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Versão eletrônica - Furb

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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU - FURB<br />

CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO<br />

DEPARTAMENTO DE ARTES<br />

“A VIDA É SONHO?”<br />

MEMORIAL DESCRITIVO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO<br />

REALIZADO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III.<br />

BLUMENAU<br />

2007<br />

RAFAEL KOEHLER


RAFAEL KOEHLER<br />

“A VIDA É SONHO?”<br />

MEMORIAL DESCRITIVO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO<br />

REALIZADO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III.<br />

Memorial Descritivo apresentado à disciplina<br />

Trabalho de Conclusão de Curso, do<br />

Departamento de Artes, do Centro de<br />

Ciências da Educação, da Universidade<br />

Regional de Blumenau, como requisito<br />

parcial para a obtenção do título de<br />

Bacharel em Teatro - Interpretação<br />

Teatral.<br />

Profª Ms. Olívia Camboim Romano -<br />

Orientadora<br />

BLUMENAU<br />

2007


A VIDA É SONHO?<br />

MEMORIAL DESCRITIVO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO<br />

Presidente/<br />

Orientadora:<br />

REALIZADO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III.<br />

Por<br />

RAFAEL KOEHLER<br />

Trabalho aprovado para a obtenção do<br />

título de Bacharel em Teatro –<br />

Interpretação Teatral pela banca<br />

examinadora formada por:<br />

________________________________________________<br />

Profª. Ms. Olívia Camboim Romano – FURB<br />

Membro: ________________________________________________<br />

Profª. Ms. Marilene de Lima Körting Schramm – FURB<br />

Membro: ________________________________________________<br />

Prof. Ms. André Ricardo de Sousa - FURB<br />

Blumenau, 20 de novembro.


AGRADECIMENTOS<br />

Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, Luís Carlos Koehler e Maria de<br />

Lourdes Koehler, que acreditaram e fizeram se tornar real o meu sonho de cursar<br />

Teatro no Ensino Superior.<br />

À professor Olívia Camboim Romano, que com paciência e sabedoria orientou<br />

este Memorial Descritivo.<br />

Aos professores da Universidade Regional de Blumenau que tanto me<br />

ensinaram nestes últimos quatro anos, em especial aos professores Roberto Carlos<br />

Murphy, Fábio Luís Hostert, André Ricardo de Sousa e Olívia Camboim Romano que<br />

nos auxiliaram no processo de montagem deste último semestre.<br />

Ao diretor teatral da cidade de Blumenau, Pépe Sedrez, que me fez acreditar em<br />

um teatro voltado para a arte e que me inspira até hoje.<br />

Aos meus amados amigos de classe, Joanna Oliari, Léo Kufner, Sabrina Moura,<br />

Sabrina Marthendal, Luciana May, Roberto Morauer, Leomar Peruzzo, Kátia Meyer,<br />

Gisele Bauer, Alessandra Gonçalves, Daniela Farias e Mariana Freitas, que me<br />

ensinaram o quanto é importante a união dentro de um curso universitário, o valor de<br />

uma amizade, e principalmente, porque me ensinaram a amá-los com suas<br />

particularidades.


RESUMO<br />

Este trabalho consiste em um Memorial Descritivo do processo de criação do<br />

espetáculo realizado no segundo semestre do ano de 2007, pelos acadêmicos do<br />

VIII semestre do curso de Bacharelado em Teatro – Interpretação Teatral, sob a<br />

direção/orientação do professor Roberto Carlos Murphy. Sendo esta a terceira<br />

montagem realizada pelos acadêmicos durante o curso, nas disciplinas de Prática de<br />

Montagem, recebe o nome de “A Vida é Sonho?”, baseada nas obras “A Vida é<br />

Sonho” de Pedro Calderón de La Barca e “A Vida em Comum” de Tzvetan Todorov.<br />

Este trabalho está estruturado em quatro capítulos: no primeiro se localiza a<br />

introdução ao trabalho. No segundo a descrição e análise do processo de<br />

concepção de dramaturgia e cenografia do espetáculo. No terceiro capítulo se<br />

encontra a exposição e avaliação da construção das três personagens que interpreto<br />

nesta montagem: Signos, Guardas e Poderes. No quarto e último capítulo as<br />

considerações finais do trabalho.<br />

Palavras Chave: Teatro; “A Vida é Sonho?”; FURB; TCC/Memorial Descritivo.


SUMÁRIO<br />

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 07<br />

2 O PROCESSO .................................................................................................... 08<br />

2.1 CONCEPÇÃO DRAMATURGICA ..................................................................... 08<br />

2.1.1 A VIDA EM COMUM ....................................................................................... 09<br />

2.1.2 A VIDA É SONHO .......................................................................................... 13<br />

2.2 DRAMATURGIA DE “A VIDA É SONHO?” ....................................................... 17<br />

2.2.1 A VIDA É SONHO? ........................................................................................ 19<br />

2.3 CENOGRAFIA .................................................................................................. 22<br />

3 ATUAÇÃO .......................................................................................................... 26<br />

3.1 SIGNOS ............................................................................................................ 32<br />

3.2 GUARDAS ........................................................................................................ 36<br />

3.3 PODERES ........................................................................................................ 40<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 43<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 45<br />

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA ........................................................................... 47<br />

ANEXOS ................................................................................................................... 49<br />

ANEXO I –DIFERENÇAS ENTRE O MODERNISMO E O PÓS-MODERNISMO ..... 49<br />

ANEXO II – “O GRITO MUDO”- HELENE WEIGEL .................................................. 51<br />

ANEXO III – IMAGENS DA CRIAÇÃO DA PERSONAGEM SIGNO ......................... 52<br />

APÊNDICES ............................................................................................................. 53<br />

APÊNDICE I – ESPAÇO CÊNICO - ANDAIME ......................................................... 53<br />

APÊNDICE II – ESPAÇO CÊNICO - ESCADAS ....................................................... 54<br />

APÊNDICE III – “A VIDA É SONHO?”– PRIMEIRO ESBOÇO.................................. 56<br />

APÊNDICE IV – “A VIDA É SONHO?” – VERSÃO FINAL ........................................ 66


1 INTRODUÇÃO<br />

Este Memorial Descritivo visa expor o processo de construção do espetáculo e<br />

das personagens desenvolvido na disciplina Prática de Montagem III, sob a direção<br />

do professor Roberto Murphy, com o auxílio das disciplinas: Interpretação Teatral<br />

VII, professora Olívia Camboim Romano; Preparação Corporal para a Cena III,<br />

professor Fábio Luís Hostert; Dramaturgia II, professor Roberto Murphy; e<br />

Preparação Vocal para a Cena III, professor André Ricardo de Sousa.<br />

Acredito que descrever a última Prática de Montagem oferecida pela<br />

Universidade Regional de Blumenau é de extrema importância, pois neste último<br />

semestre colocamos em prova todo o conhecimento adquirido durante o curso de<br />

Bacharelado em Teatro – Interpretação Teatral.<br />

Com a metodologia utilizada pelo professor Murphy, de divisão da turma em<br />

equipes responsáveis pela produção cenotécnica do espetáculo, os alunos<br />

necessitaram estudar novamente conceitos essenciais sobre os aspectos técnicos<br />

do teatro: iluminação, cenografia, caracterização, e sonoplastia. Esta divisão de<br />

grupos de trabalho põe em avaliação o que foi aprendido pelos acadêmicos nas<br />

disciplinas oferecidas tanto nos semestres anteriores, como Aspectos Visuais do<br />

Teatro, Música e Ritmo, entre outras, quanto as oferecidas neste semestre, como<br />

Preparação Vocal Para a Cena III e Dramaturgia II.<br />

O processo estará descrito neste memorial apenas até a segunda quinzena do<br />

mês de novembro, pois, infelizmente, a entrega do mesmo acontecerá antes do final<br />

do processo de criação do espetáculo, que será concluído no dia 20 de novembro de<br />

2007.<br />

Este memorial descritivo está estruturado da seguinte forma: análise do<br />

processo de criação dramatúrgica do espetáculo: estudos sobre as obras “A Vida em<br />

Comum” de Tzvetan Todorov e “A Vida é Sonho” de Pedro Calderón de La Barca<br />

que culminou na obra “A Vida é Sonho?”; descrição do processo de criação de<br />

cenografia; e análise da criação das personagens interpretadas por mim neste<br />

espetáculo.


2 O PROCESSO<br />

Este capítulo visa apresentar e avaliar o processo de criação do espetáculo “A<br />

Vida é Sonho?” concretizado na disciplina Prática de Montagem III, incluindo os<br />

estudos teóricos feitos, a concepção da peça, até a finalização da obra dramática e<br />

cenográfica.<br />

Dentre os estudos teóricos realizados, posso mencionar: “A Vida é Sonho” de<br />

Pedro Calderón de La Barca, “A Vida em Comum” de Tzvetan Todorov, “Dicionário<br />

de Teatro” de Patrice Pavis, “Dança e Pós-Modernidade” de Eliana Rodrigues Silva e<br />

“O Papel do Corpo no Corpo do Ator” de Sônia Machado Azevedo. Estes estudos<br />

foram feitos com o intuito de termos a base teórica necessária para dar início ao<br />

processo de criação de um novo espetáculo.<br />

Toda essa exposição é necessária para que possa ser compreendido o processo<br />

de concepção do espetáculo desenvolvido na disciplina Prática de Montagem III,<br />

ministrada pelo professor Roberto Carlos Murphy, com o auxílio das disciplinas:<br />

Interpretação Teatral VII – professora Olívia Camboim Romano; Preparação<br />

Corporal Para a Cena III – professor Fábio Luís Hostert; Treinamento Vocal V –<br />

professor André Ricardo de Sousa; e Dramaturgia II – professor Roberto Carlos<br />

Murphy.<br />

2.1 CONCEPÇÃO DRAMATURGICA<br />

O trabalho de montagem no VIII semestre do curso de Teatro teve início, na<br />

disciplina de Dramaturgia II, com a leitura de um trecho do livro “Dança e Pós-<br />

Modernidade” (2005) de Eliana Rodrigues Silva onde a autora aponta as principais<br />

diferenças entre o Modernismo e o Pós-Modernismo (VER ANEXO I).<br />

O professor Murphy nos propôs trabalharmos nessa montagem com os<br />

princípios do Pós-Modernismo. Um estudo sobre as diferenças do Modernismo e do<br />

Pós-Modernismo foi feito juntamente com um estudo sobre o processo genético da<br />

8


produção dos signos corporais, descrito por Sônia Machado Azevedo em “O Papel<br />

do Corpo no Corpo do Ator” (2004). “O processo genético de produção dos signos<br />

corporais […] tem início no instante em que a intenção de criar aparece”.<br />

(AZEVEDO, 2004, p.169).<br />

Dar vida a uma personagem requer um processo de trabalho, um tempo<br />

necessário para criar, o que Azevedo chama de “uma espera ativa”. Este tempo de<br />

criação demanda de uma energia ativada pela vitalidade do intérprete que necessita<br />

de um momento de amadurecimento de significado, como um feto que precisa de<br />

um tempo para se desenvolver e estar pronto para nascer. Após este<br />

amadurecimento é imprescindível utilizar a energia como impulso criador até chegar<br />

ao ato criador em si, ato este que requer um corpo disponível para dar saída a ação<br />

e esteja ao alcance de outro processo de criação: o público, que retorna essa<br />

energia criativa.<br />

O Pós-Modernismo e o Processo Genético de Produção dos Signos Corporais<br />

são a base do nosso processo de montagem do VIII semestre.<br />

O professor Murphy nos propôs, e nós aceitamos trabalhar também com as<br />

obras “A Vida em Comum” de Tzvetan Todorov e “A Vida é Sonho” de Calderón de<br />

La Barca como norteadores da nossa montagem neste semestre.<br />

2.1.1 “A VIDA EM COMUM”<br />

A obra “A Vida em Comum” de Tzvetan Todorov (1996) trata do tema<br />

“Antropologia Geral”. Nos dias de hoje a antropologia dificilmente é trabalhada<br />

pensando no geral, e normalmente tem como objetos de estudo sociedades<br />

particulares ou suas culturas.<br />

Tzvetan Todorov trabalha com o sentindo literal da palavra antropologia:<br />

conhecimento do homem. E sabendo que a antropologia está no meio caminho entre<br />

as ciências humanas e a filosofia é que o autor se concentra na observação dos<br />

aspectos das atividades humanas.<br />

9


A antropologia é vasta e por esse motivo concentramos a nossa leitura em<br />

apenas um aspecto: “tratar não do lugar do homem na sociedade, como se faz<br />

habitualmente, mas, ao contrário, do lugar da sociedade no homem” (TODOROV,<br />

1996, p. 10).<br />

Pesquisadores europeus, referente à definição do que é humano, concluem que<br />

a vida em comum, em sociedade, geralmente não é concebida como necessária ao<br />

homem. Isto nos mostra que a humanidade vive entre dois lados: a vida real,<br />

também de nossas ilusões, e o fato do ser humano estar preso na rede de relações<br />

sociais. Porém pode-se perceber que o homem é um ser que necessita viver em<br />

sociedade, pois para ele não há outra forma de existência possível. Apesar de se<br />

preocupar com os demais apenas na aparência, sendo um ser egoísta e<br />

interesseiro, um ser que vê os outros como rivais ou obstáculos, o ser humano<br />

precisa da sociedade, mesmo ela sendo enganosa. “Os homens não viveriam muito<br />

tempo em sociedade se não enganassem uns aos outros. Cremos erroneamente<br />

que os outros nos querem bem; se nos tornássemos lúcidos, a sociedade<br />

desapareceria”. (TODOROV, 1996, p. 16)<br />

A sociedade tem por intenção amenizar os inconvenientes da guerra<br />

permanente de todos contra todos. Ela é artificial, pois os homens renunciam aos<br />

instintos e conseqüentemente não encontram a satisfação pessoal.<br />

O ser humano tem necessidade dos outros, ele precisa comparar-se aos<br />

demais, ou para se sentir superior ou para querer estar no lugar deles. O homem<br />

sociável não sabe viver senão de acordo com a opinião dos outros e é desse<br />

julgamento externo que extrai o sentimento da sua própria existência.<br />

A humanidade almeja usufruir do reconhecimento alheio. Desejamos “que nos<br />

observem, que se ocupem de nós, que prestem atenção em nós com simpatia,<br />

satisfação e aprovação”. (TODOROV, 1996, p.28). A origem de todo julgamento está<br />

na referência aos outros, não podemos fazer um julgamento sobre nós mesmos sem<br />

sair de nós e sem nos olharmos pelos olhos dos outros.<br />

O ser humano é inicialmente um objeto material (ser), e isso dita alguns de seus<br />

comportamentos. Ao mesmo tempo é um ser vivo (viver), um animal, e partilha com<br />

os demais animais seus traços característicos. Mas o homem é também um ser<br />

humano, sendo diferente a qualquer outro ser vivo, pois vive em sociedade, em<br />

companhia dos outros homens (existir).<br />

10


A humanidade compartilha o “ser” com toda a matéria, arqueja o “viver” com<br />

todos os seres vivos, mas pulsa o “existir” apenas para a humanidade, somente com<br />

o reconhecimento do outro homem.<br />

É o reconhecimento que determina a entrada do indivíduo na existência<br />

especificamente humana. Quando a criança participa das ações como alterar ou<br />

cooperar na brincadeira, recebe também a confirmação de sua existência pelo fato<br />

de que seu parceiro lhe reserva um lugar para ouvi-la.<br />

Nós, seres humanos, necessitamos ser reconhecidos, tanto profissionalmente<br />

quanto nas relações pessoais. Quando somos obrigados pela sociedade a exercer<br />

uma função essencial para obtermos a aprovação pública estamos tentando ser<br />

reconhecidos por pessoas que julgamos ser superiores a nós: o reconhecimento<br />

superior.<br />

Opostamente a isso encontramos o reconhecimento inferior, que também nos<br />

faz sentirmos vivos. Um exemplo disso é quando o artista precisa do aplauso dos<br />

seus admiradores após sua apresentação.<br />

Podemos também nos tornar nossa única forma de reconhecimento,<br />

desenvolvendo em exagero o nosso orgulho e reservando-nos o direito exclusivo de<br />

apreciar nossos próprios méritos.<br />

O ser humano se depara também com o reconhecimento de conformidade:<br />

aquele que obtêm seu reconhecimento pelo fato de se conformar aos usos das<br />

normas que considera apropriada a sua condição. A satisfação se consegue da<br />

conformidade às normas do grupo, o de se sentir existir pelo grupo.<br />

Além de todos os tipos de reconhecimentos já citados, ainda há o<br />

reconhecimento de distinção: aquele que se mostrar o mais forte, mais bonito, o<br />

mais brilhante, quer evidentemente se sobressair aos demais. Esse tipo de<br />

reconhecimento favorece a competição, pois pedimos para que reconheçam a nossa<br />

existência e confirmem o nosso valor.<br />

A humanidade passa a vida tentando ser reconhecida, de uma forma ou de<br />

outra. Se formos amados ou odiados, rejeitados, reforçamos o nosso sentimento de<br />

existência. Até conseguimos ser indiferentes à opinião dos outros, mas jamais<br />

poderemos ficar insensíveis à falta de reconhecimento de nossa própria existência.<br />

O indivíduo procura existir, mais ainda do que viver, e não há existência humana<br />

sem o olhar que trocamos entre nós.<br />

11


Alguns seres humanos rejeitam toda e qualquer forma de reconhecimento tendo<br />

atitudes radicais, como o uso de drogas pesadas, pois quando se está “viajando”<br />

tem-se a sensação de plenitude, de auto-suficiência, que permite a despreocupação<br />

com as reações de quem nos cerca.<br />

Querer ser reconhecido ou negar esse reconhecimento é algo que todos os<br />

seres humanos já sentiram. Mas por que isso acontece com todos nós? A resposta é<br />

simples: há vários “eus” existentes em cada um de nós.<br />

Diariamente temos vários pensamentos e interesses que estão sempre ativos<br />

dentro de nós. Existe no ser humano o “eu” racional; outro que faz insinuações a<br />

cerca de possibilidades; outro que provoca desejos; outro que contesta estes<br />

desejos e muitos outros mais.<br />

Estes diversos “eus” nos fazem criar relações imaginárias sobre nós. Por<br />

exemplo: a relação de antecipação é o nosso julgamento do que achamos que o<br />

outro acha de nós; a relação de suposição é a satisfação dos nossos desejos<br />

através de outra pessoa; a relação de provocação é o nosso desejo indo contra a<br />

nossa vontade; a relação arcaica caracteriza-se pelo que ficou da nossa infância, o<br />

certo e o errado; etc. Todos esses “eus” estão interligados em busca de algo maior:<br />

o reconhecimento; a existência.<br />

Cada um de nós, seres humanos, nascemos duas vezes: na natureza e na<br />

sociedade, para a vida e para a existência. Quando chegamos ao mundo somos<br />

totalmente dependentes, tanto física quanto socialmente, pois necessitamos do<br />

adulto para nos alimentar e do olhar da mãe para entramos definitivamente na<br />

sociedade.<br />

Porém, quando chegamos à velhice, vivemos um declínio não somente do<br />

corpo, mas também da existência. O drama de envelhecer não é ter necessidade<br />

dos outros, mas que os outros não têm mais necessidade do idoso. Os velhos<br />

morrem sós, pois a existência já lhes tirou a vida.<br />

Tzvetan Todorov é um intelectual europeu que se destina a avaliar os rumos do<br />

mundo. Lingüista, semiólogo, filósofo e historiador de origem búlgara, viveu até os<br />

vinte e três anos sob o totalitarismo comunista, e exilou-se na França em 1963,<br />

adquirindo a nacionalidade francesa.<br />

12


Estudou na Universidade de Sofía e após o exílio freqüentou o curso de Filosofia<br />

da Linguagem, ministrado por Roland Barthes e em 1967 escreveu sua tese de<br />

doutorado intitulada “Literatura e Significação”.<br />

Hoje em dia Todorov é Diretor do Centro de Pesquisa sobre as Artes e a<br />

Linguagem da cidade de Paris, porém já ministrou aulas na École Pratique de<br />

