UNIESP 6 Maria Emilia Miranda de Toledo* O QUE É POESIA ...
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Autor e Texto<br />
Author - Text<br />
<strong>Maria</strong> <strong>Emilia</strong> <strong>Miranda</strong> <strong>de</strong> <strong>Toledo*</strong><br />
O <strong>QUE</strong> <strong>É</strong> <strong>POESIA</strong>?<br />
WHAT IS POETRY?<br />
RESUMO<br />
Este estudo discute o que é poesia e literatura, perpassando<br />
diferentes escolas e correntes literárias.<br />
ABSTRACT<br />
This study discusses what is poetry and literature, consi<strong>de</strong>ring<br />
different schools and literary currents.<br />
PALAVRAS-CHAVE<br />
Poesia. Literatura. História da Literatura.<br />
KEY WORDS<br />
Poetry. Literature. History of the Literature.<br />
*Doutora em Literatura pela USP- Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Foi professora do curso<br />
<strong>de</strong> pós-graduação em “Leitura, Educação e Biblioteca”, das Faculda<strong>de</strong>s Teresa Martin,<br />
on<strong>de</strong> atualmente colabora junto à Diretoria <strong>de</strong> Pesquisa e Extensão.<br />
R.TEMA S.Paulo nº 56 jul/<strong>de</strong>z 2010 P. 6-29<br />
<strong>UNIESP</strong> 6
<strong>Maria</strong> <strong>Emilia</strong> <strong>Miranda</strong> <strong>de</strong> Toledo<br />
O <strong>QUE</strong> <strong>É</strong> <strong>POESIA</strong>?<br />
WHAT IS POETRY?<br />
Aprendi com meu filho <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos<br />
Que a poesia é a <strong>de</strong>scoberta<br />
Das coisas que eu nunca vi<br />
Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
Antes <strong>de</strong> conceituar o que é poesia, necessário<br />
se faz conceituar o que é literatura, a que ela<br />
está visceralmente vinculada.<br />
Literatura é um fenômeno estético. <strong>É</strong> uma arte, a arte<br />
da palavra. Sua finalida<strong>de</strong> precípua não é a <strong>de</strong> informar,<br />
ensinar ou doutrinar, documentar. A literatura inclui o<br />
social, o histórico, o religioso, e outros aspectos da vida<br />
humana, mas transformado em valor estético. A literatura<br />
<strong>de</strong>ve proporcionar ao leitor um prazer que não <strong>de</strong>ve ser<br />
confundido com nenhum outro. A rigor, a literatura parte<br />
da vida, é a transfiguração do real, é a realida<strong>de</strong> recriada<br />
por meio do espírito do artista e retransmitida por meio da<br />
língua para as formas que são os gêneros e com os quais<br />
ela toma corpo e nova realida<strong>de</strong>.<br />
A verda<strong>de</strong> estética, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Aristóteles, <strong>de</strong>ve ser<br />
entendida como diferente da verda<strong>de</strong> histórica. Para<br />
Aristóteles, funciona o esquema:<br />
7 TEMA
História - Narra o real<br />
- Narra o que aconteceu<br />
Literatura - Narra o possível<br />
- Narra o que po<strong>de</strong>ria ter acontecido,<br />
segundo as leis da verossimilhança.<br />
A Teoria Literária, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Aristóteles, divi<strong>de</strong> os gêneros<br />
em: lírico, épico e dramático. O gênero lírico, também<br />
chamado <strong>de</strong> poesia lírica é a forma literária em que o artista<br />
utiliza uma série <strong>de</strong> recursos intermediários – os artifícios<br />
líricos – para traduzir a sua visão da realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sua visão<br />
<strong>de</strong> mundo e veiculá-la ao leitor.<br />
Afinal, então, o que é poesia?<br />
A palavra poesia vem do Grego poèsis, <strong>de</strong> poien =<br />
criar, no sentido <strong>de</strong> imaginar. A poesia correspon<strong>de</strong> a uma<br />
inclinação do homem: a <strong>de</strong> vazar emoções por meio da<br />
expressão rítmica – o verso e o canto.<br />
A origem da poesia é, pois, individual, subjetiva,<br />
traduzindo emoções íntimas <strong>de</strong> um ser artisticamente<br />
superior para senti-las e exprimi-las. Originalmente, entre<br />
os gregos, era a forma literária <strong>de</strong>stinada a ser cantada<br />
com a lira (daí o nome: poesia lírica). A poesia lírica sugere,<br />
portanto, seu acompanhamento musical. Os sentimentos,<br />
individuais ou coletivos, constituem a maior fonte do<br />
lirismo, refletindo a reação da sensibilida<strong>de</strong> humana ante<br />
o espetáculo das coisas, da natureza, da vida. O lirismo<br />
é essencialmente emocional. Dessa forma, alarga nossa<br />
visão <strong>de</strong> mundo, nossa experiência vital, nossa capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> sentir, reagir, conhecer, diante dos fatos do universo e da<br />
