dissertacao completa - FaJe
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quando começasse a se defender, falando como de costume (17c: ei1wqa le/gein), assim como<br />
falava na praça (17d: a0gora/), revelaria tamanha inabilidade que pareceria um estrangeiro<br />
(17d: ce/nov) ao lugar, e isto por si só deporia os argumentos da acusação de que possuiria um<br />
terrível falar e que os ouvintes deveriam se precaver contra seus discursos. Assim, Sócrates<br />
combate a imagem de deinós com uma outra imagem: a imagem do ksénos; uma primeira e<br />
sutil distinção entre seu próprio ser e parecer. Mas Sócrates pode ainda aceitar uma outra<br />
concepção de deinós, basta que uma condição seja satisfeita: que “estes chamem de terrível no<br />
falar aquele que diz a verdade (17b: deino_n kalou~sin ou[toi le/gein to_n ta)lhqh~ le/gonta)”.<br />
Neste caso, sim, ele poderia reconhecer (17b: o9mologoi/hn a@n) “ser um orador (17b: ei]nai<br />
r9h/twr)”, não por causa do estilo requintado de um discurso que visa apenas a persuasão, sem<br />
qualquer preocupação com a verdade, mas exatamente por causa da verdade que se propõe a<br />
dizer, a despeito do estilo do discurso. Afinal, esta é a areté do rhétor: dizer a verdade (18a:<br />
ta0lhqh~ le/gein). Portanto, somente no seio desta equação terrível falar ≈ falar a verdade,<br />
Sócrates reconhece ser um rhétor.<br />
Estabelecendo esta relação, Sócrates parece apelar ao júri para que este distingua entre<br />
a sua retórica, de uma linguagem simples, porém fundamentada na verdade, e a retórica de<br />
seus acusadores, de uma linguagem aprimorada, porém fundamentada na mentira, ainda que<br />
esta, pela beleza e ordem dos argumentos, possa ter a aparência de uma retórica fundamentada<br />
na verdade. No entanto, é preciso ressaltar que, apesar de ficar bastante clara a distinção e a<br />
oposição entre estes dois tipos de retóricas, não há nenhuma ocorrência do termo rhetoriké<br />
nesta obra, mas apenas do termo rhétor (17b, 18a, 24a, 32b). Como explica Cassin, tal palavra<br />
não aparece antes de Platão e considera-se bastante verossímel que seja uma invenção<br />
platônica, posterior à redação da Apologia 30 . Contudo, consideramos que, ainda que não<br />
nomeada, é inegável que aquilo que virá a ser designado pelo termo rhetoriké nas obras<br />
platônicas posteriores à Apologia, faz já sua aparição nesta obra.<br />
Também Colaiaco reconhece o papel central da retórica na economia da Apologia e<br />
sustenta haver uma distinção e oposição entre dois tipos de retóricas, as quais denomina<br />
retórica filosófica e retórica forense 31 . Enxergamos, no entanto, dois problemas nesta<br />
terminologia: (1) este estudioso afirma que Platão adotou o termo retórica filosófica na<br />
30 Segundo Cassin, é bem possível que “o Górgias, escrito por volta de 385, nos faça assistir à invenção da<br />
palavra, assim como daquelas, conhecidas e glosadas: eristike, antilogike, dialektike, talvez até mesmo<br />
sophistike. Mas, no caso de rhetorike, isso se dá de tal forma que o leitor não pode imaginar um só instante que<br />
se trata de uma invenção platônica.” CASSIN, 2005, p.146. Des Places cita as seguintes ocorrências do termo<br />
no Górgias: 449a,c9; 449d1; 502d6. DES PLACES, 1964, 2o Vol, p.451.<br />
31 COLAIACO, 2001, p.32.<br />
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