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Artigo do Mês - Ano IV - Nº 45 – Dezembro de 2005 - Ubiratan Iorio

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<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº <strong>45</strong> –<br />

<strong>Dezembro</strong> <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

OLHOS E ANTOLHOS<br />

<strong>Ubiratan</strong> <strong>Iorio</strong><br />

“O samba, o futebol e outras bossas são – cantava<br />

Noel Rosa nos anos 30 <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong> – nossas coisas,<br />

são coisas nossas”. Caso o gran<strong>de</strong> Poeta da Vila fosse ainda<br />

vivo, certamente consi<strong>de</strong>raria entre as “outras bossas”,<br />

com a gran<strong>de</strong> inteligência e agu<strong>de</strong>za <strong>de</strong> pensamento <strong>de</strong> que<br />

era <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, a incrível e patológica mania que noventa e<br />

nove em cada cem brasileiros tem <strong>de</strong> se fixar apenas nos<br />

efeitos <strong>de</strong> qualquer questão e <strong>de</strong> revelar total<br />

<strong>de</strong>spreocupação com as causas, como se efeito sem causa<br />

fosse mesmo um fenômeno factível.<br />

Os antolhos que levam muitos a enxergarem apenas o<br />

curto prazo, sem se preocuparem com o longo prazo – e<br />

que os levam a acreditar que ataques isola<strong>do</strong>s aos efeitos<br />

po<strong>de</strong>m surtir bons efeitos, mesmo sem a busca das causas<br />

-, não atingem só os olhares <strong>do</strong>s brasileiros, nem tampouco<br />

os <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais latino-americanos, é mundial, especialmente<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Lor<strong>de</strong> Keynes <strong>de</strong>cretou, com empáfia e sem<br />

qualquer <strong>do</strong>se <strong>de</strong> modéstia que, no longo prazo, estaríamos<br />

to<strong>do</strong>s mortos... Um perigoso truísmo que, se leva<strong>do</strong> a sério,<br />

po<strong>de</strong> nos levar a viver a filosofia das cigarras, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong><br />

sempre para amanhã o que <strong>de</strong>veria ser feito hoje. Mas nós,<br />

filhos da Terra <strong>de</strong> Santa Cruz, indubitavelmente, somos os<br />

campeões mundiais <strong>de</strong>ssa patologia <strong>do</strong> curto prazo. Somos<br />

um povo que vive com antolhos e, por isso mesmo, somos<br />

conduzi<strong>do</strong>s pelos ditos “homens públicos” como burros,<br />

sempre a carregar sobre nossos ombros um peso igual ao<br />

somatório <strong>de</strong> nossa falta <strong>de</strong> visão com o oportunismo da<br />

classe política.


Deixar sempre para amanhã... Para que fazer as<br />

reformas no Esta<strong>do</strong> e nas instituições, tão profundas<br />

quanto necessárias para que nossas vidas possam<br />

melhorar, para que <strong>de</strong>ixemos <strong>de</strong> puxar a carroça lotada <strong>de</strong><br />

gastos públicos <strong>de</strong>snecessários, supérfluos e, muitas vezes,<br />

criminosos? É mais cômo<strong>do</strong> e politicamente mais palatável<br />

irmos aumentan<strong>do</strong> um impostozinho cá, outro acolá,<br />

baixan<strong>do</strong> uma medida provisória aqui, outra ali, fazen<strong>do</strong> um<br />

ajustezinho algures, outro alhures... e assim, chegarmos,<br />

na estrada <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e da dignida<strong>de</strong> humana, a<br />

nenhures. “Deixar para amanhã”, se algumas vezes po<strong>de</strong><br />

ser um ato indicativo <strong>de</strong> prudência, comedimento ou<br />

prudência, quan<strong>do</strong> se torna uma ação permanente,<br />

transforma-se no lema <strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s...<br />

Tais consi<strong>de</strong>rações vieram-me à mente a propósito da<br />

quizília que vem envolven<strong>do</strong> a ministra/economista/cigarra<br />

Dilma Rousseff e o ministro/médico/formiga Antonio<br />

Palocci, a primeira queren<strong>do</strong> aumentar (e, efetivamente,<br />

aumentan<strong>do</strong>, como o fez acintosamente há dias) gastos<br />

públicos e o segun<strong>do</strong> tentan<strong>do</strong> contê-los. A querela, a esta<br />

altura <strong>do</strong> campeonato, nos remete a um passa<strong>do</strong> <strong>de</strong> erros,<br />

nos traz <strong>de</strong> volta a um presente que mostra que os mesmos<br />

não foram absorvi<strong>do</strong>s e nos envia a um futuro <strong>de</strong> mais<br />

problemas, to<strong>do</strong>s facilmente previsíveis.<br />

Esta discussão mais <strong>do</strong> que inoportuna – uma<br />

autêntica parlenga – ressuscitada pelos<br />

“<strong>de</strong>senvolvimentistas” com antolhos é antiga. Em agosto <strong>de</strong><br />

1979, o presi<strong>de</strong>nte Figueire<strong>do</strong> trocou Mário Henrique<br />

Simonsen que, à evidência <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is choques <strong>do</strong> petróleo e<br />

<strong>do</strong> choque da taxa <strong>de</strong> juros norte-americana, percebeu que<br />

nossa economia precisava <strong>de</strong> um forte ajuste fiscal, por<br />

Delfim Netto que, então na pasta da Agricultura e visan<strong>do</strong> o<br />

coman<strong>do</strong> da Economia, com o apoio da FIESP, prometeu<br />

que, “<strong>de</strong>senvolvimentista” como era, a economia brasileira<br />

voltaria a crescer. Deu no que <strong>de</strong>u... poucos meses <strong>de</strong><br />

euforia, no primeiro semestre <strong>de</strong> 1980, segui<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma<br />

formidável ressaca, que nos levou a <strong>do</strong>is fun<strong>do</strong>s, o <strong>do</strong> poço<br />

e o FMI.<br />

<strong>Ano</strong>s <strong>de</strong>pois, em agosto <strong>de</strong> 1985, Sarney <strong>de</strong>mitiu<br />

Dornelles da pasta da Fazenda e o substituiu por uma dupla


que representava os interesses <strong>do</strong> PMDB e da FIESP,<br />

Funaro e Sayad que, com seus “cruza<strong>de</strong>iros” hetero<strong>do</strong>xos,<br />

inauguraram no país a era das trevas <strong>do</strong>s congelamentos <strong>de</strong><br />

preços, das <strong>de</strong>sin<strong>de</strong>xações, das “tablitas” e otras cositas<br />

más... Isto para não falarmos <strong>de</strong> Juscelino que, alerta<strong>do</strong><br />

pelo mestre Eugenio Gudin e por Lucas Lopes <strong>de</strong> que aquela<br />

maluquice <strong>de</strong> “avançar cinqüenta anos em cinco” agredia<br />

duas lógicas, a <strong>do</strong> tempo e a das leis econômicas, trocou-os<br />

por José Maria Alckmin, levan<strong>do</strong> a economia a um<br />

crescimento que não tinha a menor possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />

sustenta<strong>do</strong> e que, com a sanção <strong>de</strong> Jânio e o posterior<br />

sindicalismo bagunceiro <strong>de</strong> Jango, <strong>de</strong>sorganizaram<br />

completamente o país.<br />

Penso que seria mais <strong>do</strong> que tempo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rmos,<br />

se não com os bons livros <strong>de</strong> Economia, pelo menos com a<br />

boa conselheira que sempre foi a História. Se errar é<br />

humano e persistir no erro é <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> falta <strong>de</strong><br />

inteligência, insistir na persistência, então, seria o que?<br />

Burrice incurável, puro oportunismo político ou ambos os<br />

<strong>de</strong>feitos?<br />

Se o pior cego é aquele que não quer ver, o que dizer<br />

então daqueles – e daquelas, para sermos “politicamente<br />

corretos” – que, além <strong>de</strong> não <strong>de</strong>sejarem ver, ainda colocam<br />

antolhos para potencializar ainda mais sua cegueira<br />

voluntária?<br />

Ó filhos da Pátria, tão habitua<strong>do</strong>s à limitação <strong>do</strong>s<br />

antolhos, quan<strong>do</strong> apren<strong>de</strong>reis que causa é causa e efeito é<br />

efeito? E que focinho <strong>de</strong> porco não é tomada?<br />

Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Centro Interdisciplinar <strong>de</strong> Ética e Economia<br />

Personalista - Cieep


<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 44 –<br />

Novembro <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

A “MP DO BEM”: SIMPLES ESMOLA<br />

<strong>Ubiratan</strong> <strong>Iorio</strong><br />

É mesmo impressionante como os brasileiros<br />

contentam-se com tão pouco. Explora<strong>do</strong>s, engana<strong>do</strong>s,<br />

iludi<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>siludi<strong>do</strong>s e corroí<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> to<strong>do</strong> po<strong>de</strong>roso,<br />

mais se assemelham a um rebanho <strong>de</strong> pachorrentas<br />

ovelhas, ao sabor <strong>do</strong> caja<strong>do</strong> <strong>do</strong> pastor <strong>de</strong> ocasião. O que


mais irrita, em muitas ocasiões, é que muitas cabeças<br />

<strong>de</strong>sse rebanho, principalmente empresários, que <strong>de</strong>veriam<br />

ser os mais vigilantes <strong>do</strong> cumprimento <strong>de</strong> direitos<br />

elementares que lhes são subtraí<strong>do</strong>s crescentemente, há<br />

décadas, pelos governantes, preferem agir inversamente ao<br />

que o caráter reto, a coragem e, mesmo, o patriotismo,<br />

exigem, pon<strong>do</strong>-se a festejar e a bajular qualquer esmola<br />

que o Esta<strong>do</strong>, fingin<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> bom moço, <strong>de</strong>ixa cair em seus<br />

chapéus, covar<strong>de</strong> e subjugadamente estendi<strong>do</strong>s, na rua das<br />

reivindicações.<br />

A última <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> subserviência e <strong>de</strong> covardia<br />

servil po<strong>de</strong> ser vista nestes dias, após a edição da chamada<br />

“MP <strong>do</strong> Bem”, em que o governo, “generosamente”, como<br />

se nos estivesse prestan<strong>do</strong> um gran<strong>de</strong> favor, abriu<br />

temporariamente mão <strong>de</strong> uma receita <strong>de</strong> R$ 5 bilhões, ao<br />

reduzir incidências <strong>de</strong> PIS e COFINS e prazos <strong>de</strong> isenção <strong>de</strong><br />

ICMS para taxistas e ao <strong>do</strong>brar <strong>de</strong> R$ 1,2 bilhão para R$ 2,4<br />

bilhões o teto máximo <strong>de</strong> receita das microempresas<br />

classificadas, na engenhosa e solerte terminologia<br />

burocrática, como “Simples”.<br />

É com tristeza que temos visto o que <strong>de</strong>veria ser um<br />

grito ao governo, entoa<strong>do</strong> harmonicamente por to<strong>do</strong>s os<br />

que produzem, algo como “caramba, caracoles, <strong>de</strong>ixa-me<br />

trabalhar, não me amoles”, ser substituí<strong>do</strong> por <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

elogios ao gesto <strong>de</strong> “bonda<strong>de</strong>” <strong>do</strong> dr. Palocci. Pior <strong>do</strong> que<br />

isso, na bajulação explícita <strong>do</strong>s encômios, muitos terminam<br />

afirman<strong>do</strong> que a MP será ótima porque, apesar <strong>de</strong> retirar<br />

receita <strong>do</strong> governo agora, a aumentará no futuro, já que,<br />

com o aquecimento da economia que certamente<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ará, o Esta<strong>do</strong> arrecadará no futuro mais <strong>do</strong> que<br />

os R$ 5 bilhões <strong>de</strong> que está, pleno <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>, abrin<strong>do</strong><br />

mão.<br />

<strong>Ano</strong>s e anos <strong>de</strong> keynesianismo acadêmico e <strong>de</strong><br />

esquer<strong>do</strong>patia prática acabaram produzin<strong>do</strong> muitos danos à<br />

própria maneira <strong>de</strong> pensar, exatamente <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>veria<br />

bater-se por idéias opostas às que sustentam essas<br />

bajulações. De fato, muitos empresários – para não<br />

dizermos a gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong> nosso pacato povo -<br />

acreditam mesmo que um real nas mãos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é<br />

melhor <strong>do</strong> que o mesmo real nas mãos <strong>de</strong> quem o ganhou<br />

com o seu trabalho, acordan<strong>do</strong> ce<strong>do</strong>, esforçan<strong>do</strong>-se e


corren<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os riscos inerentes à verda<strong>de</strong>ira ativida<strong>de</strong><br />

empresarial, ou, no caso <strong>de</strong> um trabalha<strong>do</strong>r assalaria<strong>do</strong>,<br />

empenhan<strong>do</strong>-se com dignida<strong>de</strong> para executar as suas<br />

tarefas com perfeição humana. Isto é uma mentira plantada<br />

e é espantoso que ainda não tenham percebi<strong>do</strong> sua<br />

escabrosida<strong>de</strong> afirmativa!<br />

Em uma economia sufocada, esganada e subjugada<br />

por 74 tributos, com uma carga tributária que se assemelha<br />

a um regime <strong>de</strong> trabalhos força<strong>do</strong>s e com um sistema<br />

tributário em tu<strong>do</strong> semelhante a um manicômio, é evi<strong>de</strong>nte<br />

que uma pequena generosida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s entes arrecada<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong>ve ser vista com bons olhos. A crítica não é a esta medida<br />

em si, mas ao fato <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> uma simples esmola, um<br />

simples talento, quan<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> po<strong>de</strong>ria – e <strong>de</strong>veria –<br />

<strong>de</strong>volver aos verda<strong>de</strong>iros <strong>do</strong>nos milhões <strong>de</strong> talentos!<br />

Mais talentos em mãos privadas e, portanto, menos<br />

nas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> significam menos mensalões, menos<br />

corrupção, menos nepotismo e menos burocracia e,<br />

certamente, mais empregos, mais produção, mais justiça e<br />

maior dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que nossos vorazes publicanos sabem que<br />

a carga tributária no Brasil penaliza quem trabalha e<br />

impe<strong>de</strong> a economia <strong>de</strong> crescer, tanto que a “MP <strong>do</strong> Bem” foi<br />

posta na or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> dia como mais um diversionismo <strong>do</strong><br />

governo petista para <strong>de</strong>sviar a atenção das acusações <strong>de</strong><br />

corrupção em que chafurda e também como medida<br />

eleitoreira, na expectativa <strong>de</strong> que os benefícios da medida<br />

possam carrear votos no ano que vem para reeleger nosso<br />

aliena<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sprepara<strong>do</strong> e <strong>de</strong>sboca<strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte.<br />

Mas por que não fazer a coisa correta <strong>de</strong> uma vez?<br />

Será que estão seguin<strong>do</strong> Maquiavel, pensan<strong>do</strong> em fazer “o<br />

bem” aos poucos? Sinceramente, duvi<strong>do</strong>! Eles gostam <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>-rinoceronte, que, como sabemos, possui um<br />

estômago primitivo, o que o faz ruminar incessantemente,<br />

já que sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comer é bem maior <strong>do</strong> que a <strong>de</strong><br />

outros animais que remascam. Por isso, não conseguem<br />

parar <strong>de</strong> comer – seja a erva <strong>do</strong>s impostos, o capim da<br />

dívida interna ou a tiririca das maiores taxas <strong>de</strong> juros <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> -, precisam comer, é imperioso comer sempre e


mais, pois seu primevo estômago, forma<strong>do</strong> por três po<strong>de</strong>res<br />

e três esferas, é insaciável.<br />

Quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> prover o bem comum, ensina-nos<br />

a ética que o bem <strong>de</strong>ve ser feito <strong>de</strong> uma só vez. Por que não<br />

esten<strong>de</strong>r a “MP <strong>do</strong> Bem”, por que não aprofundá-la, por que<br />

não realizar uma reforma tributária <strong>de</strong>cente, que estimule o<br />

trabalho e a livre iniciativa?<br />

Deixo a resposta para o leitor. Pista: um Cadillac 56<br />

não bebe mais <strong>do</strong> que um Corsa 1.0?<br />

Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Centro Interdisciplinar <strong>de</strong> Ética e Economia<br />

Personalista - Cieep


<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 43<br />

– Outubro <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

A ESQUERDOPATIA<br />

<strong>Ubiratan</strong> <strong>Iorio</strong><br />

(três artigos publica<strong>do</strong>s no Jornal <strong>do</strong> Brasil, em 19 e 26/9 e<br />