vida. Há coisas que não po<strong>de</strong>m ser ditas senão por meio<br />
<strong>UNIESP</strong> 8
da poesia.<br />
O poeta é o ser que é capaz <strong>de</strong> absorver a experiência<br />
<strong>de</strong> seus semelhantes, torná-las suas próprias, graças à sua<br />
imaginação. O poeta não fala apenas em seu nome, mas<br />
também em nome dos instintos universais da humanida<strong>de</strong>.<br />
A FORMA<br />
O poema é a forma literária que assume a poesia<br />
lírica, que, normalmente é veiculada por meio <strong>de</strong> versos. A<br />
poesia é palavra, e é a palavra o primeiro elemento formal.<br />
Pela palavra, o poeta organiza sua experiência e a comunica<br />
por meio <strong>de</strong> imagens e símbolos. A palavra da poesia é<br />
específica, com linguagem própria, com carga lírica e<br />
emocional, diferindo da linguagem científica e da coloquial.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista formal, o primeiro elemento da<br />
poesia é o ritmo. A poética tradicional usava o ritmo, a<br />
métrica e a rima como elementos da poesia. O Mo<strong>de</strong>rnismo<br />
aboliu as idéias <strong>de</strong> métrica e rima, mas não aboliu o ritmo.<br />
E é por isso, que há verda<strong>de</strong>ira poesia em textos em prosa,<br />
como a página inicial da obra Iracema, <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar,<br />
os capítulos IV a VII <strong>de</strong> Eurico, o Presbítero, <strong>de</strong> Alexandre<br />
Herculano, o último capítulo <strong>de</strong> Mar Morto, <strong>de</strong> Jorge Amado,<br />
só para citar alguns, que são autênticas poesias em prosa.<br />
O verso é, portanto, apenas um recurso <strong>de</strong> que o<br />
poeta lança mão para veicular sua mensagem, dar corpo à<br />
sua experiência.<br />
A História da Literatura, levando em consi<strong>de</strong>ração<br />
o contexto histórico, a mentalida<strong>de</strong> da época, a filosofia<br />
dominante, os aspetos culturais e sociais, estabeleceu uma<br />
sequência, chamada <strong>de</strong> movimentos literários, que percorrem<br />
os séculos, oferecendo textos e poetas representativos<br />
9 TEMA
<strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses movimentos, que até o presente nos<br />
apresentam sua visão <strong>de</strong> mundo por meio das poesias que<br />
os imortalizaram.<br />
A Ida<strong>de</strong> Média nos brindou com suas Cantigas <strong>de</strong><br />
Amor e <strong>de</strong> Amigo, na esteira das quais poetas como Chico<br />
Buarque <strong>de</strong> Holanda e Caetano Veloso criaram composições<br />
representativas do estilo, como Com açúcar, com afeto e<br />
Queixa, respectivamente.<br />
Eis aqui um exemplo <strong>de</strong> cada uma das cantigas medievais:<br />
CANTIGA DE AMOR PARÁFRASE<br />
Amigos, non posse’eu negar Amigos, não posso negar<br />
a gran coyta d’amor ey, a gran<strong>de</strong> mágoa <strong>de</strong> amor que sinto<br />
ca me vejo san<strong>de</strong>u andar pois me vejo como louco<br />
e com san<strong>de</strong>ce o direy: e como louco é que digo:<br />
Os olhos uer<strong>de</strong>s que eu vi Foram uns olhos ver<strong>de</strong>s que vi<br />
me fazen or’andar assi. que me fazem ficar assim.<br />
Pêra quemquer x’ enten<strong>de</strong>rá Porém, quem quiser saber<br />
aquestes olhos quaes son, como eram aqueles olhos,<br />
e d’est’alguem se queixará da sua dona há <strong>de</strong> queixar-se<br />
mais eu, ia quer moira quer nõ: eu, porém, vivo ou morto hei <strong>de</strong><br />
dizer:<br />
Os olhos uer<strong>de</strong>s que eu vi Foram uns olhos ver<strong>de</strong>s que vi<br />
me fazen or’andar assi. que me fizeram ficar assim.<br />
Pero non <strong>de</strong>ui’a per<strong>de</strong>r Porém não <strong>de</strong>via sofrer<br />
ome que ia o sem nõ á quem o próprio juízo per<strong>de</strong>u<br />
<strong>de</strong> com san<strong>de</strong>ce ren dizer, por dizer coisas insensatas<br />
e com san<strong>de</strong>ce digu’eu ia: como eu ainda digo:<br />
Os olhos ver<strong>de</strong>s que eu vi Foram uns olhos ver<strong>de</strong>s que vi<br />
me fazen or’andar assi. que me fizeram ficar assim.<br />
Joan Garcia De Guilha<strong>de</strong> - C. A. 229/ C.V. 30<br />
<strong>UNIESP</strong> 10
Fui eu madr’em romaria<br />
a Faro com meu amigo<br />
e venho d’el namorada,<br />
por quanto falou comigo,<br />
ca me iurou que morria<br />
por mi: tal ben me queria!<br />
Leda venho da ermida<br />
<strong>de</strong>sta vez leda serey<br />
ca faley com meu amigo<br />
que sempre (muito ) <strong>de</strong>seiey,<br />
ca me iurou que morria<br />
por mi: tal bem me queria!<br />
