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Ficção e Autobiografia: - Série Produção Acadêmica Premiada

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<strong>Série</strong>: <strong>Produção</strong> <strong>Acadêmica</strong> <strong>Premiada</strong><br />

para moldar a personalidade do adulto, o qual, ao escrever seu texto, já encontrou seu<br />

papel na sociedade – há, contudo, textos autobiográficos que não seguem esse modelo e<br />

narram apenas episódios da vida adulta, como Montauk de Frisch, por exemplo, no qual<br />

lemos sobre uma viagem do autor, o que não anula o fato de ser o modelo comentado o<br />

mais usual. As semelhanças param aqui, pois dizer que Bernhard já havia encontrado seu<br />

papel na sociedade no momento em que escreveu Die Ursache é uma afirmação que pede<br />

ressalvas: o papel encontrado não é o do escritor em sintonia com sua época e sociedade,<br />

mas o do escritor que se define justamente pela exclusão de seu meio, pelo isolamento<br />

e mesmo desejo de não pertencer a essa sociedade. Como ressalta Wagner-Egelhaaf em<br />

breve análise da autobiografia do autor: “O eu-autobiográfico adota uma posição radicalmente<br />

distante de seu meio e descreve-se na diferenciação em relação a este. É difícil<br />

pensar em uma posição mais oposta à goetheana, segundo a qual o indivíduo deveria ser<br />

produto e reflexo de sua época [...]” 2 (2000: 194).<br />

A questão é um pouco mais complexa, pois se poderia argumentar que mesmo o<br />

“excluído” é um papel social e que a oposição também é um tipo de relação com a sociedade,<br />

mas o que importa neste momento é frisar como a posição de Bernhard é extrema<br />

e polêmica, e disso ter-se-ia como consequência que a resposta à questão de porque se<br />

tornou quem foi, ou seja, um provocador, ser ela mesma uma provocação: tudo vem da<br />

cidade Salzburg, na qual frequentou o internato, no que diz ter sido a pior época de sua<br />

vida. Provocação ou exagero, o fato é que o gênero adotado é o autobiográfico, para o<br />

qual, a relação não é entre personagem e leitor, mas entre duas pessoas da vida real, daí<br />

a importância de assegurar meios para ser reconhecido, acreditado, uma vez que público<br />

e crítica esperam certo compromisso com a verdade, ainda que com uma verdade subjetiva.<br />

No já citado “Le pacte autobiographique”, Lejeune afirma que a leitura de um<br />

texto de aspecto autobiográfico determina o comportamento do leitor, o qual passa a se<br />

comportar como um “cão farejador” (limier), atrás de quebras de contrato, não importa<br />

qual contrato seja esse (Lejeune 1975: 26), ou seja, se por um lado a autobiografia é<br />

uma questão de “tudo ou nada”, não comportando graus – ou um texto é uma autobiografia<br />

ou não –, o leitor mediano parece assumir para si a tarefa de encontrar no texto<br />

suposto autobiográfico elementos que de algum modo corroborem o pacto ou, na visão<br />

do leitor, o prejudiquem. Em um texto autobiográfico, ainda segundo Lejeune, o pacto<br />

é oferecido pelo autor, por meio dos elementos, geralmente paratextuais, mencionados<br />

anteriormente, sendo que o leitor pode aceitá-lo ou não. Nada impede que o leitor ignore<br />

o pacto oferecido e leia um romance como autobiografia – procurando semelhanças<br />

entre personagem e autor – e vice-versa – procurando na autobiografia, os erros, deformações<br />

ou semelhanças com a ficção. Aliás, é muito comum o mito, citado pelo próprio<br />

Lejeune (1975: 26), de que romances seriam mais “verdadeiros” que autobiografias. De<br />

qualquer modo, o pacto autobiográfico seria uma forma de um autor apontar uma chave<br />

2<br />

“Das autobiographische Ich nimmt eine radikal distanzierte Position zu seiner Umwelt ein und beschreibt sich<br />

in Abgrenzung zu dieser. Ein größerer Gegensatz zur Goetheschen Position, derzufolge das Individuum Produkt<br />

und Spiegel seiner Zeit sein soll [...], lässt sich kaum denken [...]” (2000: 194).

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