3/10/<strong>2005</strong>)<br />

A esquer<strong>do</strong>patia ou sinistropatia é uma das<br />

mais perigosas e contagiosas manifestações<br />

endêmicas da América Latina, com a honrosa<br />

exceção <strong>do</strong> Chile, responsável por nosso enorme<br />

atraso em relação às socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas.<br />

Fruto <strong>do</strong> cruzamento incestuoso da mentalida<strong>de</strong><br />

excessivamente centraliza<strong>do</strong>ra e patrimonialista<br />

herdada da tradição ibérica com a estratégia <strong>de</strong><br />

ocupação <strong>do</strong>s espaços <strong>de</strong> Antonio Gramsci e <strong>do</strong><br />

encontro adulterino <strong>de</strong> um tremen<strong>do</strong> complexo <strong>de</strong><br />

inferiorida<strong>de</strong> com uma <strong>do</strong>se <strong>de</strong>savergonhada <strong>do</strong><br />

vício da inveja, a <strong>do</strong>ença contaminou as<br />

universida<strong>de</strong>s, os meios <strong>de</strong> comunicação, a cultura,<br />

a economia, a política, a linguagem e as próprias<br />

<strong>de</strong>finições <strong>de</strong> moral e ética. Seus principais


agentes propaga<strong>do</strong>res são os chama<strong>do</strong>s<br />

“intelectuais” <strong>de</strong> esquerda, para os quais a<br />

consecução <strong>de</strong> seus objetivos <strong>de</strong> se criar o “Outro<br />

Mun<strong>do</strong> Possível” justifica quaisquer meios<br />

utiliza<strong>do</strong>s para tal, entre os quais a mentira, o<br />

diversionismo, a tática <strong>de</strong> acusar os inimigos <strong>de</strong><br />

práticas em que eles próprios são mestres e, como<br />

agora os brasileiros parecem perceber, a<br />

corrupção. Não foi sem razão que Paul Johnson<br />

<strong>de</strong>buxou e <strong>de</strong>bochou <strong>de</strong> duas marcas <strong>do</strong>s<br />

intelectuais <strong>de</strong> esquerda: o egocentrismo e a falta<br />

<strong>de</strong> respeito para com a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos, sempre<br />

em nome <strong>do</strong> “social”...<br />

Um esquer<strong>do</strong>pata típico po<strong>de</strong> ser<br />

facilmente i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> alguns<br />

comportamentos peculiares, <strong>de</strong> natureza gestual e<br />

visual e, principalmente, pela forma simplista,<br />

embora arrogante, <strong>de</strong> ver o mun<strong>do</strong> e <strong>de</strong> se<br />

expressar.<br />

Neste primeiro artigo sobre a sinistropatia,<br />

enfatizarei a mais importante manifestação da<br />

en<strong>de</strong>mia – e sua causa maior - que é a pia crença<br />

na hipótese <strong>de</strong> que a riqueza <strong>de</strong> João é condição<br />

necessária e suficiente para explicar a pobreza <strong>de</strong><br />

Pedro, João e Pedro po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser indivíduos,<br />

“classes”, sexos, raças, esta<strong>do</strong>s, regiões ou países.<br />

Uma visão míope, herdada das idéias <strong>de</strong><br />

exploração <strong>de</strong> Marx, que não leva em conta o fato<br />

óbvio <strong>de</strong> que esta seria apenas uma <strong>de</strong>ntre<br />

inúmeras outras explicações para a existência <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, como o acesso ou não à educação e<br />

à saú<strong>de</strong>, a disposição ou indisposição para o<br />

trabalho, a inteligência ou a estultice, as boas ou<br />

más instituições e até mesmo a sorte ou o azar na<br />

vida,... É evi<strong>de</strong>nte que quem possui um caráter<br />

reto, mas é pouco observa<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s fatos e da


própria História, e acredita cegamente que Fulano<br />

é pobre porque é explora<strong>do</strong> por Beltrano, que é<br />

rico, será tenta<strong>do</strong> a aceitar a tese <strong>de</strong> que, para<br />

acabar com as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, será preciso o<br />

Esta<strong>do</strong> (logo quem...) tirar <strong>de</strong> Beltrano para dar <strong>de</strong><br />

mãos beijadas a Fulano; será também um <strong>de</strong>fensor<br />

<strong>de</strong> políticas públicas perpetua<strong>do</strong>ras da miséria,<br />

como os diversos programas populistas existentes<br />

em nosso país; terá ódio – nutri<strong>do</strong> pela inveja – <strong>de</strong><br />

toda e qualquer pessoa, “classe”, esta<strong>do</strong>, região ou<br />

país bem sucedi<strong>do</strong>s, que enxerga como<br />

explora<strong>do</strong>res e inimigos da fraternida<strong>de</strong>; e, se tiver<br />

uma veia religiosa, será facilmente iludi<strong>do</strong> pelas<br />

falácias da Teologia da Libertação, que é<br />

absolutamente alheia à <strong>do</strong>utrina reta da Igreja, já<br />

que seu leif motiv é socialista – e, portanto,<br />

anticristão - e porque, sob o escabeche <strong>de</strong> uma<br />

pretensa carida<strong>de</strong> (compulsória!), dissemina lutas<br />

fratricidas, incutin<strong>do</strong> nas cabeças <strong>do</strong>s fiéis que não<br />

conhecem a mensagem cristã que padres e bispos,<br />

ao invés <strong>de</strong> conduzirem suas ovelhas para o céu,<br />

<strong>de</strong>vem levá-las para a terra, mesmo que esta seja<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> terceiros...<br />

Um sinistropata, ao mencionar a importância<br />

da educação, a imagina sempre controlada pelo<br />

Esta<strong>do</strong> e sob o tacão <strong>do</strong> pensamento único e omite<br />

mal<strong>do</strong>samente a evidência <strong>de</strong> que, sem boas<br />

instituições <strong>de</strong>mocráticas, sem pluralismo <strong>de</strong> idéias<br />

e sem incentivos à livre iniciativa individual, a<br />

educação não garante o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico, como está aí a <strong>de</strong>monstrar a sua<br />

Disneylandia, aquela ilha subjugada pelo dita<strong>do</strong>r<br />

barbu<strong>do</strong>, o gran<strong>de</strong> Carniceiro <strong>do</strong> Caribe.<br />

Apresentemos, agora, alguns <strong>do</strong>s mais bati<strong>do</strong>s<br />

chavões usa<strong>do</strong>s pelos sinistropatas e seus<br />

respectivos contra-argumentos.


O primeiro, já aponta<strong>do</strong> no artigo<br />

anterior, é o <strong>de</strong> que a pobreza <strong>do</strong> Brasil, da<br />

América Latina e <strong>de</strong> outras regiões <strong>de</strong>ve-se à sua<br />

“exploração” por parte das nações ricas. Contraargumentos:<br />

Definitivamente, o que explica a<br />

pobreza <strong>de</strong> Fulano não é a riqueza <strong>de</strong> Beltrano,<br />

sejam eles pessoas, países ou regiões, pois as<br />

causas da riqueza são as recíprocas das da<br />

pobreza. O <strong>de</strong>senvolvimento econômico é como<br />

uma peça <strong>de</strong> teatro: para ser boa, exige um<br />

razoável “script”, um cenário a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e<br />

excelentes atores. O “script” é a ampliação<br />

contínua da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção, isto é, a<br />

acumulação <strong>de</strong> capital; o cenário são as<br />

instituições e os atores a população. Para gerar-se<br />

riqueza <strong>de</strong> maneira a não concentrá-la, são<br />

necessários investimentos em capital humano e<br />

leis estáveis e que incentivem as pessoas a darem<br />

vazão à sua criativida<strong>de</strong>.<br />

O segun<strong>do</strong> chavão é o <strong>de</strong> que O Brasil<br />

precisaria promover uma “reforma agrária” para<br />

redistribuir a renda e fixar o homem no campo.<br />

Contra-argumentos: reforma agrária não é e nunca<br />

foi instrumento <strong>de</strong> redistribuição <strong>de</strong> renda; a<br />

questão não está no tamanho das proprieda<strong>de</strong>s,<br />

mas em sua produtivida<strong>de</strong>; o percentual da<br />

população que vive no campo nas socieda<strong>de</strong>s<br />

adiantadas e <strong>de</strong> agriculturas mais produtivas é<br />

inferior, em média, a 3%. Nos EEUU, é <strong>de</strong> 1,5%.<br />

A terceira falácia é a <strong>de</strong> que o país precisa<br />

<strong>de</strong> uma reforma tributária com impostos mais<br />

progressivos, para redistribuir a riqueza. Ora, o<br />

Brasil precisa, sim, <strong>de</strong> uma reforma tributária, mas<br />

que <strong>de</strong>sonere cidadãos e empresas! Temos 74<br />

tributos, muitos em “cascata”. A carga tributária


subiu escandalosamente nos últimos anos e hoje<br />

beira os 40% <strong>do</strong> PIB. A<strong>de</strong>mais, a função <strong>do</strong>s<br />

impostos não é a <strong>de</strong> redistribuir a riqueza, mesmo<br />

porque não se po<strong>de</strong> redistribuir algo que não é<br />

fixo, pois a economia não é um jogo <strong>de</strong> soma zero.<br />

A função <strong>do</strong>s tributos é a <strong>de</strong>, simplesmente,<br />

manter o Esta<strong>do</strong> funcionan<strong>do</strong>. To<strong>do</strong>s os países que<br />

tentaram redistribuir a riqueza com impostos<br />

altamente progressivos, conseguiram apenas<br />

<strong>de</strong>sestimular o trabalho e o esforço individuais e<br />

estimular o comodismo, provocan<strong>do</strong> apatia, evasão<br />

fiscal e fuga <strong>de</strong> capitais e nivelan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s -<br />

inteligentes e estultos, diligentes e preguiçosos,<br />

felizar<strong>do</strong>s e azara<strong>do</strong>s - por baixo. Além disso, não<br />

po<strong>de</strong>mos nos esquecer <strong>de</strong> que o imposto gera a<br />

sua própria <strong>de</strong>spesa: quanto maior a arrecadação,<br />

maior também o apetite gasta<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s governos. E<br />

os nossos já comem em excesso.<br />

A quarta falácia é a <strong>de</strong> que o País precisa<br />

voltar a “crescer”, mesmo que abrin<strong>do</strong> mão <strong>do</strong><br />

controle da inflação, pois existiria um dilema entre<br />

a inflação e o crescimento. Contra-argumento:<br />

poucas tolices são tão repetidas como esta! Na<br />

verda<strong>de</strong>, não há escolha entre inflação e<br />

<strong>de</strong>semprego, pela mesma razão que não se po<strong>de</strong><br />

escolher entre comer <strong>de</strong>mais e ter indigestão: se<br />

comermos muito, a indigestão é certa. Nenhuma<br />

economia cresce o que <strong>de</strong>seja crescer, mas sim o<br />

que po<strong>de</strong> crescer, que é <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> não pelos<br />

nossos <strong>de</strong>sejos nem pelas máquinas da Casa da<br />

Moeda, mas por nossas capacida<strong>de</strong>s. A inflação é<br />

provocada por investimentos mal feitos, lastrea<strong>do</strong>s<br />

em créditos artificialmente baratos e, na medida<br />

em que o caráter ineficiente <strong>de</strong>sses investimentos<br />

é revela<strong>do</strong> pelo tempo, surge o <strong>de</strong>semprego. Ou<br />

seja, a inflação ocorre quan<strong>do</strong> os governos,<br />

achan<strong>do</strong> que estão optan<strong>do</strong> pelo “crescimento”,


geram empregos artificiais e o <strong>de</strong>semprego é a<br />

conseqüência inevitável <strong>de</strong>ssas más políticas.<br />

“Desenvolvimentista” to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é, mas primeiro<br />

temos que saber ao certo o que é <strong>de</strong>senvolvimento<br />

e, portanto, que ele não po<strong>de</strong> ocorrer na presença<br />

<strong>de</strong> inflação. Mas os sinistropatas latinoamericanos,<br />

que tanto usam a História – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as suas conveniências -, simulam<br />

não terem aprendi<strong>do</strong> isso.<br />

Por fim, eis mais três cacoetes esquer<strong>do</strong>patas,<br />

para encerrar o tema. O primeiro é o <strong>de</strong> acreditar<br />

cegamente que as “soluções políticas” são<br />

socialmente melhores <strong>do</strong> que as proporcionadas<br />

pelo sistema econômico e pelo sistema moral, o<br />

que os leva, por exemplo, à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> “políticas<br />

públicas”, como a industrial, para fortalecer<br />

setores previamente seleciona<strong>do</strong>s, tornan<strong>do</strong>-os<br />

competitivos. Esse argumento equivale a tentar<br />

remendar uma colcha nova com um retalho velho,<br />

o que estraga toda a peça. O século XX foi farto em<br />

<strong>de</strong>monstrar a ineficácia das soluções políticas e, no<br />

caso das políticas industriais planejadas, nem a<br />

colcha é nova, tratan<strong>do</strong>-se apenas <strong>de</strong> uma<br />

tentativa dissimulada <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o teci<strong>do</strong> roto <strong>do</strong>s<br />

velhos argumentos protecionistas, sem qualquer<br />

espaço no mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> hoje. Se os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e a<br />

Europa a<strong>do</strong>tam práticas protecionistas, pior para<br />

eles, no longo prazo, pois vão per<strong>de</strong>r. Se meu<br />

vizinho resolver drogar-se porque acha isso bom,<br />

eu vou imitá-lo, só porque ele é rico? As “políticas<br />

industriais”, na verda<strong>de</strong>, são frutos podres <strong>do</strong><br />

processo político, em que burocratas travesti<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> técnicos selecionam alguns setores para ganhar<br />

e, portanto, outros para per<strong>de</strong>r. O gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>rrota<strong>do</strong> - mais até <strong>do</strong> que os produtores não<br />

contempla<strong>do</strong>s com as benesses -, é o consumi<strong>do</strong>r,


que fica com menos produtos à sua disposição, <strong>de</strong><br />

pior qualida<strong>de</strong> e mais caros.<br />

Outra característica da sinistropatia é a <strong>de</strong> ser<br />

uma seita <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, diante <strong>do</strong> qual<br />

se ajoelham servilmente, como se estivessem<br />

diante <strong>de</strong> uma vaca sagrada. Por isso mesmo é que<br />

o governo petista criou nada menos <strong>do</strong> que 34<br />

novas estatais, mais <strong>de</strong> uma por mês, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

assomou ao po<strong>de</strong>r. Privatizar empresas suga<strong>do</strong>ras<br />

<strong>do</strong>s contribuintes, no seu jargão infantil,<br />

equivaleria a “entregar o patrimônio público”...<br />

Público ou <strong>do</strong>s que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r político? Os<br />

Correios, a Eletrobrás, o IRB, a Petrobrás, a Caixa,<br />

o BNDES, o Banco <strong>do</strong> Brasil e <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> outros<br />

cartórios pertencem <strong>de</strong> fato ao público ou, mesmo,<br />

aos seus funcionários <strong>de</strong> carreira? É evi<strong>de</strong>nte que<br />

não, porque são controla<strong>do</strong>s pelos governos, que<br />

indicam presi<strong>de</strong>ntes e diretores para eles, to<strong>do</strong>s<br />

representantes <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> oficial e <strong>do</strong>s seus<br />

alia<strong>do</strong>s. É mais <strong>do</strong> que tempo <strong>de</strong> o Esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>sfazer-se <strong>de</strong>ssas empresas, para concentrar-se<br />

em suas tarefas essenciais, que vêm sen<strong>do</strong> postas<br />

<strong>de</strong> la<strong>do</strong> há muitos anos, como a segurança, a<br />

justiça, a educação, a saú<strong>de</strong> e a infra-estrutura e,<br />

mesmo assim, nas três últimas, atuan<strong>do</strong><br />

indiretamente, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> que o setor priva<strong>do</strong> cui<strong>de</strong><br />

das ações diretas, simplesmente porque sai mais<br />

barato, tolhe a corrupção e é bem mais eficiente.<br />

Por fim, para compor o ethos esquer<strong>do</strong>pata,<br />

há a semeadura <strong>do</strong> ódio <strong>de</strong> classes, porque, já que<br />

enten<strong>de</strong>m que Pedro é rico se e somente se João é<br />

pobre, então é preciso semear no coração <strong>do</strong><br />

segun<strong>do</strong> o ódio pelo primeiro, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o restante<br />

aos po<strong>de</strong>res ocultos da dialética. Não é à toa que<br />

“as esquerdas” – como gostam <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>nominarse<br />