Hautes Études e na Universidade de Yale e Diretor do Centro Nacional de Pesquisa<br />

Científica de Paris (CNRS).<br />

2.1.2 A VIDA É SONHO<br />

A peça “A Vida é Sonho” (1635), de Calderón de La Barca, começa ao anoitecer,<br />

em um lugar montanhoso e solitário da Polônia. Aparece em cena Rosaura, uma<br />

jovem vestida de homem. Esta indumentária masculina significa que a jovem quer<br />

esconder sua identidade e, portanto, dá a entender ao leitor que leva consigo um<br />

segredo, possivelmente amoroso. Em efeito, mais adiante irá se descobrir que esta<br />

mulher, viaja à Polônia em busca de sua honra e de Astolfo, sobrinho do rei e<br />

herdeiro da coroa, que a seduziu há um tempo atrás em Moscou. Porém, esta<br />

informação chegará mais tarde. Agora o público só tem em si um mistério.<br />

Junto com a jovem viaja seu criado, Clarim, e ambos se dirigem a um pequeno<br />

palácio que se encontra nas vizinhanças. Seu aspecto é sinistro e a porta está<br />

aberta; entram e descobrem uma prisão escura. Nesse cenário terrível, carregado de<br />

correntes e vestido somente por pele, Segismundo lamenta o seu infortúnio:<br />

Pobre de mim, ai mísero, infeliz!<br />

Descobrir, céus, pretendo,<br />

se neste estado me vi,<br />

que delito cometi<br />

contra vós outros, nascendo;<br />

pois se nasci, eu entendo<br />

o delito cometido.<br />

Bastante razão há tido<br />

vossa justiça e rigor.<br />

Não é delito maior<br />

do homem o ter nascido? (BARCA, 1971, p.12)<br />

13


Ao voltar à torre onde Segismundo está preso, Clotaldo, pai de Rosaura –<br />

informação que é descoberta com o desenrolar da peça – e tutor do príncipe,<br />

encontra a jovem e seu criado dentro do calabouço. Clotaldo manda prender os<br />

intrusos e os leva ao palácio do Rei Basílio.<br />

Segismundo é filho de Basílio, rei da Polônia, que leu nas estrelas o presságio<br />

de que seu filho seria um tirano ao começar a governar; para impedir que isto<br />

acontecesse, Basílio prendeu Segismundo na torre em que Rosaura e Clarim o<br />

encontraram. Recentemente o rei havia proclamado como o herdeiro do trono da<br />

Polônia o seu sobrinho Astolfo, o sedutor da jovem.<br />

Apesar de suas decisões anteriores, Basílio conta a seus sobrinhos (Astolfo e<br />

Estrela) e a toda a corte sobre a verdadeira origem de Segismundo e decide pôr a<br />

prova o seu filho: ordena que o narcotizem e que o transportem ao palácio, para ver<br />

como ele vive em liberdade.<br />

Assim que desperta Segismundo reage com violência, como um ser que não<br />

domina os seus próprios instintos, e seu pai crê estar confirmado os presságios.<br />

Segismundo é novamente narcotizado e devolvido à torre.<br />

Quando desperta, Clotaldo o convence de que tudo havia sido um sonho. Isto<br />

terá conseqüências importantes, porque fará que o jovem príncipe duvide de toda a<br />

realidade: agora já não pode saber nem mesmo se sua prisão é verdadeira, porque<br />

poderia ser também um sonho. A idéia está expressa nos versos que conclui a<br />

segunda jornada:<br />

Eu sonho que estou aqui<br />

de cadeias carregado,<br />

e sonhei que em outro estado<br />

mais lisonjeiro me vi.<br />

Que é vida? Um frenesi;<br />

Que é vida? Uma ilusão,<br />

uma sombra, uma ficção,<br />

e é pequeno o maior bem;<br />

que o sonho a vida sustém<br />

e os sonhos sonhos são. (BARCA, 1971, p.77)<br />

Para o desfecho da peça, Calderón recorre à uma revolta popular: os súditos se<br />

voltam contra Basílio por haver designado o trono a Astolfo, e reclamam que o<br />

soberano Segismundo está preso, ainda duvidando se o que aconteceu foi realidade<br />

ou sonho.<br />

14


Após a revolta do povo Segismundo é solto e comanda os exércitos de seu pai,<br />

e atua com a prudência que se pode esperar de um príncipe, restabelecendo o<br />

equilíbrio: permite a Basílio que siga no trono; perdoa Clotaldo; casa Rosaura com<br />

Astolfo; e faz um contrato de matrimônio com Estrela.<br />

No desenrolar da peça é fundamental a evolução do caráter de Segismundo,<br />

que passa de ser uma criatura bruta, sofrida, dominada, para se transformar em um<br />

exemplo de prudência. A chave desta transformação se encontra justamente na<br />

aparente irrealidade de tudo que acontece. Segismundo aprendeu que toda vida é<br />

um sonho e que essa idéia deve acabar com toda a vaidade e toda a ambição de<br />

seu espírito. Clotaldo lhe havia dito que nos sonhos se deve fazer o bem. Agora<br />

Segismundo sabe que tem de agir corretamente, mesmo nos sonhos. É significativo<br />

que essa incerteza o guie para a prudência.<br />

Pedro Calderón de La Barca, autor de “A Vida é Sonho”, é nascido em 17 de<br />

janeiro de 1600. Era descendente de uma nobre família espanhola. Era seu pai,<br />

Dom Diego, descendente dos nobres. Seu nome de família vem de um de seus<br />

antepassados que parecia ter nascido morto; assim o meteram em um caldeirão de<br />

água quente, segundo costumes da época, para verificar se era certo que não havia<br />

vida naquele corpo, mas no momento em que a criança entrou em contato com a<br />

água de temperatura elevada, deu seus primeiros gritos.<br />

Seu pai, que era ministro das propriedades dos Reis Felipes, II e III, o pôs aos<br />

nove anos em um colégio de jesuítas, e logo passou a Salamanca, onde brilhou no<br />

estudo de matemática e filosofia.<br />

Aos trezes anos estréia sua primeira comédia, “O Carro do Céu”, fantasia que se<br />

desenrola entre o Céu e a Terra, mas em 1625 Calderón de La Barca inicia a sua<br />

carreira oficial como dramaturgo, transformando-se de maneira surpreendentemente<br />

rápida no ‘dramaturgo oficial da corte’.<br />

Autor de diversas obras – autos sacramentais e comédias religiosas, de<br />

costumes, ciúme, amor e filosóficas - Calderón marca, sem dúvida alguma, a história<br />

do teatro espanhol e mundial.<br />

La Barca coloca em cena um número menor de personagens, comparado a<br />

grandes nomes de sua época, como Lope de Vega por exemplo. Com isso a peça<br />

acontece em torno da personagem principal, e todos os elementos giram em torno<br />

15


dela, o que fortalece a intensidade dramática. Suas complexas metáforas e sua<br />

riqueza expressiva vêm de um verdadeiro conceito intelectual.<br />

“A Vida é Sonho” é um exemplo da complexidade de Calderón, pois a obra trata<br />

de quatro temas principais: o livre arbítrio; a comparação da vida com um sonho; o<br />

problema do poder do Estado; e a honra.<br />

O tema principal é o livre arbítrio, questão que em 1635 enfrentava a teólogos e<br />

filósofos: em que medida o homem pode decidir se é livre, se Deus já sabe de<br />

antemão qual vai ser seu destino? Pode um homem vencer as inclinações com que<br />

foi marcado pela natureza? Basílio, baseado em um sonho e em um horóscopo, crê<br />

saber o funesto destino de Segismundo. Pensando em neutralizá-lo, nega<br />

implicitamente a liberdade deste. Mas adiante, duvida, e coloca seu filho a uma<br />

prova. Porém, Segismundo se mostra feroz. Cumpre-se o destino? Não terá sido<br />

Basílio responsável por isto? O desenrolar da peça provará que o homem é livre e<br />

capaz de vencer suas mais poderosas inclinações. A solução de Calderón se adapta<br />

a doutrina ortodoxa dos teólogos espanhóis de seu tempo: o homem possui a<br />

liberdade suficiente para levar sua própria vida pelo caminho do bem.<br />

Outro tema que surge na peça é a comparação da vida com um sonho, uma<br />

relação direta com a aparência e a realidade, e com o sentimento de inconsistência<br />

da vida. Como saber se o que vivemos é realidade ou é ilusão? Calderón não se<br />

detém a resolver o problema. Se esquiva e descobre uma saída moral: se a vida é<br />

sonho, fazer o bem é o que importa.<br />

A obra suscita outra questão: o problema político de legitimidade do poder, da<br />

razão do Estado e da tirania. Basílio, em nome dos interesses de seu reino, anula os<br />

direitos de Segismundo. Este lhe acusa de tirania que, em nome de seu gosto,<br />

pisoteia normas e pessoas. Uma vez mais, Calderón resolverá esta questão com um<br />

enfoque moral: Basílio sairá de seu erro e Segismundo se converterá em um modelo<br />

de príncipe prudente.<br />

O tema honra também tem o seu lugar nesta obra, porém em segundo plano.<br />

Calderón é pertencido a concepção usual: a desonra de Rosaura só pode ser<br />

reparada fazendo com que Astolfo cumpra a palavra dada ou que o mesmo seja<br />

levado a morte. A lei da honra está acima de todos: Segismundo terá de acalmar o<br />

seu amor e renunciar a Rosaura.<br />

16


2.2 DRAMATURGIA DE “A VIDA É SONHO?”<br />

Feito os estudos sobre os livros “A Vida em Comum”, de Todorov, e “A Vida é<br />

Sonho”, de Calderón de La Barca, criamos uma estrutura que seria a base da nossa<br />

peça e dividimos as personagens, suas funções no enredo e os atores que a<br />

representarão.<br />

As personagens denominadas “Signos”, “Guardas” e “Poderes” são<br />

interpretadas pelos acadêmicos: Alessandra Gonçalves, Joanna Oliari Macoppi,<br />

Mariana Freitas e eu (Rafael Koehler); o “Rei Astrólogo” por Roberto Morauer;<br />

“Segismundo” por Leomar Peruzzo; a “Mãe” por Gisele Bauer; “Clotaldo” por Kátia<br />

Meyer; “Estrela” por Daniela Farias; “Astolfo” por Leonardo Kufner; “Clarim” por<br />

Luciana May; a “Voz Dispersa” por Sabrina Marthendal e “Rosaura” por Sabrina<br />

Moura.<br />

Cada uma dessas personagens exerce uma função dentro do enredo: os Signos<br />

são os presságios; os Guardas e os Poderes são a vida real; o Rei Astrólogo é o<br />

meio da peça; Segismundo é o eixo principal, o indivíduo; a Mãe é a lacuna; Clotaldo<br />

é o obstáculo; Estrela e Astolfo são o conflito; Clarim e sua Voz Dispersa são o<br />

sarcasmo e a crítica, respectivamente; e Rosaura é a projeção, o símbolo de<br />

coragem, determinação e superação.<br />

Depois de feita essa divisão, o professor de dramaturgia, Roberto Carlos<br />

Murphy, nos pediu para ler o verbete “Fábula” no “Dicionário de Teatro” (1999), de<br />

Patrice Pavis e fazermos um debate sobre a definição de Pavis.<br />

Podemos constatar que fábula pode ser tanto o material anterior à composição<br />

da peça, quanto a estrutura narrativa da história. Esta última definição de fábula é<br />

que orientou nosso trabalho.<br />

Pensando em compor a fábula como estrutura narrativa da história é que unimos<br />

a essência da obra de Todorov com a seqüência de fatos que constituem a estrutura<br />

da obra de Calderón de La Barca.<br />

Para criarmos a nossa dramaturgia pensamos sempre em “estruturar as ações –<br />

motivações, conflitos, resoluções, desenlace – num espaço/tempo que é “abstrato” e<br />

17


construído a partir do espaço/tempo e do comportamento dos homens”. (PAVIS,<br />

1999, p.157).<br />

A essência da obra de Todorov é levada ao palco pelas seguintes personagens:<br />

Signos, Rei Basílio, Rosaura, Clarim e sua voz dispersa. Tzvetan também nos<br />

inspirou a trabalhar com as sensações do ser humano. Em “A Vida em Comum”<br />

encontramos a ênfase do espetáculo, que está no reconhecimento do individuo pelo<br />

olhar do outro.<br />

Segismundo se reconhece no olhar de Rosaura e automaticamente passa a<br />

existir perante a sociedade e se sente reconhecido. Clarim e sua voz dispersa, em<br />

diversos momentos da peça, fazem uma ligação entre os acontecimentos com a<br />

sociedade atual, a necessidade dos seres humanos viverem em sociedade e de<br />

serem reconhecidos.<br />

Para que essas personagens pudessem estar falando, em seus textos, a<br />

essência do livro de Todorov, todos os acadêmicos selecionaram dezenas de frases<br />

de “A Vida em Comum” e encaixaram em seus textos, supervisionado, obviamente,<br />

pelo professor Roberto Murphy. Um exemplo disso é a fala do Rei Basílio na cena 6,<br />

quando o mesmo decide contar aos sobrinhos sobre a existência do filho:<br />

Os homens não viveriam muito tempo em sociedade se não enganassem<br />

uns aos outros. (Pausa. O rei se surpreende com sua própria audácia).<br />

Cada um de nós nasce duas vezes: na natureza e na própria sociedade,<br />

para a vida e para a existência; tanto uma quanto a outra são frágeis. No<br />

caso de Segismundo, nasceu apenas uma vez. Somente na natureza, para<br />

a vida. [...]. (MURPHY, 2007, p.4).<br />

Da obra “A Vida é Sonho”, de Calderón de La Barca, ficou apenas o que a<br />

turma, juntamente com o professor Murphy, julgou necessário para contar a história<br />

do príncipe Segismundo. (ver em 2.2.1). Dos quatro temas propostos na obra<br />

original, damos ênfase apenas a dois: a comparação da vida real com um sonho; o<br />

problema do poder do Estado;<br />

O livre arbítrio não deixou de aparecer, porém o destaque é menor. A busca de<br />

Rosaura para reaver sua honra foi substituída por uma busca mais ampla,<br />

significando no nosso espetáculo a busca do ser humano por algo maior, como a<br />

humanidade em busca de um Deus que não é visto, mas que se ouve falar da<br />

existência.<br />

18


O professor Murphy incluiu os Signos na história, sendo os astros onde o Rei<br />

Basílio lê o presságio sobre seu filho ser um tirano. Além dessa inclusão, a peça foi<br />

reescrita com falas da obra de Todorov, como já citado, e com diálogos criados pelo<br />

grupo em improvisações, ficando composta pelo Prólogo I, II e III; pela Jornada<br />

Única, dividida em vinte e duas cenas e pelo Epílogo.<br />

No dia 30 de agosto, por exemplo, Alessandra, Joanna, Mariana, Roberto e eu<br />

criamos a primeira parte do prólogo, escolhendo frases do livro de Todorov para<br />

serem utilizadas e improvisando a cena. As demais partes do prólogo foram criadas<br />

no mesmo estilo: reuníamo-nos, escolhíamos as frases do livro de Todorov e<br />

improvisávamos. Ao final, a cena criada era mostrada a todos. O professor Murphy e<br />

a turma discutiam sobre o que era criado e o que estava sendo dito, se as frases<br />

realmente deveriam ficar ou se necessitavam serem mudadas. Essa concepção<br />

coletiva aconteceu durante todo o processo de criação do texto, e após o mesmo<br />

criado fazíamos mudanças e redirecionamentos de frases na nossa obra.<br />

2.2.1 “A VIDA É SONHO?”<br />

O Rei Basílio – astrólogo – lê nos Signos que seu herdeiro, o príncipe<br />

Segismundo, será um tirano quando subir ao trono. Após o parto que nasce<br />

Segismundo, no qual acontece a morte da rainha, o Rei Astrólogo percebe que a<br />

tirania do filho já havia começado e decide mantê-lo confinado em uma torre, onde<br />

Clotaldo, conselheiro do rei, o educa e alimenta.<br />

O tempo passa e Rosaura – uma moça que vaga pelas terras do reino em busca<br />

de algo, que não sabe ao certo o que é – acompanhada por Clarim e sua Voz<br />

Dispersa, seu criado, encontram uma torre e resolvem entrar. Ao adentrar no recinto<br />

descobrem um jovem que há anos reside ali.<br />

Neste momento Segismundo, vê pela primeira vez um rosto humano – o de<br />

Rosaura – e se reconhece através dos olhos dela. Percebendo-a como uma<br />

extensão de si mesmo, o jovem questiona a sua condição e acende em si a<br />

necessidade de transcender.<br />

19


Rosaura, Clarim e sua voz dispersa entraram na torre por um vacilo dos<br />

guardas. Ao voltar ao calabouço Clotaldo encontra os intrusos no local, ameaçando-<br />

os de morte e retirando-os dali, levando os mesmos para o palácio do Rei Basílio.<br />

Os guardas voltam a ficar de prontidão e o príncipe Segismundo dá os primeiros<br />

sinais de querer ir além de si mesmo.<br />

No palácio, Estrela e Astolfo – sobrinhos do rei – ambicionam o trono. O rei<br />

Basílio os encontra e decide contar a verdade sobre o seu filho. Sentindo-se um<br />

tirano por suprimir a liberdade do filho decide submeter o jovem príncipe a uma<br />

prova.<br />

Clotaldo, ao chegar ao palácio para informar o rei Basílio sobre os intrusos na<br />

torre é surpreendido com a decisão do mesmo de pôr a prova os presságios, dando<br />

o poder ao filho. Basílio explica a todos que uma ilusão será criada para que<br />

Segismundo seja testado. É neste sonho que será decidido o destino real do<br />

príncipe: se a tirania for confirmada, o mesmo volta a ser trancafiado na torre e<br />

Clotaldo deve explicar que tudo não passou de um sonho; caso o contrário aconteça<br />

o rei deixa o trono para seu herdeiro real.<br />

Clarim e sua Voz Dispersa, fugitivos, ouvem tudo que se combinou e avaliam a<br />

situação pensando na formatação de um criminoso, pois se assim plantaram, assim<br />

colherão.<br />

Clarim – Alguém que não consegue ter reconhecimento o tentará a força.<br />

Tudo o que o ser humano faz é reflexo do que ele viu os outros fazendo. E o<br />

que os outros fazem é reflexo do que? E no caso de Segismundo, como<br />

vamos saber quem será a vítima e quem será o tirano? (MURPHY, 2007,<br />

p.13).<br />

Após este sonho ser armado, o Rei Basílio manda que dêem ao filho uma poção<br />

para dormir e ordena que o levem secretamente para seu palácio, dando-lhe uma<br />

oportunidade de revelar seu caráter.<br />

Quando acorda Segismundo se depara com os quatro Poderes vestindo-o,<br />

sendo eles o Militar, Religioso, Legislativo e Ilusionista. Ao perceber que o príncipe<br />

acordara, os Poderes se apresentam, explicando as suas funções ao novo rei.<br />

É neste momento que um dos poderes, o Legislador, se contrapõe ao novo rei,<br />

impondo regras. Entusiasmado pela sutileza de sugestões dadas por Astolfo e<br />

Estrela, Segismundo mata o Legislador.<br />

20


Este acontecimento faz com que Clarim se manifeste falando sobre os<br />

presságios que começam a ser cumpridos, deixando evidente que os primeiros<br />

passos de um tirano é eliminar as leis. Segismundo dá sinal de se manifestar,<br />

quando o poder chamado de Ilusionista intervém e rebaixa Clarim a um mero bobo<br />

da corte, que não sabe o que diz.<br />

Clotaldo também se manifesta, dizendo a Segismundo que o novo rei ainda está<br />

vivo e que ele deve ser moderado se deseja continuar no trono. Neste momento<br />

