e-journal of children's literature - Biblioteca Digital - Universidade do ...
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[E‐F@BULATIONS / E‐F@BULAÇÕES ] 6 / NOV 2010<br />
A Herdade da Magnólia, que devia o nome a uma velha e fron<strong>do</strong>sa magnólia<br />
cor-de-rosa junto à casa em granito maciço, ficava um pouco afastada da povoação de<br />
Lindalva, 1 numa encosta sobranceira ao Rio Minho, não muito distante de Caminha.<br />
Do outro la<strong>do</strong>, na margem norte <strong>do</strong> rio, ficava Espanha, o monte de Santa Tecla ao<br />
fun<strong>do</strong>, junto ao mar, e até dava a sensação de se poder caminhar até lá pela maré<br />
vaza. Mas nem era preciso isso: qualquer barquito ia e vinha facilmente de uma<br />
margem à outra. Só que às vezes as coisas não eram assim tão simples, porque as<br />
ditas embarcações não iam apenas deambular por terras espanholas, mas<br />
transportavam contraban<strong>do</strong>! Em certas ocasiões, porém, o velho esquema ia to<strong>do</strong> por<br />
água abaixo, pois a polícia fazia uma daquelas rusgas! O mais curioso é que, por mais<br />
segre<strong>do</strong> que se fizesse nas re<strong>do</strong>ndezas sobre o que tinha aconteci<strong>do</strong>, de como os<br />
‘fulanos’ tinham si<strong>do</strong> apanha<strong>do</strong>s, etc., etc., o certo é que toda a gente ficava logo a<br />
saber a história completa. Nos maiores e mais pequenos detalhes, na autoria conjunta<br />
de muitos anónimos, em cada qual acrescentava um ponto, a história real esbatia-se e<br />
tornava-se absolutamente desinteressante e sem senti<strong>do</strong> face ao fascínio da ficção.<br />
Como não podia deixar de ser, Glória era exímia nestes assuntos e as suas histórias<br />
tinham sempre uma lição de moral a transmitir, normalmente patrocinada por um santo<br />
ou santa da sua devoção: o que melhor se fizesse às circunstâncias. Por exemplo, em<br />
dias de trovoada e tempestade, a ajuda devia-se a Santa Bárbara. Quan<strong>do</strong> havia<br />
riscos eleva<strong>do</strong>s, aí era Santa Rita, padroeira <strong>do</strong>s casos perdi<strong>do</strong>s e impossíveis. Para<br />
coisas perdidas que depois tinham si<strong>do</strong> achadas, a intervenção era obviamente de Stº<br />
António, o <strong>do</strong> “responso”. Em caso de dúvida – ou seja, quan<strong>do</strong> Glória hesitava, sem<br />
saber ao certo a que santo recorrer, pois a especialidade não era bem definida – a<br />
responsabilidade <strong>do</strong> milagre recaía sempre na Virgem Maria, uma Nossa Senhora<br />
qualquer, não importava – Nª Srª. de Fátima, <strong>do</strong>s Remédios, da Agonia, <strong>do</strong> Perpétuo<br />
Socorro, era igual, porque Glória não era esquisita nessa matéria!<br />
– És um cromo, Glória! – Brincava a Nini, imitan<strong>do</strong> a querida tia Milucha,<br />
quan<strong>do</strong> ela os visitava na herdade, o que acontecia muito raramente, escusa<strong>do</strong> será<br />
dizer. É preciso também não esquecer que, no escrutínio da Glória, a ajuda<br />
sobrenatural, sempre zelosa <strong>do</strong> bem e defensora da lei e da ordem pública, ficava<br />
quase invariavelmente <strong>do</strong> la<strong>do</strong> das forças policiais. Mas o ‘quase’ é importante, porque<br />
havia outras ocasiões também, raras é certo, em que, vá-se lá saber porquê, os<br />
1<br />
À semelhança de to<strong>do</strong>s os factos aqui narra<strong>do</strong>s e personagens intervenientes, o nome da povoação é<br />
inteiramente fictício.<br />
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