-, jogam, muitas vezes subliminarmente e


outras nem tanto, “excluí<strong>do</strong>s” contra “elites”,<br />

mulheres contra homens, negros e índios contra<br />

europeus e homossexuais contra heterossexuais,<br />

sempre sob o pretexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r “minorias”.<br />

Tu<strong>do</strong> em nome <strong>de</strong> uma fraternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fachada.. E<br />

olham com uma complacência que beira a simpatia<br />

atos terroristas hedion<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> são cometi<strong>do</strong>s<br />

contra países ricos, como os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, a<br />

Espanha e a Inglaterra. Trombeteiam o lamentável<br />

erro da polícia inglesa, que vitimou um brasileiro,<br />

mas silenciam diante <strong>do</strong> caso <strong>do</strong> engenheiro,<br />

também brasileiro, seqüestra<strong>do</strong> por fanáticos<br />

iraquianos e <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong> há meses.<br />

O fracasso <strong>do</strong> governo petista encerra um<br />

ciclo <strong>de</strong> 41 anos, inicia<strong>do</strong> em 1964. Neste longo<br />

perío<strong>do</strong>, a esquer<strong>do</strong>patia contaminou o país,<br />

primeiro na oposição e <strong>de</strong>pois nos governos <strong>do</strong><br />

PMDB, <strong>do</strong> PSDB e <strong>do</strong> PT. É tempo <strong>de</strong> erradicá-la,<br />

com a vacina <strong>do</strong> fe<strong>de</strong>ralismo e da tríplice liberda<strong>de</strong>:<br />

política, econômica e cultural. E com o antí<strong>do</strong>to <strong>do</strong>s<br />

argumentos e <strong>do</strong> bom senso!<br />

Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Centro Interdisciplinar <strong>de</strong> Ética e<br />

Economia Personalista - Cieep


<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 42 –<br />

Setembro <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

O FINAL DE UM CICLO POLÍTICO<br />

an <strong>Iorio</strong><br />

Ubirat<br />

O atual esfacelamento externo <strong>do</strong> PT – sim,<br />

externo, já que, internamente, o parti<strong>do</strong> sempre foi<br />

uma evi<strong>de</strong>nte fragmentação <strong>de</strong> tendências e<br />

movimentos – marca, mais <strong>do</strong> que a <strong>de</strong>rrocada<br />

prematura <strong>de</strong> um governo absolutamente


<strong>de</strong>sprepara<strong>do</strong> para exercer o po<strong>de</strong>r, o final <strong>de</strong> um<br />

ciclo <strong>de</strong> nossa história política. Quero com isto<br />

dizer que os últimos acor<strong>de</strong>s da sinfonia que<br />

começou com a contra-revolução <strong>de</strong> 1964 somente<br />

agora estão sen<strong>do</strong> executa<strong>do</strong>s, em um fa<strong>de</strong> que<br />

parece interminável, mas que pelo menos traz a<br />

certeza <strong>de</strong> que a música chegou ao fim e que o país<br />

<strong>de</strong>ve preparar-se para uma outra sinfonia, embora<br />

nada indique que esta venha a ser mais brilhante,<br />

bem composta e executada <strong>do</strong> que a que se<br />

encerra no teatro político.<br />

Durante o que se convencionou chamar <strong>de</strong><br />

“regime militar”, to<strong>do</strong>s sabem que havia apenas<br />

<strong>do</strong>is parti<strong>do</strong>s, a ARENA, <strong>do</strong> governo e o MDB, da<br />

oposição, que se transformaram posteriormente<br />

em PDS e PMDB. Após a entrega <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r pelo<br />

General Figueire<strong>do</strong>, o posto que seria ocupa<strong>do</strong> por<br />

Tancre<strong>do</strong> caiu <strong>de</strong> mãos beijadas no colo <strong>de</strong> Sarney<br />

e o PMDB teve cinco anos, <strong>de</strong> 1984 a 1989, para<br />

realizar o que sempre propugnava quan<strong>do</strong> na<br />

oposição. O que fez? Três malfada<strong>do</strong>s<br />

congelamentos <strong>de</strong> preços (nos planos Cruza<strong>do</strong>,<br />

Bresser e Verão), que incentivaram a explosão<br />

daquilo que <strong>de</strong>nominei em meu livro “Economia e<br />

Liberda<strong>de</strong>” <strong>de</strong> super-estag-hiperinflação, palavra<br />

que inventei para <strong>de</strong>screver a combinação da forte<br />

estagnação econômica com uma hiperinflação que<br />

só não foi aberta porque os mecanismos <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>xação então existentes a camuflaram durante<br />

mais <strong>de</strong> uma década. O PMDB teve a sua chance,<br />

seus economistas tiveram mais <strong>do</strong> que tempo para<br />

mostrar o que tinham a dizer, mas, ao cabo <strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong> em que estiveram no po<strong>de</strong>r, nada fizeram<br />

<strong>de</strong> bom, a não ser ensinar, para quem tivesse<br />

perspicácia para observar e apreen<strong>de</strong>r com a<br />

evidência <strong>do</strong>s fatos, que a hetero<strong>do</strong>xia mirabolante<br />

<strong>do</strong>s planos econômicos, os congelamentos <strong>de</strong>


preços e o dirigismo nada mais são <strong>do</strong> que<br />

fracassos com datas marcadas.<br />

Seguiu-se o governo <strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Collor e os<br />

economistas <strong>de</strong> esquerda, comanda<strong>do</strong>s por aquela<br />

senhora que nos tungou em março <strong>de</strong> 1990,<br />

mostraram que não haviam entendi<strong>do</strong> os fracassos<br />

anteriores. Fizeram mais <strong>do</strong>is congelamentos <strong>de</strong><br />

preços, com todas aquelas pirotecnias<br />

spielbergnianas e só conseguiram perpetuar a<br />

estagnação econômica e a inflação. A contribuição<br />

positiva <strong>de</strong> Collor foi levantar o <strong>de</strong>bate sobre a<br />

abertura econômica e a reforma <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, além<br />

<strong>de</strong> ter inicia<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> privatizações, com a<br />

venda da Usiminas, após uma verda<strong>de</strong>ira guerra <strong>de</strong><br />

liminares que tinham por trás o então <strong>de</strong>tentor <strong>do</strong><br />

monopólio da ética na política, este mesmo PT que<br />

hoje jaz apodreci<strong>do</strong> nas areias movediças da<br />

corrupção, bem como o PSDB, que entrementes<br />

emergira <strong>do</strong> PMDB assim que seus caciques<br />

perceberam que o Plano Cruza<strong>do</strong> estava fazen<strong>do</strong><br />

água por to<strong>do</strong>s os cantos, o que, apesar disso, não<br />

o impediu <strong>de</strong> eleger mais <strong>de</strong> uma vintena <strong>de</strong><br />

governa<strong>do</strong>res em 1986.<br />

Com o impeachment <strong>de</strong> Collor, a ascensão <strong>de</strong><br />

Itamar e a fragmentação indisfarçável <strong>do</strong> PMDB, o<br />

PSDB pouco a pouco foi se aproximan<strong>do</strong> <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r,<br />

o que levou Fernan<strong>do</strong> Henrique ao cargo <strong>de</strong><br />

Ministro da Fazenda e, escora<strong>do</strong> em um plano <strong>de</strong><br />

super-in<strong>de</strong>xação via URV muito bem elabora<strong>do</strong><br />

pelos economistas da PUC carioca, já então<br />

convenci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> que a inflação era mesmo um<br />

fenômeno monetário, acabou geran<strong>do</strong> o Real, que<br />

levou os tucanos ao Planalto por <strong>do</strong>is mandatos<br />

consecutivos. Só que o Real, que fora concebi<strong>do</strong><br />

para ser um simples meio para a criação <strong>de</strong> uma<br />

moeda forte para a consecução <strong>de</strong> um objetivo


em maior – o <strong>do</strong> crescimento sustenta<strong>do</strong> com<br />

aumento das igualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s -,<br />

transformou-se em um fim para manter o po<strong>de</strong>r<br />

nas in<strong>de</strong>cisas mãos (ou bicos) tucanas, que não<br />

realizaram nem a décima parte das reformas <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> que haviam prometi<strong>do</strong> em duas campanhas<br />

presi<strong>de</strong>nciais.<br />

Portanto, os principais parti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> oposição<br />

aos governos militares, o PMDB e seu “filho”, o<br />

PSDB, tiveram, soman<strong>do</strong>-se os anos, <strong>de</strong> 1984 até<br />

1989 e <strong>de</strong> 1993 a 1994 o primeiro e, <strong>de</strong> 1995 até<br />

2001 o segun<strong>do</strong>, para porem nossa economia nos<br />

trilhos <strong>do</strong> crescimento sustenta<strong>do</strong> e apresentarem<br />

soluções para os graves problemas sociais – como<br />

sempre, associa<strong>do</strong>s aos econômicos – brasileiros.<br />

Não mostraram competência para fazê-lo, o que<br />

levou cerca <strong>de</strong> 30 milhões <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentes e mais<br />

os 23 milhões <strong>de</strong> integrantes da seita petista, a<br />

colocarem Lula e seu parti<strong>do</strong> – ou, dada a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dissociação <strong>de</strong> ambos, seu<br />

parti<strong>do</strong> e Lula – no po<strong>de</strong>r, nas eleições <strong>de</strong> 2002. O<br />

que aconteceu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então é bastante recente<br />

para que precise ser comenta<strong>do</strong> em pormenores. A<br />

política econômica <strong>do</strong> governo Lula-PT, que<br />

passaram as duas décadas anteriores bradan<strong>do</strong><br />

contra todas as que foram executadas, revelou ser<br />

a mesma aplicada pelo tucanato, ao passo que o<br />

la<strong>do</strong> político <strong>do</strong> governo, a par <strong>de</strong> uma formidável<br />

inoperância e <strong>de</strong> um paquidérmico imobilismo,<br />

meteu-se em negociatas espúrias que vieram à<br />

tona quan<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s ex-beneficia<strong>do</strong>s, Roberto<br />

Jefferson, ao per<strong>de</strong>r a parte que lhe cabia no<br />

latifúndio estatal, resolveu soltar a voz na estrada<br />

e, mesmo semitonan<strong>do</strong> e <strong>de</strong>safinan<strong>do</strong> a cada<br />

compasso, mostrou ao país que tipo <strong>de</strong> gente<br />

estava a nos governar.


O governo Lula-PT (ou PT-Lula) acabou antes<br />

<strong>de</strong> terminar, para contrariar a máxima <strong>do</strong> faleci<strong>do</strong><br />

Abelar<strong>do</strong> Barbosa, o Chacrinha. Daqui até o final <strong>de</strong><br />

2006, nada <strong>de</strong> novo tem condições <strong>de</strong> ocorrer<br />

<strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> sol brasileiro, mesmo porque a tradição<br />

<strong>de</strong> nossa república mostra claramente que as<br />

segundas meta<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s mandatos são apenas<br />

meras preparações para os mandatos seguintes, <strong>de</strong><br />

acor<strong>do</strong> com o mo<strong>do</strong> obscuro <strong>de</strong> pensar <strong>de</strong> quem<br />

quer esteja ocupan<strong>do</strong> o po<strong>de</strong>r. O impeachment <strong>de</strong><br />

Lula é improvável, principalmente porque não<br />

interessa nem ao PSDB, nem ao PFL e tampouco ao<br />

PMDB, que julgam ser muito mais fácil, nas<br />

eleições <strong>do</strong> próximo ano, <strong>de</strong>sfechar o direto final<br />

em um adversário que já foi à lona por diversas<br />

vezes, por sua própria incompetência. Aos parti<strong>do</strong>s<br />

menores, nada resta senão aguardar os<br />

acontecimentos, esperar os prováveis vence<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong> pleito <strong>de</strong> 2006 e tentar aproximar-se <strong>de</strong>les, em<br />

uma repetição <strong>do</strong> que sempre fizeram.<br />

Portanto, creio que o presente<br />

<strong>de</strong>smantelamento <strong>do</strong> PT encerra um ciclo tão<br />

importante quanto lamentável <strong>de</strong> nossa história<br />

política, porque o Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res é o<br />

terceiro e último parti<strong>do</strong> importante que saiu das<br />

fileiras <strong>do</strong>s que se opunham ao regime militar.<br />

To<strong>do</strong>s – o PMDB, com Sarney; o PSDB, com<br />

Fernan<strong>do</strong> Henrique: e o moribun<strong>do</strong> PT, com Lula –<br />

tiveram as suas oportunida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>mocraticamente<br />

alcançadas, e nada mais fizeram <strong>do</strong> que contribuir<br />

para <strong>de</strong>sencantar o povo com os políticos em geral<br />

e com o futuro econômico e social <strong>do</strong> país.<br />

Soman<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>, as duas fases <strong>do</strong> ciclo duraram <strong>de</strong><br />

1964 a 1984 e <strong>de</strong> 1985 até <strong>2005</strong>, ou seja, 41 anos.<br />

É tempo <strong>de</strong> início <strong>de</strong> um novo ciclo, a partir<br />

das eleições <strong>do</strong> ano que vem. Mas, sem uma


eforma política <strong>de</strong> fôlego e corajosa, é muito difícil<br />

imaginar-se o novo como um círculo virtuoso.<br />

Acredito que uma simples pergunta convencerá o<br />

leitor <strong>de</strong>sta minha convicção: em quem você<br />

preten<strong>de</strong> votar no ano que vem, amigo?<br />

É tempo <strong>de</strong> experimentarmos o fe<strong>de</strong>ralismo<br />

político, administrativo e econômico, parti<strong>do</strong>s<br />

programáticos, voto distrital ou distrital misto,<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária e cláusulas <strong>de</strong> barreira. Em<br />

especial, penso que a solução para o país passa<br />

necessariamente pelo fe<strong>de</strong>ralismo.