Segismundo rouba uma espada falsa de seu primo Astolfo e mata Clotaldo – o<br />

mesmo finge morrer, pois como a espada é de mentira Clotaldo não morre na vida<br />

real, apenas no sonho.<br />

Rosaura, que até então apenas assistia a encenação feita para o príncipe,<br />

interfere de modo natural, contrapondo-se ao artificial das demais personagens.<br />

Segismundo ordena que tudo pare e olhando nos olhos da moça o novo rei se<br />

transforma, voltando a ser uma criatura pura e poética e reconhecendo-se<br />

novamente no olhar trocado entre os dois.<br />

O Rei Basílio se manifesta contra o príncipe Segismundo, pois o mesmo se<br />

comportou de forma tão abominável no primeiro dia de reinado que seu pai percebe<br />

a impossibilidade absoluta de algum dia confiar-lhe a coroa e o reino. Manda que o<br />

seu sobrinho Astolfo dê a poção novamente ao príncipe e o levem de volta à torre.<br />

Quando o príncipe acorda, entra em contato com Clotaldo e questiona-o sobre o<br />

ocorrido, tendo a resposta de que tudo que havia sido vivido era sonho.<br />

Rosaura, Clarim e sua Voz Dispersa, fugidos do castelo, passam novamente<br />

pela torre onde Segismundo está preso e comentam sobre o príncipe prisioneiro:<br />

Rosaura – Um príncipe... um ser transtornado pelo sofrimento e pela<br />

rejeição... um espírito corrompido... O efeito de uma causa injusta. Primeiro<br />

retiram dele tudo que possa construir um cidadão e depois julgam-no sem<br />

deixar alternativa, sem deixar sequer uma possibilidade de defesa...<br />

Clarim – O homem é solitário e reúne-se em sociedade apenas por fraqueza<br />

e falta de coragem.<br />

Rosaura – Um indivíduo é um resultado do todo que o cerca... (MURPHY,<br />

2007, p.25).<br />

Ao final Segismundo está novamente sozinho na torre e os signos o observam.<br />

O príncipe se questiona se a vida é sonho ou realidade.<br />

21


2.3 CENOGRAFIA<br />

Desde o princípio do semestre a turma demonstrou interesse em trabalhar com<br />

um espaço alternativo e na primeira semana de aula de Dramaturgia II o professor<br />

Roberto Murphy nos apresentou uma proposta inicial do espaço cênico da nossa<br />

peça.<br />

A sugestão do professor foi colocar os Signos no alto, representando os astros;<br />

e o príncipe Segismundo preso numa jaula de ferro, que abriria para os lados<br />

quando o mesmo fosse levado para a sociedade. No espaço onde estaria a jaula<br />

aberta, os Poderes tomariam a cena. O público estaria ao redor da cena – arena<br />

total – com o intuito de tornar a peça mais intimista.<br />

Após os estudos das obras citadas anteriormente, durante as aulas de<br />

Dramaturgia II, o professor sugeriu que nos dividíssemos em grupos de trabalho que<br />

ficassem responsáveis por determinados aspectos da montagem e produção do<br />

espetáculo. Esta sugestão foi acatada por todos, pois apesar de sabermos que a<br />

ênfase do curso de Bacharelado em Teatro é a Interpretação Teatral, sentimos a<br />

necessidade de colocar em prática o que aprendemos nas disciplinas de Música e<br />

Ritmo, Preparação Vocal I, II, II, IV e V, Maquiagem e Caracterização, Canto I e II,<br />

Aspectos Visuais do Teatro, Prática de Montagem I e II, entre outras disciplinas<br />

freqüentadas ao longo do curso, e acreditamos que por ser nossa última Prática de<br />

Montagem necessitamos estar capacitados, como grupo, para montar e excursionar<br />

com a peça de teatro, tendo a responsabilidade que um grupo teatral profissional<br />

necessita na criação e turnê de um espetáculo.<br />

A divisão dos grupos de trabalho foi feita de acordo com o interesse de cada<br />

acadêmico em participar de tal aspecto da criação do espetáculo. Os grupos<br />

responsáveis pela montagem foram divididos em: Cenografia: Sabrina Moura,<br />

Leonardo Kufner e eu (Rafael Koehler); Iluminação: Roberto Morauer, Luciana May e<br />

Kátia Meyer; Caracterização: Daniela Farias, Alessandra Gonçalves, Mariana Freitas<br />

e Gisele Bauer; Sonoplastia: Joanna Oliari, Sabrina Marthendal e Leomar Peruzzo; e<br />

Dramaturgia: todo o grupo.<br />

22


O mesmo método de divisão ocorreu na escolha por produzir a peça em sua<br />

cidade natal ou atual, ficando as datas, cidades e responsáveis por produção da<br />

seguinte maneira: dia 28 de novembro, apresentação em Blumenau, produção de<br />

Kátia, Leomar, Gisele, Mariana e Luciana; 29 de novembro, em Lontras, Alessandra<br />

e Daniela; 30 de novembro, em Jaraguá do Sul, Joanna e Sabrina Marthendal; 01 de<br />

dezembro, em Indaial, Roberto e Sabrina Moura; e 02 de dezembro, em Ilhota,<br />

Leonardo e eu;<br />

Após a divisão de produção e montagem ter sido feita, os grupos começaram os<br />

seus trabalhos. Sabrina, Leonardo e eu iniciamos por pesquisar as possibilidades de<br />

colocar os quatro atores que representam as personagens Signos no alto. A<br />

princípio trabalhamos com a possibilidade de dependurar os mesmos nas barras de<br />

ferro que se encontram na sala S113, porém essa possibilidade foi descartada por<br />

não termos a estrutura desta sala nas cidades que vamos excursionar.<br />

A próxima alternativa foi pendurar os atores no alto de um ginásio de esportes,<br />

pois este espaço é facilmente encontrado em todas as cidades. Para tal ação<br />

precisaríamos de equipamentos de segurança utilizados em rapel, por exemplo.<br />

Para nos auxiliar no estudo dessas propostas, chamamos à FURB um bombeiro,<br />

chamado Silvio. O mesmo avaliou a sala S113 e nos disse que seria possível utilizar<br />

as barras para sustentar os atores, mas pelo que ele percebeu, visualmente, teria<br />

que ser um ator em cada barra e mesmo assim teríamos que ver a planta do local.<br />

Aproveitando a visita, fomos avaliar o ginásio de esportes que há na instituição. O<br />

bombeiro nos falou que seria possível pendurar os atores no alto, porém a<br />

dificuldade seria encontrar escadas altas o suficiente para chegar ao teto e fazer os<br />

acoplamentos necessários para a segurança dos atores.<br />

Em ambas as idéias necessitaríamos utilizar equipamentos de rapel para fazer<br />

tal suspensão. O problema encontrado neste equipamento foi o custo alto do<br />

mesmo, e a não eficiência em voltar ao alto durante a peça, como necessitam os<br />

atores. Outra possibilidade que surgiu foi de trabalharmos com tecidos, porém o<br />

bombeiro nos alertou sobre o custo do material e nos disse que este tipo de trabalho<br />

necessita de um treinamento técnico específico e um condicionamento físico<br />

apropriado, pois o trabalho é voltado todo à força dos atores em se segurar no<br />

tecido, se os mesmos ficarem cansados podem cair facilmente.<br />

23


Após avaliar as reais condições dos espaços, descartamos a idéia de trabalhar<br />

no ginásio, pois além de termos que arquitetar uma estrutura que fechasse o local<br />

para que a acústica fosse melhorada, não teríamos dinheiro para comprar os<br />

equipamentos necessários e para pagar os instrutores do rapel, rejeitamos também<br />

a idéia de os atores estarem pendurados em barras de ferro.<br />

A visita do bombeiro foi importante para o nosso processo, pois colocamos os<br />

pés no chão e começamos a pensar em idéias cabíveis dentro do orçamento da<br />

Universidade. Com toda a turma discutimos sobre quais possibilidades teríamos de<br />

dependurar estes atores. Foi neste momento que surgiu a idéia de utilizarmos<br />

andaimes para os mesmo poderem subir e descer com facilidade.<br />

O andaime, além de facilitar os atores a trabalharem no alto, seria utilizado como<br />

o local onde Segismundo estaria preso, substituindo a grade de ferro inicialmente<br />

proposta pelo professor Murphy (ver APÊNDICE I). Durante uma semana<br />

pesquisamos preços de aluguel e verificamos se a Universidade teria seus próprios<br />

andaimes. Como imaginado inicialmente o aluguel se tornaria caro pelo longo tempo<br />

que teríamos que ficar com estes materiais, utilizando-os nos ensaios e na turnê.<br />

Entramos em contato com as instâncias responsáveis e descobrimos que a FURB<br />

também não tem andaimes próprios.<br />

Como já estávamos em setembro e ainda não tínhamos encontrado uma<br />

solução adequada a nossa realidade, conseguimos marcar uma reunião com a<br />

professora Roseli, do curso de Arquitetura, para que a mesma nos auxiliasse. No dia<br />

24 de setembro fomos ao Galpão de Arquitetura e ficamos esperando pela<br />

professora, como combinado, porém a mesma não compareceu à reunião. Enquanto<br />

esperávamos por ela, a equipe de iluminação chegou ao local, pois somente através<br />

do que nós decidiríamos é que eles poderiam começar a fazer o plano de luz. Juntos<br />

iniciamos uma discussão sobre a realidade do curso, o tempo hábil para deixarmos<br />

pronto a cenografia, e a resolução do problema em colocar os atores das<br />

personagens Signos no alto.<br />

Considerando este último item de grande importância para a realização de nossa<br />

peça decidimos, então, por utilizar escadas para que os atores pudessem estar no<br />

alto. Neste momento a idéia de utilizar a grade de ferro no centro da cena estava<br />

descartada, pois as escadas substituiriam esta grade. Assim que voltamos a sala,<br />

explanamos nossas idéias a todo grupo, sugerindo a utilização das escadas. O<br />

24


professor Murphy ficou interessado em nossa resolução para o problema e<br />

juntamente com a turma decidiram por utilizar as escadas, tanto para que os atores<br />

fiquem no alto, quanto para fazer a torre onde Segismundo está preso.<br />

Durante toda a construção da cenografia estivemos sugerindo mudanças no<br />

espaço cênico. Quando pensamos no ginásio, indicamos uma caixa preta para<br />

abafar o som; quando falamos sobre as escadas, recomendamos que o público<br />

estivesse em quatro lados, formando uma cruz. O nosso trabalho não era,<br />

especificamente, encontrar um espaço cênico, mas sim uma cenografia que<br />

estivesse de acordo com a proposta do espetáculo. Porém, como o processo de<br />

criação do espetáculo foi aberto a todas as opiniões desde o início, tivemos a<br />

liberdade de sugerir espaços cênicos adequados ao que estávamos criando. Por<br />

este motivo o espaço do espetáculo foi se alterando durante o processo.<br />

Iniciamos a utilização do primeiro espaço que sugerimos com as escadas, isto é,<br />

com o público em quatro lados. Em seguida, o professor Murphy nos disse que dois<br />

dos espaços onde o público estava deveria ser descartado, pois a cena estava<br />

ficando sufocada, e desta decidimos por acatar a sugestão do professor e chegamos<br />

ao espaço que utilizamos na peça. Assim decidimos o nosso cenário e, juntamente<br />

com a turma, o espaço cênico (ver APÊNDICE II).<br />

25


3 ATUAÇÃO<br />

As primeiras cenas da peça “A Vida é Sonho?” começaram a ser criadas nas<br />

aulas de Prática de Montagem III a partir de improvisações feitas pelos acadêmicos,<br />

dando-se assim o inicio do processo de construção das personagens.<br />

No dia 30 de agosto, como já citado no último parágrafo do item 2.2, iniciamos a<br />

criação da primeira parte do prólogo, utilizando-nos de frases retiradas do livro de<br />

Todorov e incluindo o trabalho de pesquisa através de imagens que estava sendo<br />

desenvolvido nas disciplinas de Preparação Corporal Para a Cena III e Interpretação<br />

Teatral VII.<br />

Ambos os professores estavam trabalhando a partir de imagens conosco, nos<br />

instigando a encontrar sensações, ações, movimentações que as personagens<br />

poderiam ter e principalmente desenvolvendo o nosso trabalho imaginativo para<br />

alcançarmos o nosso principal objetivo: ser crível, tanto no processo de trabalho<br />

quanto no resultado final.<br />

Exercitar a imaginação do ator e a maneira de criar vínculos entre o que o ator<br />

imagina com o que o público percebe é de extrema importância para conseguirmos<br />

ser críveis. “A imaginação do ator tem que ser uma imaginação que se encarna”<br />

(MALLET, 2000, p.04), uma imaginação não apenas mental, mas que envolva todo o<br />

corpo e os cinco sentidos.<br />

É fato que o corpo e a mente se influenciam reciprocamente e estão em<br />

constante interação, por este motivo o ator deve estar ciente que o corpo e a<br />

psicologia podem ser tanto aliados, quanto os piores inimigos. Se o ator não souber<br />

utilizar estes instrumentos, dificilmente conseguirá expressar idéias criativas no<br />

palco.<br />

Sabemos que o caminho para encontrar uma harmonia entre esses dois<br />

elementos não é fácil, mas o ator tem que lutar pela realização desta harmonia<br />

completa. Michael Chekhov acredita que para chegar a esse encontro é necessária<br />

26


a realização de exercícios que aflorem a sensibilidade do corpo para os impulsos<br />

criativos psicológicos.<br />

O corpo de um ator deve absorver qualidades psicológicas, deve ser por<br />

elas impregnado, de modo que o convertam gradualmente numa membrana<br />

sensitiva, numa espécie de receptor e condutor de imagens, sentimentos,<br />

emoções e impulsos volitivos de extrema sutileza (CHEKHOV, 1996, p.02)<br />

Não podemos pensar em exercícios que trabalhem apenas o físico, mas sim que<br />

desenvolvam juntamente com o corpo a parte psicológica do ator. Se nos fecharmos<br />

ao trabalho físico podemos valorizar demais o significado deste corpo e fazer com<br />

que nos afundemos num ambiente “anti-artístico”, pois o corpo do ator pode se<br />

tornar menos animado, que por fim retrata sempre a mesma personagem e têm as<br />

possibilidades diminuídas, transformando-se em artistas que levam a vida tal como<br />

ela é para o palco, sem nenhuma diferença de energia e motivação. Um ator que<br />

não trabalha o seu corpo junto com a parte psicológica pode se tornar frio, e com a<br />

influência do mundo capitalista e materialista em que vivemos, pode fechar a sua<br />

mente para os impulsos da imaginação, e o corpo do ator só pode ser mais sensível,<br />

flexível e expressivo com incessantes exercícios que entusiasmem o impulso<br />

artístico.<br />

Tanto o professor Fábio quanto a professora Olívia, desenvolveram um trabalho<br />

de preparação do corpo e construção das personagens, respectivamente,<br />

embasados na imaginação do ator. O uso de imagens nesse processo foi<br />

importante, pois através delas exercitamos não somente o corpo, mas também a<br />

mente.<br />

Um exemplo é o exercício proposto pela professora Olívia durante as aulas de<br />

Interpretação. Denominei o exercício de “O Susto do Gato”. Este exercício condiz em<br />

deitarmos no chão como um gato totalmente preguiçoso que deita na varanda da<br />

casa. Deixarmos o corpo relaxado e assim que recebermos um estímulo – seja<br />

sonoro, visual ou imaginativo – devemos primeiramente reagir com o olhar, virando-o<br />

para o local de onde surgiu o estímulo.<br />

Ao receber um estímulo, a máscara exterioriza-o também através do olhar.<br />

[…] Imediatamente segue-se a reação corporal, isto é, o ator se desloca<br />

para aproximar-se e verificar melhor a causa da perturbação. Nesse ir em<br />

direção ao estímulo, não são necessários mais do que três ou quatro<br />

27


passos e, no total, entre o perceber, ir em direção ao estímulo, conferi-lo e<br />

reagir, não deve haver mais do que cinco ou sete movimentos. (AMARAL,<br />

2002, p.50)<br />

Os estímulos utilizados foram diversos, desde o som de uma carteira caindo e<br />

batendo no chão com toda a força, até a percepção imaginativa de uma música que<br />

estaria vindo de um piano. Trabalhar com a imaginação neste exercício é muito<br />

válido, pois imaginar um som ao longe ou uma cobra, – outro estímulo utilizado pela<br />

professora – nos faz crer na reação que temos, e exercitando a nossa imaginação e<br />

a crença no que a mesma é capaz de nos estimular, poderemos obter a capacidade<br />

de sermos criveis, tanto no processo quanto no resultado final, e para isso o ator<br />

precisa encontrar um corpo sensível e uma psicologia rica e viva, conseguindo<br />

completar um ao outro e com isso encontrando uma harmonia necessária.<br />

Durante todo o processo de criação das personagens nos foi exigido ações<br />

claras, vivas e equilibradas; uma harmonia entre corpo, emoção e pensamento.<br />

Estas exigências foram necessárias, pois “para que as intenções do ator fiquem<br />

totalmente claras, com vivacidade intelectual, emoção verdadeira, um corpo<br />

equilibrado e disponível, os três elementos – pensamento, sentimento e corpo –<br />

devem estar em perfeita harmonia”. (BROOK, 1999. p.14)<br />

Encontrando essa harmonia é que poderemos ser críveis aos olhos do<br />

espectador, pois embora tenhamos personagens irreais, estamos falando sobre a<br />

humanidade em nossa peça, sobre a vida.<br />

Apesar de o teatro ser vida, ser sobre a vida, não podemos representá-la como<br />

ela é, pois no palco a vida está centralizada em tempo, espaço e ação. “A vida no<br />

teatro é mais compreensível e intensa porque é mais concentrada” (BROOK, 1999,<br />

p. 8). Para sermos críveis e fazer-nos compreender precisamos eliminar tudo que é<br />

desnecessário, intensificando o restante.<br />

Um artista de verdade tem por objetivo não apenas copiar aparentemente a vida<br />

cotidiana, mas mostrar ao público as diversas faces dos seres humanos e as suas<br />

profundidades, deixar aparecer o que há por trás dos acontecimentos da vida, fazer<br />

com que o público consiga ver além das superfícies e significados do dia-a-dia.<br />

Conseguir fazer com que o espectador veja além da superfície não é um<br />

trabalho simples e fácil. Depende não somente da dramaturgia, mas também do<br />

trabalho de atuação.<br />

28


Na nossa vida cotidiana estamos acostumados a não trabalhar o corpo o<br />

suficiente para que o mesmo tenha uma flexibilidade, sensibilidade e uma<br />

musculatura apropriada para o ator. E é trabalhando o corpo e a mente que o ator<br />

consegue criar imagens que sejam independentes e mutáveis em si mesmas, sem<br />

esquecer-se de aperfeiçoá-las com questionamentos sobre elas, estando aberto<br />

para as mudanças, talvez radicais, que possam acontecer com as respostas<br />

encontradas.<br />

O processo de construção da personagem envolve uma espécie de demolição<br />

do que é criado, e um ator deve aceitar este medo e realmente destruir o que já tem,<br />

para poder descobrir algo novo. “A regra fundamental é que, até o último momento,<br />

tudo é uma forma de preparação, e portanto temos que correr riscos, sabendo que<br />

nenhuma decisão é irrevogável” (BROOK, 1999, p.21).<br />

Neste semestre tivemos a oportunidade de entrar em contato com uma<br />

metodologia diferenciada das vivenciadas anteriormente nas disciplinas Prática de<br />

