e se monitora, tornando-se não humana.<br />
Clarim – Olha lá. Olha lá… Poxa, quantos heim?<br />
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Voz Dispersa – Quantos de você tem em você?<br />
Cena 12<br />
Os quatro poderes tomam a cena juntamente com Segismundo, os demais ficam em<br />
segundo plano, em movimentos lentos e caricatos. Os 4 vestem Segismundo com os<br />
tons do “sonho”. Apresentam-se e percebem-se. Segismundo foi artificializado em<br />
sua forma exterior.<br />
Segismundo - Valha-me o céu, o que vejo? Eu despertar em leito tão excelente? Eu<br />
rodeado de gente ajudando-me a vestir? Dizer que sonho é engano,bem sei que<br />
estou acordado. Eu, Segismundo, não sou?<br />
Ilusionista – Que melancólico está. Um rei novo deve ter outra imagem. A imagem<br />
de alguém de sucesso, com ares de quem não esteja nem aí para ninguém. Os<br />
olhares dos outros é que devem ter um só alvo: a tua pessoa... os teus olhares são<br />
relativos, escuta bem...<br />
Legislador – Correção de posturas e decoro legislativo e judiciário. Os pilares... meu<br />
jovem... sabe do que estou falando, pois não?!<br />
Segismundo – Ah, ah, ah,...<br />
Legislador – Uma gafe pode ser sempre passível de interpretações...<br />
Segismundo – Entenda como quiser...<br />
Religioso – (para o militar) A origem do orgulho reside provavelmente no desejo da<br />
criança de proteger-se dos golpes desferidos contra seu amor próprio. Um sistema<br />
de proteção, em circunstâncias difíceis.<br />
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Ilusionista – Peço mais música?<br />
Segismundo – Não. Não quero que cantem mais.<br />
Ilusionista – Tão admirado estais que quis divertir-vos.<br />
Militar – Não devemos nos divertir com tais vozes, só músicas militares é que me<br />
agradam ouvir. (Indo até Segismundo) Vossa Alteza, meu senhor, sua mão dê-me a<br />
beijar; serei o primeiro a mostrar obediência e fervor.<br />
Religioso – O maior exemplo de um rei é a devoção... Deus é...<br />
Segismundo – Deus sou eu... Ópio meu! Deus sou eu!<br />
Legislador – Neste caso, Deus necessita de leis para que...<br />
Segismundo – Deus não tem limites. Cuidado com o que dizes.<br />
Legislador – Um rei se legitima pelo cumprimento das leis que seu reino formulou...<br />
Segismundo – E quem és tu, diz?<br />
Legislador – O legislador do reino, voz e ouvido do povo.<br />
Segismundo – Um lacaio bifacial?<br />
Legislador – Uma referência para que o povo dimensione o rei que tem...<br />
Segismundo – Insiste em insultar-me?<br />
Religioso – Nada precisa ser sempre obrigatoriamente do nosso ponto de vista, se<br />
me permite, senhor... Não há insulto e sim o clamor por justiça em teu reinado...<br />
Somos os poderes nos quais está fundamentado o teu reino, senhor... Negligência a<br />
82
estes parâmetros pode não ser um bom começo...<br />
Segismundo – Chega de limites impostos, vivi uma vida inteira de privações e<br />
humilhações, quero agora a recompensa e o reconhecimento de todos pela minha<br />
autoridade... Sou o rei...<br />
Militar – Guardar teus passos e cumprir teus imperativos: eis minha função,<br />
senhor... Sou movido a impetuosidade e força bruta...<br />
Ilusionista – Saberei honrá-lo, senhor, em sua autoridade. Cuidarei de tua imagem<br />
diante da opinião popular... Basta que tenhamos jeito para a coisa...<br />
Religioso – Sou teu braço direito junto aos ânimos de teu populacho... Saberei<br />
como induzi-lo ao desmerecimento e a conformação...<br />
Legislador – Serei sempre o fiel de tua balança, senhor... Para que não pendas<br />
