05.11.2013 Views

Ficção e Autobiografia: - Série Produção Acadêmica Premiada

Ficção e Autobiografia: - Série Produção Acadêmica Premiada

Ficção e Autobiografia: - Série Produção Acadêmica Premiada

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

44<br />

<strong>Série</strong>: <strong>Produção</strong> <strong>Acadêmica</strong> <strong>Premiada</strong><br />

Resta agora ver como os fatos apresentados e a perspectiva escolhida para o relato<br />

das experiências da juventude se refletem na estrutura do texto e em suas escolhas formais.<br />

Forma como mediação da cisão eu – mundo<br />

Se na maioria dos textos autobiográficos é bem visível a tensão entre o eu-narrado<br />

e o eu-narrador, no caso de Bernhard essa tensão estrutural inerente ao gênero não é tão<br />

marcada, sendo quase que substituída por outra de ordem temática: eu-vítima contra<br />

o mundo católico-nacional-socialista, o que pode ser percebido pelo escasso uso que o<br />

autor faz da terceira pessoa do singular referindo-se a si próprio, um recurso comum em<br />

autobiografias para marcar distância entre o eu atual e a criança, a qual constitui o centro<br />

da matéria narrada 44 .<br />

O autor inicia seu texto valendo-se da terceira pessoa, simulando uma situação<br />

narrativa heterodiegética, o que parece bastante apropriado se pensarmos que se trata<br />

do primeiro volume de um ciclo, ou seja, a primeira tentativa de confronto direto com<br />

o passado, logo, o uso da terceira pessoa que desaparece gradativamente produziria no<br />

leitor a sensação de que o autor se aproxima aos poucos de seu passado, e ao ganhar<br />

confiança e sentir-se em terreno seguro, está pronto para dizer “eu” e assim sinalizar a<br />

unidade com a criança do texto. Vejamos mais detidamente como isso é feito.<br />

Já nas primeiras linhas, após descrever a cidade de Salzburg e toda opressão e<br />

angústia por ela causadas, o autor fala de seus muros gélidos, odiados pelo estudante e<br />

aprendiz que fora na cidade trinta anos antes – “der ich vor dreißig Jahren in dieser Stadt<br />

gewesen bin” (UR, 7). Esta é a primeira referência a um sujeito no texto e é feita na primeira<br />

pessoa, assegurando ao leitor a identidade entre o narrador e o autor, cujo nome<br />

está na capa do livro, estabelecendo de certa forma no texto o pacto autobiográfico, para<br />

usar os termos de Lejeune. No entanto, a frase seguinte já apresenta um sujeito expresso<br />

na terceira pessoa, de forma bastante genérica, o qual pode ser identificado com o autor<br />

ou com outro estudante qualquer, na falta de indícios, o leitor supõe ainda tratar-se do<br />

próprio Bernhard, hipótese confirmada com o prosseguimento da leitura e com a referência<br />

ao escrito que se tem em mãos:<br />

Der in dieser Stadt nach dem Wunsche seiner Erziehungsberechtigten, aber gegen seinen<br />

eigenen Willen Aufgewachsene […], hat eine […], für seine ganze Existenz zunehmend<br />

entscheidende, furchtbare Erinnerung an die Stadt und an die Existenzumstände in dieser<br />

Stadt, keine andere. Verleumdung, Lüge, Heuchlei entgegen, muß er sich während der<br />

Niederschrift dieser Andeutung sagen, daß diese Stadt, die sein ganzes Wesen durchsetzt<br />

und seinen Verstand bestimmt hat, ihm immer und vor allem in Kindheit und Jugend, in<br />

der zwei Jahrzehnte in ihr durchexistierten und durchexerzierten Verzweiflungs- als Rei-<br />

44<br />

Segundo Lejeune (1975: 17), o uso da terceira pessoa não compromete de forma alguma o gênero autobiográfico,<br />

podendo haver autobiografias inteiramente escritas na terceira pessoa, como a de César, cujo efeito do recurso<br />

seria mostrar orgulho e poder. O mais comum, contudo, é que esta seja utilizada apenas em alguns momentos, a<br />

fim de produzir um determinado efeito: distância irônica, pudica, incerteza quanto à própria identidade, etc. Em<br />

Christa Wolf, por exemplo, a terceira pessoa surge ao narrar a infância, a fim de mostrar a distância da adulta em<br />

relação à criança que um dia fora e que nunca voltará a ser.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!