dissertacao completa - FaJe
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da verdade que professa e que fundamenta seu discurso 26 . Com efeito, podemos depreender<br />
não somente por esta anterior afirmação de Sócrates, mas também pelo uso do verbo páskho<br />
(pa/sxw) -estar afetado, padecer, sofrer, suportar- que ele utiliza para se referir à ação e aos<br />
efeitos dos discursos de seus acusadores, que o discurso persuasivo provoca um páthos, uma<br />
afecção no ouvinte. No entanto, se não temos objeções em relação à posição de Friedlander,<br />
parece-nos necessário tecer algumas observações que vão um pouco além do que este<br />
estudioso enuncia. Primeiramente, concordamos que Sócrates se mostra mais imune que os<br />
demais, mas é necessário observar que ele não é de todo imune, pois afirma que quase, por<br />
pouco não se esqueceu de si mesmo, além de deixar claro que o discurso de seus acusadores<br />
causou nele uma admiração. Além disto, concordamos que esta certa imunidade de Sócrates<br />
tenha relação com a verdade, mas no que esta o possibilita distinguir o verdadeiro do falso,<br />
ainda que aparentemente verdadeiro. Parece-nos que a preocupação de Sócrates em advertir<br />
sobre este efeito patológico do discurso persuasivo se presta a um objetivo maior do que<br />
simplesmente enunciar e alertar para a verdade do seu próprio discurso e para a falsidade do<br />
discurso de seus acusadores; mas que tem, também, a finalidade de distinguir entre uma falsa<br />
imagem de si, propagada pelo discurso mentiroso, e o que seria a imagem do verdadeiro<br />
Sócrates, que só seu discurso verdadeiro poderia transmitir.<br />
Huisman propõe uma tradução interessante da passagem citada e propõe uma<br />
interpretação que desvela bem esta finalidade que apontamos:<br />
No começo da Apologia, Sócrates declara que a acusação havia sido<br />
tão convincente, 'que ele não sabia mais quem era ele mesmo, ele<br />
mesmo escapando'. Sem um esforço para apreender a si mesmo<br />
novamente, ele corria o risco de apresentar uma defesa em favor de<br />
alguém diferente dele, aquele, por exemplo, que seus juízes queriam<br />
fazer existir em seu lugar, para poder aniquilá-lo. 27<br />
Huisman nos parece apontar aqui para um duplo esforço por parte de Sócrates: um<br />
esforço interior, de escapar do efeito patológico do discurso persuasivo de seus acusadores e<br />
de apreender a si mesmo; e um esforço exterior, de fazer um discurso de defesa coerente com<br />
esta apreensão de si. Com efeito, Sócrates tinha consciência de que precisava se desvencilhar<br />
daquela imagem de si proposta por seus acusadores, pois da eficácia deste esforço dependeria<br />
a justiça de sua defesa. No entanto, por que esta imagem poderia convencer os ouvintes? Por<br />
26 Friedlander faz um interessante paralelo entre esta fala de Sócrates na Apologia e uma fala semelhante no<br />
Menexeno. “Assim como ele diz no Menexeno (235c3) que ele 'mal se recobrou no quarto ou quinto dia'<br />
(a0namimnh|/skomai e0mautou~), assim ele diz aqui que 'quase se esqueceu de si mesmo' (e0mautou~ e0pelaqo/mhn,<br />
Apologia 17a3), tão poderosos eram seus argumentos (piqanw~v e1legon, 17a3; u9po_ tou~ le/gontov<br />
a0napeiqo/menoi, Menexeno 235b7).” FRIEDLANDER, 1964, p.160.<br />
27 HUISMAN, 2006, p.127.<br />
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