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Ficção e Autobiografia: - Série Produção Acadêmica Premiada

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<strong>Série</strong>: <strong>Produção</strong> <strong>Acadêmica</strong> <strong>Premiada</strong><br />

Num contexto bem mais amplo, tem-se a impressão de que por toda a Alemanha hitleriana<br />

o código e o costume da caserna deviam substituir aqueles tradicionais “burgueses”: a<br />

violência insípida do Drill havia começado a invadir desde 1934 o campo da educação e se<br />

voltava contra o próprio povo alemão. A partir de jornais da época, que tinham conservado<br />

uma certa liberdade em termos de crônica e crítica, há notícias de marchas extenuantes<br />

impostas a rapazes e a moças, no quadro dos exercícios pré-militares: até cinquenta quilômetros<br />

por dia, com mochila às costas, e nenhuma piedade pelos retardatários. Os pais e<br />

médicos que ousavam protestar eram ameaçados com punições políticas. (Levi 2004: 102)<br />

Lembrando que essa educação militar tornara-se obrigatória em todo o território<br />

alemão então. Mas o autor inicia o período com a ressalva “num contexto bem mais<br />

amplo”, ou seja, as semelhanças existiram, pois o mesmo tipo de política era vigente em<br />

todo o território, contudo, não se pode nivelar a situação, pois se um escolar retardatário<br />

era certamente punido, no caso de Bernhard, levando safanões de Grünkranz, um retardatário<br />

nos campos de concentração era muitas vezes espancado até a morte. Além disso,<br />

a educação militar aludida visava a integrar todo um povo: mesmo os mais fracos eram<br />

punidos para que se adaptassem e se igualassem aos outros, não se pretendia excluí-los<br />

da sociedade em momento algum. Como cidadão ariano que era, embora não o mencione,<br />

Bernhard não corria o risco real de ser excluído, não como os judeus aos quais<br />

havia sido vedado acesso à escola numa fase precedente aos campos; havia sim episódios<br />

que dificultavam seu trajeto, mas eram parte de tentativas de integrá-lo no lugar que<br />

era visto como seu de direito, enquanto cidadão alemão cristão. Além do quê, o mesmo<br />

Levi admite causar irritação aos sobreviventes em geral ouvir pessoas se queixarem de<br />

certas “dificuldades”, as quais não são sentidas como tal por esses sobreviventes, os quais<br />

costumam retrucar com “Vocês, o que sabem disso? Deveriam passar pelo que passamos”<br />

(Levi 2004: 78).<br />

Voltando às semelhanças na representação do período, até o vocabulário empregado<br />

pelo nazista Grünkranz ao se referir aos estudantes do internato é o mesmo usado<br />

pelos nazistas ao se referirem aos povos a serem exterminados: enquanto Levi cita o jargão<br />

nacional-socialista ao referir-se ao “material humano” (2004: 93) transportado nos<br />

vagões em direção aos campos, palavra que em seu texto aparece, inclusive, entre aspas,<br />

sinalizando tratar-se de termo oficial, não criação sua, Bernhard diz do diretor que este<br />

usava “dieses schwache oder auch nur geschwächte Menschenmaterial (Grünkranz) für<br />

seine krankhaft-sadistischen Zustände” (UR, 67) 20 . E o contexto em Bernhard retoma<br />

mais que o jargão empregado pelo oficial e membro do partido Grünkranz, mas também<br />

as condições de abuso nacional-socialista estão presentes na citação.<br />

Por fim, sair do internato apresenta-se para o autor como tarefa impossível, não<br />

tinha para onde fugir, pois ninguém o acolheria na cidade – apesar de ter diversos parentes<br />

vivendo em Salzburg –, de forma que o único modo de se livrar desse inferno seria<br />

a morte (suicídio) ou o fechamento do internato, o que passa a ser sua esperança (UR,<br />

61), a fuga sendo categoricamente taxada como impossível: “aber auch nur an Flucht zu<br />

20<br />

“daquele enfraquecido material humano (Grünkranz), na satisfação de suas necessidades doentias e sádicas” (ORI, 160).

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