Montagem I e II, uma metodologia que propõe um processo de criação coletiva,<br />

onde todos os membros do grupo têm voz de decisão no todo da peça. Estar aberto<br />

para demolir o que foi criado é algo presente em nosso processo, tanto na<br />

construção da personagem, quanto na concepção de cenografia, figurino, iluminação<br />

e sonoplastia.<br />

Entrar em contato com esse processo nos fez crescer como atores, pois em<br />

muitos momentos dentro da Universidade nos apaixonamos ou apenas nos<br />

fechamos ao que criamos por primeiro, e esquecemos a possibilidade de<br />

experimentar algo novo, desenvolvendo o que foi criado a princípio, deixando que a<br />

parte intelectual do nosso corpo nos molde e destrua qualquer possibilidade de<br />

criação, deixando-nos totalmente fechados para o novo.<br />

O ator deve cuidar para que o raciocínio não destrua a sua imaginação.<br />

Questionar a primeira criação e a imagem que está sendo utilizada orienta e constrói<br />

a personagem. Criar algo original é de extrema importância para o ator. O diretor<br />

inglês Peter Brook fala sobre um espaço vazio que possibilita a criação do novo.<br />

Para que alguma coisa relevante ocorra, é preciso criar um espaço vazio. O<br />

espaço vazio permite que surja um fenômeno novo, porque tudo que diz<br />

respeito ao conteúdo, significado, expressão, linguagem e música só pode<br />

existir se a experiência for nova e original. Mas nenhuma experiência nova e<br />

29


original é possível se não houver um espaço puro, virgem, pronto para<br />

recebê-la (BROOK, 1999, p.04).<br />

Podemos pensar no que ele diz, não apenas para o espaço, mas também para a<br />

criação do ator. Se o ator conseguir estar vazio, aberto para estímulos diversos, ele<br />

poderá criar, deixando surgir um novo acontecimento. Com o ator vazio pronto para<br />

receber algo e transformar seu corpo com essa recepção, é que vislumbramos a<br />

possibilidade da transformação do nosso corpo através de estímulos, através de<br />

imagens.<br />

Quanto mais o ator conseguir trabalhar a sua imaginação, quanto mais<br />

atentamente e especificamente o ator olhar para o seu íntimo, mais cedo ele<br />

perceberá os sentimentos, emoções e impulsos necessários para a criação e<br />

interpretação da personagem.<br />

Este olhar é a certeza que o ator está conseguindo trabalhar a sua imaginação<br />

de um modo flexível e desenvolvido, de que o mesmo não precisa pressionar seus<br />

sentimentos para tirá-los do seu eu, mas que essas emoções surgirão sem esforço<br />

desnecessário, aparecerão facilmente, pois o ator estará conseguindo ver o interior<br />

de suas imagens.<br />

Um ator aberto aos exercícios propostos pelo diretor(a) ou professor(a)<br />

conseguirá, através de exercícios sistemáticos sobre o uso da sua imaginação,<br />

desenvolve-la e torná-la mais ágil e flexível, transformando imagens mentais em<br />

ações, físicas e vocais, sendo convincente na execução das mesmas.<br />

Um exemplo disso é o trabalho de Helene Weigel na peça Mãe Coragem, de<br />

Brecht. Ao final do terceiro ato os soldados carregam o corpo do filho da Mãe<br />

Coragem para a cena, querendo que a mesma o identifique, porém a mãe nega que<br />

o filho seja seu. Quando Weigel fez esta cena ela permaneceu imóvel, movendo<br />

apenas a cabeça negativamente quando os soldados perguntaram se o corpo era de<br />

seu filho. Após os soldados saírem, ela virou o rosto para o lado oposto e soltou o<br />

que Barba e Savarase chamaram de “grito mudo” (ver ANEXO II).<br />

Weigel descobriu que tinha de representar rodeada de símbolos no palco,<br />

com uma carroça que era metade tanque de guerra, metade um bazar,<br />

sobre uma roda que significava o mundo da Mãe Coragem, e que a cada<br />

situação a colocava em uma diferente posição no espaço. Ela conseguiu<br />

evitar de ser oprimida por tudo isso porque [...] sabia que podia combater o<br />

abstrato explorando a fisicalidade de sua personagem e a criatividade do<br />

30


seu próprio corpo dentro da situação. [...] A postura da enorme dor, a<br />

imagem inesquecível de Weigel mantendo sua boca aberta amplamente,<br />

mas sem emitir nenhum som, apareceu após muitas representações,<br />

quando do seu subconsciente veio uma imagem que ela viu certa vez numa<br />

fotografia de jornal: uma mulher indiana gritando o assassinato do seu filho<br />

(Claudio Meldolesi, apud BARBA, E.; SAVARESE, N., 1995, p. 235).<br />

Este é um exemplo do poder da nossa imaginação quando bem trabalhada.<br />

Fazer com que um público acredite nas ações do ator no palco vai além de apenas<br />

imaginar e imitar o que se imagina. Para convencer o espectador, mesmo nas ações<br />

mais simples, deve-se materializar a idéia “em carne, sangue e realidade emocional:<br />

tem que ir além da imitação, para que a vida inventada seja também uma vida<br />

paralela, que não se possa distinguir da realidade em nível algum”. (BROOK, 1999,<br />

p.08).<br />

As pesquisas realizadas em todas as disciplinas oferecidas nesse semestre<br />

(2007/2), voltadas à Prática de Montagem III, deram ênfase ao uso da nossa<br />

imaginação e pudemos perceber que o trabalho, como dito anteriormente, não é<br />

simples e cômodo. Ao contrário, é um trabalho difícil e presente diariamente em<br />

nossas pesquisas, tanto corporal quanto psíquica. É notório em nosso processo que<br />

o ator que não utiliza a imaginação de uma maneira séria e intensa pode transformar<br />

o seu trabalho em uma simples imitação de alguém ou alguma coisa.<br />

Em uma peça onde não se utilizam cenários elaborados e realistas, como no<br />

espetáculo realizado na disciplina Prática de Montagem III, por exemplo, a<br />

imaginação é que preenche as lacunas deste espaço cênico vazio. Quanto menos o<br />

espaço oferece visualmente ao espectador, mais a imaginação do mesmo é<br />

trabalhada e excitada. Um ator que exercita a sua imaginação, freqüentemente,<br />

conseguirá, sem muita dificuldade, fazer com que o público acredite que uma garrafa<br />

se torne a Torre de Pisa e depois, quem sabe, um foguete a caminho da lua, ou que<br />

os mesmos estejam no céu ou em outro planeta, e assim obterá uma conexão da<br />

sua imaginação, transformada em ação, com a imaginação do público, que está<br />

disposto a jogar este jogo imaginário.<br />

Para que este jogo realmente ocorra, o ator necessita prender a atenção do<br />

público e isso necessita que o mesmo tenha um ingrediente fundamental: a<br />

presença da vida no palco.<br />

31


Ter suas intenções e ações totalmente esclarecidas já é um começo para que o<br />

ator possa deixar em harmonia o seu pensamento, sentimento e corpo, dando,<br />

assim, uma vivacidade intelectual, emocional e corporal ao espetáculo.<br />

O ator estando vivo em cena, pela simples razão de que há um público<br />

observando-o, e partindo do princípio que o mesmo tem um potencial criativo<br />

extraordinário, pode facilmente criar um vinculo entre a sua imaginação e a do<br />

espectador.<br />

Trabalhar a imaginação foi algo essencial para a criação das minhas<br />

personagens: Signos; Guardas e Poderes. Estas três são interpretadas por quatro<br />

atores diferentes, que no todo formam uma unidade. Estes atores são Alessandra<br />

Gonçalves, Joanna Oliari Macoppi e Mariana Freitas, além de mim. Somente as<br />

personagens Poderes têm características individuais, tendo os Signos e os Guardas<br />

posturas parecidas, formando um conjunto.<br />

3.1 SIGNOS<br />

Segundo o dicionário eletrônico Houaiss, Signo é a “designação comum a<br />

qualquer objeto, forma ou fenômeno que remete para algo diferente de si mesmo e<br />

que é usada no lugar deste numa série de situações (a balança, significando a<br />

justiça; a cruz, simbolizando o cristianismo; a suástica, simbolizando o nazismo; uma<br />

faixa oblíqua, significando proibido [sinal de trânsito]; um conjunto de sons [palavras]<br />

designando coisas do mundo físico ou psíquico etc.)”<br />

Em nossa montagem chamamos de Signos as personagens interpretadas por<br />

quatro atores – Alessandra Gonçalves; Joanna Oliari Macoppi; Mariana Freitas; e eu<br />

– que juntos significam os astros, algo que está além de nós, seres humanos. Estas<br />

personagens são abstratas, sem uma forma humana ou animalesca, mas sim sendo<br />

símbolos que representam os presságios que estão no “inconsciente universal”. São<br />

nesses fenômenos que o Rei Basílio lê que seu filho se tornará um tirano assim que<br />

ascender ao trono.<br />

Essas personagens foram as mais complexas de serem criadas e estruturadas,<br />

não somente por simbolizarem algo extra-humano, mas principalmente porque<br />

32


necessitavam estar no alto, problema esse resolvido pela equipe de cenografia<br />

(conferir item 2.3). Porém, como somente no dia 24 de setembro a equipe conseguiu<br />

encontrar uma solução resolvendo colocar os atores nas escadas, ao invés de<br />

dependurados nas estruturas de alumínio (varas de luz) da sala S113, o problema<br />

passou para a FURB que, assim como qualquer Universidade pública, necessita de<br />

um tempo grande para aprovar, em todas as instâncias, as compras ou reformas de<br />

materiais.<br />

Os atores não puderam esperar para começar a criação no alto, e adaptando-se<br />

ao que possivelmente seria o local, iniciaram em todas as aulas esse processo<br />

complicado de construção da personagem. Unindo as imagens solicitadas pelo<br />

professor da disciplina Preparação Corporal Para a Cena III, Fábio Hostert, com as<br />

improvisações iniciadas pelo professor Roberto Murphy, na disciplina Prática de<br />

Montagem III, iniciamos a criação de uma seqüência de imagens por onde os Signos<br />

transitam. Descrevo o processo no plural, pois as personagens foram criadas juntas,<br />

os quatro atores tendo a mesma função e significando a mesma coisa 1 .<br />

Enquanto trabalhávamos apenas com as imagens, a professora Olívia Camboim<br />

Romano, de Interpretação Teatral VII, nos solicitou que escolhêssemos, entre as<br />

imagens que tínhamos, a de um animal e transformássemos o nosso corpo nesta<br />

imagem, o mais fiel possível.<br />

Enquanto pesquisava a imagem da barata em mim, surgiu uma necessidade<br />

grande de emitir um som agudo, como se essa barata estivesse comunicando-se<br />

com as demais. A professora nos instigava a trabalhar com a imaginação e neste<br />

momento a imagem imaginária que me fez descobrir esse som foi a de eu, como<br />

barata, estar em cima de uma pia de cozinha em frente a um bolo de chocolate com<br />

bombons, e emitindo esse som eu chamava a minha família barata para desfrutar<br />

dessa delicia comigo. Durante a pesquisa fomos instigados a deixar mais “humano”<br />

este animal que estávamos reproduzindo corporalmente.<br />

O som foi trabalhado no mesmo dia, 29 de agosto, com o professor André de<br />

Sousa, na disciplina de Treinamento Vocal V, e incluído no Prólogo I da peça, criado<br />

no dia 30 de agosto.<br />

1 As imagens que trabalhei para o início de criação desta personagem encontram-se no ANEXO III.<br />

33


Uma nova etapa começou a se desenvolver no momento que a professora Olívia<br />

nos solicitou que escolhêssemos, no dia 05 de setembro, um dos signos do zodíaco<br />

para termos uma base mais consistente na criação desta personagem.<br />

Nesta mesma data, com orientação da professora, começamos uma<br />

improvisação pensando em um dos doze signos zodiacais. Eu trabalhei com o<br />

Aquário. Improvisei pensando em responder as seguintes perguntas: Onde eu<br />

estou? Como eu me movimento neste lugar? Como eu respiro?<br />

Por não ter nenhuma informação sobre esse signo, o trabalho que iniciei foi<br />

totalmente embasado na minha imaginação. Por ser um signo chamado Aquário e<br />

por lembrar água, imaginei-me no fundo de um aquário de peixes sendo uma alga.<br />

Questionar-me sobre essa imagem foi fundamental para a criação dos meus<br />

movimentos leves, lentos e amplos e a definição do corpo sem forma da minha<br />

personagem.<br />

No dia 19 de setembro mais um passo foi dado nesta criação. Pesquisamos para<br />

a aula de Interpretação características do signo escolhido e incluímos as mesmas<br />

em nosso trabalho.<br />

O signo zodiacal Aquário tem por frase principal “Eu Sei”, mostrando nesta uma<br />

certeza do que diz e faz. Além disso, é um signo que tem uma grande capacidade<br />

de comunicação e é objetivo. Apenas por estas características já pudemos definir,<br />

professora Olívia e eu, que os movimentos dessa personagem podem ser precisos,<br />

tanto pela certeza que ela demonstra, quanto pela objetividade da comunicação.<br />

Este signo do zodíaco é extremamente intelectual, quente e agressivo. Para<br />

buscar essa inquietude para a personagem trabalhei com a imagem da agitação das<br />

águas quando chegam nas pedras que se encontram ao final da cachoeira, pois,<br />

depois da cascata a queda é agitada.<br />

Com toda esta pesquisa sobre Aquário e o trabalho de pesquisa corporal<br />

desenvolvido, a minha personagem foi ganhando um novo jeito. Os movimentos<br />

ainda eram leves e amplos, porém precisos, e a fala começou a ser dita com toda a<br />

certeza que alguém pode ter sobre tal assunto. Com estas pesquisas os Signos<br />

começaram a ganhar particularidades, principalmente na movimentação.<br />

Apesar das personagens estarem seguindo um caminho interessante, havia algo<br />

que me angustiava e me fazia estar perdido na mesma: como estaríamos no alto?<br />

34


Somente no dia 25 de setembro é que a equipe de cenografia, da qual eu faço<br />

parte, conseguiu encontrar uma solução viável para tal dificuldade. Foi decidido<br />

colocar estes atores em cima de escadas.<br />

Teoricamente o problema estava solucionado, mas como citado anteriormente, a<br />

dificuldade prosseguiu, pois agora tínhamos que solicitar à FURB a compra destas<br />

escadas ou a construção das mesmas.<br />

Enquanto isso, nós seguíamos trabalhando em cima de tablados e/ou mesas<br />

para termos a idéia de como era estar no alto, com outras bases de sustentação.<br />

Obviamente não chegava nem perto do que seria transpor tudo criado para as<br />

escadas.<br />

Como a FURB não estava nos dando nenhum parecer sobre as compras destas<br />

escadas, conseguimos emprestadas duas, das quatro que precisamos, na Carona<br />

Escola de Teatro. Quando estas duas escadas chegaram, no início de outubro,<br />

iniciamos o trabalho de adaptação das imagens e movimentos criados nos tablados.<br />

Como já estávamos em outubro e as escadas chegaram frouxas, depois foram<br />

mandadas para pintar e mais tarde para colocar rodinhas, e tínhamos mais duas<br />

personagens para criar, os professores começaram a direcionar as aulas para a<br />

criação das demais, e não tendo tempo de fazer a adaptação dos movimentos, fui<br />

perdendo o que já tinha criado.<br />

Somente na metade do mês de outubro é que tivemos quatro escadas, uma para<br />

cada ator, sendo as duas novas da Universidade. Porém, as duas escadas que<br />

chegaram eram altas demais e com a base muito fechada, fazendo as mesmas<br />

penderem para os lados quando iniciávamos algum movimento inovador sobre elas.<br />

Como as outras atrizes estavam mais inseguras do que eu para trabalhar nas<br />

escadas, deixei as antigas com elas e trabalhei com uma das novas, mesmo tendo<br />

esse perigo de cair.<br />

Durante quinze dias, aproximadamente, trabalhei e adaptei meus movimentos<br />

nos momentos em que os acadêmicos, ou estavam em intervalo, ou não haviam<br />

chegado para as aulas, e quando estava conseguindo confiar e criar uma fluência na<br />

movimentação em cima da escada, as mesmas foram levadas para serem cortadas<br />

de alturas iguais e para incluírem rodinhas e travas nas suas bases.<br />

No último dia que trabalhamos as escadas, antes das mesmas serem levadas<br />

para reforma, o professor Murphy nos auxiliou, especificamente, na construção dos<br />

35


signos. Neste trabalho decidimos que as particularidades encontradas nas<br />

movimentações estavam diferenciando um Signo do outro e não é essa a proposta<br />

dele para as personagens. Assim sendo, fomos orientados pelo professor a deixar<br />

de lado os movimentos trabalhados com os signos zodiacais e para começar a<br />

criarmos imagens que juntas formasse os símbolos necessário para que o Rei<br />

Astrólogo, ao nos observar, lesse nas imagens as idéias de poder, solidão,<br />

isolamento, tirania, e torre. Descobrimos que os Signos sozinhos não têm um<br />

significado importante, mas que juntos eles tem algo a transmitir.<br />

Modificar o que foi criado é algo complicado para mim, principalmente por que<br />

estávamos a um mês da estréia e sabíamos que não haveria tempo hábil para tal<br />

transformação e pesquisa. Porém, sabendo que “o verdadeiro processo de<br />

construção envolve uma espécie de demolição, que implica na aceitação do medo”<br />

(BROOK, 1999, p.20), resolvi encarar tal desafio.<br />

Aceitar o medo de não conseguir criar, juntamente com os demais atores,<br />

imagens críveis ao público, me fez encontrar uma força interior e acreditar que<br />

podemos fazer o que nos foi solicitado, pois creio que nenhum professor<br />

universitário iria exigir de seus alunos algo que eles não pudessem realizar.<br />

Apesar de termos ficado durante duas semanas sem escadas e que somente no<br />

dia 08 de novembro tivemos as mesmas reformadas e com rodinhas na base, creio<br />

que a adaptação dos movimentos em cima das mesmas será realizada com<br />

sucesso, porém ainda não tivemos tempo para trabalhar nisso e, de acordo com o<br />

professor Murphy, iremos parar em algum momento da aula de Prática de Montagem<br />

III para fazermos apenas este trabalho.<br />

3.2 GUARDAS<br />

Em “A Vida é Sonho?” as personagens denominadas Guardas têm a função de<br />

proteger a torre onde Segismundo está preso, impedindo que alguém entre e que o<br />

prisioneiro saia. Os guardas servem a Clotaldo e, conseqüentemente, ao Rei Basílio.<br />

Por serem submissos a Clotaldo e estarem ali para cumprir ordens, estas<br />

personagens não se utilizam da fala, como acontece no original até o final da<br />