para lado nenhum...<br />
Cena 13<br />
Um dos poderes se contrapõe ao novo rei. É o legislador impondo regras há muito<br />
tidas como consenso naquele reino. Insuflado pela sutileza de sugestões dadas por<br />
Estrela e Astolfo, decide livrar-se dele, anulando o poder legislativo constituído para<br />
reinar absoluto, impondo as regras conforme as suas necessidades pessoais. Para<br />
tal, manda matá-lo, deixando atônitos todos os presentes.<br />
Astolfo – (aproximando-se meio irônico) Um rei não tem limites, meu caro primo...<br />
Estrela – (num tom provocador) Seja o que essa fera magoada sempre guardou e<br />
quis libertar: é agora e pode ser nunca...<br />
Segismundo – (ao legislador) As tuas leis me amputaram a vida. Tua sabedoria me<br />
83
anulou e isso não é motivo que justifique um crime? A vingança pelos anos todos de<br />
cadeia por algo que nem sei o por que... sou a falta de limites, sou o poder sem<br />
pitacos...<br />
Legislador – O que pretende o senhor?<br />
Segismundo - O meio para provar a meus próprios olhos, ou aos olhos de um<br />
terceiro, a minha soberania... (Pega-o pelo braço e o ameaça. Sai.)<br />
Astolfo – Que é isso?<br />
Estrela – Corre para o acalmar.<br />
Segismundo – (voltando) Foi-se no tanque afundar.<br />
Astolfo – Maior prudência, meu primo...<br />
Segismundo – Me instiga e agora me recrimina?<br />
Cena 14<br />
Clarim e sua voz dispersa e os demais = Clarim comenta sobre o indício de que os<br />
presságios estavam sendo cumpridos. Fala do primeiro passo de qualquer tirano: a<br />
eliminação das legislaturas. Os comentários são tão ambíguos e intrigantes que<br />
todos se percebem tocados, sem acreditar em tamanha audácia. Segismundo dá<br />
sinais de uma reação quando é interceptado pelo ilusionista, que o chama a atenção<br />
quanto à condição de bobo do audacioso.<br />
Voz Dispersa – Não nos contentamos com a vida que temos, queremos viver a dos<br />
outros, uma vida imaginária.<br />
84
Clarim – Nem que para isso a gente se torne o símbolo do medo e da imposição.<br />
Matar o legislador é um passo para a tirania absoluta.<br />
Segismundo – Quem és, deboche?... quem ousa-me apontar os fatos? Sou a nova<br />
lei, a lei sou eu...<br />
Ilusionista – Ninguém com quem se preocupar... um maltrapilho falador não agrada<br />
a ninguém... não vale a pena tanta exposição por um débil bobo da corte, alguém<br />
que não se sustenta... Veja só, a imagem da derrota... Espelhe-se em mim, não<br />
nele... sou uma esfera encantatória em tuas mãos...<br />
Cena 15<br />
Clotaldo se manifesta. Diz a Segismundo que seja mais comedido se desejar reinar<br />
e que não deve sentir-se já o todo-poderoso, porque ainda está vivo o legítimo rei.<br />
Roubando uma espada que estava à mão, Segismundo desfere – com uma espada<br />
de alegoria,daquelas retráteis – um golpe “mortal” em Clotaldo, dizendo que se<br />
sentia feliz em eliminar de vez a redoma em que o velho que acaba de matar o<br />
mantinha.<br />
Clotaldo – (entra cerimonioso. Beija a mão de Segismundo) Meu senhor...<br />
Segismundo – És Clotaldo. Como assim? Quem me maltratou na prisão esse<br />
tempo todo agora me respeita? O que é que se passa em mim?<br />
Clotaldo – Uma grande confusão que esse novo estado te dá. Saiba que és o<br />
herdeiro do trono da Polônia. E, o teres estado retirado e escondido para obedecer,<br />
tem sido às inclemências do teu destino... Teu pai, o rei, vem ver-te aqui onde estás<br />
e dele o mais vais saber.<br />