CANTIGA DE AMIGO<br />
Joan <strong>de</strong> Requeixe – C.V. 894<br />
Du m’eu vi com meu amigo, du = <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
vin leda, se Deus mi perdon<br />
ca nunca lhi cuyd’a mentir,<br />
por quanto m’el diss’enton<br />
ca me iurou que morria<br />
por mi: tal bem me queria!<br />
ERA CLÁSSICA<br />
Todos os poetas clássicos (Camões, Petrarca,<br />
Garcilaso <strong>de</strong> la Vega) têm, entre si, gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação.<br />
Todos cantam: a mesma paixão, o mesmo amor eterno pela<br />
mesma mulher, as mesmas dores e <strong>de</strong>silusões amorosas,<br />
idênticos i<strong>de</strong>ais e igual consciência da fugacida<strong>de</strong> da vida.<br />
11 TEMA
Apesar <strong>de</strong> cantarem amores irrealizados, não<br />
correspondidos, os clássicos não se <strong>de</strong>sesperam, não se<br />
angustiam. Cantam a gran<strong>de</strong>za e eternida<strong>de</strong> do amor que<br />
vive na alma do amante. O Amor é visto como um valor<br />
absoluto e um elemento básico para a realização integral do<br />
Homem. O amor pertence a uma supra-realida<strong>de</strong>, ao mundo<br />
dos valores i<strong>de</strong>ais e absolutos. <strong>É</strong> valor universal, eterno,<br />
cuja realização no plano terreno é o amor imperfeito, como<br />
toda a matéria, e apenas reflexo do verda<strong>de</strong>iro Amor.<br />
Como o i<strong>de</strong>al clássico apontava para a universalização<br />
dos sentimentos, à encampação do individual pelo universal<br />
– porque só neste existia a eternida<strong>de</strong> e a verda<strong>de</strong>ira<br />
essência das coisas – o elemento mitológico (<strong>de</strong>vido à carga<br />
simbólica universal) torna-se um dos recursos mais usados<br />
como instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spersonalização.<br />
Finalmente, po<strong>de</strong>mos dizer que Classicismo é a<br />
época literária que se fundamenta na imitação da estética<br />
literária seguida pelos autores gregos e latinos. Essa época<br />
abrange os séculos XVI, XVII e XVIII, quer dizer, os períodos<br />
do Renascimento, do Barroco e do Neoclassicismo ou<br />
Arcadismo. Do século XVI (Classicismo Renascentista) é o<br />
soneto seguinte <strong>de</strong> Camões:<br />
Amor é um fogo que ar<strong>de</strong> sem se ver,<br />
é ferida que doi, e não se sente;<br />
é um contentamento <strong>de</strong>scontente,<br />
é dor que <strong>de</strong>satina sem doer.<br />
<strong>É</strong> um não querer mais que bem querer;<br />
é um andar solitário entre a gente;<br />
é nunca contentar - se <strong>de</strong> contente;<br />
é um cuidar que ganha em se per<strong>de</strong>r.<br />
<strong>UNIESP</strong> 12
<strong>É</strong> querer estar preso por vonta<strong>de</strong>;<br />
é servir a quem vence, o vencedor;<br />
é ter com quem nos mata, lealda<strong>de</strong>.<br />
Mas como causar po<strong>de</strong> seu favor<br />
nos corações humanos amiza<strong>de</strong>,<br />
se tão contrário a si é o mesmo Amor?<br />
BARROCO – Século XVII<br />
Nasceu da crise dos valores renascentistas,<br />
ocasionada pelos conflitos religiosos, pela crise econômica<br />
que sobreveio à falência do comércio do Oriente.<br />
Na alma do homem barroco gerou-se um estado <strong>de</strong><br />
tensão e <strong>de</strong>sequilíbrio, do qual tentou evadir-se pelo culto<br />
exagerado da forma, sobrecarregando-a <strong>de</strong> toda a casta <strong>de</strong><br />
figuras literárias.<br />
M u i t o s t e n t a r a m e v a d i r - s e p e l o a s c e t i s m o ,<br />
<strong>de</strong>sprezando tudo o que era terreno e muitos outros através<br />
do luxo. Por isso, o Barroco foi, simultaneamente, uma<br />
época <strong>de</strong> luxo e <strong>de</strong> profunda religiosida<strong>de</strong>.<br />
A INSTABILIDADE DAS COUSAS NO MUNDO.<br />
Gregório <strong>de</strong> Matos Guerra<br />
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,<br />
Depois da luz se segue a noite escura,<br />
Em tristes sombras morre a formosura,<br />
Em contínuas tristezas a alegria.<br />
Porém se acaba o Sol, por que nascia?<br />
Se formosa a luz é, por que não dura?<br />
Como a beleza assim se transfigura?<br />
Como o gosto da pena assim se fia?<br />
13 TEMA
Mas no Sol e na luz, falta a firmeza,<br />
Na formosura não se crê constância,<br />
E na alegria sinta-se tristeza.<br />
Começa o mundo enfim pela ignorância,<br />
E tem qualquer dos bens por natureza<br />
A firmeza somente na inconstância.<br />
ARCADISMO<br />
Século XVIII<br />
<strong>É</strong> uma reação ao gosto cultista e conceptista pelo<br />
