Ficção e Autobiografia: - Série Produção Acadêmica Premiada
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<strong>Série</strong>: <strong>Produção</strong> <strong>Acadêmica</strong> <strong>Premiada</strong><br />
o estado reinante na cidade era especialmente opressor para a sensibilidade aguda do<br />
jovem, enquanto o adulto, senhor de si, conseguiria lidar melhor com os fatos: “aber was<br />
ich heute ohne weiteres ertragen kann und ohne weiteres ignorieren kann, habe ich in<br />
diesen Lern- und Studierjahren nicht ertragen und ignorieren können [...]” (UR, 60) 46 .<br />
Na segunda parte do livro não faz uso de tal recurso, mostrando já ter se adaptado à<br />
situação, a aversão continua, mas o pavor desaparece, sendo mesmo possível para o adolescente<br />
enxergar o pavor nos outros, nos novatos, enquanto ele já se caracteriza como<br />
experiente: “aber die neu ins Internat Eingetretenen hatten jetzt die größte Angst, ich hatte<br />
mich mit diesem sadistischen Züchtigungsritual abgefunden gehabt [...]” (UR, 96) 47 .<br />
Sobre a alternância de pessoas gramaticais na narrativa, observemos ainda a seguinte<br />
passagem:<br />
Der Knabe, der alle diese zum Teil sehr wohlhabenden Verwandten nacheinander einmal<br />
besucht hatte an der Hand der Großmutter zu allen möglichen familiären Gelegenheiten,<br />
hatte diese Leute wahrscheinlich gleich vollkommen durchschaut gehabt und ganz richtig<br />
reagiert, er besuchte sie nicht mehr [...]. (53s.) 48<br />
Quando criança o autor ainda visitava os parentes com a avó, na esperança de<br />
obter ajuda e apoio da família, mas logo teve de perceber que estava só, não podia contar<br />
com ninguém. A terceira pessoa neste caso marca distância do comportamento ingênuo<br />
da criança, dependente, ainda guiada pela avó, mas já vislumbrando a verdade, reagindo<br />
da forma certa ao abandonar os parentes falsos – aqui já se desenha a relação de unidade<br />
entre adulto e criança, a qual será discutida mais detalhadamente à frente. Por outro<br />
lado, o uso da terceira pessoa aliada à expressão “provavelmente” (wahrscheinlich) cria<br />
um efeito bastante inusitado: parece que o autor fala não de si, mas de uma personagem,<br />
cuja vida íntima não lhe é acessível, por isso precisa inferir o que se passava com ela a<br />
partir dos dados externos que analisa, ou então nesse ponto sua memória não se apresenta<br />
tão confiável para que possa precisar o momento da mudança de comportamento<br />
em relação aos parentes, mas como supõe de si, em concordância com o modo como<br />
vê sua personalidade, deve ter percebido imediatamente a realidade – o que corrobora<br />
o fato, como ficará explícito mais a frente, de que o autor não apresenta em seu texto<br />
um desenvolvimento significativo de sua personalidade, um desenvolvimento adquirido<br />
pelas experiências relatadas, o que cresce é seu conhecimento de mundo, da História, o<br />
que lhe permite integrar e analisar as experiências, mas a perspicácia e o senso do que é<br />
certo e errado já estavam lá.<br />
46<br />
“Mas o que hoje posso suportar e ignorar sem maiores dificuldades eu não era capaz de suportar e ignorar em<br />
meus anos de aprendizado e estudo [...]” (ORI, 155).<br />
47<br />
“os recém-chegados ao internato eram os que tinham agora o medo maior, eu já havia tido de me arranjar com<br />
aquele ritual punitivo sádico [...]” (ORI, 181).<br />
48<br />
“O garoto que, de mão dada com a avó, outrora visitava todos aqueles parentes, um após o outro, a cada evento<br />
familiar que se apresentasse, parentes em parte muito bem de vida, provavelmente percebeu de imediato quem<br />
eram e reagiu com acerto, nunca mais os visitou [...]” (ORI, 151).