Segismundo – Infame, traidor, que tenho mais que saber, depois de saber quem<br />
sou e mostrar que começou minha soberba e poder? Me negaste esse direito, agora<br />
85
aceite... (Desfere-lhe um golpe “mortal” com sua espada de alegoria.) Para me<br />
vingar do que se recusaram me conceder!<br />
Religioso - O homem pensa apenas na satisfação de seus desejos, é a vida em<br />
sociedade que lhe ensina o altruísmo e a generosidade...<br />
Segismundo – (Ao cadáver) Manipulador, manipulando-me como um objeto.<br />
Cena 16<br />
Rosaura intercede. Entra de maneira natural, destoando totalmente dos demais<br />
componentes do quadro do “sonho”. Tal interferência chama muito a atenção de<br />
Segismundo que ordena que tudo pare para que ele possa se aproximar e conhecer<br />
tal criatura tão ímpar. Ao olharem-se nos olhos, ele imediatamente muda. Aliás a<br />
cena muda e um foco concentra-se no mesmo reconhecimento do olhar. Diz que já<br />
se espelhou em olhos tão grandiosos, mas que não se lembra de ninguém parecido<br />
com ela. Volta a ser o ser poético e puro que encontrou Rosaura vestida de homem.<br />
Rosaura entra em cena tão natural quanto um anjo, aos olhos de Segismundo.<br />
Segismundo – Os olhos que tanto busco! Os olhos inesquecíveis... os que me<br />
fizeram nascer para a existência! Parem todos, seus tolos, parem tudo! (Aquele<br />
sistema 'social' de funcionamento pára imediatamente de funcionar. Um foco muda<br />
completamente a cena, dando a impressão de uma volta ao interior da torre de<br />
Segismundo).<br />
Segismundo – (Para Rosaura, sua amada) Não há existência humana sem o olhar<br />
que trocamos entre nós.<br />
Rosaura - Somos felizes porque amamos. O eu não vem antes do outro. O rosto<br />
humano reconheço pelo olhar.<br />
Segismundo - Há algo além de seus olhos. Eu preciso do seu olhar para me sentir<br />
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vivo.<br />
Rosaura - Você é meu espelho e em você está minha imagem.<br />
Segismundo – (como num rompante, procurando alcançar com a voz mais<br />
pessoas) E quando isso não nos é permitido, hein, meu pai? Sei que me monitoras<br />
dias e noites, então, me responde! (Chora.)<br />
Cena 17<br />
O rei astrólogo percebe toda a cena e percebe que seu filho, ali, naquele momento,<br />
mostrou seu lado humano mais louvável. O ilusionista aproveita a deixa e enaltece<br />
as virtudes e valores do novo rei, tentando persuadir a todos para a tese de que isso<br />
suplanta os ajustes que foram precisos na equipe do novo governo.<br />
Ilusionista – Um rei que chora é um rei que tem em si a ternura necessária para<br />
governar. Mesmo que ajustes sejam necessários na equipe de seu governo, o novo<br />
rei promete... Vejam as virtudes desse ato copioso de chorar diante de seu público.<br />
Só pode ser de um espírito que a Polônia precisa neste momento: transparência e<br />
paixão... (Surpreendendo-se consigo mesmo) Isso mesmo, transparência e paixão!<br />
Cena 18<br />
O rei se manifesta repudiando dois assassinatos no primeiro dia do novo governo. É<br />
confrontado por Segismundo, como quem contesta a autoridade de um pai ausente<br />
e longínquo, invisível.<br />
Rei – (ao adentrar no recinto, tudo passa a ser em segundo plano, nada sequer se<br />
completa em cena) Isso tudo foi longe demais, príncipe Segismundo...<br />
Segismundo – Creio que, pela impetuosidade, sejas meu pai... o legítimo rei ainda<br />
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vivo... finalmente presente...<br />