regresso à niti<strong>de</strong>z e à simplicida<strong>de</strong> clássica. Imitação dos<br />
escritores antigos (antigos clássicos gregos e latinos e<br />
quinhentistas). Imitação com critério, sem plágio.<br />
A Poesia tem função útil, educando os costumes,<br />
contribuindo para o aperfeiçoamento moral. Busca-se<br />
a naturalida<strong>de</strong>, um bucolismo, isto é, a vida em meio à<br />
natureza i<strong>de</strong>alizada. Lirismo pastoril - os autores adotavam<br />
pseudônimos <strong>de</strong> pastores ( suas musas recebiam nomes <strong>de</strong><br />
pastoras ).Há uma I<strong>de</strong>alização do Amor e da mulher amada<br />
(neoplatonismo ).Há, também, a oposição entre a pureza da<br />
vida campestre e a complicada vida urbana.<br />
SONETO<br />
Cláudio Manuel da Costa<br />
Destes penhascos fez a natureza<br />
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,<br />
Que entre penhas tão duras se criara<br />
Uma alma terna, um peito sem dureza!<br />
Amor, que vence os tigres por empresa<br />
Tomou logo ren<strong>de</strong>r-me; ele <strong>de</strong>clara<br />
Contra o meu coração guerra tão rara,<br />
Que não me foi bastante a fortaleza.<br />
<strong>UNIESP</strong> 14
Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,<br />
A que dava ocasião minha brandura,<br />
Nunca pu<strong>de</strong> fugir ao cego engano:<br />
Vós, que ostentais a condição mais dura,<br />
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,<br />
On<strong>de</strong> há mais resistência, mais se apura.<br />
SONETO<br />
Bocage<br />
Chorosos versos meus <strong>de</strong>sencontrados,<br />
Sem arte, sem beleza, e sem brandura,<br />
Urdidos pela mão da Desventura,<br />
Pela baça Tristeza envenenados:<br />
Ve<strong>de</strong> a luz, não busqueis, <strong>de</strong>sesperados,<br />
No mudo esquecimento a sepultura;<br />
Se os ditosos vos lerem sem ternura,<br />
Ler-vos-ão com ternura os <strong>de</strong>sgraçados:<br />
Não vos inspire, ó versos, cobardia<br />
Da sátira mordaz o furor louco,<br />
Da maldizente voz a tirania:<br />
Desculpa ten<strong>de</strong>s, se valeis tão pouco ;<br />
Que não po<strong>de</strong> cantar com melodia<br />
Um peito, <strong>de</strong> gemer cansado e rouco.<br />
ROMANTISMO<br />
A poesia romântica, do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> técnica<br />
poemática, é diversa da poesia clássica e da poesia <strong>de</strong> 1880<br />
para cá, isto é, da poesia realista, simbolista e mo<strong>de</strong>rnista.O<br />
romantismo, em consciente atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> oposição ao<br />
15 TEMA
classicismo, conquistou uma nova poética.<br />
O romantismo, contra o princípio <strong>de</strong> uma poética<br />
universal, fundada em leis matemáticas do ritmo e em suas<br />
leis da lógica racional, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a liberda<strong>de</strong> poética, fundada<br />
nos direitos da imaginação e da sensibilida<strong>de</strong> entregues a si<br />
mesmas. O romantismo opôs ao classicismo não apenas<br />
uma teoria da expressão; também um i<strong>de</strong>ário artístico.<br />
Contra o universalismo estético, i<strong>de</strong>al supremo dos<br />
clássicos, os românticos realizaram uma arte <strong>de</strong> caráter<br />
individualista. A obra <strong>de</strong> um poeta é sua mensagem <strong>de</strong><br />
experiência vital, é a <strong>de</strong>cantação formal da sua vida, não<br />
como “ser”, mas como “ente”.<br />
Os românticos trouxeram, em arte, uma concepção<br />
nova da Realida<strong>de</strong>.<br />
Esta nova concepção da arte, da poesia, não como<br />
expressão da equação homem-universo, mas como<br />
expressão <strong>de</strong> uma vida, <strong>de</strong> uma existência com seus<br />
personalíssimos dramas <strong>de</strong> espírito e <strong>de</strong> coração, teve<br />
implícita e inevitavelmente uma outra concepção - a da<br />
liberda<strong>de</strong> criadora. (.....)<br />
Se eu morresse amanhã<br />
Álvares <strong>de</strong> Azevedo<br />
Se eu morresse amanhã, viria ao menos<br />
Fechar meus olhos minha triste irmã;<br />
Minha mãe <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s morreria,<br />
Se eu morresse amanhã!<br />
Quanta glória pressinto em meu futuro<br />
Que aurora e porvir e que amanhã!<br />
Eu per<strong>de</strong>ra chorando essas coroas,<br />
Se eu morresse amanhã!<br />
Que sol! que azul! que doce n’alva<br />
Acorda a natureza mais louçã<br />
Não me batera tanto amor no peito,<br />
<strong>UNIESP</strong> 16
Se eu morresse amanhã!<br />
Mas essa dor da vida que <strong>de</strong>vora<br />
A ânsia e glória, o dolorido afã...<br />