36


Segunda Jornada – parte da história que contamos –, apenas agem quando<br />

solicitadas a ação. Por encontrarem-se de prontidão em frente às portas de entrada<br />

da torre onde o príncipe está preso e por não poderem dar nenhuma referência<br />

humana para o mesmo, as personagens utilizam uma burca que cobre o seu rosto e<br />

mãos, decisão esta tomada pela direção de seguir a obra original. Outra<br />

característica recomendada pelo professor Murphy foi que estas personagens<br />

estejam em quase todo o momento imóveis, movendo-se apenas quando<br />

necessário.<br />

Estar imóvel solicita um trabalho tão complexo quanto criar uma cena em<br />

movimento e com falas. Na verdade o ator nunca está imóvel, pois se o mesmo<br />

estiver em situação organizada de representação estará apenas em aparente<br />

imobilidade, o que Eugênio Barba chama de “imobilidade dinâmica”:<br />

Pierre Verry, mímico cuja ação consistia em apresentar os cartazes dos<br />

números de Marceau, contou como tentativa reunir o máximo de presença<br />

cênica no breve instante em que aparecia sobre o palco sem dever – e sem<br />

poder – fazer nada. Para obter esse resultado nos poucos segundos de sua<br />

aparição, concentrava-se em alcançar um “equilíbrio precário”. Desse modo<br />

sua imobilidade convertia-se em uma imobilidade dinâmica. Por falta de<br />

outra coisa, Pierre Verry era obrigado a reduzir-se ao essencial, e descobria<br />

o essencial na alteração do equilíbrio. (Barba, 1994, p.36).<br />

A criação destas personagens começou a ser desenvolvida na metade do mês<br />

de outubro com o professor Fábio Hostert solicitando aos atores que levassem para<br />

a aula imagens de um único animal, sendo estas escolhidas pelos atores e utilizadas<br />

pelos mesmos.<br />

Joanna Oliari, Alessandra Gonçalves, Mariana Freitas e eu iniciamos o trabalho<br />

incorporando as imagens de macaco que Joanna e eu havíamos pesquisado. Após<br />

todos os atores terem as imagens memorizadas corporalmente começamos a<br />

desenvolver uma improvisação com o intuito de pesquisar posturas corporais para<br />

as mesmas.<br />

Durante o tempo de pesquisa e as paradas feitas entre uma improvisação e<br />

outra, conversamos e decidimos que as personagens têm a mesma postura<br />

corporal, porém com pequenas diferenças. A maneira selecionada de o corpo ficar<br />

foi a de termos os joelhos flexionados, os braços ao longo do corpo quando<br />

37


caminhamos, e para trás quando estamos parados, a cabeça inclinada para baixo e<br />

os ombros para frente, fechando o tórax.<br />

Levamos o que tínhamos criado para as aulas de Prática de Montagem III.<br />

Enquanto o professor Murphy trabalhava com os demais acadêmicos, criando as<br />

cenas de dentro da torre, nós trabalhávamos na criação dos guardas, que estavam<br />

em cena, só que do lado de fora da torre.<br />

Durante três semanas criamos essas personagens sem o auxílio direto de<br />

nenhum professor. Na primeira aula de Preparação Corporal Para a Cena III que<br />

trabalhamos com as personagens Signos, isto é, dia 01 de outubro, o professor<br />

Fábio dividiu a turma em grupos de trabalho e questionou o que os acadêmicos<br />

tinham criado naquela ocasião, porém o mesmo não esteve presente em nenhum<br />

momento com o nosso grupo de atores, voltando a trabalhar duas ou três vezes com<br />

outros grupos que já haviam recebido as suas orientações.<br />

Desse modo, enquanto trabalhávamos sozinhos, isto é, pesquisávamos a partir<br />

das imagens dos macacos, pensamos em buscar um corpo que estivesse totalmente<br />

interligado, principalmente por não nos utilizarmos de fala, nem mostrarmos os<br />

nossos rostos enquanto estamos na torre.<br />

[...] é muito fácil ser sensível na fala, no rosto ou nos dedos, mas o que a<br />

natureza não nos deu, e precisa ser desenvolvido através de exercícios, é a<br />

mesma sensibilidade no resto do corpo: nas costas, nas pernas, no<br />

traseiro.“Ser sensível”, para o ator, significa estar permanentemente em<br />

contato com a totalidade de seu corpo. (BROOK, 1999, p.17)<br />

O auxílio direto também não se fez presente durante as aulas de Prática de<br />

Montagem III, pois o professor Murphy estava criando as cenas principais e os<br />

guardas estavam ao redor da torre. Assim sendo, como estávamos em cena durante<br />

todo esse processo de criação e não fomos interrompidos ou questionados sobre o<br />

porquê daquelas posturas pelo professor Murphy, deduzimos que estávamos indo<br />

por um caminho interessante de criação da personagem e adequado à concepção<br />

do espetáculo.<br />

Porém estávamos equivocados, não totalmente, mas ainda assim enganados.<br />

Na aula de Interpretação Teatral VII do dia 24 de outubro, quando passamos pela<br />

primeira vez a peça até a cena 08 a professora Olívia observou as personagens<br />

Guardas e nos questionou sobre as suas posturas. Dando-nos o exemplo de um<br />

38


guarda inglês, que fica totalmente ereto e elegante. Explicamos que estávamos<br />

trabalhando com o oposto – o rude e o primitivo – e por isso acreditávamos que<br />

estes guardas seriam mais brutos, além disso, explicamos para ela que estávamos<br />

trabalhando com a imagem do macaco, conforme solicitado na aula do professor<br />

Fábio.<br />

Até aquele momento não havíamos conversado com o professor Murphy sobre<br />

essas personagens e percebemos que deveríamos definir a postura corporal das<br />

mesmas. Desse modo, na aula do dia 06 de novembro questionamos o professor<br />

sobre isto e o mesmo decidiu trabalhar nossas personagens naquela noite. A partir<br />

disso, criamos as convenções da cena e as posturas corporais das personagens.<br />

Mostrando ao professor de Prática de Montagem III a postura que tínhamos e<br />

explicando a corporeidade que a professora de Interpretação Teatral VII nos<br />

exemplificou, chegamos a um denominador mínimo comum: o meio termo.<br />

Nesta aula pesquisamos durante um longo tempo como seria não ser totalmente<br />

bruto e nem inteiramente elegante. Encontramos um corpo que os joelhos estão<br />

levemente flexionados, a coluna e os ombros voltados para frente e para baixo, a<br />

cabeça minimamente inclinada para baixo e os olhos voltados para o horizonte.<br />

A partir desta orientação do professor Murphy e dos trabalhos desenvolvidos nas<br />

aulas do dia 31 de outubro e 07 de novembro de Interpretação Teatral VII, a criação<br />

desta personagem cresceu rapidamente. Com esta nova postura corporal percebi<br />

que o Guarda é atento e está pronto para agir, que ele não pode deixar ninguém<br />

entrar ou sair sem a autorização do Clotaldo ou do Rei Basílio, que ele está ali, na<br />

frente de uma das entradas da torre, totalmente vigilante, pois se algo sair errado ele<br />

pode ser levado à morte.<br />

Não estar ereto faz com que o meu corpo esteja em um equilíbrio<br />

constantemente instável.<br />

Quando ampliamos nossos movimentos, realizando passos maiores que o<br />

normal ou posicionando a cabeça mais para frente ou mais para trás – o<br />

equilíbrio é ameaçado. Neste momento entra em ação uma série de tensões<br />

para impedir que caiamos (BARBA, 1994, p.36).<br />

Pensando nisso, fez-se necessário encontrar o ponto crítico de inclinação da<br />

minha postura base para que eu adquirisse a presença que o ator necessita no<br />

palco. Estar vivo em cena, descobrir e utilizar o centro das energias e modificar o<br />

39


equilíbrio pode também ocorrer a partir da imaginação criadora, pois a mesma age<br />

diretamente sobre o corpo e também possibilita ao ator encontrar a sua presença<br />

cênica.<br />

3.3 PODERES<br />

Ao iniciar a cena 11 de “A Vida é Sonho?” o clima da peça se transforma,<br />

fazendo com que todas as personagens assumam ares artificiais, tornando-se<br />

exageradas e forçadas. Esta mudança ocorre porque Segismundo será colocado em<br />

sociedade para ser testado e, conseqüentemente, ver se os presságios se cumprem.<br />

O caos predomina na cena, evidenciando a algazarra da humanidade, sua<br />

sociedade e seu funcionamento. Além disso, a cena tem por objetivo “demonstrar o<br />

quanto estranhos são os hábitos do indivíduo em sociedade e o quanto a própria<br />

sociedade se policia e se monitora, tornando-se não humana”. (MURPHY, 2007,<br />

p.14).<br />

As personagens denominadas Poderes aparecem apenas enquanto acontece o<br />

que foi armado para o príncipe. Elas representam as funções sociais, que são<br />

confrontadas por Segismundo em seu “sonho”. São forças que aparecem<br />

personificadas por simbologias, exercendo o gestus social brechtiano, sobre o qual<br />

se constrói a decodificação da sociedade – portanto o distanciamento - no<br />

espetáculo, segundo o professor Murphy.<br />

Estas personagens são dividas em quatro Poderes: o Legislador, que estabelece<br />

as normas; o Religioso, que apazigua os ânimos dos indivíduos; o Militar, que é a<br />

força bruta; e o Ilusionista, que representa a mídia sustentando a ilusão de tirania do<br />

príncipe; representadas por Mariana Freitas, Joanna Oliari, Alessandra Gonçalves e<br />

Rafael Koehler, respectivamente.<br />

A construção da personagem teve início na aula de Prática de Montagem III,<br />

com o trabalho de improvisação das cenas 11, 12 e 13 (ver as cenas no APÊNDICE<br />

IV). O professor Roberto Murphy nos solicitou que pensássemos em uma imagem<br />

para iniciar esta criação. Como interpreto o Ilusionista, que tem a função de<br />

40


epresentar a mídia, iniciei meu trabalho com a imagem mental de um dos ícones da<br />

telecomunicação brasileira: Silvio Santos.<br />

A personagem Ilusionista tem por objetivo sustentar a ilusão de tirania do<br />

príncipe Segismundo, sendo o poder de persuasão. Escolher trabalhar com a<br />

imagem de Silvio Santos não foi mero acaso. Para encontrar a capacidade de<br />

convencer que a minha personagem necessita escolhi este homem simpático com<br />

um poder de comunicação inigualável na televisão brasileira. Silvio Santos faz<br />

sucesso até hoje com platéias das mais diferentes idades, ganhando admiração e<br />

audiência de um público variado. Com um jeito inconfundível, uma risada cativante e<br />

uma dicção perfeita ele iniciou sua carreira como camelô e nos dias de hoje ainda<br />

convence as famílias brasileiras a comprarem seus carnês do Baú; esta é a prova<br />

que este homem tem em si, por “natureza”, a persuasão necessária para a<br />

construção da minha personagem.<br />

Do telecomunicador a minha personagem ganhou o sorriso simpático e a dicção<br />

perfeita, características imprescindíveis para convencer qualquer ser humano sobre<br />

alguma idéia, nesta personagem, para sustentar a ilusão do príncipe.<br />

Na aula de Preparação Corporal para a Cena III iniciamos um trabalho de<br />

exagero em nossas ações, deixando-as artificiais, ilustrativas. Pesquisamos novos<br />

movimentos a estas personagens no seu maior grau de amplitude possível –<br />

fazendo-me descobrir que a minha mão direita fica encostada na barriga e a mão<br />

esquerda nas costas. Mostramos ao professor Murphy o que havíamos encontrado e<br />

o mesmo nos explicou que precisávamos ir além, crescer mais para poder dar o<br />

distanciamento por ele proposto para as cenas do “sonho”.<br />

O trabalho ganhou força na aula de Prática de Montagem III quando o professor<br />

trouxe uma música instrumental que, infelizmente, não temos a informação do nome<br />

da mesma, nem do cd onde está gravada, e muito menos de quem a canta. Estas<br />

informações também são desconhecidas pelo professor Murphy, pois o cd utilizado é<br />

de gravação caseira feita por um amigo dele. Com esta música o mesmo nos pediu<br />

para vestirmos roupas extravagantes que estavam na sala. Durante<br />

aproximadamente vinte minutos improvisamos o que acontece nas cenas do “sonho”<br />

com todo esse artifício solicitado. Pesquisar com a música me fez encontrar o<br />

exagerado, o artificial e o mecânico que o professor propôs, deixando a cena<br />

41


totalmente diferente do que estava até então, fazendo-me perceber a busca pelo<br />

gestus social e o distanciamento proposto pelo professor.<br />

O gestus social consiste em uma síntese de gestos, ações e mímicas, expressos<br />

pelos atores, que demonstrem uma atitude social do período histórico no qual estão<br />

inseridos, fazendo o possível para que o espectador contextualize a ações das<br />

personagens com o seu conjunto sócio-histórico. Esta contextualização permite ao<br />

espectador aumentar a sua consciência crítica sobre o que é representado no palco.<br />

Para o ator manifestar através da personagem as características sociais do<br />

homem de sua época e conseguir decompor a fala em gestus, ele deve selecionar<br />

gestos e palavras que são encontrados no texto e que geram movimentos que<br />

evidenciem as relações sociais de seu período. (Cf. ROMANO, 2005, p.31-33)<br />

Ainda não cheguei a pesquisar as ações essenciais para poder trabalhar o<br />

gestus social na criação da personagem Ilusionista, porém comento sobre tal<br />

assunto, pois este é um dos objetivos a serem trabalhados na cena. Se<br />

conseguiremos ou não incluir o gestus de maneira satisfatória ainda não sei, pois<br />

esta personagem, como as demais, está ainda em processo de criação, mas<br />

acredito que pesquisar sobre tal assunto me fez compreender melhor o todo teatral.<br />

42


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A partir do trabalho realizado neste semestre na disciplina Prática de Montagem<br />

III, com o auxílio das demais disciplinas da grade, pode-se perceber, notoriamente,<br />

que o segredo do teatro está na preparação, do espetáculo como um todo e dos<br />

atores.<br />

Pesquisar, avaliar e compreender o trabalho de imaginação do ator para a<br />

realização deste Memorial me fez levar para dentro de sala de aula a teoria que<br />

estava sendo pesquisada. Mais do que nunca consigo perceber o quão importante é<br />

o estudo teórico sobre o trabalho do ator. Obviamente que este estudo só terá<br />

resultado se unido à prática, pois teatro é feito no palco e não nos livros.<br />

Observações, análises e indagações foram feitas durante a escrita deste trabalho, e<br />

tal pesquisa me instigou a continuar esta investigação fora do âmbito universitário.<br />

Avaliando esse último semestre de universidade, concluo que o processo<br />

vivenciado foi muito válido, pois nos ensinou, mais do que nunca, a trabalhar em<br />

grupo, a montar um espetáculo e cuidar de todas as etapas da produção de um<br />

espetáculo. Assim como, nos auxiliou a compreender e ter paciência com os seres<br />

humanos, e, principalmente, a perceber que teatro é, e sempre será, um trabalho de<br />

grupo; seja ele unido, como o nosso, ou não. Para se fazer teatro é necessário a<br />

união de pessoas que amam a arte e deixam de lado todos os problemas para<br />

poderem criar suas personagens, figurinos, sonoplastia, cenário, iluminação, enfim,<br />

todos os elementos espetaculares para que a montagem seja concretizada. Pois, é<br />

necessária a união e o amor das pessoas para fazerem a arte teatral acontecer.<br />

Foi com união que conseguimos superar diversos problemas durante o<br />

semestre, um deles foi a questão cenográfica. Se Sabrina Moura, Léo Kufner e eu<br />

não estivéssemos unidos e conscientes da realidade temporal e financeira da<br />

Universidade teríamos nos perdido na concepção da cenografia do espetáculo.<br />

Apesar de termos iniciado com idéias mirabolantes, com o tempo fomos percebendo<br />

qual seria a melhor solução. Passar por tal experiência foi extremamente válida para<br />

o meu aprendizado universitário, pois saber estar com os “pés no chão” me fez<br />

43


evoluir artisticamente e perceber que no meu grupo de teatro, Grupo K, precisarei<br />

sempre estar ciente da situação real, tanto temporal quanto financeira.<br />

Como já citado no início destas considerações finais, pude perceber com esse<br />

processo de criação que o segredo do teatro está na preparação do espetáculo<br />

como um todo e dos atores. Infelizmente não tivemos tempo suficiente para deixar a<br />

peça no seu resultado satisfatório, porém participar de tal processo me fez perceber,<br />

com toda a certeza, que é com este modo de criação que quero trabalhar fora da<br />

Universidade, pois assim todos os atores participam da construção da peça e têm as<br />

suas responsabilidades, todos sabem tudo sobre a obra e sentem seguros em cena.<br />

Neste processo a segurança em cena não chegou por completo por falta de tempo<br />

para trabalhar, mas conseguimos compreender a obra como nunca fizemos com<br />

outra obra dentro da Universidade.<br />

Para finalizar, destaco o notório, isto é, a necessidade de tempo de trabalho<br />

hábil para que os atores tenham segurança no que fazem e certeza das<br />

personagens que interpretam dentro da Universidade. Evidente também é o quanto<br />

fomo prejudicados no andamento do processo de criação do espetáculo por serem<br />

solicitados trabalhos como o TCC/Memorial Descritivo simultaneamente a disciplina<br />

Prática de Montagem III.<br />

44


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

AMARAL, Ana Maria. O ator e seus duplos: máscaras, bonecos, objetos. São<br />

Paulo: Editora SENAC, 2002. 159 p.<br />

AZEVEDO, Sônia Machado. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo:<br />

Perspectiva, 2004.<br />

BARBA, Eugenio. Princípios que Retornam. In: A canoa de papel: tratado de<br />

antropologia teatral. São Paulo: Hucitec, 1994.<br />

BARCA, Pedro Calderón de La. A Vida é sonho. Trad. Maria Manuela Couto Viana.<br />

Lisboa. Ed. Gris Impressores, 1971.<br />

BROOK, Peter. A porta aberta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.<br />

CHEKHOV, Michael. Para o ator. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.<br />

TODOROV, Tzvetan. A vida em comum: ensaio de antropologia geral. Campinas:<br />

Papirus, 1996.<br />

DOCUMENTOS OBTIVOS VIA INTERNET<br />

A Girafa. Disponível em .<br />

Acesso em: 15 ago. 2007.<br />

BARATAS Nunca Mais. Disponível em: .<br />

Acesso em: 15 ago. 2007.<br />

ESCORPIONÍDEOS. Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

15 ago. 2007.<br />

45


MALLET, ROBERTO. O olho do ator. Blumenau, 2000. Disponível em<br />

. Acesso em: 21 set. 2007. 8 p.<br />

PAVÃO Albino. Disponível em:<br />

. Acesso em: 15<br />

ago. 2007.<br />

TEORIA de Entheogen da religião e da morte do Ego. Disponível em:<br />

. Acesso em: 15<br />

ago. 2007.<br />

DOCUMENTO NÃO PUBLICADO<br />

MURPHY, Roberto et alli. A vida é sonho? Blumenau. 2007. 26p. Documento não<br />

publicado.<br />

DICIONÁRIOS<br />

BARBA, Eugênio; SAVARASE, Nicola; Técnica. In: A arte secreta do ator –<br />

dicionário de antropologia teatral. São Paulo - Campinas: Editora Hucitec e Editora<br />

da Unicamp, 1995.<br />

PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. xxii, 483p.<br />

46


BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA<br />

ROMANO, Olívia Camboim. Proposições de Peter Brook sobre O Trabalho Do Ator.<br />

In: I Seminário de estudos teatrais. 2007.<br />

SILVA, Eliana Rodrigues. Dança e pós-modernidade. Salvador: Editora da<br />

Universidade Federal da Bahia. 2005.<br />

DISSERTAÇÕES<br />

ROMANO, Olívia Camboim. Uma arena no museu: Reflexões sobre a Primeira<br />

Montagem de Brecht em Santa Catarina. 2005. 173 f. Dissertação (Mestrado em<br />

Artes) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.<br />

DOCUMENTOS OBTIVOS VIA INTERNET<br />

AQUÁRIO. Disponível em: .<br />

Acesso em:<br />

18 set. 2007.<br />

AQUÁRIO. Disponível em: .<br />

Acesso em: 18 set. 2007.<br />

BIOGRAFIA de Pedro Calderón de La Barca. Disponível em<br />

. Acesso em: 02<br />

nov. 2007.<br />

CALDERÓN de La Barca. Disponível em<br />

. Acesso em: 02 nov.<br />

2007.<br />

CIBER América – BIOGRAFIA de Calderón de La Barca. Disponível em<br />

. Acesso em: 02 nov. 2007.<br />

47


PEDRO Calderón de La Barca. Disponível em<br />

. Acesso em: 02<br />

nov. 2007.<br />

SIGNO Solar Aquário. Disponível em:<br />

. Acesso em: 18 set. 2007.<br />

SIGNO Aquário – verbete Márcia Lee. Disponível em:<br />

Acesso em: 18 set. 2007.<br />

TZVETAN Todorov. Disponível em .<br />

Acesso em: 03 nov. 2007.<br />

48


ANEXOS<br />

ANEXO I – DIFERENÇAS ENTRE O MODERNISMO E O PÓS-MODERNISMO<br />

Modernismo Pós-Modernismo<br />

romantismo/simbolismo<br />

parafísica/dadaísmo<br />

forma (conjuntiva, fechada) antiforma (desjuntiva, aberta)<br />

propósito jogo<br />

projeto acaso<br />

hierarquia anarquia<br />

domínio/logos exaustão/silêncio<br />

objeto de arte/obra acabada processo/performance/happenig<br />

distância participação<br />

criação/totalização/síntese descriação/desconstrução/antítese<br />

presença ausência<br />

centralização dispersão<br />

gênero/fronteira texto/intertexto<br />

semântica retórica<br />

49


paradigma sitagma<br />

hipotaxe parataxe<br />

metáfora metonimia<br />

seleção combinação<br />

raiz/profundidade rizoma/superfície<br />

interpretação/leitura não-interpretação/desleitura<br />

significado significante<br />

lisible (legível) scriptible (escrevível)<br />

narrativa/ grand histoire antinarrativa/ petite histoire<br />

código mestre idoleto<br />

sintoma desejo<br />

tipo mutante<br />

genital/fálico polimorfo/andrógino<br />

paranóia esquizofrenia<br />

origem/causa diferença-diferença/vestígio<br />

deus pai espírito santo<br />

metafísica ironia<br />

determinação indeterminação<br />

transcendência imanência<br />

Fonte: SILVA, Eliana Rodrigues. Dança e Pós-Modernidade. Editora da Universidade Federal da<br />

Bahia. 2005. p. 64-65.<br />

50


ANEXO II – O GRITO MUDO – HELENE WEIGEL<br />

Terceira versão da Cabeça de um cavalo relinchante (1937),<br />

estudo para Guernica de Picasso. Fonte: BARBA, E.;<br />

SAVARESE, N., 1995, p. 235.<br />

O O grito grito mudo<br />

mudo<br />

Helene Weigel em Mãe Coragem. Berliner Ensemble, 1949.<br />

Fonte: BARBA, E.; SAVARESE, N., 1995, p. 234.<br />

“O grito mudo” (1949), de Helene Weigel.<br />

Fonte: BARBA, E.; SAVARESE, N., 1995, p. 234.<br />

51


ANEXO III – IMAGENS DE CRIAÇÃO DA PERSONAGEM SIGNO<br />

Pavão Albino. Girafa<br />

Barata Entheo<br />

Escorpião<br />

52


APÊNDICES<br />

APÊNDICE I – ESPAÇO CÊNICO – ANDAIME<br />

53<br />

Desenho: Leonardo Kufner Tofolo, Blumenau, 2007.