<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 41 –<br />

Agosto <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

O VALOR DA EDUCAÇÃO*<br />

<strong>Iorio</strong><br />

<strong>Ubiratan</strong><br />

* Dedico este artigo a to<strong>do</strong>s os educa<strong>do</strong>res, professores, professoras,<br />

funcionários <strong>de</strong> escolas e universida<strong>de</strong>s, alunos, alunas <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os níveis e mães e pais<br />

que se preocupam com o futuro <strong>de</strong> seus filhos.<br />

Prof. <strong>Ubiratan</strong> <strong>Iorio</strong>, Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (com<br />

muito orgulho, apesar <strong>do</strong> sr Luiz Inácio da Silva)<br />

O presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Brasil, em mais um <strong>de</strong> seus<br />

discursos <strong>de</strong> improviso, cometeu outra agressão,<br />

<strong>de</strong>ntre tantas em que se tem especializa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta<br />

vez contra todas as pessoas que cultivam os<br />

valores mais sóli<strong>do</strong>s da tradição oci<strong>de</strong>ntal, ao<br />

afirmar categoricamente, com os olhos rútilos <strong>de</strong><br />

auto-suficiência e o rosto crispa<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>magogia,<br />

que, para ser presi<strong>de</strong>nte da república, não é<br />

preciso ter curso superior.<br />

É preciso distinguir entre forma e conteú<strong>do</strong>, sr<br />

presi<strong>de</strong>nte! De fato, se na forma <strong>de</strong> nossa lei maior


– a “Constituição <strong>do</strong>s Miseráveis” <strong>do</strong> dr Ulisses –<br />

até um semi-analfabeto po<strong>de</strong> exercer o mais alto<br />

cargo da nação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que obtenha os votos<br />

necessários para tal, no conteú<strong>do</strong> – que, afinal, é o<br />

que importa – o próprio sr Luiz da Silva é a mais<br />

irrefutável das provas vivas e falantes (embora<br />

apenas precariamente pensantes) <strong>de</strong> que o<br />

presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> qualquer país precisa ter curso<br />

superior.<br />

Curiosamente, e mostran<strong>do</strong> o quanto o sr Lula<br />

é inconsistente naquilo que diz, apenas alguns dias<br />

após ter pronuncia<strong>do</strong> aquela malfadada frase, na<br />

posse <strong>do</strong> novo ministro da Educação, ele<br />

aproveitou para lançar o projeto da suposta<br />

“reforma <strong>do</strong> ensino superior”, formulada,<br />

recusada, reformulada, novamente bloqueada e<br />

finalmente colocada nos ares brasileiros,<br />

ultimamente corroí<strong>do</strong>s pelo almíscar <strong>de</strong> uma<br />

corrupção que beira a en<strong>de</strong>mia, aquilo que, no<br />

estrito e estreito mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver <strong>do</strong> sr. Genro, exministro<br />

da área, será a re<strong>de</strong>nção <strong>do</strong> ensino<br />

superior em nosso maltrata<strong>do</strong> país.<br />

Este governo tem si<strong>do</strong> tão incompetente que<br />

fica até difícil escolher como criticá-lo, tal a<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sandices que produz, e isto quan<strong>do</strong><br />

consegue “produzir” alguma coisa. Deparo-me,<br />

agora, com esta dificulda<strong>de</strong>: <strong>de</strong>scer o malho na<br />

“reforma” <strong>do</strong> Ministério da Educação ou <strong>de</strong>struir a<br />

afirmativa <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que ter curso superior<br />

não seria condição nem necessária e nem<br />

suficiente para alguém chegar ao cargo que ocupa.<br />

Por uma questão <strong>de</strong> espaço e, também, para não<br />

tratar <strong>de</strong> <strong>do</strong>is temas ao mesmo tempo, corren<strong>do</strong><br />

assim o risco <strong>de</strong> cansar o leitor, elejo por enquanto<br />

a segunda opção, prometen<strong>do</strong> para um futuro


próximo uma análise <strong>do</strong> malfada<strong>do</strong> projeto – uma<br />

o<strong>de</strong> ao atraso! – <strong>do</strong> MEC.<br />

Que <strong>de</strong>claração infeliz, sr Silva! Certamente, o<br />

senhor, que tem tenta<strong>do</strong> se colocar acima <strong>do</strong> bem e<br />

<strong>do</strong> mal, da lisura e da corrupção, da ética e <strong>de</strong> sua<br />

falta, <strong>de</strong>ve ter-se mira<strong>do</strong> em seu próprio exemplo<br />

<strong>de</strong> nor<strong>de</strong>stino pobre, que não teve na infância<br />

como estudar, mas que mesmo assim conseguiu<br />

chegar on<strong>de</strong> está no momento. Seu caso, no<br />

entanto, é único e não po<strong>de</strong> ser apresenta<strong>do</strong> como<br />

um paradigma para crianças, jovens, pais,<br />

professores e funcionários que lidam com a<br />

educação, enfim, para o país ou, no seu linguajar<br />

característico das <strong>do</strong>ninhas, para a “socieda<strong>de</strong> civil<br />

organizada”.<br />

Que palpite infeliz, sr Luiz! Ah, se Noel Rosa, o<br />

“Filósofo <strong>do</strong> Samba”, fosse ainda vivo! Quanta<br />

inspiração teria certamente encontra<strong>do</strong> no senhor<br />

para compor aquelas sátiras geniais com que<br />

criticava os costumes brasileiros nos anos 20 e 30<br />

<strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>, entre as quais “On<strong>de</strong> está a<br />

honestida<strong>de</strong>”, cuja letra perguntava assim “e o<br />

povo já pergunta com malda<strong>de</strong>: on<strong>de</strong> está a<br />

honestida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> está a honestida<strong>de</strong>”?<br />

Mesmo <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> à parte a honestida<strong>de</strong> e a<br />

<strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong>– finjamos esquecer, por exemplo,<br />

os 5 milhões <strong>de</strong> reais que a empresa <strong>de</strong> seu filho<br />

recebeu <strong>de</strong> uma opera<strong>do</strong>ra da área <strong>de</strong><br />

telecomunicações -, sua assertiva <strong>de</strong> que o<br />

bacharelato é <strong>de</strong>snecessário para alguém exercer<br />

com competência a presidência <strong>do</strong> país é uma séria<br />

agressão à honra <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os que estão envolvi<strong>do</strong>s<br />

com a educação, em to<strong>do</strong>s os seus níveis, à<br />

economia <strong>do</strong> país e, lamentavelmente, um <strong>de</strong>slize


ético imper<strong>do</strong>ável para o magistra<strong>do</strong> maior da<br />

nação!<br />

À honra, à dignida<strong>de</strong> e a valores<br />

insubstituíveis passa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> geração a geração,<br />

porque, ao ouvir aquela sua frase, como um pai, ou<br />

mãe, ou educa<strong>do</strong>r, po<strong>de</strong> incentivar uma criança ou<br />

um jovem a estudar, sem ter que, pelo menos,<br />

explicar que o senhor está erra<strong>do</strong>? Como louvar o<br />

mérito, se o senhor en<strong>de</strong>usa o <strong>de</strong>mérito? Como<br />

incensar o trabalho duro das tarefas ligadas ao<br />

estu<strong>do</strong> sério, se o senhor acen<strong>de</strong> velas para a<br />

ignorância? Sinceramente, é triste ser professor<br />

universitário (ou <strong>de</strong> qualquer outro nível), é triste<br />

ter um diploma <strong>de</strong> <strong>do</strong>utor obti<strong>do</strong> às custas <strong>de</strong><br />

enormes esforços e renúncias a prazeres <strong>do</strong>s mais<br />

diversos, em um país que tem como presi<strong>de</strong>nte<br />

alguém que pensa como o senhor... Por que o<br />

senhor, que teve pelo menos 30 anos para fazê-lo<br />

e se tinha aspirações políticas mais altas, não<br />

aproveitou to<strong>do</strong> aquele tempo para estudar? Só há<br />

uma resposta: por preguiça!<br />

É uma agressão à economia porque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

Irving Fischer, em 1910, <strong>de</strong>finiu capital como<br />

qualquer ativo que possa proporcionar fluxos <strong>de</strong><br />

rendimentos ao longo <strong>do</strong> tempo, abrin<strong>do</strong> caminho<br />

para outros pesquisa<strong>do</strong>res, tais como Theo<strong>do</strong>re<br />

Schultz e Gary Becker, meio século <strong>de</strong>pois,<br />

<strong>de</strong>senvolverem a Teoria <strong>do</strong> Capital Humano, sabese<br />

que os investimentos em educação melhoram a<br />

produtivida<strong>de</strong> econômica, bem como a<br />

“produtivida<strong>de</strong>” política, na medida em que<br />

formam mão <strong>de</strong> obra mais capacitada, tanto para<br />

produzir, como para fazer escolhas mais apuradas,<br />

nos campos econômico, político e social. Sr Inácio,<br />

por favor, olhe para o mun<strong>do</strong> – esse mesmo mun<strong>do</strong><br />

que o sr a<strong>do</strong>ra percorrer no novo Boeing da


Presidência da República – e observe, ou peça a<br />

alguém para dizer esta verda<strong>de</strong> irrefutável para o<br />

senhor, que educação é condição necessária para<br />

que uma nação possa <strong>de</strong>senvolver-se <strong>de</strong> forma<br />

auto-sustentada, ou seja, que não existe sequer<br />

um país hoje <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> que não tenha leva<strong>do</strong> a<br />

sério no passa<strong>do</strong> e que não esteja também<br />

tratan<strong>do</strong> com serieda<strong>de</strong> a questão da educação,<br />

embora haja alguns – como a sua amada Cuba –<br />

que, embora ten<strong>do</strong> investi<strong>do</strong> em educação, não<br />

conseguiram se <strong>de</strong>senvolver, porque lhes faltou e<br />

falta a suficiência da condição, presos que ficaram<br />

a regimes autoritários como o que o facínora Fi<strong>de</strong>l<br />

Castro impôs e continua impon<strong>do</strong> – com o seu<br />

aplauso - ao seu povo.<br />

Por fim, é evi<strong>de</strong>nte que a sua afirmativa é por<br />

si só um <strong>de</strong>slize ético bastante grave, na medida<br />

em que atribui valores injustos para quem estuda e<br />

para quem se empenha, como o autor <strong>de</strong>ste artigo<br />

e milhões <strong>de</strong> professores espalha<strong>do</strong>s por nosso<br />

território, e como mães e pais que <strong>de</strong>sejam ver os<br />

filhos progredirem intelectualmente. Ou não será<br />

falta <strong>de</strong> ética se uma professora ou mãe, ou mesmo<br />

um humil<strong>de</strong> funcionário <strong>de</strong> uma escola <strong>do</strong> primeiro<br />

grau, influencia<strong>do</strong> por sua frase e cansa<strong>do</strong> <strong>de</strong> tanto<br />

lutar, <strong>de</strong>r-se por venci<strong>do</strong> e disser ao aluno ou à<br />

filha algo como “<strong>de</strong>ixe esses livros <strong>de</strong> la<strong>do</strong>,<br />

Joãozinho, porque isso não dá futuro”... Pois o sr,<br />

ao pronunciar para o país inteiro aquela frase,<br />

embora talvez sem ter a exata consciência <strong>do</strong> que<br />

fazia, nem tampouco das dimensões que qualquer<br />

palavra vinda da boca <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte adquire,<br />

contribuiu <strong>de</strong>cisivamente para essa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sânimo em relação ao estu<strong>do</strong> que po<strong>de</strong>mos<br />

sentir em nossa juventu<strong>de</strong>!


A to<strong>do</strong>s os alunos, <strong>de</strong> todas ida<strong>de</strong>s – inclusive<br />

os meus queri<strong>do</strong>s alunos da UERJ, da FGV e da PUC<br />

– que vierem a ler este artigo <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> <strong>2005</strong>,<br />

peço que o passem adiante, como naquelas<br />

“correntes” que costumam circular no espaço da<br />

Internet. Só que esta é uma corrente para o bem,<br />

porque, como o dramaturgo britânico Addison<br />

observou há mais <strong>de</strong> trezentos anos, “o que a<br />

escultura é para um bloco <strong>de</strong> mármore, a educação<br />

é para o espírito”. O Brasil precisa, urgentemente,<br />

<strong>de</strong> presi<strong>de</strong>ntes humil<strong>de</strong>s e que ao mesmo tempo<br />

cultivem o espírito. Collor não tinha humilda<strong>de</strong>, a<br />

Fernan<strong>do</strong> Henrique escapava o mesmo <strong>do</strong>m, mas o<br />

sr, presi<strong>de</strong>nte, não tem nem humilda<strong>de</strong> e nem um<br />

mínimo necessário <strong>de</strong> sabe<strong>do</strong>ria!


<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 40 –<br />

Julho <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

GIÀ LO DICEVA DANTE...<br />

<strong>Iorio</strong><br />

<strong>Ubiratan</strong><br />

É curioso como muitas manifestações<br />

artísticas, como a pintura, a música, a escultura e a<br />

poesia, além, obviamente, da literatura, da<br />

comédia e da dramaturgia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mais remota<br />

antiguida<strong>de</strong> foram utilizadas como formas <strong>de</strong><br />

expressar <strong>de</strong>scontentamentos com <strong>de</strong>terminadas<br />

situações sociais, políticas e econômicas. Gregos e<br />

romanos, por exemplo, foram mestres nesse<br />

salutar empenho. Até russos e cubanos que,<br />

embora <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> alto senso artístico e literário,<br />

eram força<strong>do</strong>s a expressar suas críticas <strong>de</strong> forma<br />

oculta, nem por isso <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> faze-lo.<br />

A propósito <strong>de</strong> todas as espantosas evidências<br />

<strong>de</strong> corrupção que – felizmente – não têm saí<strong>do</strong> das<br />

manchetes, eis que emergiu, <strong>de</strong> algum canto <strong>de</strong><br />

minha infância alegrada por avós, mãe, tios, tias,<br />

primos e primas calabreses, uma frase <strong>de</strong> Dante


Alighieri (1265-1321), o maior <strong>do</strong>s poetas da<br />

nossa querida Itália, que, em sua obra mais<br />

conhecida, escreveu, com a acuida<strong>de</strong>, a sem<br />

cerimônia e o sarcasmo comuns aos gênios: “Ahi<br />

serva Itália/ di <strong>do</strong>lore ostello/ nave senza<br />

nocchiere in gran tempesta/ non <strong>do</strong>nna di<br />

province, ma bor<strong>de</strong>llo”! (“Oh, escravizada Itália/<br />

lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>cepções/ navio sem capitão em meio a<br />

gran<strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>/ mulher não respeitável, mas<br />

<strong>de</strong> bor<strong>de</strong>l” - Divina Commedia, Purgatorio, VI, 76-<br />

78).... Fosse Dante brasileiro e vivesse nos dias<br />

que correm, teria apenas o trabalho <strong>de</strong> substituir<br />

“Itália” por Brasil e ainda po<strong>de</strong>ria manter o que<br />

observou a respeito da condição humana na<br />

mesma obra (<strong>IV</strong>, 9): “Vassene ‘l tempo e l’uom non<br />

se n’avve<strong>de</strong>” (“Passa o tempo e o homem não o<br />

nota”).<br />

A corrupção é coisa velha, muito anterior ao<br />

gran<strong>de</strong> poeta florentino: nasceu com Adão e Eva e<br />

só irá <strong>de</strong>saparecer com o último <strong>do</strong>s mortais.<br />

Decorre da imperfeição humana e é apenas uma<br />

das manifestações <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> original. To<strong>do</strong>s<br />

sabemos disso, mesmo os que simulam não saber.<br />

Mas os homens sensatos apren<strong>de</strong>ram com o<br />

maior <strong>do</strong>s professores, que é a História da<br />

Civilização o que é possível fazer para reduzir a<br />

corrupção a níveis pelo menos suportáveis, ou,<br />

pelo menos, não revoltantes: que corrupção se<br />

combate, antes <strong>de</strong> qualquer outra arma, com a<br />

soli<strong>de</strong>z <strong>do</strong>s valores morais judaico-cristãos, tão<br />

ataca<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>svirtua<strong>do</strong>s hoje em dia e, na prática,<br />

com <strong>de</strong>mocracia, com balanceamento entre os três<br />

po<strong>de</strong>res e com <strong>de</strong>sconcentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político,<br />

econômico, administrativo e cultural. A corrupção é<br />

uma das conseqüências, ao la<strong>do</strong> da ineficiência<br />

econômica, da burocracia, da malversação <strong>do</strong>s


ecursos públicos e <strong>do</strong> fantasma da tributação<br />

excessiva, <strong>do</strong> gigantismo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, esse<br />

<strong>de</strong>vora<strong>do</strong>r contumaz <strong>de</strong> cidadãos, que exige<br />

formidáveis mun<strong>do</strong>s e proporciona mingua<strong>do</strong>s<br />

fun<strong>do</strong>s... A correlação entre tamanho <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e<br />

corrupção é direta, conclusiva, irreprochável,<br />

bastan<strong>do</strong>, para comprovar esta conclusão, ler os<br />

relatórios da International Transparency,<br />

encontráveis na internet.<br />

Se boa parcela da humanida<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>u a<br />

lição e passou a enten<strong>de</strong>r que o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser o<br />

menor possível e necessário para cada socieda<strong>de</strong>,<br />

parece que as inúmeras aulas – não aquelas<br />

ensinadas pelos professores marxistas que<br />

tomaram <strong>de</strong> assalto o ensino da matéria no Brasil,<br />

mas a própria História, como <strong>de</strong>finida por Ortega y<br />

Gasset -, em que isto foi ensina<strong>do</strong> foram cabuladas<br />

por nossos ditos homens públicos e por certos<br />

“intelectuais”, que <strong>de</strong> intelectuais mesmo só têm<br />

as aspas... De fato, o Esta<strong>do</strong> brasileiro encaixa-se<br />

perfeitamente no conheci<strong>do</strong> “para<strong>do</strong>xo” <strong>de</strong> Daniel<br />

Bell: é gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais para resolver os pequenos<br />

problemas e pequeno <strong>de</strong>mais para solucionar os<br />

gran<strong>de</strong>s problemas... Precisamos reformatá-lo com<br />

gran<strong>de</strong> urgência, para que possa “rodar” <strong>de</strong> novo a<br />

serviço <strong>do</strong>s contribuintes e para que <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong><br />

servir-se <strong>de</strong>les, aos olhos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s.<br />

O que mais causa <strong>de</strong>scrença, em to<strong>do</strong>s os<br />

tristes episódios que vêm revelan<strong>do</strong> claramente a<br />

verda<strong>de</strong>ira face <strong>do</strong> PT e <strong>de</strong> seus alia<strong>do</strong>s, tisnan<strong>do</strong><br />

em horário nobre toda a classe política (com<br />

pouquíssimas e honrosas exceções) e maculan<strong>do</strong> a<br />

nação com o rubor da vergonha, é que ninguém,<br />

até o presente momento, nem os próceres da dita<br />

“oposição” e nem muito menos os homens <strong>do</strong><br />

governo (estes sabidamente a<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>res <strong>do</strong>


Esta<strong>do</strong>-elefante), sequer mencionou a urgência,<br />

para que os níveis <strong>de</strong> corrupção <strong>de</strong>sçam aos<br />

primeiros <strong>de</strong>graus, <strong>de</strong> profundas reformas em<br />

nossas instituições, a começar pelo emagrecimento<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong> suas infinitas atribuições e a tomar<br />

forma com um fe<strong>de</strong>ralismo <strong>de</strong>scentraliza<strong>do</strong>r, que<br />

impeça Brasília <strong>de</strong> tornar-se o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os<br />

recursos, que para lá vão com o bilhete <strong>de</strong> ida<br />

garanti<strong>do</strong>, mas com o <strong>de</strong> volta em aberto e sujeito<br />

a to<strong>do</strong>s os tipos <strong>de</strong> negociatas espúrias para que<br />

possam chegar à frente da lista <strong>de</strong> espera e passar<br />

no check in.<br />

“Vassene ‘l tempo e l’uom non se<br />

n’avve<strong>de</strong>” . Já dizia o gran<strong>de</strong> Dante!