A dor no peito emu<strong>de</strong>cera ao menos,<br />
Se eu morresse amanhã!<br />
REALISMO/ PARNASIANISMO – Século XIX<br />
Há três tendências que prevalecem na poesia realista<br />
em Portugal:<br />
- utilização da literatura como veículo <strong>de</strong> idéias<br />
revolucionárias e reformistas. (Guerra Junqueiro e<br />
Antero <strong>de</strong> Quental)<br />
- incorporação <strong>de</strong> elementos consi<strong>de</strong>rados até então<br />
antipoéticos. <strong>É</strong> uma poesia que procura flagrar a<br />
realida<strong>de</strong> exterior. (Cesário Ver<strong>de</strong>)<br />
- preocupação com a poesia metafísica, com as<br />
questões filosóficas eternas e universais do ser humano.<br />
(Antero <strong>de</strong> Quental)<br />
PARNASIANISMO<br />
Atitu<strong>de</strong> Literária Típica do Realismo na Poesia.<br />
-Uma preocupação com a composição, com a técnica<br />
do poema;<br />
-Versos impassíveis, perfeição formal, cuidado com a<br />
rima, com o ritmo;<br />
-Uma posição,<strong>de</strong> “volta” aos motivos clássicos,<br />
assinalando, ainda mais, a posição antirromântica do<br />
movimento<br />
- Arte pela arte ( ars artis ), a poesia pela poesia;<br />
17 TEMA
- Um parcimonioso uso <strong>de</strong> metáforas e imagens.<br />
VASO GREGO<br />
Alberto <strong>de</strong> Oliveira<br />
Esta <strong>de</strong> áureos relevos, trabalhada<br />
De divas mãos, brilhante copa, um dia,<br />
Já <strong>de</strong> aos <strong>de</strong>uses servir como cansada,<br />
Vinda do Olimpo, a um novo <strong>de</strong>us servia.<br />
Era o poeta <strong>de</strong> Teos que a suspendia<br />
Então, e, ora repleta ora esvasada,<br />
A taça amiga aos <strong>de</strong>dos seus tinia,<br />
Toda <strong>de</strong> roxas pétalas colmada.<br />
Depois... Mas o lavor da taça admira,<br />
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas<br />
Finas hás <strong>de</strong> ouvir, canora <strong>de</strong> doce<br />
Ignota voz, qual se da antiga lira<br />
Fosse a encantada música das cordas,<br />
Qual se essa voz <strong>de</strong> Anacreonte fosse.<br />
HINO À RAZÃO<br />
Antero <strong>de</strong> Quental<br />
Razão, irmã do Amor e da Justiça,<br />
Mais uma vez escuta a minha prece.<br />
<strong>É</strong> a voz dum coração que te apetece,<br />
Duma alma livre, só a ti submissa.<br />
Por ti que a poeira movediça<br />
De astros e sois e mundos permanece;<br />
E é por ti que a virtu<strong>de</strong> prevalece,<br />
E a flor do heroísmo medra e viça.<br />
<strong>UNIESP</strong> 18
Por ti, na arena trágica, as nações<br />
Buscam a liberda<strong>de</strong> entre clarões;<br />
E os que olham para o futuro e cismam, mudos,<br />
Por ti, po<strong>de</strong>m sofrer e não se abatem,<br />
Mãe <strong>de</strong> filhos robustos, que combatem<br />
Tendo o seu nome escrito em seus escudos!<br />
LÍNGUA PORTUGUESA<br />
Olavo Bilac<br />
Última flor do Lácio, inculta e bela,<br />
<strong>É</strong>s, a um tempo, esplendor e sepultura:<br />
Ouro nativo, que na ganga impura<br />
A bruta mina entre os cascalhos vela...<br />
Amo-te assim, <strong>de</strong>sconhecida e obscura,<br />
Tuba <strong>de</strong> alto clangor, lira singela,<br />
Que tens o trom e o silvo da procela,<br />
E o arrolo da sauda<strong>de</strong> e da ternura!<br />
Amo o teu viço agreste e o teu aroma<br />
De virgens selvas e <strong>de</strong> oceano largo!<br />
Amo-te, ó ru<strong>de</strong> e doloroso idioma,<br />
Em que da voz materna ouvi: “Meu filho!”<br />
E em que Camões chorou, no exílio amargo,<br />
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!<br />
SIMBOLISMO<br />
Século XIX (final ) Século XX ( início)<br />
O Simbolismo representa uma atitu<strong>de</strong> subjetiva, em<br />
oposição à objetivida<strong>de</strong> do Realismo- Parnasianismo. O que<br />
importa ao simbolista é o seu estado <strong>de</strong> alma, a sua emoção<br />
interior, que não é periférica; representa uma tentativa <strong>de</strong><br />
19 TEMA
evelação do mundo interior do artista, que exige, portanto,<br />
uma linguagem diferente.<br />
O Simbolismo <strong>de</strong>scobriu a “poesia pura” que surge<br />
do espírito irracional, não conceitual da linguagem, oposto<br />
a toda interpretação lógica. O movimento não permite uma<br />
caracterização precisa, pois não apresenta “propósitos<br />
<strong>de</strong>finidos, coerentes ou unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> métodos” e nem<br />
unida<strong>de</strong> doutrinária.<br />
O homem <strong>de</strong>scobriu, após a euforia das conquistas<br />
científico-positivas, que o esquematismo lógico e claro com<br />
