dissertacao completa - FaJe
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obra; se nos isentamos de abordar a evolução deste problema no conjunto do pensamento e da<br />
obra de Platão, não nos isentamos, porém, de nos questionar sobre este continuum. Ora,<br />
deparamo-nos aqui com a raiz filosófica de um problema caro a Platão. Como, então, não nos<br />
questionar se sua abordagem na Apologia seria apenas a reprodução de um problema, de fato,<br />
tratado por Sócrates, no tribunal ou nos seus exames; ou seria, desde esta obra já uma<br />
preocupação estritamente platônica que desembocaria na posterior distinção entre realidade e<br />
aparência no âmbito de sua teoria do conhecimento das Formas? Obviamente, como já<br />
deixamos claro, responder a tal questão, talvez a mais intrincada de todas as que nos<br />
assaltaram, foge <strong>completa</strong>mente do escopo do nosso estudo; portanto, nem sequer abordamos<br />
este problema ao longo do nosso comentário. No entanto, sentimo-nos, aqui, no dever de<br />
apresentar o problema e a posição de um estudioso que nos guiou em nossa reflexão.<br />
Em nossa trajetória, que partiu do Sócrates histórico e chegou ao Sócrates da Apologia<br />
de Platão, fomos convencidos pela proposta metodológica de Kahn. Kahn é contrário à<br />
tendência de se considerar que, nos diálogos ditos socráticos, a motivação de Platão seja<br />
primeiramente histórica, isto é, de preservar e defender a memória de Sócrates por meio de<br />
uma representação o mais fiel possível de seus pensamentos e diálogos. Ele defende que<br />
devemos compreender estas obras não como diálogos de conteúdo essencialmente socráticos,<br />
mas, em suas palavras, como “o trabalho de um filósofo em seus fortes, que está organizando<br />
sua própria escola na Academia, e está escrevendo para preparar as mentes de sua audiência<br />
-tanto dentro, quanto fora da escola- para a recepção de sua filosofia amadurecida” 23 . Nesta<br />
perspectiva, Kahn sugere o método proléptico como proposta metodológica para leitura dos<br />
primeiros diálogos. Isto é, um método antecipador, que interpreta os primeiros diálogos não<br />
apenas olhando para trás, em busca dos fundamentos da filosofia socrática nos diálogos<br />
platônicos pré-acadêmicos, mas, também, olhando para frente, em busca das teorias<br />
propriamente platônicas já nestes primeiros diálogos, apontando já nestas obras o que seriam<br />
as raízes do que será concebido nos diálogos de maturidade como a doutrina das Formas, a<br />
psicologia moral e a teoria da educação da República.<br />
Kahn não nega, nem tampouco nós negamos, uma ética socrática, sobretudo na<br />
Apologia; o que ele nega, e neste ponto concordamos com ele, é que os desenvolvimentos<br />
teóricos de Platão devam ser considerados primeiramente como tentativas de reproduzir o<br />
pensamento do Sócrates histórico. Assim, foi nesta perspectiva que analisamos a Apologia: por<br />
um lado, acreditando na historicidade da figura de Sócrates e da transmissão de Platão de<br />
23 KAHN, 1992, p.39.<br />
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