Rei - A exigência que você me faz, ou seja, de reconhecê-lo em sua existência, traz<br />
para mim a confirmação da minha: sou reconhecido como aquele de quem você tem<br />
necessidade.<br />
Segismundo – Já tive mais... muito mais necessidade de vossa majestade...<br />
Principalmente nos momentos em que não sabia para que viver... mas, ausência não<br />
capta olhares... e os meus olhos arregalados de pavor diante da solidão nunca serão<br />
vistos, quanto mais reconhecidos...<br />
Rei – Nada disso justifica um a perversidade.<br />
Segismundo - Não existe instinto perverso. O sofrimento é que faz alguém<br />
perverso. Não será justo julgar-me... sou uma vítima...<br />
Rei - Quem não pode ser feliz a não ser segundo a escolha dos outros, sente-se a<br />
justo título infeliz.<br />
Segismundo - A agressividade somente existe em função de um objetivo, combater<br />
os rivais. Deixe-me em paz. (O rei sai.)<br />
Cena 19<br />
Astolfo – (oferecendo-lhe um brinde) Deixe seus problemas de lado e brinde à vida.<br />
(Bebem juntos. Segismundo cambaleia até cair. Blecaute)<br />
Cena 20<br />
Cena de transição, na qual todo o elenco transforma a cena para o Epílogo. Há<br />
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música cantada, acompanhada por percussão.<br />
Tudo Pro Meu Próprio Bem<br />
Compositor: Gonzaga Jr.<br />
Todos: Fazemos isso pro teu próprio bem<br />
Joanna: ...Um punhal, uma corda e o açúcar na mão<br />
Todos: Fazemos isso pro teu próprio bem<br />
Alessandra: ...A carícia da cobra, o sorriso do bom<br />
Todos: Meça teus passos pro teu próprio bem<br />
Sim pro teu próprio bem<br />
Leomar falando: Sim pro meu próprio bem<br />
Jamais me perguntaram<br />
Se eu queria ou não<br />
Se era aquilo ou não<br />
Que eu queria viver<br />
Pra quê?...<br />
Marcaram caminhos<br />
Nem deixaram pra mim<br />
Minha morte<br />
Meu próprio fim escolher<br />
Pro meu próprio bem<br />
Todos: Sim, pro teu próprio bem<br />
Fazemos isso pro teu próprio bem<br />
Mariana: Gravados nas lages, nos muros, nas mentes<br />
Todos: ...Fazemos isso pro teu próprio bem<br />
Rafael: Palavras formosas lançadas ao vento<br />
Fazemos isso pro teu próprio bem<br />
Leomar falando: Pro meu próprio bem<br />
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Cena 21<br />
Segismundo é preso novamente tal como o vimos no início do espetáculo. Está<br />
adormecido. Clotaldo e os Guardas o repõem na torre. Estão novamente cobertos.<br />
Clotaldo - Aqui tenho que deixá-lo, hoje a soberba precisa ter fim. Volta ao mesmo.<br />
E assim as tuas algemas volto a atar.<br />
(O Rei Astrólogo observa a cena de longe.)<br />
Clotaldo – (para o rei) Olha teu filho ali, reduzido ao miserável estado. Deve estar<br />
acordando de um sonho ruim... veja a necessidade que tem de respirar todo ar que<br />
existe no mundo... (Rei sai).<br />
Segismundo – Fui à grandiosa praça que é o teatro do mundo para uma afronta<br />
vingar... Sou eu, porventura? Que coisas tenho sonhado... eu vi mesmo aqueles<br />
olhos? Eu me vi ali e perdi a calma e a aceitação que tinha! Rompi uma barreira em<br />
minha alma e pelo que vejo terei sempre um corpo fadado à prisão... Clotaldo, me dê<br />
a solução para isso! Meu tutor, que sonho eu tive!... real como agora...<br />
Clotaldo - Já é hora de acordar...<br />
Segismundo – Acordar?<br />
Clotaldo – Não queiras dormir mais... Desde que estive contigo há dois dias não<br />
acordastes...<br />
Segismundo – Um sono profundo... um sonho profundo... Não. Não posso estar<br />
