A medida do olhar: objetividade e autoria na ... - Monitorando
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desta visão. A fotografia imita o <strong>olhar</strong> humano nesta mesma conversão, mas o faz com<br />
maior ênfase: pois congela o momento, corporifica a ce<strong>na</strong>, coisifica os sujeitos, tiran<strong>do</strong><br />
a sua dimensão viva e consciente.<br />
Michel Foucault (1980) já disse que o <strong>olhar</strong> clínico tem uma propriedade<br />
para<strong>do</strong>xal de ouvir uma linguagem no instante em que percebe um espetáculo. A<br />
fotografia é um <strong>olhar</strong> com córneas mecânicas, preocupa<strong>do</strong> com o alargamento <strong>do</strong><br />
presente, com a sua distensão.<br />
Dois processos – um físico e outro químico – permitem o registro <strong>do</strong> instante, a<br />
permanência histórica de um segun<strong>do</strong>. Primeiro, a luz ilumi<strong>na</strong> os corpos e permite que<br />
sejam refleti<strong>do</strong>s numa superfície receptora. Depois, uma solução de nitrato de prata –<br />
quimicamente sensível à incidência de luz – reage num suporte plástico (o filme)<br />
gravan<strong>do</strong> os corpos capta<strong>do</strong>s pela lente. É o desenvolvimento tecnológico que<br />
possibilita a manutenção de um instante. E a história da fotografia, de alguma forma,<br />
acaba perturban<strong>do</strong> a forma huma<strong>na</strong> de ver 18 : ela “é capaz de ver tu<strong>do</strong> - a verdadeira<br />
reti<strong>na</strong> <strong>do</strong> cientista, segun<strong>do</strong> o astrônomo Jules Jansen –, ela é <strong>do</strong>tada de uma missão<br />
<strong>do</strong>cumentária” (idem: 28, volume 2), ferramenta ideal para um inventário <strong>do</strong> planeta.<br />
Assim, ao se deparar com retratos de Henri Cartier-Bresson, por exemplo, pode-<br />
se dizer que é perceptível ali uma certa mania de ver, de “restabelecer um senti<strong>do</strong> que<br />
escapa pela metade, de encontrar oportu<strong>na</strong>mente <strong>na</strong> ocultação <strong>do</strong> <strong>olhar</strong>, numa figura<br />
anônima e imprecisa, um retorno a sua própria inquietude” (idem: 16, volume 3). Ou<br />
ainda que o fotojor<strong>na</strong>lismo de Robert Capa é “uma maneira de viver e uma forma de<br />
escritura, mais incisiva que um relato, uma instintiva ‘prolongação <strong>do</strong> espírito e <strong>do</strong><br />
coração’” (idem: 24, volume 3). A fotografia é a manutenção <strong>do</strong> ver, leitura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
18 Conforme Robert Delpne e Michel Frizot no volume 1, pági<strong>na</strong> 5, da coleção Histoire de Voir (1989)<br />
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