que a Ciência procurava explicar a realida<strong>de</strong> não conseguia<br />
eliminar mistérios, paradoxos e inquietu<strong>de</strong>s que vivem na<br />
alma humana.<br />
CÁRCERE DAS ALMAS<br />
Cruz e Sousa<br />
Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,<br />
Soluçando nas trevas, entre as gra<strong>de</strong>s<br />
Do calabouço olhando imensida<strong>de</strong>s,<br />
Mares, estrelas, tar<strong>de</strong>s, natureza.<br />
Tudo se veste <strong>de</strong> uma igual gran<strong>de</strong>za<br />
Quando a alma entre grilhões as liberda<strong>de</strong>s<br />
Sonha e, sonhando, as imortalida<strong>de</strong>s<br />
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.<br />
Ó almas presas, mudas e fechadas<br />
Nas prisões colossais e abandonadas,<br />
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!<br />
Nesses silêncios solitários, graves,<br />
que chaveiro do Céu possui as chaves<br />
para abrir-vos as portas do Mistério?<br />
<strong>UNIESP</strong> 20
CAMINHO<br />
Camilo Pessanha<br />
Tenho sonhos cruéis; n’alma doente<br />
Sinto um vago receio prematuro.<br />
Vou a medo na aresta do futuro,<br />
Embebido em sauda<strong>de</strong>s do presente...<br />
Sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta dor que em vão procuro<br />
Do peito afugentar bem ru<strong>de</strong>mente,<br />
Devendo, ao <strong>de</strong>smaiar sobre o poente,<br />
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...<br />
Porque a dor, esta falta d’harmonia,<br />
Toda a luz <strong>de</strong>sgrenhada que alumia<br />
As almas doidamente, o céu d’agora,<br />
Sem ela o coração é quase nada:<br />
Um sol on<strong>de</strong> expirasse a madrugada,<br />
Porque é só madrugada quando chora.<br />
ESTE LIVRO<br />
Florbela Espanca<br />
Este livro é <strong>de</strong> mágoas.Desgraçados os<br />
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!<br />
Somente a vossa dor <strong>de</strong> Torturados<br />
Po<strong>de</strong>, talvez, senti-lo...e compreendê-lo.<br />
Este livro é para vós. Abençoados<br />
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!<br />
Bíblia <strong>de</strong> tristes...Ó Desventurados,<br />
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!<br />
21 TEMA
Livro <strong>de</strong> Mágoas...Dores...Ansieda<strong>de</strong>s!<br />
Livro <strong>de</strong> Sombras...Névoas e Sauda<strong>de</strong>s!<br />
Vai pelo mundo...(Trouxe-o no meu seio...)<br />
Irmãos na Dor, os olhos rasos <strong>de</strong> água,<br />
Chorai comigo a minha imensa mágoa,<br />
Lendo o meu livro só <strong>de</strong> mágoas cheio!...<br />
MODERNISMO<br />
Século XX<br />
O início do século XX correspon<strong>de</strong> a uma época<br />
<strong>de</strong> crise na Europa. As gran<strong>de</strong>s disputas <strong>de</strong> mercado, as<br />
turbulências e a anarquia na produção, com gran<strong>de</strong>s avanços<br />
e recuos estabelecem as condições que vão redundar na 1ª<br />
Gran<strong>de</strong> Guerra (1914 a 1918) e na crise <strong>de</strong> 1929 (crack da<br />
Bolsa <strong>de</strong> Nova Iorque).<br />
Por outro lado, são questionados os princípios<br />
positivistas do século XIX, com profundas transformações<br />
em todos os campos do saber, seja em nível teórico (teoria<br />
da Relativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Einstein, teoria do Quanta, <strong>de</strong> Plank,<br />
Psicanálise <strong>de</strong> Freud, Linguística estruturalista, etc.),<br />
seja em nível técnico (eletricida<strong>de</strong>, telefone, aviação). Ao<br />
mesmo tempo, a crise do “progressismo” evolucionista<br />
(<strong>de</strong> caráter burguês) estimulou o surgimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias<br />
irracionalistas, que se apresentam como antiburguesas<br />
(Nietzche, Bergson, Hei<strong>de</strong>gger).<br />
Tal evolução, como se vê, é complexa e seria errado, ou<br />
muito simplista, reduzi-la a um movimento. Os movimentos<br />
<strong>de</strong> Vanguarda, como Futurismo, Cubismo, Surrealismo, vão<br />
dar o tom <strong>de</strong>ssa renovação nas artes plásticas e rítmicas.<br />
Mo<strong>de</strong>rnismo -- nome genérico que engloba as variadas<br />
tendências da literatura a partir do início <strong>de</strong>ste multifacetado<br />
século XX.<br />
Um dos mais fecundos movimentos literários do<br />
<strong>UNIESP</strong> 22
Oci<strong>de</strong>nte, tem uma riqueza superior aos <strong>de</strong>mais estilos<br />
<strong>de</strong> época; movimento discutido, controvertido, que divi<strong>de</strong><br />
opiniões.<br />
Em Portugal, o primeiro movimento mo<strong>de</strong>rnista<br />