enganado, pois, se tudo foi sonhado eu vi tudo palpável, certo, quanto agora... Se<br />
sonhar é assim tão intenso, posso duvidar que esse momento seja real...<br />
Clotaldo – Conte-me o sonho, então...<br />
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Segismundo – Não direi o que sonhei, mas sim o que vi... Os poderes do império e<br />
seus nobres, com rostos de porcelana, rendidos a meus pés... Me deram nome e<br />
disseram ser seu príncipe... Estenderam galas, jóias e vestidos... Desde então perdi<br />
a calma de meus sentidos. Se estou com esta sensação até agora, eu fui príncipe<br />
até hoje manhã...<br />
Clotaldo – E eu, estive em teus sonhos?<br />
Segismundo – Sim e eu o matei...<br />
Clotaldo – Quanto rigor!<br />
Segismundo – De todos era senhor e todos me vingava...<br />
Clotaldo – Vingava-se de que?<br />
Segismundo – De terem me feito um tirano... agora posso entender a fúria que me<br />
assolava por dentro aqui sozinho, sem saber por que... dentro de mim um sensação<br />
de vazio... e tu nem sequer um olhar... cadê os teus olhos? Por que me privas de teu<br />
olhar? (Clotaldo chama os guardas e os mesmos entram na torre).<br />
Clotaldo – São os delírios do sonho... nada mais... nada mais, meu menino... a vida<br />
não tem rosto, como tu, como eu, como qualquer um aqui... somos identidades<br />
secretas que perambulam umas entre as outras, sem parar para ouvir...<br />
Segismundo – Mas, não é justo...<br />
Clotaldo – Não nos cabe tal discussão, meu pequeno aprendiz... Foi o império do<br />
sonho, vamos aos fatos...<br />
Segismundo – Os fatos?<br />
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Clotaldo – O aqui e o agora... a tua condição de aprendiz...<br />
Segismundo – Prisioneiro!<br />
Clotaldo - ... e a minha de tutor...<br />
Segismundo - ... assassino!<br />
Clotaldo - Não traga as confusões dos sonhos para a tua vida...<br />
Segismundo – A fúria cega dos atos que pretensamente sonhei vieram de uma<br />
ausência que de repente eu percebera, uma ausência do olhar de alguém... Eu pude<br />
me espelhar e aí então eu percebi que haviam me tirado aquilo que mais precisava<br />
para não ser um tirano... A culpa não pode ser minha! ... um tirano... formatado... por<br />
todos vocês... e só a mim cabe essa prisão... tiranos, tiranos,...<br />
(Segismundo adormece, sedado. Clotaldo sai de cena e os Guardas voltam a ocupar<br />
seu lugares fora da torre.)<br />
Cena 22<br />
Rosaura e Clarim e sua voz dispersa estão novamente clandestinos, desta vez<br />
fugindo daquele castelo. Comentam sobre o príncipe prisioneiro.<br />
Rosaura – Um príncipe... um ser transtornado pelo sofrimento e pela rejeição... um<br />
espírito corrompido... O efeito de uma causa injusta. Primeiro retiram dele tudo que<br />
possa construir um cidadão e depois julgam-no sem deixar alternativa, sem deixar<br />
sequer uma possibilidade de defesa...<br />
Voz Dispersa – O homem é solitário e reúne-se em sociedade apenas por fraqueza<br />
e falta de coragem.<br />
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Rosaura – Um indivíduo é um resultado do todo que o cerca... (Saem)<br />
EPÍLOGO<br />
Segismundo e os Signos: os mesmos sons feitos no Prólogo III preenchem a cena,<br />
enquanto isso Segismundo se questiona se a vida é sonho.<br />
Segismundo – Sonho? Vida? Isso é um sonho? A vida é sonho?<br />
(Neste momento a mãe retorna como espírito e coloca-o para ninar, sem que o filho<br />
a veja ou a toque. Os signos reluzem no céu)<br />
F I M<br />
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