APÊNDICE II – ESPAÇO CÊNICO – ESCADAS<br />

54<br />

Desenho: Leonardo Kufner Tofolo, Blumenau, 2007.


55<br />

Desenho: Leonardo Kufner Tofolo, Blumenau, 2007.


APÊNDICE III – “A VIDA É SONHO?” – PRIMEIRO ESBOÇO<br />

ROTEIRO BÁSICO DA ADAPTAÇÃO DE 'A VIDA É SONHO' DE CALDERÓN DE<br />

LA BARCA SOB A LUZ DE 'A VIDA EM COMUM' DE TZVETÁN TODOROV<br />

Personagens:<br />

REI ASTRÓLOGO = Representa o Absoluto, o determinante do destino e dos<br />

desígnios de seu filho. Representa o Pai Onipotente (Deus) que confina seu rebento<br />

numa redoma, onde precisará sofrer com a sua sensação de incompletude e de<br />

dependência incondicional. Sua vontade é lei, a qual não se pode burlar.<br />

CLOTALDO = Representa os Mecanismos de condicionar e formatar o indivíduo,<br />

mantendo-o sob os ditames e limites da redoma. É a Educação e a Religião<br />

enquanto ferramentas sociais de detenção dos impulsos de libertação do indivíduo.<br />

Como no original, é o Tutor que, com esmero e dedicação, não deixa de ser caridoso<br />

e carinho com o Príncipe, como algumas professoras do ensino básico, por exemplo,<br />

que não deixam de ser disciplinadoras e castradoras, mesmo que maternalmente<br />

dispostas e disponíveis. Aparece sob mantos, revelando a ausência do olhar que<br />

determinaria o sentido de existir de Segismundo.<br />

SEGISMUNDO = Representa o Indivíduo, o indivisível. O sujeito diante de si<br />

mesmo e da sociedade em que está. Representa o foco da discussão do espetáculo.<br />

Enquanto cativo, é PROMETEICO (isto é, o homem aceitando sua condição de um<br />

ser submetido a Deus e que se conforma com tal condição). Durante o “sonho”<br />

torna-se FÁUSTICO (ou seja, o homem querendo suplantar sua condição humana,<br />

buscando superar a Deus e ao Diabo). Detém consigo o dilema do ser ou não ser.<br />

56


ASTOLFO e ESTRELA = Representam a ambição pelo poder. Durante o “sonho”<br />

instigam a tirania do príncipe, por saber que isso determinará ascender ao trono.<br />

São ambiciosos e ardilosos. Criam situações que envolvem e comprometem tudo e<br />

todos em suas buscas pelo poder. Representam o conflito. Entre si nutrem<br />

conveniências e favores. Inventam um amor que irá uni-los no poder, mas tão frágil<br />

quanto um cristal, que corre riscos constantes de se desfazer. São patéticos,<br />

portanto cômicos.<br />

ROSAURA = O símbolo da determinação e da coragem. Servirá de espelho para<br />

Segismundo. Mostrará que o ser humano é (ou poderia ser) um ser sem limites na<br />

busca de sua transcendência. Veste-se de homem para burlar os ditames impostos,<br />

apesar de não acreditar que o ser humano precise se definir como homem ou mulher<br />

para impor-se diante da vida. É o estopim das descobertas de Segismundo e o alvo<br />

de seu amor e encantamento pelas possibilidades da vida.<br />

Obs.: Até aqui os personagens têm uma profunda ligação com o original, porém,<br />

diferenciados pelo novo roteiro e enfoque seguidos no espetáculo. Ficar atento a<br />

isso na composição dos personagens.<br />

A MÃE = Representa a lacuna existencial de Segismundo. Ao morrer no parto,<br />

priva-lhe do olhar inicial de aceitação e reconhecimento. Aparece em outros<br />

momentos da peça, servindo de consolo e amparo. Também não tem um rosto<br />

definível. É mais uma sensação, uma presença não física para Segismundo. Não<br />

existe no original, sendo um elemento de ligação entre as duas obras referenciais de<br />

nossa obra (i.e., Calderón e Todorov).<br />

CLARIM E SUA VOZ DISPERSA = Tem a função da crítica e da situação do<br />

público diante da trajetória de Segismundo. Serve de ponte entre os personagens<br />

57


“abstratos” e os “naturais” do espetáculo. Divide-se em dois – por esse motivo feito<br />

por dois atores – sendo uma das partes aquela irônica e inconsequente e outra a<br />

reflexiva, que faz com que todos ali não se afastem de uma avaliação de si mesmos<br />

diante do mundo. É uma adaptação do original, mantendo nuances. Às vezes<br />

contundente e desconcertante.<br />

OS SIGNOS = Os mais significativos personagens “abstratos” da peça,<br />

representam os presságios contidos no “inconsciente universal”, segundo o Rei<br />

Astrólogo. Agem e discursam como analogia. São símbolos. Seres ficcionais de<br />

outra ordem. Exercem a função de trazer os temas de Todorov ao espetáculo, que<br />

são levados adiante na dramaturgia através do Rei Astrólogo e de Clarim e sua voz<br />

dispersa.<br />

GUARDAS = Representam as paredes da torre. Não têm rosto, portanto, sem<br />

identidade. Servem a Clotaldo.<br />

OS 4 PODERES = São funções sociais representadas, as quais são<br />

confrontadas por Segismundo em seu “sonho”. São forças que aparecem<br />

personificadas por simbologias. Exercem o “gestus social” brechtiano, sobre o qual<br />

se tece a desfamiliarização da sociedade – portanto o distanciamento - no<br />

espetáculo. São eles:<br />

O ILUSIONISTA = A Mídia que sustenta a ilusão de tirania de Segismundo.<br />

O MAGISTRADO= O legislador, o que estabelece as normas.<br />

O RELIGIOSO= OApaziguador dos ânimos. O que exerce uma ação nas<br />

emoções das pessoas.<br />

O GENERAL = A Força Bruta. O bélico e o Disciplinador.<br />

58


PRÓLOGO<br />

I<br />

Rei Astrólogo e os signos = Quando o rei estabelece o destino de seu filho, uma<br />

vez que lê nos astros que ele será um tirano quando ascender ao trono. É quando<br />

decide trancá-lo numa torre.<br />

A Mãe e os signos = Quando acontece o parto de Segismundo e a morte da<br />

mãe, motivo da confirmação da decisão do rei.<br />

Segismundo e os signos = Quando se apresenta Segismundo já adulto, nu e<br />

confinado. Os signos enfatizam seus desígnios.<br />

JORNADA ÚNICA<br />

Cena 1<br />

Segismundo e Clotaldo = Quando se mostra a real condição de Segismundo. Ou<br />

seja, um indivíduo sem a noção de suas potencialidades, totalmente dominado por<br />

Clotaldo, que o mantém fraternalmente numa redoma. Há indícios da tutoria exercida<br />

de um para o outro.<br />

Cena 2<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa = Quando aparece Rosaura vestida de<br />

homem em busca de algo. Está em busca de alguém que não sabe muito bem quem<br />

59


é, mas que é – segundo sua mãe – o seu pai. Dar enfoque nela como a humanidade<br />

em busca de um Deus que não se vê, mas que se ouviu falar da existência. Dar um<br />

toque becketiano (godot) à cena.<br />

Cena 3<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa e Segismundo = Quando Segismundo é<br />

descoberto pelos demais e quando vê pela primeira vez um rosto humano, isto é, o<br />

de Rosaura. Reconhece-se através dos olhos dela. Percebe-a como uma extensão<br />

de si mesmo. Questiona sua condição. Acende em si a necessidade de transcender<br />

sua condição. É – metaforicamente – a passagem da condição prometeica para os<br />

primeiros indícios da fáustica.<br />

Cena 4<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa, Segismundo, Clotaldo e seus guardas =<br />

Quando os intrusos são flagrados em sua audácia e são ameaçados e retirados de<br />

cena pela vigilância, que após um vacilo, está novamente de prontidão. Segismundo<br />

dá indícios de querer ir além de si mesmo. Blecaute.<br />

Cena 5<br />

Estrela e Astolfo = Apresentam a real situação do Rei Astrólogo, as suas<br />

descendências, ambições e ligações com o poder. Traçam seus planos e firmam<br />

compromissos.<br />

Cena 6<br />

Estrela, Astolfo e o Rei Astrólogo = Reencontram-se depois de muito tempo.<br />

Falam sobre Segismundo e a decisão de colocá-lo na sociedade para que se<br />

60


certifiquem de que os presságios estejam corretos ou não. O rei quer, antes de<br />

delegar o reino ao casal de sobrinhos, perceber o seu filho, até então tido como<br />

natimorto, em ação com o poder.<br />

Cena 7<br />

Estela, Astolfo, o Rei Astrólogo e Clotaldo = Clotaldo chega trazendo a notícia da<br />

invasão de Rosaura e seu acompanhante, quando é informado pelo próprio rei que<br />

ele, o príncipe, deverá ser socializado, tomando o poder. Para isso combinam<br />

colocá-lo na ilusão de que é um “sonho”, para aí decidirem o seu destino na “vida<br />

real”.<br />

Cena 8<br />

Clotaldo e o Rei Astrólogo, Clarim e sua voz dispersa às escondidas = O rei e<br />

Clotaldo confidenciam a execução do plano. Clotaldo descreve a ação. Basílio – o<br />

rei – pede para que se esteja preparado para caso o novo rei seja realmente um<br />

tirano, ficando acordado que o mesmo, neste caso, deveria voltar à torre e achar que<br />

teve um sonho apenas. Clarim ouve tudo e permanece quando os dois saem.<br />

Cena 9<br />

Clarim e a sua voz dispersa = Fala do destino que traçaram para Segismundo e<br />

avalia algo sobre a formatação de um criminoso. Se assim plantaram, assim<br />

colherão.<br />

Cena 10<br />

Clarim e sua voz dispersa e Rosaura = Rosaura chega trazendo a angústia de<br />

não encontrar quem procura. Clarim lhe diz sobre o “sonho” que o rei encomendou e<br />

61


a necessidade de interferir, não deixando que os presságios se confirmem e o<br />

príncipe possa ter outra referência, além daquela que estão 'armando' para ele. Ela<br />

decide interceder quando e o quanto possível. Anunciam a mudança de ares. O<br />

show devia começar naquele exato momento.<br />

Cena 11<br />

Um clima de show em um cabaré vagabundo se instaura e diversos<br />

personagens-tipo confundem-se com os demais personagens que até agora<br />

estiveram no espetáculo, exceção feita aos signos e guardas. Todos tomam ares de<br />

um artificialismo sem igual. Tudo se torna exagerado e forçado. Há muita música e<br />

uma sensação de embriagues. É um típico clima brechtiano. Clotaldo, Estrela e<br />

Astolfo perambulam pelo espaço como marionetes, tais como os personagens que<br />

representam os 4 poderes. Clarim e sua voz dispersa sente-se à vontade para agir e<br />

interagir num ambiente como aquele. O caos é a tônica da cena, demonstrando a<br />

“babel” humana, sua sociedade e seu funcionamento. Além disso, demonstrar o<br />

quanto estranhos são os hábitos do indivíduo em sociedade e o quanto a própria<br />

sociedade se policia e se monitora, tornando-se não humana.<br />

Cena 12<br />

Os quatro poderes tomam a cena juntamente com Segismundo, os demais ficam<br />

em segundo plano, em movimentos lentos e caricatos. Os 4 vestem Segismundo<br />

com os tons do “sonho”. Apresentam-se e percebem-se. Cada poder está pintado<br />

com cores muito fortes e em traços grotescos até. Segismundo foi artificializado em<br />

sua forma exterior.<br />

62


Cena 13<br />

Um dos poderes se contrapõe ao novo rei. É o legislador impondo regras há<br />

muito tidas como consenso naquele reino. Insuflado pela sutileza de sugestões<br />

dadas por Estrela e Astolfo, decide livrar-se dele, anulando o poder legislativo<br />

constituído para reinar absoluto, impondo as regras conforme as suas necessidades<br />

pessoais. Para tal, manda matá-lo, deixando atônitos todos os presentes.<br />

Cena 14<br />

Clarim e sua voz dispersa e os demais = Clarim comenta sobre o indício de que<br />

os presságios estavam sendo cumpridos. Fala do primeiro passo de qualquer tirano:<br />

a eliminação das legislaturas. Os comentários são tão ambíguos e intrigantes que<br />

todos se percebem tocados, sem acreditar em tamanha audácia. Segismundo dá<br />

sinais de uma reação quando é interceptado pelo ilusionista, que o chama a atenção<br />

quanto à condição de bobo do audacioso.<br />

Cena 15<br />

Clotaldo se manifesta. Diz a Segismundo que seja mais comedido se desejar<br />

reinar e que não deve sentir-se já o todo-poderoso, porque ainda está vivo o legítimo<br />

rei. Roubando uma espada que estava à mão, Segismundo desfere – com uma<br />

espada de alegoria,daquelas retráteis – um golpe “mortal” em Clotaldo, dizendo que<br />

se sentia feliz em eliminar de vez a redoma em que o velho que acaba de matar o<br />

mantinha.<br />

Cena 16<br />

Rosaura intercede. Entra de maneira natural, destoando totalmente dos demais<br />

componentes do quadro do “sonho”. Tal interferência chama muito a atenção de<br />

Segismundo que ordena que tudo pare para que ele possa se aproximar e conhecer<br />

63


tal criatura tão ímpar. Ao olharem-se nos olhos, ele imediatamente muda. Aliás a<br />

cena muda e um foco concentra-se no mesmo reconhecimento do olhar. Diz que já<br />

se espelhou em olhos tão grandiosos, mas que não se lembra de ninguém parecido<br />

com ela. Volta a ser o ser poético e puro que encontrou Rosaura vestida de homem.<br />

Cena 17<br />

O rei astrólogo percebe toda a cena e percebe que seu filho, ali, naquele<br />

momento, mostrou seu lado humano mais louvável. O ilusionista aproveita a deixa e<br />

enaltece as virtudes e valores do novo rei, tentando persuadir a todos para a tese de<br />

que isso suplanta os ajustes que foram precisos na equipe do novo governo.<br />

Cena 18<br />

O rei se manifesta repudiando dois assassinatos no primeiro dia do novo<br />

governo. É confrontado por Segismundo, como quem contesta a autoridade de um<br />

pai ausente e longínquo, invisível.<br />

Cena 19<br />

Mesmo assim, o rei astrólogo decide leva-lo de volta à torre, fazendo valer seu<br />

plano de concluir o “sonho”. Astolfo oferece-lhe um brinde. Bebem juntos.<br />

Segismundo cambaleia até cair. Blecaute.<br />

Cena 20<br />

Cena de transição, na qual todo o elenco transforma a cena para o Epílogo. Há<br />

música cantada, acompanhada por percussão corporal.<br />

64


Cena 21<br />

Segismundo é preso novamente tal como o vimos no início do espetáculo. Está<br />

adormecido. Clotaldo e os Guardas o repõem na torre. Estão novamente cobertos.<br />

Cena 22<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa estão novamente clandestinos, desta vez<br />

fugindo daquele castelo. Antes de irem, Segismundo desperta e os três discutem a<br />

sua situação de prisioneiro. Um tirano formatado pela sociedade. Despedem-se.<br />

EPÍLOGO<br />

Segismundo conversa com os signos e conclui ser a vida um sonho, ilusão é<br />

realidade. Fala sobre as razões sociais do ser. NOVAMENTE 'A VIDA EM COMUM'<br />

INSPIRA O CONTEÚDO.<br />

A mãe retorna e ele se pergunta se ela é sonho. Ela não lhe responde nada, a<br />

não ser um beijo que ela lhe dá. Ele adormece.<br />

Há um encontro entre ela e o rei astrólogo. Depois ela some como por encanto,<br />

no meio de uma conversa. Resta ao rei conversar com os signos, que são<br />

implacáveis com ele.<br />

OS SIGNOS RELUZEM NO CÉU.<br />

65


APÊNDICE IV – “A VIDA É SONHO?” – VERSÃO FINAL.<br />

A VIDA É SONHO?<br />

PRÓLOGO<br />

I<br />

66<br />

Texto adaptado da obra “A Vida é Sonho”,<br />

de Pedro Calderón de La Barca, pela VIII<br />

Fase de Teatro com supervisão do<br />

professor Roberto Murphy.<br />

Rei Astrólogo e os signos = Quando o rei estabelece o destino de seu filho, uma vez<br />

que lê nos astros que ele será um tirano quando ascender ao trono. É quando<br />

decide trancá-lo numa torre.<br />

Do alto os 'Signos' sonorizam a cena e projetam fachos de luz no piso, como<br />

pontos de referência para o Rei Astrólogo que tenta decifrar as indicações, ao<br />

mesmo tempo que desenha um complexo esquema no chão com um pedaço<br />

de giz. O esquema deverá lembrar um mapa astral, cujo centro é o local do<br />

nascimento de Segismundo. Palavras – frases - são ditas ao léu. O Rei<br />

responde com as suas interpretações dos enigmas proferidos.<br />

Signo (Alessandra) – Toda pessoa nasce com o instinto natural pelo poder.<br />

Signo (Joanna) – O homem é egoísta e profundamente solitário.<br />

Signo (Mariana) – Toda idéia de liberdade é ilusória.