surgiu com a Revista Orpheu, da qual participaram poetas<br />
como Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.<br />
No Brasil, o Mo<strong>de</strong>rnismo teve início com a Semana<br />
<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> 1922.<br />
As principais tendências do Mo<strong>de</strong>rnismo são:<br />
1.Hermetismo<br />
Um dos traços responsáveis pela dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> penetração<br />
no mistério da poesia. Imagem contemporânea apoiada no<br />
sentimento do autor.<br />
Hermetismo: traço encontrado também no Simbolismo<br />
( poesia para iniciados)<br />
Mo<strong>de</strong>rnismo: mergulho em profundida<strong>de</strong> no mais fundo<br />
recôndito da alma humana (lembrar que Freud <strong>de</strong>smascara<br />
o Homem).<br />
2. Tentativa <strong>de</strong> exploração<br />
do inconsciente<br />
Avanço da Psicologia: revelação do inconsciente possibilita<br />
melhor conhecimento da verda<strong>de</strong>ira realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um.<br />
Associação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, nos sonhos, nas liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
linguagem, <strong>de</strong>spreocupação com um significado racional<br />
para o poema.<br />
3. Presença da<br />
filosofia bergsoniana<br />
Henri Louis Bergson, filósofo francês (1859- 1941), sustenta<br />
que o mundo é constituído por um processo <strong>de</strong> continuada<br />
evolução criadora e não por forças <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m mecânica.<br />
Real produto <strong>de</strong> uma força vital, e objeto <strong>de</strong> intuição e não<br />
<strong>de</strong> análise conceitual. A pura razão não é suficiente para<br />
abarcar toda a realida<strong>de</strong>.<br />
23 TEMA
4. Integração poética da<br />
civilização material<br />
Mundo novo em torno do artista: canhões, motores, fábricas,<br />
progresso; rápido <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico.<br />
Variações no gosto estético e ânsia pela novida<strong>de</strong> - o novo<br />
é sempre melhor.<br />
Socieda<strong>de</strong> nova - literatura nova. Marca o instante - a<br />
impressão <strong>de</strong> cada momento único no fluir da existência.<br />
5. Verso livre<br />
Liberda<strong>de</strong> plena da forma. Não significa ausência <strong>de</strong> ritmo.<br />
Verso baseado na combinação <strong>de</strong> entoações e pausas.Por<br />
exemplo:<br />
“Teus ombros suportam o mundo<br />
E ele não pesa mais que a mão <strong>de</strong> uma criança.”<br />
(Drummond)<br />
Outros aspectos:<br />
• ausência <strong>de</strong> inversões, <strong>de</strong> apóstrofes bombásticas;<br />
• ênfase no habitual e não no cósmico;<br />
• interesse maior pelo inconsciente;<br />
• interesse pelo homem comum.<br />
ODE AO BURGUÊS<br />
Mario <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,<br />
o burguês-burguês!<br />
A digestão bem feita <strong>de</strong> São Paulo!<br />
O homem-curva! O homem-ná<strong>de</strong>gas!<br />
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,<br />
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!<br />
<strong>UNIESP</strong> 24
Eu insulto as aristocracias cautelosas!<br />
Os barões lampeões! os con<strong>de</strong>s Joões!<br />
os duques zurros!<br />
que vivem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> muros sem pulos;<br />
e gemem sangues <strong>de</strong> alguns milréis fracos<br />
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês<br />
e tocam o “Printemps” com as unhas!<br />
Eu insulto o burguês-funesto!<br />
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!<br />
Fora os que algarismam os amanhãs!<br />
Olha a vida dos nossos setembros!<br />
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!<br />
Mas à chuva dos rosais<br />
o êxtase fará sempre Sol!<br />
Morte à gordura!<br />
Morte às adiposida<strong>de</strong>s cerebrais!<br />
Morte ao burguês-mensal!<br />
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!<br />
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!<br />
“- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?<br />
- Um colar... - Conto e quinhentos!!!<br />
Mas nós morremos <strong>de</strong> fome!”<br />
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!<br />
Oh! purês <strong>de</strong> batatas morais!<br />
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!<br />
Ódio aos temperamentos regulares!<br />
Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia!<br />
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!<br />
Ódio aos sem <strong>de</strong>sfalecimentos nem arrependimentos,<br />