<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 39 –<br />

Junho <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

UM PT “ÉTICO” E UM POVO CÉTICO<br />

atan <strong>Iorio</strong><br />

Ubir<br />

Foi preciso que, após mais <strong>de</strong> vinte anos<br />

bradan<strong>do</strong> contra tu<strong>do</strong> e contra to<strong>do</strong>s, exigin<strong>do</strong><br />

CPIs para investigar até roubos <strong>de</strong> galinhas,<br />

calunian<strong>do</strong>, difaman<strong>do</strong> e execran<strong>do</strong>, muitas vezes<br />

irresponsavelmente, a honra alheia, o Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

Trabalha<strong>do</strong>res que não trabalham chegasse<br />

finalmente ao po<strong>de</strong>r, para que a formidável farsa<br />

fosse <strong>de</strong>smascarada, a impecável pose<br />

irremediavelmente arranhada e a horrenda nu<strong>de</strong>z<br />

<strong>de</strong> caráter – last but not least – revelada para<br />

to<strong>do</strong>s os que querem vê-la.<br />

A comédia começou quan<strong>do</strong>, já vitorioso nas<br />

eleições, o ex-parti<strong>do</strong> da “ética” revelou aos mais<br />

argutos (ou menos tapa<strong>do</strong>s) que, rigorosamente,


não dispunha <strong>de</strong> nenhum plano para governar o<br />

Brasil, algo que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos e meio, já se<br />

torna evi<strong>de</strong>nte até para os lorpas, pascácios e<br />

bovinos que acreditam em fisionomias carregadas<br />

forjan<strong>do</strong> serieda<strong>de</strong> e em barbas e cavanhaques<br />

<strong>de</strong>notan<strong>do</strong> honorabilida<strong>de</strong>.<br />

Após a surpresa <strong>de</strong>sagradável da montagem<br />

da máquina ministerial com trinta e cinco<br />

integrantes baten<strong>do</strong> cabeças uns com os outros,<br />

veio aquela viagem da ex-ministra Benedita da<br />

Silva para orar na Argentina com o nosso dinheiro,<br />

surgiu aquele prefeito petista <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong>zinha<br />

<strong>de</strong> Minas que, após três dias <strong>de</strong><br />

“<strong>de</strong>saparecimento”, o que chegou a mobilizar até<br />

ministros, aviões e recursos oficiais, foi encontra<strong>do</strong><br />

em um hotel, na companhia pouco – digamos –<br />

“ética” -, <strong>de</strong> duas prostitutas. Em seguida, o<br />

famoso “caso Wal<strong>do</strong>miro”, famoso para nós, porém<br />

sem a menor importância para os homens <strong>do</strong><br />

governo, da<strong>do</strong> o seu formidável empenho para que<br />

não fosse investiga<strong>do</strong> e caísse no esquecimento,<br />

não importa se com os “is” pinga<strong>do</strong>s ou não...<br />

Agora, esse caso <strong>de</strong> corrupção na ECT, com o<br />

mesmo <strong>de</strong>noda<strong>do</strong> esforço <strong>do</strong>s ex-<strong>do</strong>nos da ética<br />

para que não seja averigua<strong>do</strong>. Po<strong>de</strong>ríamos citar<br />

inúmeros outros exemplos <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> compostura<br />

pública e <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s imorais e anti-éticas por<br />

parte da caterva da estrelinha vermelha, sem que<br />

ao menos honrem a sua cor preferida e a<br />

manifestem, nem que seja por um mínimo <strong>de</strong><br />

vergonha.<br />

O PT é um parti<strong>do</strong> igualzinho aos outros<br />

existentes no Brasil, com a diferença <strong>de</strong> que<br />

nenhum <strong>de</strong>les <strong>de</strong>clarava-se monopolista e<br />

monopsonista da ética! Por isso, <strong>de</strong>ve ser mais<br />

cobra<strong>do</strong> <strong>do</strong> que os <strong>de</strong>mais. Quem bradava pela


abertura <strong>de</strong> CPIs agora fecha-se em copas, em<br />

ouros, espadas e paus – e abre-se em recursos<br />

públicos – para abafá-las; quem fazia <strong>do</strong> FMI<br />

eterno bo<strong>de</strong> expiatório, a ele recorreu em<br />

momento <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>; quem proclamava aos<br />

quatro – talvez, até, cinco ou seis – ventos que iria<br />

executar uma política econômica alternativa,<br />

limitou-se a seguir, endurecen<strong>do</strong>-a inclusive, a que<br />

foi posta em prática por Pedro Malan e Armínio<br />

Fraga; quem prometeu gerar “<strong>de</strong>z milhões <strong>de</strong><br />

empregos”, até o momento, limitou-se a empregar,<br />

na administração direta, no legislativo e nos<br />

dinossauros estatais, milhares e milhares <strong>de</strong><br />

“companheiros”, incluin<strong>do</strong>, logicamente, nesse<br />

tsunami avassala<strong>do</strong>r sobre os bolsos <strong>do</strong><br />

contribuinte, os candidatos petistas <strong>de</strong>fenestra<strong>do</strong>s<br />

pelo povo em 2002 e em 2004; quem jurou que iria<br />

reduzir a carga tributária, só fez aumentá-la; quem<br />

assegurou dar autonomia ao Banco Central, faz <strong>de</strong><br />

conta que não o prometeu; quem comprometeu-se<br />

a fazer reformas profundas na previdência, na<br />

estrutura <strong>de</strong> impostos e na legislação trabalhista<br />

dá agora <strong>de</strong> ombros, como se os 52 milhões <strong>de</strong><br />

votos da<strong>do</strong>s ao presi<strong>de</strong>nte-viajante nada<br />

representassem e como se promessas fossem<br />

apenas para aten<strong>de</strong>r ao velho dito <strong>de</strong> que<br />

“promete-se <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s<br />

[eleitoreiras] e paga-se <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as<br />

possibilida<strong>de</strong>s”.<br />

O PT – repitamos – no governo mostra que<br />

nunca passou <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> farsa, alimentada<br />

anos a fio pelos holofotes e microfones da mídia<br />

esquer<strong>do</strong>pata, fazen<strong>do</strong> com que o sonho – para<br />

nós, pesa<strong>de</strong>lo – <strong>do</strong> “Outro Mun<strong>do</strong> Possível” se<br />

transformasse na <strong>de</strong>cepção da mesmice que<br />

paralisa a economia <strong>do</strong> país há quase trinta anos.


As vozes mais po<strong>de</strong>rosas <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> alegam<br />

que as reformas não são realizadas porque o<br />

governo não dispõe <strong>de</strong> maioria estável no<br />

Congresso Nacional, argumento sem fundamento,<br />

que qualquer néscio po<strong>de</strong> refutar com uma<br />

pergunta: “será que vocês não sabiam disso antes,<br />

quan<strong>do</strong> estavam na oposição e barravam as<br />

mesmas reformas que hoje <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m”? Ou com<br />

outra: “vocês <strong>de</strong>sconhecem que os governos<br />

anteriores também não contavam com maioria<br />

estável”?<br />

Po<strong>de</strong>mos extrair duas lições <strong>do</strong> retumbante<br />

fracasso <strong>do</strong> “governo da esperança”: a primeira é<br />

que nada mu<strong>do</strong>u no quartel <strong>de</strong> Abrantes e a outra é<br />

que, seja o PT governo ou oposição, nada vai se<br />

alterar enquanto não implantarmos no Brasil uma<br />

reforma política <strong>de</strong> fôlego, com a instituição <strong>de</strong><br />

parti<strong>do</strong>s programáticos e não mostrarmos<br />

capacida<strong>de</strong> para estabelecer um fe<strong>de</strong>ralismo<br />

autêntico.<br />

Que bela palavra, a ética! Mas que não passa,<br />

para esses homens públicos que atuam no Brasil,<br />

<strong>de</strong> uma palavra... só uma palavra, nada mais.


<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 38 –<br />

Maio <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

RÓTULOS RÚTILOS<br />

<strong>Ubiratan</strong> <strong>Iorio</strong><br />

Des<strong>de</strong> que, na segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XIX,<br />

Nietzsche, em sua loucura, <strong>de</strong>cretou a “morte” <strong>de</strong><br />

Deus, o mun<strong>do</strong> passou a a<strong>de</strong>rir progressivamente<br />

ao relativismo moral, o rompimento das barreiras<br />

entre o certo e o erra<strong>do</strong> que, em nossa civilização,


sempre foram as da tradição judaico-cristã. O<br />

relativismo moral, a maior das pragas que assola o<br />

mun<strong>do</strong> contemporâneo, manifesta-se em to<strong>do</strong>s os<br />

campos da ação humana, da economia à sociologia,<br />

da política ao direito, da psicologia à história e até<br />

por parte <strong>de</strong> alguns membros e ex-membros da<br />

Igreja Católica e alguns rabinos, to<strong>do</strong>s auto<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> “progressistas”. O que era certo<br />

ou erra<strong>do</strong> passou a ser relativo, provocan<strong>do</strong> um<br />

giro <strong>de</strong> 180 graus nos valores morais<br />

anteriormente aceitos, testa<strong>do</strong>s e aprova<strong>do</strong>s: na<br />

economia, com Keynes, gastar passou a ser uma<br />

virtu<strong>de</strong> e poupar um vício; na psicologia, com<br />

Freud, se um homem possuía cinco amantes e<br />

antes sentia-se culpa<strong>do</strong>, a culpa passou a ser<br />

imputada à sua própria mãe; no direito, surgiu a<br />

mania <strong>de</strong> se interpretar a lei <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as<br />

circunstâncias; a criminalida<strong>de</strong> passou a ser<br />

atribuída não aos criminosos, mas à “socieda<strong>de</strong>”<br />

(capitalista, naturalmente) e o sexo passou a ser<br />

mera merca<strong>do</strong>ria...<br />

A <strong>de</strong>sinformação que assola o mun<strong>do</strong>,<br />

alimentada pela maioria gramsciana que controla<br />

os meios <strong>de</strong> comunicação, estabeleceu, com<br />

bastante competência, uma linguagem que to<strong>do</strong>s<br />

os que não têm o hábito <strong>de</strong> pensar sentem-se<br />

obriga<strong>do</strong>s a utilizar, sob pena <strong>de</strong> serem fulmina<strong>do</strong>s<br />

por rútilos olhares enraiveci<strong>do</strong>s e passarem a ser<br />

persegui<strong>do</strong>s como se fossem marginais. Um <strong>de</strong>sses<br />

carimbos é o <strong>de</strong> ser “conserva<strong>do</strong>r”, algo que<br />

equivale a <strong>de</strong>clarar que a genitora <strong>do</strong> rotula<strong>do</strong><br />

exerce a mais antiga das profissões... Se você é um<br />

conserva<strong>do</strong>r no mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> hoje, se é católico e<br />

aceita os “<strong>do</strong>gmas” <strong>do</strong> Vaticano, se é um<br />

economista orto<strong>do</strong>xo e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

fiscal por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, se é uma moça que<br />

preza a virginda<strong>de</strong> antes <strong>do</strong> casamento, então o


elativismo moral e a esquer<strong>do</strong>patia que assolam<br />

nosso atrasadíssimo continente, com sua baba<br />

bovina e elástica, afirmam que você é um<br />

fundamentalista e passam a persegui-lo e a<br />

boicotá-lo: é um(a) retrógra<strong>do</strong>(a)! Assim pensam<br />

sociólogos, jornalistas, psicanalistas, politicólogos<br />

e outros <strong>de</strong>fensores <strong>do</strong> socialismo e <strong>do</strong> relativismo<br />

moral, <strong>do</strong>is companheiros que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m um <strong>do</strong><br />

outro.<br />

Em nome <strong>de</strong> uma pretensa “diversida<strong>de</strong>”<br />

cultural, política e moral, essa gente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma<br />

Igreja “mo<strong>de</strong>rna”, o que significa – em poucas<br />

palavras – uma enorme ONG, com to<strong>do</strong>s os vícios<br />

da esquer<strong>do</strong>patia crônica e incurável que a maioria<br />

<strong>de</strong>ssas organizações ostentam. Defen<strong>de</strong>m o micoleão<br />

<strong>do</strong>ura<strong>do</strong> com unhas e <strong>de</strong>ntes, ao mesmo<br />

tempo em que são favoráveis à eutanásia e ao<br />

aborto; lutam contra a <strong>de</strong>scriminalização das<br />

drogas, concomitantemente a seus vorazes<br />

ataques a quem briga por valores morais e<br />

religiosos e pela família, únicas formas <strong>de</strong><br />

combater o mal pela raiz; enfim, são incoerentes,<br />

inconsistentes e incompetentes.<br />

Interessante é que ser conserva<strong>do</strong>r, para um<br />

católico, é preservar os ensinamentos <strong>de</strong> Cristo,<br />

que são eternos; para um economista, é também<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a ética da poupança e <strong>do</strong> trabalho duro;<br />

para um cônjuge fiel, é manter-se <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s<br />

padrões morais que forjaram a nossa civilização e,<br />

para uma moça casta, é saber valorizar-se<br />

moralmente como mulher.<br />

Vivemos em um mun<strong>do</strong> em que <strong>de</strong>feitos<br />

<strong>de</strong>correntes da condição humana passaram a ser<br />

trata<strong>do</strong>s bombasticamente como virtu<strong>de</strong>s e<br />

virtu<strong>de</strong>s a serem rotuladas <strong>de</strong> “conserva<strong>do</strong>rismo”.


Alguns que se dizem teólogos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m<br />

abertamente o uso <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s anticoncepcionais,<br />

as experiências com embriões humanos, a invasão<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s alheias, o matrimônio entre<br />

pessoas <strong>do</strong> mesmo sexo e, até, o aborto, o mais<br />

covar<strong>de</strong> <strong>do</strong>s assassinatos. Na economia, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m<br />

o Esta<strong>do</strong> paquidérmico e gasta<strong>do</strong>r, sempre em<br />

nome <strong>de</strong> um “social” que lhes serve <strong>de</strong><br />

camuflagem para suas intenções <strong>de</strong> construir o<br />

“outro mun<strong>do</strong> possível”, isto é, o socialismo. Quem<br />

segue a <strong>do</strong>utrina reta da Igreja – que, volto a<br />

afirmar, é eterna -, ou quem procura, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

suas limitações, viver uma vida virtuosa, é<br />

conserva<strong>do</strong>r, retrógra<strong>do</strong> e fundamentalista; mas<br />

quem <strong>de</strong>svirtua a <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong> Cristo, moldan<strong>do</strong>-a<br />

hereticamente ao marxismo, ou <strong>de</strong>dica-se aos<br />

prazeres <strong>do</strong> he<strong>do</strong>nismo, ou ainda, na economia,<br />

bate-se por um Esta<strong>do</strong> interventor e gasta<strong>do</strong>r, este<br />

é consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, progressista e aberto... De<br />

fato, atuam a favor <strong>do</strong> progresso... <strong>do</strong> retrocesso.<br />

Vida longa para Bento XVI, fiel combatente<br />

contra o relativismo moral e o socialismo. Com ele<br />

no coman<strong>do</strong> da Igreja <strong>de</strong> Cristo, os católicos e<br />

cristãos em geral po<strong>de</strong>rão sentir-se tranqüilos,<br />

saben<strong>do</strong> que terão o respal<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua autorida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sucessor legítimo <strong>do</strong> trono <strong>de</strong> Pedro, para<br />

combaterem, sem qualquer receio <strong>de</strong><br />

patrulhamento e falsos respeitos humanos, o bom<br />

combate.