Signo (Rafael) – A solidão absoluta é um estado triste e contrário à natureza.<br />

(Depois de reflexões e rompantes passionais, o Rei estabelece o destino do filho)<br />

Rei Astrólogo – Poder. (pausa). Poder. Isolamento. (pausa). Solidão. O sentindo de<br />

existir provém da vida em sociedade. Em toda a história da humanidade não se<br />

encontra o sujeito isolado. (pausa. rei observa os astros). Tirania. Torre. Teu destino<br />

está traçado... não verás ninguém e nada mais, a não ser os muros de uma torre<br />

que estará construída para quando chegares, lá tu nascerás e passarás teus dias...<br />

terás um tutor que ouvirás. Vamos conter a tua tirania...<br />

II<br />

A Mãe e os signos = Quando acontece o parto de Segismundo e a morte da mãe,<br />

motivo da confirmação da decisão do rei.<br />

Os fachos de luz vão se dissipando com a saída abrupta do Rei Astrólogo.<br />

Sons tomam novamente a cena. Os fachos de luz voltam a ser direcionados,<br />

desta vez confluindo para a barriga da mãe que está em trabalho de parto.<br />

Signo (Rafael) – ... o filho do rei está nascendo...<br />

Signo (Joanna) – Não deixem que se perca esse olhar...<br />

Signo (Mariana) – Pois o olhar da mãe introduz o ser na existência...<br />

Signo (Alessandra) – Olhar para alguém é reconhecer a existência desse alguém...<br />

Signo (Mariana) – Não deixem que se dissipe esse olhar!<br />

Signos (todos) - Não, não deixem!... (duas vezes cada signo)<br />

67


(Pausa)<br />

Signo (Joanna) - É tarde demais!<br />

(Purpurina é jogada na cena, sobre a figura da mãe que silenciou.)<br />

Gritos anunciam a morte da rainha e de seu filho, o herdeiro do trono da<br />

Polônia... O rei chora a perda e confirma sua decisão de trancafiar o filho como<br />

vingança pela morte da amada rainha.<br />

Rei Astrólogo – Confirma-se a minha decisão. E que ninguém saiba de sua<br />

sobrevivência.<br />

III<br />

Segismundo e os signos = Quando se apresenta Segismundo já adulto, nu e<br />

confinado.<br />

Sons do cosmos tomam a cena. Os fachos de luz concentram-se, cada qual,<br />

nos rostos dos atores.<br />

JORNADA ÚNICA<br />

Cena 1<br />

Segismundo, Clotaldo e Guardas = Quando se mostra a real condição de<br />

Segismundo. Ou seja, um indivíduo sem a noção de suas potencialidades,<br />

totalmente dominado por Clotaldo, que o mantém fraternalmente numa redoma. Há<br />

indícios da tutoria exercida de um para o outro. Os Guardas estão de prontidão nas<br />

quatro portas da torre.<br />

Clotaldo - Há coisas que não estão ao teu alcance, nem na tua compreensão.<br />

68


Concentra-te no mundo dos objetos... Explorar o mundo não significa modificá-lo...<br />

Tudo é assim há séculos... Tudo de que se precisa para viver tens a teu dispôr... Os<br />

mistérios da existência são de outra ordem... da ordem dos deuses... A eles<br />

devemos deixar tais questões... Hoje te concentra nos sons do mundo e ...<br />

Segismundo – Por que não posso olhar teu rosto, Clotaldo? És de outra ordem, que<br />

não seja a minha?<br />

Clotaldo – Um intermediário, digamos assim...<br />

Segismundo – Quem está além de ti, a quem intermedias?<br />

Clotaldo – Teu pai... a quem deves conformar-te, aceitando os desígnios por ele<br />

traçados para ti...<br />

Segismundo – Por que não o vejo? Ele, o arquiteto dos meus desígnios, não expõe<br />

sua face...<br />

Clotaldo – Ele é semelhante a ti... aliás, tu és semelhante a ele... Já tens o seu<br />

reconhecimento... Ele olha por ti... A ti cabe a obrigação de exercer a tua função,<br />

essencialmente...<br />

Segismundo – E qual seria a minha função...<br />

Clotaldo – Viver, apenas... o que já é de grande significação... (Sai de dentro da<br />

torre). Guardas! (Saem de cena. Segismundo volta ao seu estado original.)<br />

Cena 2<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa = Quando aparece Rosaura em busca de<br />

alguém que não sabe muito bem quem é, mas que é – segundo sua mãe – o seu<br />

pai. Dar enfoque nela como a humanidade em busca de um Deus que não se vê,<br />

69


mas que se ouviu falar da existência. Dar um toque becketiano (godot) à cena.<br />

Os dois, Rosaura e Clarim estão com roupas simples, tal como os mendigos<br />

Estragon e Vladimir de 'Esperando Godot'. Ela representa a busca da<br />

humanidade e ele, Clarim, é, na verdade, dois.<br />

Rosaura – Estou determinada ao descanso esta noite... Chega de vagarmos em<br />

busca de alguém que nunca encontramos... Estou cansada...<br />

Clarim – Prudente...muito prudente...<br />

Voz dispersa – Escalemos, então, a montanha de pedras...<br />

Rosaura – Como uma última atitude de hoje...<br />

Cena 3<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa e Segismundo = Quando Segismundo é<br />

descoberto pelos demais e quando vê pela primeira vez um rosto humano, isto é, o<br />

de Rosaura. Reconhece-se através dos olhos dela. Percebe-a como uma extensão<br />

de si mesmo. Questiona sua condição. Acende em si a necessidade de transcender<br />

sua condição. É – metaforicamente – a passagem da condição prometeica para os<br />

primeiros indícios da fáustica.<br />

Os dois chegam na torre. Segismundo é despertado por Rosaura. Os dois se<br />

olham nos olhos. Segismundo encanta-se e se reconhece como num espelho.<br />

Até aquele momento nunca um objeto ou superfície reflexível havia sido<br />

colocado a sua frente.<br />

Voz Dispersa – O olhar!<br />

Clarim – Que olhar é esse?<br />

Rosaura – Parece nunca ter visto um par de olhos, meu jovem. Onde estão tuas<br />

70


lembranças?<br />

Segismundo – É a primeira vez que vejo... Somente o toque de minhas mãos me<br />

sugeriam uma imagem... Agora me reconheço em ti.<br />

Voz Dispersa – Esse é um dos momentos que podem fazer o homem mudar a sua<br />

maneira de ver a realidade.<br />

Clarim – Reconhecimento... Ele se reconheceu no olho dela.<br />

Voz Dispersa – Tu me reconheces?<br />

Clarim – Olha pra mim.<br />

Clarim e Voz Dispersa – Aaaah, agora sim! (riem)<br />

Rosaura – Há quanto tempo esperas aqui?<br />

Segismundo – Desde sempre... Não sei nada mais que as coisas que Clotaldo me<br />

ensinou...<br />

Rosaura – Então, conhece outros olhos...<br />

Segismundo – Nunca... Os outros seres que conheço usam mantos... suas faces<br />

são para mim um mistério, assim como a minha própria face...<br />

Rosaura – Sempre ouvi dizer que precisamos da imagem do outro para construir a<br />

nossa...<br />

Segismundo – Creio que há algo a mais...<br />

Rosaura – Tens agora o sentido de existir...<br />

71


Clotaldo – Guardas desta torre, deixaram duas pessoas violarem o cárcere...<br />

Cena 4<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa, Segismundo, Clotaldo e seus guardas =<br />

Quando os intrusos são flagrados em sua audácia e são ameaçados e retirados de<br />

cena pela vigilância, que após um vacilo, está novamente de prontidão. Segismundo<br />

dá indícios de querer ir além de si mesmo. Blecaute.<br />

Os guardas cercam o trio: Segismundo e os dois intrusos.<br />

Clotaldo – (entrando) O que isso quer dizer? Como podem ter entrado...<br />

Rosaura – Estávamos exaustos e o acaso nos trouxe até aqui... Achávamos que era<br />

outra torre abandonada dessa região...<br />

Clotaldo – Na proibição passaram contra o decreto do rei da Polônia... devem ser<br />

imediatamente levados a ele que passará pessoalmente o fio da navalha...<br />

Rosaura – Não tínhamos a mínima intenção de burlar a lei... não sabíamos...<br />

estamos indo embora agora...<br />

Clotaldo – Não há volta... tal invasão vai além... quebram com um plano estipulado<br />

e um destino traçado...<br />

Segismundo – Que dizes, Clotaldo? Que plano é esse? Falas do meu destino?<br />

Clotaldo – Para o teu bem... para o teu bem, meu caro... Se tu sabes – porque já te<br />

falei muitas vezes – que teus males são tão grandes e que por lei do céu morreste<br />

antes de nascer, porque reclamas? (Aos guardas.) Levem estes dois intrusos para a<br />

morte que merecem... Isolem a torre, fechem as celas... (Dois dos guardas levam<br />

Rosaura e Clarim que não reagem. Outros cuidam de Segismundo.<br />

72


Segismundo – Que bem fazes ao me tirar a liberdade? Por que me tiras os<br />

direitos? (Continua a clamar por liberdade.)<br />

Rosaura – (A Clotaldo, que instiga a truculência) Só crescemos quando nos<br />

relacionamos com os outros. Isso faz o homem ser o que é.<br />

Clotaldo – Essas relações removem a pureza do homem, por isso o preservamos<br />

aqui…<br />

Rosaura – Preservam?<br />

Clotaldo - O ideal é a solidão, esse foi sempre o meu lema, aquilo que me justifica...<br />

Rosaura – O que esperar de alguém de quem foram retirados os sentimentos de<br />

sua própria existência? Sabem que formatam um sujeito apto para o crime?<br />

Clotaldo – Guardas, levem estes dois daqui...<br />

Cena 5<br />

Estrela e Astolfo = Apresentam suas ambições e ligações com o poder. Traçam seus<br />

planos e firmam compromissos.<br />

Cena que apresenta os dois primos em sua busca desenfreada pelo poder.<br />

Cena intermediária, com função de entreter.<br />

Cena 6<br />

Estrela, Astolfo, o Rei Astrólogo e os Guardas = Reencontram-se depois de muito<br />

tempo. Falam sobre Segismundo e a decisão de colocá-lo na sociedade para que se<br />

certifiquem de que os presságios estejam corretos ou não. O rei quer, antes de<br />

73


delegar o reino ao casal de sobrinhos, perceber o seu filho, até então tido como<br />

natimorto, em ação com o poder.<br />

Estrela – Sábio, Douto, Basílio...<br />

Astolfo – Nosso tio, senhor nosso, que entre os signos...<br />

Estrela - Entre os astros...<br />

Astolfo – Hoje governas... Resides...<br />

Estrela – E seus caminhos, seus rastros, descreves, marcas e medes...<br />

Astolfo – Deixa que em ternos abraços nos encontre...<br />

Rei – Sobrinhos, venham ao meu encontro, já que a meu chamado atenderam tão<br />

afetivamente. (Abraçam-se)<br />

Estrela – Salve, Polônia...<br />

Astolfo - Estamos a vossa disposição, tio.<br />

Rei – Chamei-os para que eu faça um acordo...<br />

Astolfo – Acordo?<br />

Rei – Sabem vocês, que os herdeiros mais diretos do trono da Polônia são vocês e<br />

que eu, velho, preciso de continuidade... (Os dois se sentem melindrados e cheios<br />

do poder) Mas, há algo que eu preciso que saibam... uma condicional...<br />

Estrela – Condicional? O que poderia impedir essa ordem natural das coisas?<br />

Rei – Meu filho, Segismundo...<br />

74


Estrela – Filho, meu senhor?<br />

Astolfo – Teríamos nós um primo, com prioridade na sucessão?<br />

Rei – Sim, minha amada Clorilena, minha esposa, rainha esplendorosa, como<br />

sabem, morreu no parto de nosso primogênito.<br />

Estrela – Como todos sabemos...<br />

Rei – Mas, o filho que dissemos ter morrido, na verdade vive mísero, pobre e cativo<br />

numa torre, onde Clotaldo lhe tem falado, tratado e visto, ensinando-lhe ciências. Na<br />

lei católica o tem instruído...<br />

Astolfo – Uma notícia aterradora... se formos ver ... quer dizer...<br />

Estrela – Com certeza, inesperada e contundente...<br />

Rei – Os astros disseram – em sua clara referência – que das entranhas de minha<br />

mulher nasceria um monstro em forma de homem e, no seu sangue, lhe dava a<br />

morte, nascendo víbora humana do signo. Correndo aos meus estudos neles vi um<br />

grande aviso que Segismundo seria o mais atrevido e cruel monarca que se ouviria<br />

falar... Considerando a morte da mãe como o primeiro indício dos presságios,<br />

resolvi encurralar a fera que tinha nascido. Fiz constar que ele viera natimorto e,<br />

prevenido, mandei erguer uma torre entre penhascos e abismos, onde apenas a luz<br />

encontra brecha e os sons vêm dos ventos e pássaros...<br />

Estrela – Não consigo deixar de dizer que estou estupefata...<br />

Astolfo – Eu... nem sei... o que... dizer...<br />

Rei - Os homens não viveriam muito tempo em sociedade se não enganassem uns<br />

aos outros. (Pausa. O rei se surpreende com sua própria audácia.) Cada um de nós<br />

75


nasce duas vezes: na natureza e na própria sociedade, para a vida e para a<br />

existência; tanto uma quanto a outra são frágeis. No caso de Segismundo, nasceu<br />

apenas uma vez. Somente na natureza, para a vida. Tal história tem mantido em<br />

mim uma lacuna, a de não ter percebido o meu filho na sociedade. Não me sinto<br />

muito longe da idéia de um tirano. Sinto-me um tirano ao privá-lo do convívio e do<br />

reconhecimento de sua existência.<br />

Astolfo – Não devias sentir-se assim, nosso soberano. Há de existir uma solução<br />

para isso...<br />

Estrela – Sim, uma solução que possamos colocá-lo assim na verdade... sem ser<br />

verdade... assim... sei lá... entende?<br />

Rei – Sei, sim... uma solução genial: pediremos um remédio tal que lhe conturbe os<br />

sentidos. Hei de pô-lo amanhã, sem que saiba, no convívio com o social, elevando-<br />

lhe à condição de soberano. Daremos a impressão de um sonho. Isso mesmo, um<br />

sonho em que poderá viver os seus dias de reinado e perceber se se cumprem os<br />

presságios. Caso seja benigno, cordato e prudente, deixemos que o sonho seja<br />

eterno, porém, se surgir soberbo, atrevido e cruel, o sonho lhe será breve.<br />

Estrela – Que devemos fazer?<br />

Astolfo – Devemos... fazer... algo,... mesmo?<br />

Clotaldo – (de fora) Senhor rei, peço-vos a atenção... É grave a situação...<br />

Cena 7<br />

Estela, Astolfo, o Rei Astrólogo e Clotaldo = Clotaldo chega trazendo a notícia da<br />

invasão de Rosaura e seu acompanhante, quando é informado pelo próprio rei que<br />

ele, o príncipe, deverá ser socializado, tomando o poder. Para isso combinam<br />

colocá-lo na ilusão de que é um “sonho”, para aí decidirem o seu destino na “vida<br />

76


eal”.<br />

Rei – Entre e diga o que há...<br />

Clotaldo – (entrando, reverência rápida e incompleta) capturamos intrusos na torre...<br />

(referindo-se aos demais ouvintes, pedindo um aparte) na torre principal...<br />

Rei – Calma, estamos todos a par da situação de Segismundo...<br />

Clotaldo – Pensei que...<br />

Rei – Repensei... Vamos socializá-lo... colocá-lo em sua função de soberano, para<br />

observar seus atos. Não podemos fazer um julgamento sobre nós mesmos sem sair<br />

de nós e sem nos olhar pelos olhos dos outros.<br />

Clotaldo – Um caso de reconhecimento obtido à força: a soberania como meio de<br />

julgamento.<br />

Rei - Nosso comportamento é o resultado de fatores múltiplos, passados e<br />

presentes; ele ilustra o exercício de nossa liberdade.<br />

Clotaldo – E se ele não souber lidar com sua liberdade...<br />

Rei – Terá de perdê-la.<br />

Astolfo - Gostaríamos de estar no lugar deles.<br />

Estela – De quem?<br />

Astolfo - Deles... No fundo são tiranos e isso nos fascina...<br />

Estela – Somos tiranos, então... (Saem)<br />

77


Clotaldo – O que faço com os intrusos? Eles fugiram.<br />

Rei – Deixem-nos soltos; talvez possam ser úteis.<br />

Cena 8<br />

Clotaldo e o Rei Astrólogo, Clarim e sua voz dispersa às escondidas = O rei e<br />

Clotaldo confidenciam a execução do plano. Clotaldo descreve a ação. Basílio – o rei<br />

– pede para que se esteja preparado para caso o novo rei seja realmente um tirano,<br />

ficando acordado que o mesmo, neste caso, deveria voltar à torre e achar que teve<br />

um sonho apenas. Clarim ouve tudo e permanece quando os dois saem.<br />

Rei – Comenta, Clotaldo, o que se passou.<br />

Clotaldo – Tudo, assim como mandaste, tudo se cumpriu. Com a aprazível bebida<br />

que de misturas foi feita juntando virtudes de algumas ervas, cujo tirano poder e cuja<br />

força secreta priva o humano da palavra, deixando o cadáver vivo, tirando-lhe<br />

apenas os sentidos e potências... Há venenos que adormentam... Antes de sedá-lo,<br />

tive de ouvir acusações e insultos...<br />

Rei – E onde está Segismundo neste momento?<br />

Clotaldo – As gentes de quem tu fias colocaram-no num carro e levaram-no para o<br />

seu quarto, onde acordará como quem acorda de outro sonho.<br />

Rei – Quero que tudo seja bem realizado... Não deixem suspeitas de que não seja<br />

um sonho...<br />

Clotaldo – Há um sinal que me alerta dizendo que acordou e que logo por aqui<br />

estará.<br />

Rei – Tenho de me retirar. Tu como seu aio, chega e conta-lhe toda a verdade.<br />

78


Clotaldo – Contar a verdade?<br />

Rei – Sim. Poderá ser que sabendo, já conhecendo o perigo, mais facilmente se<br />

vença.<br />

Cena 9<br />

Clarim e a sua voz dispersa = Fala do destino que traçaram para Segismundo e<br />

avalia algo sobre a formatação de um criminoso. Se assim plantaram, assim<br />

colherão.<br />

Clarim – Alguém que não consegue ter reconhecimento o tentará a força.<br />

Voz Dispersa – Tudo o que o ser humano faz é reflexo do que ele viu os outros<br />

fazendo.<br />

Clarim – E o que os outros fazem é reflexo do que?<br />

Voz Dispersa – E no caso de Segismundo, como vamos saber quem será a vítima e<br />

quem será o tirano?<br />

Cena 10<br />

Clarim e sua voz dispersa e Rosaura = Rosaura chega trazendo a angústia de não<br />

encontrar quem procura. Clarim lhe diz sobre o “sonho” que o rei encomendou e a<br />

necessidade de interferir, não deixando que os presságios se confirmem e o príncipe<br />

possa ter outra referência, além daquela que estão 'armando' para ele. Ela decide<br />

interceder quando e o quanto possível. Anunciam a mudança de ares. O show devia<br />

começar naquele exato momento.<br />

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Rosaura – (entra) Aquilo que ouvi falar do príncipe na torre é verdade, Clarim?<br />

Clarim – Sim, tudo arquitetado para um exame de consciência do rei astrólogo...<br />

Estarão todos presentes, mas darão nuances de um sonho... Colocando à prova a<br />

tirania do príncipe...<br />

Voz Dispersa – Ele nunca saberá se o que ele viveu foi realidade ou sonho.<br />

Rosaura – Mais uma mentira?<br />

Clarim – O que faremos?<br />

Rosaura – Interceder nesse sonho...<br />

Clarim e Voz Dispersa – Ouça minha ama... Parece que o show está começando...<br />