sempiternamente as mesmices convencionais!<br />
25 TEMA
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!<br />
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!<br />
Todos para a Central do meu rancor inebriante!<br />
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!<br />
Morte ao burguês <strong>de</strong> giolhos,<br />
cheirando religião e que não crê em Deus!<br />
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!<br />
Ódio fundamento, sem perdão!<br />
Fora! Fú! Fora o bom burguês!...<br />
PO<strong>É</strong>TICA<br />
Manuel Ban<strong>de</strong>ira<br />
Estou farto do lirismo comedido<br />
Do lirismo bem comportado<br />
Do lirismo funcionário público com livro <strong>de</strong> ponto expediente<br />
e manifestações<br />
[ <strong>de</strong> apreço ao Sr. Diretor.<br />
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário<br />
o cunho vernáculo<br />
[ do vocábulo.<br />
Abaixo os puristas<br />
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais.<br />
Todas as construções, sobretudo as sintaxes <strong>de</strong> exceção<br />
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis<br />
Estou farto do lirismo namorador<br />
Político<br />
Raquítico<br />
Sifilítico<br />
<strong>UNIESP</strong> 26
De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja fora <strong>de</strong><br />
si mesmo<br />
De resto não é lirismo<br />
Será contabilida<strong>de</strong> tabela <strong>de</strong> co-senos secretário<br />
do amante<br />
[ exemplar com cem mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> cartas e as diferentes<br />
[ maneiras <strong>de</strong> agradar às mulheres, etc<br />
Quero antes o lirismo dos loucos<br />
O lirismo dos bêbados<br />
O lirismo difícil e pungente dos bêbados<br />
O lirismo dos clowns <strong>de</strong> Shakespeare<br />
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.<br />
MAXIXE<br />
Guilherme <strong>de</strong> Almeida<br />
O chocalho dos sapos coaxa<br />
como um caracaxá rachado. Tudo mexe.<br />
Um vento frouxo enlaça uma nuvem baixa<br />
fofa. E <strong>de</strong>sce com eles <strong>de</strong>sce.<br />
E não a <strong>de</strong>ixa e puxa-a como uma faixa<br />
e espicha-se e enrolam-se. E o feixe rola<br />
e rebola como uma bola<br />
na luz roxa<br />
da tar<strong>de</strong> oca<br />
boba<br />
chocha.<br />
INFÂNCIA<br />
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.<br />
Minha mãe ficava sentada cosendo.<br />
Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
27 TEMA
Meu irmão pequeno dormia.<br />
Eu sozinho menino entre mangueiras<br />
lia a história <strong>de</strong> Robson Crusoé<br />
Comprida história que não acaba mais.<br />
No meio-dia brando <strong>de</strong> luz uma voz que apren<strong>de</strong>u<br />
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu<br />
chamava para o café.<br />
Café preto que nem preta velha<br />
café gostoso<br />
café bom<br />
Minha mãe ficava cosendo<br />
olhando para mim.<br />
- Psiu... Não acor<strong>de</strong> o menino.<br />
Para o berço on<strong>de</strong> pousou um mosquito.<br />
E dava um suspiro... que fundo!<br />
Lá longe meu pai campeava<br />
no mato sem fim da fazenda.<br />
E eu não sabia que minha história<br />
era mais bonita que a <strong>de</strong> Robson Crusoé.<br />
AUTOPSICOGRAFIA<br />
Fernando Pessoa<br />
O poeta é um fingidor.<br />
Finge tão completamente<br />
Que chega a fingir que é dor<br />
A dor que <strong>de</strong>veras sente.<br />
E os que lêem o que escreve,<br />
<strong>UNIESP</strong> 28
Na dor lida sentem bem,<br />
Não as duas que ele teve,<br />
Mas só a que eles não têm.<br />
E assim nas calhas <strong>de</strong> roda<br />
Gira, a entreter a razão,<br />
Esse comboio <strong>de</strong> corda<br />
Que se chama coração.<br />
CANTO DE REGRESSO À PÁTRIA<br />
Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
Minha terra tem palmares<br />
On<strong>de</strong> gorjeia o mar<br />
Os passarinhos daqui<br />
Não cantam como os <strong>de</strong> lá<br />
Minha terra tem mais rosas<br />
E quase que mais amores<br />
Minha terra tem mais ouro<br />
Minha terra tem mais terra<br />
Ouro terra amor e rosas<br />
Eu quero tudo <strong>de</strong> lá<br />
Não permita Deus que eu morra<br />
Sem que volte para lá<br />
Não permita Deus que eu morra<br />
Sem que volte pra São Paulo<br />
Sem que veja a Rua 15<br />
E o progresso <strong>de</strong> São Paulo<br />
3 DE MAIO<br />
Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
Aprendi com meu filho <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos<br />
Que a poesia é a <strong>de</strong>scoberta<br />
Das coisas que eu nunca vi.<br />
29 TEMA