<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 37 –<br />

Abril <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

A ECONOMIA POLÍTICA DE JOÃO DE<br />

DEUS<br />

<strong>Ubiratan</strong> <strong>Iorio</strong>


INTRODUÇÃO<br />

O recente falecimento <strong>do</strong> Santo Padre<br />

João Paulo II, o Gran<strong>de</strong>, tem suscita<strong>do</strong> discussões<br />

– alimentadas pela indústria da <strong>de</strong>sinformação –<br />

sobre a escolha <strong>de</strong> seu sucessor no trono <strong>de</strong> São<br />

Pedro. Entre estas, <strong>de</strong>stacam-se as que colocam o<br />

papa polonês no rol <strong>do</strong>s “conserva<strong>do</strong>res” e as que<br />

o carimbam com o rótulo <strong>de</strong> progressista. Nada<br />

mais impróprio para tentar <strong>de</strong>signar o<br />

representante <strong>de</strong> Cristo na terra, uma vez que<br />

Jesus nos falou <strong>de</strong> um reino que não pertence a<br />

este mun<strong>do</strong> e <strong>de</strong> uma vida que transcen<strong>do</strong> os 80,<br />

90 anos que <strong>de</strong>correm entre o nascimento e a<br />

morte <strong>de</strong> uma pessoa, porque nos fala da vida<br />

eterna.<br />

A Doutrina Social , ou Ensino Social ou,<br />

ainda, Magistério Social da Igreja, conjunto <strong>de</strong><br />

ensinamentos conti<strong>do</strong>s em diversas encíclicas e<br />

pronunciamentos papais, ten<strong>do</strong> em vista orientar<br />

a atuação <strong>do</strong>s católicos na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna,<br />

iniciou-se com a Rerum Novarum <strong>de</strong> Leão XIII, <strong>de</strong><br />

1891 e foi ao longo <strong>do</strong> século XX passan<strong>do</strong> por um<br />

processo <strong>de</strong> aggiornamento, <strong>do</strong> qual participaram<br />

to<strong>do</strong>s os seus sucessores na cátedra <strong>de</strong> São Pedro,<br />

com exceção <strong>de</strong> João Paulo I, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, ao seu curtíssimo pontifica<strong>do</strong>,<br />

Nos últimos vinte e seis anos, João Paulo<br />

II não apenas manteve, como aprimorou e fez<br />

crescer a preocupação da Igreja com as relações<br />

econômicas e sociais, apontan<strong>do</strong>, em três<br />

encíclicas, os caminhos que os cristãos po<strong>de</strong>m e<br />

<strong>de</strong>vem seguir para harmonizar suas ativida<strong>de</strong>s<br />

cada vez mais complexas no mun<strong>do</strong> da economia<br />

com os princípios morais eternos, conti<strong>do</strong>s nos


Santos Evangelhos e nas cartas e atos escritos<br />

pelos primeiros apóstolos.<br />

Não é nosso objetivo neste artigo<br />

apresentar em sua integrida<strong>de</strong> a Doutrina Social da<br />

Igreja, nem tampouco o <strong>de</strong> mostrar toda a Teoria<br />

Econômica. Desejamos apenas evi<strong>de</strong>nciar, <strong>de</strong><br />

uma forma breve, partin<strong>do</strong>, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, <strong>de</strong><br />

princípios basilares forneci<strong>do</strong>s pelos últimos<br />

Pontífices – especialmente os conti<strong>do</strong>s na<br />

Centesimus Annus, <strong>do</strong> Papa Wojtila – e, <strong>de</strong> outro,<br />

<strong>de</strong> fundamentos econômicos também essenciais –<br />

marcadamente os forneci<strong>do</strong>s pela chamada Escola<br />

Austríaca <strong>de</strong> Economia – como é plenamente<br />

possível harmonizar ambos os ensinamentos, o que<br />

permite conciliar os atos econômicos que to<strong>do</strong>s<br />

cotidianamente praticamos com condutas voltadas<br />

para a dignificação da pessoa humana.<br />

1. DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA E PRAXEOLOGIA<br />

COMO PROCESSOS<br />

A economia é apenas um <strong>do</strong>s elementos <strong>do</strong><br />

complexo sistema que abrange o campo das<br />

ativida<strong>de</strong>s humanas. De fato, este último é<br />

forma<strong>do</strong> pela integração <strong>de</strong> três gran<strong>de</strong>s macrosistemas:<br />

o econômico, o político e o ético-moralcultural.<br />

Como diz textualmente João Paulo II, “se<br />

ela (a economia) for absolutizada, se a produção e<br />

o consumo das coisas acabar por ocupar o centro


da vida social, tornan<strong>do</strong>-se o único valor<br />

verda<strong>de</strong>iro da socieda<strong>de</strong>, não subordina<strong>do</strong> a<br />

nenhum outro, a causa (<strong>do</strong> envenenamento das<br />

socieda<strong>de</strong>s) terá <strong>de</strong> ser procurada não tanto no<br />

próprio sistema econômico, quanto no fato <strong>de</strong> que<br />

to<strong>do</strong> o sistema sócio-cultural, ignoran<strong>do</strong> a<br />

dimensão ética e religiosa, ficou <strong>de</strong>bilita<strong>do</strong>,<br />

limitan<strong>do</strong>-se apenas à produção <strong>do</strong>s bens e <strong>do</strong>s<br />

serviços”.<br />

Lembremos que Sua Santida<strong>de</strong>, ao afirmar que<br />

a mo<strong>de</strong>rna economia empresarial comporta<br />

diversos aspectos positivos, enfatiza que a raiz <strong>de</strong><br />

tal processo <strong>de</strong>ve ser a liberda<strong>de</strong> da pessoa<br />

humana, ressaltan<strong>do</strong> que a mesma se exprime não<br />

apenas no campo econômico, mas em muitos<br />

outros. Assim, “a economia, <strong>de</strong> fato, é apenas um<br />

setor da multiforme ativida<strong>de</strong> humana e nela,<br />

como em qualquer outro campo, vale o direito à<br />

liberda<strong>de</strong>, da mesma forma que o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> a usar<br />

responsavelmente “ .<br />

Eis a primeira gran<strong>de</strong> semelhança<br />

meto<strong>do</strong>lógica entre a Doutrina Social e a<br />

Praxeologia, que é o estu<strong>do</strong> da ação humana nos<br />

seus diversos campos <strong>de</strong> existência: <strong>de</strong>vemos<br />

analisar uma das categorias praxeológicas, a<br />

saber, as escolhas que constituem os atos<br />

econômicos, sem <strong>de</strong>svinculá-la <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>mais<br />

dimensões, tanto as <strong>de</strong> natureza política, quanto as<br />

<strong>de</strong> caráter sociológico, psicológico, histórico e, last<br />

but not least, ético-morais-culturais.<br />

A segunda similarida<strong>de</strong> está no fato <strong>de</strong> que<br />

tanto a Praxeologia quanto a Doutrina Social<br />

enfatizam o caráter subjetivo das escolhas que<br />

somos leva<strong>do</strong>s a fazer em todas as nossas<br />

ativida<strong>de</strong>s e que nos são condicionadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que


começamos, na mais tenra infância, a adquirir<br />

consciência das coisas, fatos e atos, até o<br />

momento em que o Senhor nos chamar para<br />

prestarmos conta <strong>de</strong> nossas ações durante o tempo<br />

que nos será concedi<strong>do</strong> neste mun<strong>do</strong>.<br />

A terceira compatibilização está no<br />

individualismo meto<strong>do</strong>lógico, expresso na<br />

<strong>do</strong>utrina reta da Igreja pelo princípio da liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> escolha ou livre arbítrio e enfatiza<strong>do</strong> pela Teoria<br />

Econômica da Escola Austríaca quan<strong>do</strong> ressalta que<br />

as escolhas, regidas pelo princípio básico ou<br />

axioma da ação humana – <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como qualquer<br />

ato voluntário que se pratica (ou se <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

praticar) no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se passar <strong>de</strong> um esta<strong>do</strong><br />

menos satisfatório para um esta<strong>do</strong> mais<br />

satisfatório – são feitas por indivíduos, por<br />

empresas, por agentes microeconômicos e não por<br />

gran<strong>de</strong>s agrega<strong>do</strong>s, ou por coletivos imaginários,<br />

tais como “classes” , “países” e assemelha<strong>do</strong>s.<br />

A quarta semelhança está, indubitavelmente,<br />

no respeito ao Princípio da Subsidiarieda<strong>de</strong>,<br />

comum à Doutrina Social da Igreja e aos<br />

economistas “austríacos” e liberais-conserva<strong>do</strong>res,<br />

<strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> geral.<br />

O que vai ditar, no plano mais prático, a<br />

diferença entre a Economia Personalista e a<br />

meramente individualista, <strong>de</strong>fendida pelos que<br />

consi<strong>de</strong>ram o merca<strong>do</strong> como um “<strong>de</strong>us”, é o<br />

caráter moral das escolhas, já que <strong>de</strong>vemos<br />

distinguir o individualismo meto<strong>do</strong>lógico <strong>do</strong><br />

egoísmo, da corrupção, da inveja, da preguiça e <strong>de</strong><br />

outros vícios, que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminar<br />

subjetivamente a qualida<strong>de</strong> moral das escolhas.


No complexo mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s atos econômicos, há<br />

<strong>de</strong>terminantes objetivos, tais como renda, taxas <strong>de</strong><br />

juros, taxas <strong>de</strong> câmbio e muitos outros, que<br />

influenciam as escolhas, mas há, <strong>de</strong>certo – e é uma<br />

pena que, <strong>de</strong>ntre as diversas escolas <strong>de</strong><br />

pensamento econômico, apenas a Austríaca mostre<br />

preocupações permanentes com isto –,<br />

<strong>de</strong>terminantes subjetivos. Entre estes, po<strong>de</strong>mos<br />

listar a insuficiência e dispersão <strong>de</strong> nosso<br />

conhecimento; a incerteza genuína (não<br />

probabilística) <strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes; o próprio axioma<br />

da ação humana; a percepção diferente que cada<br />

agente tem das oportunida<strong>de</strong>s que os merca<strong>do</strong>s<br />

oferecem e o conceito <strong>de</strong> tempo dinâmico (ou<br />

subjetivo, ou real, ou à la Bergson), em que o<br />

tempo, tal como se nos apresenta no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

negócios e <strong>do</strong>s nossos <strong>de</strong>mais atos, contém as<br />

características <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> dinâmica,<br />

heterogeneida<strong>de</strong> e eficácia causal, o que o <strong>de</strong>fine<br />

como um fluxo contínuo <strong>de</strong> novas experiências,<br />

fluxo esse que é o tempo, e não simplesmente<br />

“está” no tempo, tal como no conceito estático ou<br />

newtoniano.<br />

Esse complexo conjunto <strong>de</strong> características<br />

que enfeixam as ativida<strong>de</strong>s econômicas (e, <strong>de</strong> um<br />

mo<strong>do</strong> abrangente, envolvem to<strong>do</strong>s os atos<br />

humanos) leva-nos a concluir que os merca<strong>do</strong>s<br />

po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como processos<br />

<strong>de</strong> tentativas e erros, processos que – admitida a<br />

característica <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s agentes -<br />

ten<strong>de</strong>m para um equilíbrio ao longo <strong>do</strong> tempo,<br />

equilíbrio que, contu<strong>do</strong>, jamais será atingi<strong>do</strong>, uma<br />

vez que, como o tempo é um fluxo contínuo <strong>de</strong><br />

novas experiências, a cada instante nosso estoque<br />

<strong>de</strong> conhecimentos (ou memória) é altera<strong>do</strong>, o que<br />

significa que nossas expectativas, avaliações e,<br />

conseqüentemente, nossas escolhas também


sofrem alterações contínuas conforme os ponteiros<br />

<strong>do</strong> relógio giram (6), tal como no velho dito<br />

popular “viven<strong>do</strong> e apren<strong>de</strong>n<strong>do</strong>”.<br />

3. OS ENSINAMENTOS ECONÔMICOS DE JOÃO PAULO<br />

II<br />

A Doutrina Social da Igreja – e, nestes tempos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sinformação preconcebida, é importante<br />

frisarmos isto – não pertence ao âmbito das<br />

i<strong>de</strong>ologias, mas ao da teologia, especialmente ao<br />

campo da teologia moral. A <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>ste<br />

importante fato tem leva<strong>do</strong> a confusões que seriam<br />

perfeitamente evitáveis. É neste contexto,<br />

portanto, que as três encíclicas <strong>de</strong>nominadas<br />

“sociais” <strong>do</strong> recém-faleci<strong>do</strong> Pontífice – a Laborem<br />

Exercens (LE), <strong>de</strong> 1981, a Sollicitu<strong>do</strong> Rei Socialis<br />

(SRS), <strong>de</strong> 1988 e a mais famosa <strong>de</strong>las, a<br />

Centesimus Annus (CE), <strong>de</strong> 1991 – são exemplos<br />

insofismáveis <strong>do</strong> caráter <strong>de</strong> teologia moral <strong>de</strong> que<br />

se reveste a DSI.<br />

Laborem Exercens<br />

Nesta encíclica, o Papa ressalta a importância<br />

da co-proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> produção, sem<br />

qualquer referência a que isto implique “direitos<br />

<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res”, mas com ênfase na empresa<br />

privada e na economia <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>.<br />

O segun<strong>do</strong> aspecto importante <strong>de</strong>sta encíclica<br />

é o realce à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana como um<br />

critério para estabelecimento <strong>de</strong> salários justos,


mas sem qualquer alusão opinativa sobre<br />

eventuais critérios <strong>de</strong> política econômica para<br />

obter tal objetivo.<br />

O terceiro ponto é que, embora o Papa tenha<br />

escrito “temperatio” em latim (que po<strong>de</strong> significar<br />

“disposição” ou “or<strong>de</strong>nação”), a palavra foi<br />

traduzida como “planificação”, mas o fato é que<br />

João Paulo II jamais preten<strong>de</strong>u recomendar um<br />

sistema <strong>de</strong> planificação central <strong>de</strong> viés socialista,<br />

mesmo porque fez questão <strong>de</strong> afirmar que esta<br />

“temperatio” <strong>de</strong>ve subordinar-se à iniciativa das<br />

pessoas. (grifo nosso)<br />

O contexto teológico abrangente da LE<br />

permite que compreendamos o impulso que toma o<br />

tema da iniciativa privada em <strong>do</strong>cumentos<br />

posteriores elabora<strong>do</strong>s pelo Papa. O capítulo II da<br />

LE ressalta a relação fundamental <strong>do</strong> homem com o<br />

trabalho, quan<strong>do</strong> anuncia o relato da criação <strong>do</strong><br />

homem <strong>de</strong>scrito no Gênesis: Deus dá ao homem<br />

um mandato, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sua natureza, <strong>de</strong><br />

“submeter e <strong>do</strong>minar” a terra. E observemos que<br />

isto pertence a um contexto <strong>de</strong> antropologia<br />

teológica característico <strong>do</strong> núcleo central da DSI,<br />

quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>staca o caráter co-cria<strong>do</strong>r <strong>do</strong> homem e<br />

implica que a expressão “iniciativa privada” não<br />

seja empregada aci<strong>de</strong>ntalmente no pensamento<br />

social católico.<br />

Sollicitu<strong>do</strong> Res Socialis<br />

Escrita em 1988 – portanto, antes da queda <strong>do</strong><br />

muro <strong>de</strong> Berlim e da tirania soviética que tanto<br />

afligiram um jovem polonês que teve que enfrentar<br />

os <strong>do</strong>is piores tipos <strong>de</strong> totalitarismo <strong>do</strong> século<br />

passa<strong>do</strong>, o nazismo e o comunismo – a SRS inova


ao agregar o conceito <strong>de</strong> direito à livre iniciativa<br />

econômica, o que parecia na época uma novida<strong>de</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> na verda<strong>de</strong> João Paulo II apenas retomava<br />

uma tradição <strong>de</strong> Leão XII, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u os direitos<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Pio XI, que insistiu no Princípio<br />

da Subsidiarieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Pio XII, que chegou a<br />

escrever que a economia é o fruto da livre<br />

iniciativa <strong>do</strong>s indivíduos e <strong>de</strong> João XXIII, que <strong>de</strong>u à<br />

iniciativa privada a “parte principal”no<br />

or<strong>de</strong>namento econômico.<br />

A crítica ao capitalismo “liberal” (não<br />

conserva<strong>do</strong>r, libertário) sempre foi uma<br />

característica <strong>do</strong> Magistério da Igreja e, na SRS,<br />

João Paulo II, que já havia <strong>de</strong>sautoriza<strong>do</strong> a<br />

chamada Teologia da Libertação, inclusive<br />

advertin<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>do</strong> em riste um <strong>de</strong> seus mais<br />

ar<strong>do</strong>rosos <strong>de</strong>fensores, em visita à América Central.<br />

Mas essa posição da DSI não significa, nem <strong>de</strong><br />

longe, uma crítica ou uma negação aos valores <strong>do</strong><br />

capitalismo ou <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> em si próprios, porém a<br />

um capitalismo sem uma <strong>de</strong>marcação jurídicainstitucional<br />

voltada para o bem comum, para a<br />

dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.<br />

Centesimus Annus<br />

Na mais importante <strong>de</strong> suas encíclicas sociais,<br />

a Centesimus Annus, <strong>de</strong> 1991, o Papa elabora uma<br />

nova interpretação da iniciativa, da capacida<strong>de</strong><br />

empresarial, <strong>do</strong> lucro e <strong>do</strong> próprio sistema<br />

capitalista <strong>de</strong> produção, fundamentan<strong>do</strong> sua<br />

interpretação nos princípios, que sempre foram<br />

caros ao Cristianismo, da <strong>de</strong>stinação universal <strong>do</strong>s<br />

bens e da proprieda<strong>de</strong> privada individual.