(Saem.)<br />

Cena 11<br />

Um clima de show em um cabaré vagabundo se instaura e diversos personagens-<br />

tipo confundem-se com os demais personagens que até agora estiveram no<br />

espetáculo, exceção feita aos signos e guardas. Todos tomam ares de um<br />

artificialismo sem igual. Tudo se torna exagerado e forçado. Há muita música e uma<br />

sensação de embriagues. É um típico clima brechtiano. Clotaldo, Estrela e Astolfo<br />

perambulam pelo espaço como marionetes, tais como os personagens que<br />

representam os 4 poderes. Clarim e sua voz dispersa sente-se à vontade para agir e<br />

interagir num ambiente como aquele. O caos é a tônica da cena, demonstrando a<br />

“babel” humana, sua sociedade e seu funcionamento. Além disso, demonstrar o<br />

quanto estranhos são os hábitos do indivíduo em sociedade e o quanto a própria<br />

sociedade se policia e se monitora, tornando-se não humana.<br />

Clarim – Olha lá. Olha lá… Poxa, quantos heim?<br />

80


Voz Dispersa – Quantos de você tem em você?<br />

Cena 12<br />

Os quatro poderes tomam a cena juntamente com Segismundo, os demais ficam em<br />

segundo plano, em movimentos lentos e caricatos. Os 4 vestem Segismundo com os<br />

tons do “sonho”. Apresentam-se e percebem-se. Segismundo foi artificializado em<br />

sua forma exterior.<br />

Segismundo - Valha-me o céu, o que vejo? Eu despertar em leito tão excelente? Eu<br />

rodeado de gente ajudando-me a vestir? Dizer que sonho é engano,bem sei que<br />

estou acordado. Eu, Segismundo, não sou?<br />

Ilusionista – Que melancólico está. Um rei novo deve ter outra imagem. A imagem<br />

de alguém de sucesso, com ares de quem não esteja nem aí para ninguém. Os<br />

olhares dos outros é que devem ter um só alvo: a tua pessoa... os teus olhares são<br />

relativos, escuta bem...<br />

Legislador – Correção de posturas e decoro legislativo e judiciário. Os pilares... meu<br />

jovem... sabe do que estou falando, pois não?!<br />

Segismundo – Ah, ah, ah,...<br />

Legislador – Uma gafe pode ser sempre passível de interpretações...<br />

Segismundo – Entenda como quiser...<br />

Religioso – (para o militar) A origem do orgulho reside provavelmente no desejo da<br />

criança de proteger-se dos golpes desferidos contra seu amor próprio. Um sistema<br />

de proteção, em circunstâncias difíceis.<br />

81


Ilusionista – Peço mais música?<br />

Segismundo – Não. Não quero que cantem mais.<br />

Ilusionista – Tão admirado estais que quis divertir-vos.<br />

Militar – Não devemos nos divertir com tais vozes, só músicas militares é que me<br />

agradam ouvir. (Indo até Segismundo) Vossa Alteza, meu senhor, sua mão dê-me a<br />

beijar; serei o primeiro a mostrar obediência e fervor.<br />

Religioso – O maior exemplo de um rei é a devoção... Deus é...<br />

Segismundo – Deus sou eu... Ópio meu! Deus sou eu!<br />

Legislador – Neste caso, Deus necessita de leis para que...<br />

Segismundo – Deus não tem limites. Cuidado com o que dizes.<br />

Legislador – Um rei se legitima pelo cumprimento das leis que seu reino formulou...<br />

Segismundo – E quem és tu, diz?<br />

Legislador – O legislador do reino, voz e ouvido do povo.<br />

Segismundo – Um lacaio bifacial?<br />

Legislador – Uma referência para que o povo dimensione o rei que tem...<br />

Segismundo – Insiste em insultar-me?<br />

Religioso – Nada precisa ser sempre obrigatoriamente do nosso ponto de vista, se<br />

me permite, senhor... Não há insulto e sim o clamor por justiça em teu reinado...<br />

Somos os poderes nos quais está fundamentado o teu reino, senhor... Negligência a<br />

82


estes parâmetros pode não ser um bom começo...<br />

Segismundo – Chega de limites impostos, vivi uma vida inteira de privações e<br />

humilhações, quero agora a recompensa e o reconhecimento de todos pela minha<br />

autoridade... Sou o rei...<br />

Militar – Guardar teus passos e cumprir teus imperativos: eis minha função,<br />

senhor... Sou movido a impetuosidade e força bruta...<br />

Ilusionista – Saberei honrá-lo, senhor, em sua autoridade. Cuidarei de tua imagem<br />

diante da opinião popular... Basta que tenhamos jeito para a coisa...<br />

Religioso – Sou teu braço direito junto aos ânimos de teu populacho... Saberei<br />

como induzi-lo ao desmerecimento e a conformação...<br />

Legislador – Serei sempre o fiel de tua balança, senhor... Para que não pendas<br />

para lado nenhum...<br />

Cena 13<br />

Um dos poderes se contrapõe ao novo rei. É o legislador impondo regras há muito<br />

tidas como consenso naquele reino. Insuflado pela sutileza de sugestões dadas por<br />

Estrela e Astolfo, decide livrar-se dele, anulando o poder legislativo constituído para<br />

reinar absoluto, impondo as regras conforme as suas necessidades pessoais. Para<br />

tal, manda matá-lo, deixando atônitos todos os presentes.<br />

Astolfo – (aproximando-se meio irônico) Um rei não tem limites, meu caro primo...<br />

Estrela – (num tom provocador) Seja o que essa fera magoada sempre guardou e<br />

quis libertar: é agora e pode ser nunca...<br />

Segismundo – (ao legislador) As tuas leis me amputaram a vida. Tua sabedoria me<br />

83


anulou e isso não é motivo que justifique um crime? A vingança pelos anos todos de<br />

cadeia por algo que nem sei o por que... sou a falta de limites, sou o poder sem<br />

pitacos...<br />

Legislador – O que pretende o senhor?<br />

Segismundo - O meio para provar a meus próprios olhos, ou aos olhos de um<br />

terceiro, a minha soberania... (Pega-o pelo braço e o ameaça. Sai.)<br />

Astolfo – Que é isso?<br />

Estrela – Corre para o acalmar.<br />

Segismundo – (voltando) Foi-se no tanque afundar.<br />

Astolfo – Maior prudência, meu primo...<br />

Segismundo – Me instiga e agora me recrimina?<br />

Cena 14<br />

Clarim e sua voz dispersa e os demais = Clarim comenta sobre o indício de que os<br />

presságios estavam sendo cumpridos. Fala do primeiro passo de qualquer tirano: a<br />

eliminação das legislaturas. Os comentários são tão ambíguos e intrigantes que<br />

todos se percebem tocados, sem acreditar em tamanha audácia. Segismundo dá<br />

sinais de uma reação quando é interceptado pelo ilusionista, que o chama a atenção<br />

quanto à condição de bobo do audacioso.<br />

Voz Dispersa – Não nos contentamos com a vida que temos, queremos viver a dos<br />

outros, uma vida imaginária.<br />

84


Clarim – Nem que para isso a gente se torne o símbolo do medo e da imposição.<br />

Matar o legislador é um passo para a tirania absoluta.<br />

Segismundo – Quem és, deboche?... quem ousa-me apontar os fatos? Sou a nova<br />

lei, a lei sou eu...<br />

Ilusionista – Ninguém com quem se preocupar... um maltrapilho falador não agrada<br />

a ninguém... não vale a pena tanta exposição por um débil bobo da corte, alguém<br />

que não se sustenta... Veja só, a imagem da derrota... Espelhe-se em mim, não<br />

nele... sou uma esfera encantatória em tuas mãos...<br />

Cena 15<br />

Clotaldo se manifesta. Diz a Segismundo que seja mais comedido se desejar reinar<br />

e que não deve sentir-se já o todo-poderoso, porque ainda está vivo o legítimo rei.<br />

Roubando uma espada que estava à mão, Segismundo desfere – com uma espada<br />

de alegoria,daquelas retráteis – um golpe “mortal” em Clotaldo, dizendo que se<br />

sentia feliz em eliminar de vez a redoma em que o velho que acaba de matar o<br />

mantinha.<br />

Clotaldo – (entra cerimonioso. Beija a mão de Segismundo) Meu senhor...<br />

Segismundo – És Clotaldo. Como assim? Quem me maltratou na prisão esse<br />

tempo todo agora me respeita? O que é que se passa em mim?<br />

Clotaldo – Uma grande confusão que esse novo estado te dá. Saiba que és o<br />

herdeiro do trono da Polônia. E, o teres estado retirado e escondido para obedecer,<br />

tem sido às inclemências do teu destino... Teu pai, o rei, vem ver-te aqui onde estás<br />

e dele o mais vais saber.<br />

Segismundo – Infame, traidor, que tenho mais que saber, depois de saber quem<br />

sou e mostrar que começou minha soberba e poder? Me negaste esse direito, agora<br />

85


aceite... (Desfere-lhe um golpe “mortal” com sua espada de alegoria.) Para me<br />

vingar do que se recusaram me conceder!<br />

Religioso - O homem pensa apenas na satisfação de seus desejos, é a vida em<br />

sociedade que lhe ensina o altruísmo e a generosidade...<br />

Segismundo – (Ao cadáver) Manipulador, manipulando-me como um objeto.<br />

Cena 16<br />

Rosaura intercede. Entra de maneira natural, destoando totalmente dos demais<br />

componentes do quadro do “sonho”. Tal interferência chama muito a atenção de<br />

Segismundo que ordena que tudo pare para que ele possa se aproximar e conhecer<br />

tal criatura tão ímpar. Ao olharem-se nos olhos, ele imediatamente muda. Aliás a<br />

cena muda e um foco concentra-se no mesmo reconhecimento do olhar. Diz que já<br />

se espelhou em olhos tão grandiosos, mas que não se lembra de ninguém parecido<br />

com ela. Volta a ser o ser poético e puro que encontrou Rosaura vestida de homem.<br />

Rosaura entra em cena tão natural quanto um anjo, aos olhos de Segismundo.<br />

Segismundo – Os olhos que tanto busco! Os olhos inesquecíveis... os que me<br />

fizeram nascer para a existência! Parem todos, seus tolos, parem tudo! (Aquele<br />

sistema 'social' de funcionamento pára imediatamente de funcionar. Um foco muda<br />

completamente a cena, dando a impressão de uma volta ao interior da torre de<br />

Segismundo).<br />

Segismundo – (Para Rosaura, sua amada) Não há existência humana sem o olhar<br />

que trocamos entre nós.<br />

Rosaura - Somos felizes porque amamos. O eu não vem antes do outro. O rosto<br />

humano reconheço pelo olhar.<br />

Segismundo - Há algo além de seus olhos. Eu preciso do seu olhar para me sentir<br />

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vivo.<br />

Rosaura - Você é meu espelho e em você está minha imagem.<br />

Segismundo – (como num rompante, procurando alcançar com a voz mais<br />

pessoas) E quando isso não nos é permitido, hein, meu pai? Sei que me monitoras<br />

dias e noites, então, me responde! (Chora.)<br />

Cena 17<br />

O rei astrólogo percebe toda a cena e percebe que seu filho, ali, naquele momento,<br />

mostrou seu lado humano mais louvável. O ilusionista aproveita a deixa e enaltece<br />

as virtudes e valores do novo rei, tentando persuadir a todos para a tese de que isso<br />

suplanta os ajustes que foram precisos na equipe do novo governo.<br />

Ilusionista – Um rei que chora é um rei que tem em si a ternura necessária para<br />

governar. Mesmo que ajustes sejam necessários na equipe de seu governo, o novo<br />

rei promete... Vejam as virtudes desse ato copioso de chorar diante de seu público.<br />

Só pode ser de um espírito que a Polônia precisa neste momento: transparência e<br />

paixão... (Surpreendendo-se consigo mesmo) Isso mesmo, transparência e paixão!<br />

Cena 18<br />

O rei se manifesta repudiando dois assassinatos no primeiro dia do novo governo. É<br />

confrontado por Segismundo, como quem contesta a autoridade de um pai ausente<br />

e longínquo, invisível.<br />

Rei – (ao adentrar no recinto, tudo passa a ser em segundo plano, nada sequer se<br />

completa em cena) Isso tudo foi longe demais, príncipe Segismundo...<br />

Segismundo – Creio que, pela impetuosidade, sejas meu pai... o legítimo rei ainda<br />

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vivo... finalmente presente...<br />

Rei - A exigência que você me faz, ou seja, de reconhecê-lo em sua existência, traz<br />

para mim a confirmação da minha: sou reconhecido como aquele de quem você tem<br />

necessidade.<br />

Segismundo – Já tive mais... muito mais necessidade de vossa majestade...<br />

Principalmente nos momentos em que não sabia para que viver... mas, ausência não<br />

capta olhares... e os meus olhos arregalados de pavor diante da solidão nunca serão<br />

vistos, quanto mais reconhecidos...<br />

Rei – Nada disso justifica um a perversidade.<br />

Segismundo - Não existe instinto perverso. O sofrimento é que faz alguém<br />

perverso. Não será justo julgar-me... sou uma vítima...<br />

Rei - Quem não pode ser feliz a não ser segundo a escolha dos outros, sente-se a<br />

justo título infeliz.<br />

Segismundo - A agressividade somente existe em função de um objetivo, combater<br />

os rivais. Deixe-me em paz. (O rei sai.)<br />

Cena 19<br />

Astolfo – (oferecendo-lhe um brinde) Deixe seus problemas de lado e brinde à vida.<br />

(Bebem juntos. Segismundo cambaleia até cair. Blecaute)<br />

Cena 20<br />

Cena de transição, na qual todo o elenco transforma a cena para o Epílogo. Há<br />

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música cantada, acompanhada por percussão.<br />

Tudo Pro Meu Próprio Bem<br />

Compositor: Gonzaga Jr.<br />

Todos: Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Joanna: ...Um punhal, uma corda e o açúcar na mão<br />

Todos: Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Alessandra: ...A carícia da cobra, o sorriso do bom<br />

Todos: Meça teus passos pro teu próprio bem<br />

Sim pro teu próprio bem<br />

Leomar falando: Sim pro meu próprio bem<br />

Jamais me perguntaram<br />

Se eu queria ou não<br />

Se era aquilo ou não<br />

Que eu queria viver<br />

Pra quê?...<br />

Marcaram caminhos<br />

Nem deixaram pra mim<br />

Minha morte<br />

Meu próprio fim escolher<br />

Pro meu próprio bem<br />

Todos: Sim, pro teu próprio bem<br />

Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Mariana: Gravados nas lages, nos muros, nas mentes<br />

Todos: ...Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Rafael: Palavras formosas lançadas ao vento<br />

Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Leomar falando: Pro meu próprio bem<br />

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Cena 21<br />

Segismundo é preso novamente tal como o vimos no início do espetáculo. Está<br />

adormecido. Clotaldo e os Guardas o repõem na torre. Estão novamente cobertos.<br />

Clotaldo - Aqui tenho que deixá-lo, hoje a soberba precisa ter fim. Volta ao mesmo.<br />

E assim as tuas algemas volto a atar.<br />

(O Rei Astrólogo observa a cena de longe.)<br />

Clotaldo – (para o rei) Olha teu filho ali, reduzido ao miserável estado. Deve estar<br />

acordando de um sonho ruim... veja a necessidade que tem de respirar todo ar que<br />

existe no mundo... (Rei sai).<br />

Segismundo – Fui à grandiosa praça que é o teatro do mundo para uma afronta<br />

vingar... Sou eu, porventura? Que coisas tenho sonhado... eu vi mesmo aqueles<br />

olhos? Eu me vi ali e perdi a calma e a aceitação que tinha! Rompi uma barreira em<br />

minha alma e pelo que vejo terei sempre um corpo fadado à prisão... Clotaldo, me dê<br />

a solução para isso! Meu tutor, que sonho eu tive!... real como agora...<br />

Clotaldo - Já é hora de acordar...<br />

Segismundo – Acordar?<br />

Clotaldo – Não queiras dormir mais... Desde que estive contigo há dois dias não<br />

acordastes...<br />

Segismundo – Um sono profundo... um sonho profundo... Não. Não posso estar<br />

enganado, pois, se tudo foi sonhado eu vi tudo palpável, certo, quanto agora... Se<br />

sonhar é assim tão intenso, posso duvidar que esse momento seja real...<br />

Clotaldo – Conte-me o sonho, então...<br />

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Segismundo – Não direi o que sonhei, mas sim o que vi... Os poderes do império e<br />

seus nobres, com rostos de porcelana, rendidos a meus pés... Me deram nome e<br />

disseram ser seu príncipe... Estenderam galas, jóias e vestidos... Desde então perdi<br />

a calma de meus sentidos. Se estou com esta sensação até agora, eu fui príncipe<br />

até hoje manhã...<br />

Clotaldo – E eu, estive em teus sonhos?<br />

Segismundo – Sim e eu o matei...<br />

Clotaldo – Quanto rigor!<br />

Segismundo – De todos era senhor e todos me vingava...<br />

Clotaldo – Vingava-se de que?<br />

Segismundo – De terem me feito um tirano... agora posso entender a fúria que me<br />

assolava por dentro aqui sozinho, sem saber por que... dentro de mim um sensação<br />

de vazio... e tu nem sequer um olhar... cadê os teus olhos? Por que me privas de teu<br />

olhar? (Clotaldo chama os guardas e os mesmos entram na torre).<br />

Clotaldo – São os delírios do sonho... nada mais... nada mais, meu menino... a vida<br />

não tem rosto, como tu, como eu, como qualquer um aqui... somos identidades<br />

secretas que perambulam umas entre as outras, sem parar para ouvir...<br />

Segismundo – Mas, não é justo...<br />

Clotaldo – Não nos cabe tal discussão, meu pequeno aprendiz... Foi o império do<br />

sonho, vamos aos fatos...<br />

Segismundo – Os fatos?<br />

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Clotaldo – O aqui e o agora... a tua condição de aprendiz...<br />

Segismundo – Prisioneiro!<br />

Clotaldo - ... e a minha de tutor...<br />

Segismundo - ... assassino!<br />

Clotaldo - Não traga as confusões dos sonhos para a tua vida...<br />

Segismundo – A fúria cega dos atos que pretensamente sonhei vieram de uma<br />

ausência que de repente eu percebera, uma ausência do olhar de alguém... Eu pude<br />

me espelhar e aí então eu percebi que haviam me tirado aquilo que mais precisava<br />

para não ser um tirano... A culpa não pode ser minha! ... um tirano... formatado... por<br />

todos vocês... e só a mim cabe essa prisão... tiranos, tiranos,...<br />

(Segismundo adormece, sedado. Clotaldo sai de cena e os Guardas voltam a ocupar<br />

seu lugares fora da torre.)<br />

Cena 22<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa estão novamente clandestinos, desta vez<br />

fugindo daquele castelo. Comentam sobre o príncipe prisioneiro.<br />

Rosaura – Um príncipe... um ser transtornado pelo sofrimento e pela rejeição... um<br />

espírito corrompido... O efeito de uma causa injusta. Primeiro retiram dele tudo que<br />

possa construir um cidadão e depois julgam-no sem deixar alternativa, sem deixar<br />

sequer uma possibilidade de defesa...<br />

Voz Dispersa – O homem é solitário e reúne-se em sociedade apenas por fraqueza<br />

e falta de coragem.<br />

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Rosaura – Um indivíduo é um resultado do todo que o cerca... (Saem)<br />

EPÍLOGO<br />

Segismundo e os Signos: os mesmos sons feitos no Prólogo III preenchem a cena,<br />

enquanto isso Segismundo se questiona se a vida é sonho.<br />

Segismundo – Sonho? Vida? Isso é um sonho? A vida é sonho?<br />

(Neste momento a mãe retorna como espírito e coloca-o para ninar, sem que o filho<br />

a veja ou a toque. Os signos reluzem no céu)<br />

F I M<br />

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