dissertacao completa - FaJe
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Xenofonte não a teria sequer mencionado? Bem, não há como fechar a questão, fica-nos, no<br />
entanto, a hipótese. Aliás deixar também hipóteses, teses em aberto nos parece tão ou mais<br />
interessante que tentar fechar este tipo de questão.<br />
Mas, nesta perspectiva, considerando-se a hipótese de se tratar de uma invenção de<br />
Platão, qual seria a finalidade desta estratégia na ficção platônica? Parece-nos que esta<br />
estratégia do Sócrates platônico da Apologia faz parte daquele esforço de “apreender a si<br />
mesmo” para fazer uma defesa justa, isto é, uma defesa em que ele deveria ser julgado por<br />
quem é e não por quem parece ser. Assim, se Platão introduz a imagem do Sócrates<br />
aristofânico é para negá-la, como uma falsa imagem, e, em contrapartida, reafirmar a<br />
verdadeira imagem de Sócrates, isto é, a imagem do Sócrates platônico. Exatamente por isso a<br />
defesa contra as antigas acusações é, claramente, dividida em dois momentos: um primeiro<br />
momento negativo, no qual Platão revela quem Sócrates aparenta ser, mas não é, e um segundo<br />
momento positivo, no qua ele revela quem é Sócrates, a despeito de quem ele aparenta ser.<br />
Parece-nos que, para fazer esta distinção entre o ser e o parecer de Sócrates, Platão<br />
precisa trazer Aristófanes ao seu dikastérion. Com efeito, o debate que Platão trava com<br />
Aristófanes é tão importante na economia da Apologia que, como bem coloca Freyberg,<br />
poderíamos dizer que “o Sócrates aristofânico das uvens suscitou o Sócrates platônico da<br />
Apologia”; ou, ainda em suas palavras, que “uma imagem cômica suscitou uma imagem<br />
filosófica” 53 . Sustentando esta complementariedade entre os dois Sócrates nas duas obras,<br />
Freyberg chega a uma conclusão radical: “apenas quando a imagem aristofânica do Sócrates<br />
das uvens é somada à imagem platônica da Apologia chegamos de fato a uma justa imagem<br />
de Sócrates” 54 . Concordamos com o estudioso desde que “esta justa imagem de Sócrates” seja<br />
lida como “a justa imagem do Sócrates de Platão”, pois para se chegar a “uma justa imagem<br />
do Sócrates histórico” precisaríamos de ainda muitos outros retratos deste homem: os retratos<br />
tirados por Xenofonte e ainda outros retratos tirados por aqueles que, obscurecidos pelo brilho<br />
de Platão, passaram à história com a infeliz alcunha de socráticos menores 55 .<br />
No entanto, como sustenta Dorion, uma coisa é fato: o retrato do Sócrates de<br />
Aristófanes “teve um efeito devastador sobre a opinião ateniense” e “nenhuma peça lhe<br />
53 FREYBERG, 1997, p.111.<br />
54 FREYBERG, 1997, p.114.<br />
55 Em um artigo bastante interessante, Rossetti resgata a importância e a diversidade da produção dos socráticos<br />
na cena filosófica grega após a morte de Sócrates. Antístenes, Aristipo, Ésquines de Sfeto, Fédon, Símon,<br />
Críton, Símias, Cebes e Glauco teriam escrito na época nada menos que trezentos lógoi sokratikoí. Assim, ainda<br />
segundo Rossetti, eles teriam mesmo provocado uma "revolução de veludo" no cenário da literatura grega.<br />
"Portanto, em alguma medida, próximo ao começo de sua aventura como escritores, os socráticos podem bem<br />
ter se esforçado em oferecer um retrato de Sócrates-como-pessoa-viva-agindo-como-costumava-agir (sic), e tal<br />
retrato bem poderia nos ser de valor informativo." ROSSETTI, O diálogo socrático aberto...,2006, p.11.<br />
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