Ao analisar esta última, o Papa salienta a<br />

importância <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> que<br />

transcen<strong>de</strong> a <strong>de</strong>finição tradicional <strong>de</strong> capital, que é<br />

a proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> conhecimento, da técnica e <strong>do</strong><br />

saber, que vem a ser a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar<br />

processos produtivos que envolvam cada vez mais<br />

indivíduos, <strong>de</strong> forma a satisfazer as necessida<strong>de</strong>s<br />

<strong>do</strong> homem mo<strong>de</strong>rno, bem como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

assumir responsável e realisticamente os riscos<br />

necessários. João Paulo II <strong>de</strong>fine esta forma <strong>de</strong><br />

propriedada<strong>de</strong> como capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa ou<br />

empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>ra e tal consi<strong>de</strong>ração representa um<br />

importante passo adiante da<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina social<br />

na interpretação da história contemporânea, pelo<br />

<strong>de</strong>staque que dá ao la<strong>do</strong> criativo e subjetivo <strong>do</strong><br />

trabalho humano, à inteligência e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

assumir riscos e <strong>de</strong>scobrir novas oportunida<strong>de</strong>s no<br />

processo <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, que possam oferecer<br />

respostas mais eficientes a muitos problemas<br />

humanos ainda não soluciona<strong>do</strong>s.<br />

A raiz ética e cultural da economia<br />

empresarial mo<strong>de</strong>rna é a liberda<strong>de</strong> integral da<br />

pessoa humana, no centro da qual está sua<br />

dimensão ética e religiosa, assentada em um sóli<strong>do</strong><br />

contexto político-jurídico, que seja capaz <strong>de</strong><br />

prevenir danos e <strong>de</strong>generações e <strong>de</strong> reduzir ao<br />

mínimo os efeitos in<strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s.<br />

O Pontífice, porém, embora nos lembre que o<br />

homem foi cria<strong>do</strong> para a liberda<strong>de</strong>, carrega consigo<br />

o sinal <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> original, que o torna<br />

permanentemente necessita<strong>do</strong> <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção. Como<br />

observa Felice, trata-se <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong> que não é<br />

apenas parte da mensagem cristã, mas <strong>de</strong> um<br />

importante valor hermenêutico, na medida em que<br />

traça um retrato concreto da realida<strong>de</strong> humana.<br />

Ora, se os indivíduos não são perfeitos, então as<br />

socieda<strong>de</strong>s também não são perfeitas. Portanto, o<br />

equilíbrio <strong>de</strong> um or<strong>de</strong>namento social <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>


<strong>de</strong>ssa falibilida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> e, <strong>de</strong> outro, da<br />

medida em que os sujeitos individuais que<br />

constituem a socieda<strong>de</strong> mostram-se mais ou<br />

menos capazes <strong>de</strong> fazerem uma síntese contínua<br />

entre os interesses pessoais e o interesse<br />

comunitário. Como po<strong>de</strong>mos ler na Centesimus<br />

Annus:<br />

“L’uomo ten<strong>de</strong> verso il bene ma è pure capace<br />

di male; può trascen<strong>de</strong>re il suo interesse<br />

immediato e, tuttavia, rimanere a esso legato...[...]<br />

Quan<strong>do</strong> gli uomini ritengono di posse<strong>de</strong>re il<br />

segreto di un’organizzazione sociale perfetta che<br />

ren<strong>de</strong> impossibile il male, ritengono anche di<br />

potenziare tutti i mezzi, anche la violenza o la<br />

menzogna, per realizzarla. La politica diventa<br />

allora uma “religione secolare”, che si illu<strong>de</strong> di<br />

costruire il paradiso in questo mon<strong>do</strong>”.<br />

COMENTÁRIOS FINAIS<br />

A solução para o mun<strong>do</strong> pós-1989,<br />

expressa claramente no parágrafo 42 da<br />

Centesimus Annus, consi<strong>de</strong>ra uma importante<br />

distinção entre <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> capitalismo, um,<br />

bastante <strong>de</strong>sejável, fundamenta<strong>do</strong> no papel<br />

positivo <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> pela empresa mo<strong>de</strong>rna,<br />

pelo merca<strong>do</strong>, pela proprieda<strong>de</strong> privada e pela<br />

liberda<strong>de</strong> responsável que motiva as ações das<br />

pessoas e ancora<strong>do</strong> em um sóli<strong>do</strong> sistema jurídico<br />

e a um i<strong>de</strong>al da<strong>do</strong> pela verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus a respeito<br />

<strong>do</strong> homem; o outro, extremamente negativo, sem<br />

estar ancora<strong>do</strong> a um sóli<strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> regras <strong>de</strong>


justa conduta à liberda<strong>de</strong> característica <strong>de</strong>ssas<br />

regras, distancia<strong>do</strong> da verda<strong>de</strong> divina sobre o<br />

homem e sem estar a serviço da liberda<strong>de</strong> humana<br />

integral, cujo centro <strong>de</strong>ve ser ético e religioso.<br />

A importância que a Doutrina Social dá ao<br />

espírito <strong>de</strong> iniciativa e à capacida<strong>de</strong><br />

empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>ra provém <strong>do</strong> <strong>de</strong>staque que o<br />

Cristianismo sempre atribuiu à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

iluminar os homens através da virtu<strong>de</strong> e ao fato<br />

<strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s pressuporem virtu<strong>de</strong>s como a<br />

diligência, a fortaleza, a laboriosida<strong>de</strong>, a<br />

prudência, a confiança e a solidarieda<strong>de</strong>, que<br />

preparam o espírito para enfrentar com a<br />

armadura cristã os <strong>de</strong>safios das <strong>de</strong>cisões difíceis e<br />

<strong>do</strong>lorosas e <strong>do</strong>s revezes da vida.<br />

Assim, para João Paulo II, a economia<br />

mo<strong>de</strong>rna, com seu caráter personalista, merece a<br />

atenção e o reconhecimento <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os cristãos,<br />

porque seus fundamentos são construí<strong>do</strong>s sobre a<br />

rocha sólida da liberda<strong>de</strong> da pessoa humana,<br />

liberda<strong>de</strong> que se exprime tanto no campo<br />

econômico como nos campos político e religioso. A<br />

economia <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> não po<strong>de</strong> ser separada <strong>do</strong>s<br />

valores morais e culturais que alimentam não<br />

apenas a virtu<strong>de</strong>, mas os valores <strong>do</strong>s quais<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a sua própria existência, o que leva João<br />

Paulo II a situá-la a serviço da liberda<strong>de</strong> humana<br />

integral, cujo centro é <strong>de</strong> natureza ético-religiosa.<br />

A ética da ação humana que a aceitação<br />

da Doutrina Social da Igreja produz nos campos<br />

econômico e político é muito mais ampla <strong>do</strong> que as<br />

questões meramente redistributivas, que sempre<br />

foram a tônica <strong>do</strong>s argumentos da esquerda e é<br />

plenamente capaz <strong>de</strong>, mediante o conhecimento<br />

crítico <strong>do</strong>s meios, estabelecer objetivos <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>namento social cujo ator central seja a<br />

liberda<strong>de</strong> humana integral e <strong>de</strong> estimular<br />

a<strong>de</strong>quadamente o <strong>de</strong>senvolvimento econômico, a


liberda<strong>de</strong> política e o aperfeiçoamento <strong>do</strong> sistema<br />

ético-cultural.<br />

Observemos que o Cristianismo existe há <strong>do</strong>is<br />

milênios; portanto, historicamente, é anterior à<br />

economia <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> e não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>la para<br />

continuar existin<strong>do</strong>, inclusive porque, segun<strong>do</strong><br />

palavras <strong>de</strong> seu próprio Funda<strong>do</strong>r, será eterno,<br />

pois Ele estará conosco até o fim <strong>do</strong>s tempos.<br />

Já a economia <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, para que seja<br />

capaz <strong>de</strong> gerar aquele tipo <strong>de</strong> capitalismo<br />

incentiva<strong>do</strong> pela Doutrina Social, precisa<br />

incorporar em suas relações na socieda<strong>de</strong> o<br />

sistema moral proposto pelo Cristianismo e que é<br />

realiza<strong>do</strong>r da liberda<strong>de</strong> integral da pessoa humana.<br />

Se não o fizer, se basear-se em uma visão cética<br />

em relação à missão a que to<strong>do</strong>s os humanos são<br />

chama<strong>do</strong>s a cumprir no mun<strong>do</strong>, ou, pior ainda, se<br />

a<strong>do</strong>tar em suas relações sociais o relativismo<br />

moral, tão bem analisa<strong>do</strong> e critica<strong>do</strong> por Paul<br />

Johnson em “Tempos Mo<strong>de</strong>rnos”, terminará<br />

fazen<strong>do</strong> germinar aquele capitalismo negativo,<br />

alheio à justiça porque carente <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> justa<br />

conduta, avesso à verda<strong>de</strong>ira liberda<strong>de</strong> porque<br />

estimula<strong>do</strong>r <strong>de</strong> privilégios e distante da verda<strong>de</strong><br />

divina porque mais afeito à corrupção e a outros<br />

vícios.<br />

Se examinarmos atentamente a situação da<br />

América Latina e <strong>de</strong> outras regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />

veremos que, infelizmente, é o tipo negativo <strong>de</strong><br />

capitalismo que prevalece, ao qual sequer<br />

po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> economia <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> ou <strong>de</strong><br />

liberalismo econômico. Na verda<strong>de</strong>, em diversos<br />

aspectos, a América Latina ainda vive uma fase<br />

pré-capitalista, algo entre o mercantilismo e o<br />

capitalismo, com todas as nuances conhecidas <strong>de</strong><br />

patrimolianlismo, coronelismo, protecionismo,<br />

estatismo, populismo e falso nacionalismo.


Uma outra questão interessante que surge <strong>de</strong><br />

uma reflexão sobre a Doutrina Social e que precisa<br />

<strong>de</strong> respostas concretas é a <strong>de</strong> como se po<strong>de</strong><br />

incentivar uma comunida<strong>de</strong> sem causar danos à<br />

individualida<strong>de</strong>, como po<strong>de</strong>m as pessoas humanas,<br />

especialmente os cristãos, apresentarem uma<br />

unida<strong>de</strong> sem per<strong>de</strong>rem a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> escolher. A resposta, conforme<br />

veremos na parte final <strong>de</strong>ste artigo, está no<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “princípio <strong>de</strong> subsidiarieda<strong>de</strong>”’,<br />

formula<strong>do</strong> por Pio XI em 1931, que serve para dar<br />

ênfase aos pequenos grupos, tais como famílias,<br />

empresas, igrejas e associações, que ten<strong>de</strong>m a<br />

produzir resulta<strong>do</strong>s muito melhores <strong>do</strong> que os<br />

gera<strong>do</strong>s pela ação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, em termos <strong>de</strong><br />

conseguir estimular a um só tempo a liberda<strong>de</strong> e a<br />

comunhão.<br />

Cumpre mencionar que, na Centesimus<br />

Annus, ao procurar mostrar como as<br />

características econômicas da economia <strong>de</strong><br />

merca<strong>do</strong> <strong>de</strong>vem ajustar-se ao principio da<br />

<strong>de</strong>stinação universal <strong>do</strong>s bens, o Pontífice afirma<br />

claramente:<br />

“Dio há dato la terra a tutto il genere umano,<br />

perché essa sosteni tutti i suoi membri, senza<br />

esclu<strong>de</strong>re né privilegiare nessuno”.<br />

E, ao referir-se à proprieda<strong>de</strong> privada<br />

individual:<br />

“È mediante il lavoro che l’uomo, usan<strong>do</strong> la<br />

sua intelligenza e la sua libertà, riesce a <strong>do</strong>minarla<br />

( la terra), e ne fa la sua <strong>de</strong>gna dimora. In tal<br />

mo<strong>do</strong> egli fa propria una parte <strong>de</strong>lla terra, che<br />

appunto è acquistata col lavoro”.


Ou seja, a terra, talento da<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

Criação a toda a humanida<strong>de</strong>, foi-nos legada para<br />

sustentar a to<strong>do</strong>s nós, sem exclusões nem<br />

privilégios. E é através <strong>do</strong> trabalho e <strong>do</strong> esforço,<br />

usan<strong>do</strong> a inteligência e a liberda<strong>de</strong> - que também<br />

são talentos <strong>do</strong>a<strong>do</strong>s a to<strong>do</strong>s - que somos chama<strong>do</strong>s<br />

a adquiri-la. Ao dizer que as leis <strong>de</strong> Deus<br />

con<strong>de</strong>nam as exclusões e os privilégios, contu<strong>do</strong>, o<br />

Papa não está insuflan<strong>do</strong> grupos <strong>de</strong> “sem terra” a<br />

invadir proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> terceiros, pois isto o<br />

colocaria em conflito com sua veemente <strong>de</strong>fesa da<br />

proprieda<strong>de</strong> privada; o que está afirman<strong>do</strong>, em<br />

perfeita sintonia com a antropologia cristã e com a<br />

Economia Personalista, é a obrigação <strong>do</strong> gênero<br />

humano <strong>de</strong> trabalhar para que o produto da terra<br />

seja universaliza<strong>do</strong> sob o ponto <strong>de</strong> vista<br />

econômico e, sob o ponto <strong>de</strong> vista políticoinstitucional,<br />

está conclaman<strong>do</strong> também to<strong>do</strong>s a<br />

colaborarem, direta ou indiretamente, mediante<br />

pressão sobre os legisla<strong>do</strong>res, para a a<strong>do</strong>ção por<br />

parte da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> justa conduta,<br />

que possam vir a eliminar as exclusões e os<br />

privilégios. Sempre usan<strong>do</strong> os talentos da<br />

inteligência e da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira a<br />

subordiná-los aos princípios éticos básicos.<br />

Da mesma forma, ao propor, no <strong>Ano</strong><br />

Jubilar <strong>de</strong> 2000, que os páises ricos per<strong>do</strong>assem<br />

parte da dívida externa <strong>do</strong>s países pobres, João<br />

Paulo II os exortava, livremente, à prática da<br />

virtu<strong>de</strong> da solidarieda<strong>de</strong> e estava longe <strong>de</strong> supor<br />

que suas palavras seriam interpretadas como uma<br />

espécie <strong>de</strong> salvo-conduto moral, passa<strong>do</strong> pela<br />

autorida<strong>de</strong> máxima mundial nesses assuntos, para<br />

que os países pobres <strong>de</strong>ssem um calote em suas<br />

dívidas externas. Também não po<strong>de</strong>ria supor que<br />

suas palavras acabariam servin<strong>do</strong> <strong>de</strong> pretexto para<br />

que muitas pessoas, algumas bem intencionadas,<br />

mas usadas por grupos políticos <strong>de</strong> esquerda e


outras com intenções não tão pristinas,<br />

organizassem aquele triste “plebiscito da dívida<br />

externa” no Brasil.<br />

Como maior autorida<strong>de</strong> da Igreja, sucessor<br />

<strong>de</strong> São Pedro e representante <strong>de</strong> Cristo na terra<br />

po<strong>de</strong>ria propor duas ações inteiramente avessas à<br />

moral cristã, como soem ser os vícios <strong>de</strong> agredir o<br />

direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, infringin<strong>do</strong> assim a or<strong>de</strong>m<br />

legalmente estabelecida e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> honrar<br />

compromissos previamente assumi<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> da<br />

tomada <strong>do</strong>s empréstimos externos? Pedir aos<br />

cre<strong>do</strong>res para per<strong>do</strong>ar parte das dívidas não é o<br />

mesmo que exortar <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>res a não pagá-las por<br />

<strong>de</strong>cisão unilateral, da mesma forma que <strong>de</strong>clarar<br />

que to<strong>do</strong>s têm direito aos frutos da terra não é a<br />

mesma coisa que afirmar que todas as pessoas<br />

humanas na face da terra têm o direito adquiri<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> ser proprietários rurais, mesmo que ocupan<strong>do</strong><br />

terras à força e ao arrepio da lei...<br />

A Igreja sempre manifestou um renova<strong>do</strong><br />

interesse pelas ativida<strong>de</strong>s que pertencem ao<br />

campo da praxeologia e, em particular, pelos atos<br />

que se <strong>de</strong>senrolam na assim <strong>de</strong>nominada economia<br />

<strong>de</strong> merca<strong>do</strong> Um <strong>do</strong>s primeiros estudiosos <strong>de</strong><br />

economia foi São Tomás <strong>de</strong> Aquino, ainda no<br />

século XIII, ao qual seguiram-se os gran<strong>de</strong>s nomes<br />

da Escolástica Tardia, como Tomás <strong>de</strong> Merca<strong>do</strong>,<br />

São Bernardino <strong>de</strong> Sena, Santo Antonino <strong>de</strong><br />

Florença, Martin <strong>de</strong> Azpilcueta e muitos outros.<br />

Antes e <strong>de</strong>pois da popularização das idéias <strong>de</strong> Max<br />

Weber acerca das relações entre o capitalismo e a<br />

ética protestante, a Igreja sempre manifestou,<br />

seja por seu magistério seja pelas obras <strong>de</strong> seus<br />

membros, o referi<strong>do</strong> interesse. Na verda<strong>de</strong>, o<br />

capitalismo e a economia <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> são<br />

plenamente compatíveis com a ética cristã, que é,<br />

a rigor, a ética <strong>do</strong> trabalho, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>


estringir-se essa compatibilida<strong>de</strong> apenas aos<br />

ensinamentos éticos protestantes.<br />

Embora admita-se que a economia, vista<br />

como um corpo <strong>de</strong> conhecimentos científicos,<br />

tenha nasci<strong>do</strong> em 1776 com Adam Smith, não<br />

po<strong>de</strong>mos nos esquecer que, muito antes, diversos<br />

estudiosos, com São Tomás <strong>de</strong> Aquino sen<strong>do</strong> a<br />

expressão maior entre eles, já se ocupavam com o<br />

estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s problemas envolvi<strong>do</strong>s nas relações<br />

econômicas. Assim, a economia nasceu e cresceu<br />

profundamente ligada aos ensinamentos morais. A<br />

separação entre moral e economia, cujas origens<br />

po<strong>de</strong>m ser encontradas em Bernard <strong>de</strong> Man<strong>de</strong>ville,<br />

é fato recente, data <strong>do</strong> século XIX, já com os<br />

discípulos <strong>de</strong> Smith. O autor <strong>de</strong> A Riqueza das<br />

Nações, aliás, escreveu uma obra bastante<br />

interessante sobre os sentimentos morais. Esta<br />

ruptura verificada no meio acadêmico entre<br />

economia e moral acarretou diversos problemas.<br />

De um la<strong>do</strong>, a ciência econômica, também<br />

influenciada pelos preceitos positivistas que<br />

caracterizaram a segunda meta<strong>de</strong> daquele século,<br />

passou a ser tratada <strong>de</strong> forma cada vez mais<br />

técnica, o que a foi distancian<strong>do</strong> <strong>do</strong>s problemas<br />

efetivamente encontra<strong>do</strong>s no mun<strong>do</strong> real – na<br />

praxis – <strong>do</strong>s negócios. De outro, na medida em que<br />

os economistas foram progressivamente<br />

enveredan<strong>do</strong> pelo caminho <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los<br />

matemáticos e, já no século XX, pela econometria,<br />

buscan<strong>do</strong> transformar a economia em algo que ele<br />

nunca foi e nem será – uma ciência exata -, os<br />

problemas econômicos passaram a ser dissocia<strong>do</strong>s<br />

das questões políticas, culturais e éticas.<br />

O homem é um ser essencialmente ético,<br />

na medida em que suas ações precisam ser<br />

justificadas pela razão consciente. Ora, ao separar


moral e economia, a ação humana no campo<br />

econômico fica circunscrita <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />

subconjunto da razão, que nada mais é <strong>do</strong> que a<br />

razão instrumental ou utilitária e, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, os<br />

atos econômicos tornam-se alheios à razão<br />

substantiva, que é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar o to<strong>do</strong><br />

da própria existência humana. É como se corpo e<br />

alma pu<strong>de</strong>ssem, sob a perspectiva da eternida<strong>de</strong>,<br />

ser separa<strong>do</strong>s, o que, evi<strong>de</strong>ntemente, não ocorre.<br />

To<strong>do</strong> esse processo <strong>de</strong> separação entre<br />

economia e moral, bem como entre as <strong>de</strong>mais<br />

ciências humanas e a moral faz parte <strong>de</strong> um outro,<br />

mais amplo, o <strong>de</strong> secularização e segmentação <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, que gerou <strong>do</strong>mínios<br />

fragmenta<strong>do</strong>s e estanques da razão, cada um <strong>de</strong>les<br />

com sua lógica e racionalida<strong>de</strong> parciais. Na<br />

economia, é inegável que houve gran<strong>de</strong>s avanços,<br />

na medida em que o mun<strong>do</strong> experimentou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

Adam Smith, um <strong>de</strong>senvolvimento econômico sem<br />

prece<strong>de</strong>ntes. Porém, se muitos problemas foram<br />

resolvi<strong>do</strong>s, lembremo-nos <strong>de</strong> que muitos<br />

permanecem à espera <strong>de</strong> soluções e também <strong>de</strong><br />

que surgiram novos <strong>de</strong>safios para substituir os que<br />

foram equaciona<strong>do</strong>s. Com a fragmentação e<br />

secularização crescentes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> atual, vem<br />

brotan<strong>do</strong>, tímida mas inexoravelmente, um <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>do</strong> fun<strong>do</strong> da anema, que é o <strong>de</strong> reencontrar o<br />

senti<strong>do</strong> da realida<strong>de</strong> vivida e <strong>de</strong> remontar a razão<br />

substantiva, <strong>de</strong>sejo que po<strong>de</strong> ser percebi<strong>do</strong> pela<br />

força que vem ganhan<strong>do</strong> nos últimos anos o <strong>de</strong>bate<br />

interdisciplinar Exatamente como Mises e os<br />

<strong>de</strong>mais economistas da Escola Austríaca sempre<br />

sustentaram, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final <strong>do</strong> século XIX e <strong>do</strong> qual<br />

a Igreja jamais se afastou!<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa razão mais ampla e<br />

policrômica, economia, política, moral e religião


<strong>de</strong>verão necessariamente reaproximar-se<br />

novamente no plano teórico, porquanto, no terreno<br />

das relações humanas que sempre regeram o<br />

mun<strong>do</strong>, sempre existiu essa “interdisciplinarida<strong>de</strong>”<br />

<strong>de</strong> ações.<br />

A leitura <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos da Igreja, em<br />

especial a Laborem Exercens, <strong>de</strong> 1981, a<br />

Sollicitu<strong>do</strong> Rei Socialis, <strong>de</strong> 1988 e a Centesimus<br />

Annus, <strong>de</strong> 1991, mostra que conceitos econômicos<br />

como capital, trabalho, terra, proprieda<strong>de</strong> privada,<br />

<strong>de</strong>stino universal <strong>do</strong>s bens, lucro, juros, riqueza,<br />

renda e muitos outros, quan<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s com a<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> servir à pessoa humana e <strong>de</strong><br />

promover a sua dignida<strong>de</strong>, não apenas são<br />

compatíveis com a reta <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> tesouro lega<strong>do</strong><br />

por Cristo, como são indispensáveis para a<br />

realização <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> objetivo.<br />

To<strong>do</strong>s os nossos atos nos diversos campos<br />

da praxeologia só se revestem <strong>de</strong> um senti<strong>do</strong> mais<br />

profun<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> são calça<strong>do</strong>s em princípios<br />

morais; toda a satisfação das necessida<strong>de</strong>s no<br />

campo da economia só adquire verda<strong>de</strong>ira<br />

justificação perante Deus quan<strong>do</strong> levar em conta<br />

os referi<strong>do</strong>s princípios.<br />

Cada um <strong>de</strong> nós, em proporção aos<br />

talentos recebi<strong>do</strong>s, é chama<strong>do</strong> a ser um santo no<br />

meio <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>de</strong> um mun<strong>do</strong> cada vez mais<br />

complexo, seculariza<strong>do</strong>, fragmenta<strong>do</strong> e em que o<br />

ter é visto como fim e o ser é relega<strong>do</strong> a segun<strong>do</strong><br />

plano. Mas é neste mesmo mun<strong>do</strong>, enfrentan<strong>do</strong><br />

todas as dificulda<strong>de</strong>s da vida mo<strong>de</strong>rna,<br />

enfrentan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os obstáculos que nos são<br />

impostos, que <strong>de</strong>vemos tentar, na medida <strong>de</strong><br />

nossas possibilida<strong>de</strong>s e reconhecen<strong>do</strong> e<br />

procuran<strong>do</strong> corrigir as nossas fraquezas, conciliar


nossos atos econômicos com os princípios morais,<br />

para <strong>do</strong>tar os primeiros <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro senti<strong>do</strong>.<br />

Queremos encerrar com as observações<br />

sábias <strong>de</strong> um homem <strong>do</strong>s nossos tempos que<br />

conseguiu vivenciar durante toda a sua vida essa<br />

busca pela santida<strong>de</strong> no mun<strong>do</strong>, santida<strong>de</strong> que<br />

po<strong>de</strong> ser exercida em to<strong>do</strong>s os nossos atos, quan<strong>do</strong><br />

tentamos executá-los, embora cientes <strong>de</strong> nossas<br />

limitações, com perfeição humana, sejam eles<br />

tarefas consi<strong>de</strong>radas humil<strong>de</strong>s ou importantes sob<br />

a ótica humana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um simples cumprimento a<br />

um vizinho até uma aula magna em uma<br />

universida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a tarefa <strong>de</strong> lavar a louça após<br />

as refeições até a <strong>de</strong> formular um plano <strong>de</strong><br />

investimentos para uma empresa. O que Deus<br />

espera <strong>de</strong> cada um é o cumprimento acaba<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

seus <strong>de</strong>veres profissionais, familiares e sociais. Em<br />

muitos casos, para cada dia e cada hora só há uma<br />

ação possível <strong>de</strong> ser a certa, sob o ponto <strong>de</strong> vista<br />

moral. Correspon<strong>de</strong> a cada homem <strong>de</strong>scobrir essa<br />

ação que é a “certa” para Deus, empregan<strong>do</strong> nessa<br />

difícil busca to<strong>do</strong>s os seus conhecimentos e to<strong>do</strong>s<br />

os seus senti<strong>do</strong>s.<br />

Esta é a síntese <strong>do</strong>s ensinamentos que<br />

po<strong>de</strong>mos extrair da Doutrina Social da Igreja, e<br />

que <strong>de</strong>vemos ter em mente ao buscar harmonizar<br />

os ensinamentos <strong>de</strong> Cristo com nossas ativida<strong>de</strong>s<br />

econômicas, sociais, culturais, políticas,<br />

esportivas, <strong>de</strong> lazer, com tu<strong>do</strong> o que fazemos,<br />

enfim. É servir a Deus no mun<strong>do</strong>, tal como nos<br />

ensinou o homem <strong>de</strong> Deus a que me referi há<br />

pouco, nasci<strong>do</strong> em 1902 e que nos <strong>de</strong>ixou em<br />

1975, sen<strong>do</strong> canoniza<strong>do</strong> em maio <strong>de</strong> 2002 pelo<br />

Santo Padre: São Josemaría Escrivá, que escreveu,<br />

em Amar o Mun<strong>do</strong> Apaixonadamente, em 1967:


“É a vida corrente o verda<strong>de</strong>iro lugar da<br />

existência cristã...Deus nos chama a servi-Lo em e<br />

a partir das tarefas civis, materiais, seculares da<br />

vida humana(...) e nos espera cada dia: no<br />

laboratório, na sala <strong>de</strong> operações <strong>do</strong> hospital, no<br />

quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na<br />

oficina, no campo, no seio <strong>do</strong> lar e em to<strong>do</strong> o<br />

imenso panorama <strong>do</strong> trabalho”.<br />

CONCLUSÕES<br />

Os Papas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> São Pedro, são, por<br />

<strong>de</strong>legação expressa <strong>do</strong> próprio Cristo ressuscita<strong>do</strong>,<br />

que fun<strong>do</strong>u a Igreja Católica, os seus<br />

representantes na terra. Jesus, como é mais <strong>do</strong><br />

que claro da leitura <strong>do</strong>s Evangelhos, das Cartas <strong>do</strong>s<br />

Apóstolos e <strong>de</strong> diversas encíclicas que compõem o<br />

Novo Testamento, afirmou peremptoriamente que<br />

o Reino <strong>de</strong> seu Pai não era <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>, porque,<br />

ao dizer que era o Caminho, a Verda<strong>de</strong> e a Vida,<br />

referia-se à vida eterna.<br />

Por isso, quan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sinformação, mal<strong>do</strong>sa ou<br />

ingenuamente, tenta classificar este ou aquele<br />

Papa como <strong>de</strong> “direita (“conserva<strong>do</strong>r”) ou <strong>de</strong><br />

“esquerda” (“progressista”), os verda<strong>de</strong>iros<br />

católicos sabem que esse tipo <strong>de</strong> assunto não tem<br />

o menor cabimento, pois sabem que a Igreja<br />

mantém-se acima <strong>de</strong> qualquer sistema social<br />

particular. Evi<strong>de</strong>ntemente, em <strong>do</strong>is mil anos <strong>de</strong><br />

História da Igreja, houve extraordinárias<br />

mudanças nos sistemas sociais, políticos e<br />

econômicos e cada um <strong>do</strong>s Papas, como não<br />

po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, viveu a sua época, tentan<strong>do</strong><br />

passar a mensagem eterna <strong>de</strong> Cristo para as<br />

circunstâncias temporais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.


João Paulo II, em particular, ao perceber que<br />

a Teologia da Libertação era mais uma <strong>de</strong>ntre as<br />

tantas heresias que permearam a História da<br />

Igreja, não hesitou em con<strong>de</strong>na-la abertamente,<br />

sen<strong>do</strong> por isto rotula<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> um papa<br />

“conserva<strong>do</strong>r”. Por outro la<strong>do</strong>, ao esgarçar as<br />

mazelas <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> capitalismo “selvagem”,<br />

movi<strong>do</strong> pelo puro egoísmo e sem qualquer<br />

preocupação <strong>de</strong> natureza moral – o libertarianismo<br />

– foi por outros consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> um Papa<br />

‘progressista”. Palavras, nada mais <strong>do</strong> que<br />

palavras.<br />

A mensagem <strong>de</strong> Cristo é eterna e, assim como<br />

não é o rabo que saco<strong>de</strong> o cachorro, não é a Igreja<br />

que <strong>de</strong>ve se “mo<strong>de</strong>rnizar”, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o<br />

lega<strong>do</strong> moral que Cristo lhe confiou, para adaptarse<br />

ao mun<strong>do</strong>; é, antes, o mun<strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve procurar<br />

seguir os ensinamentos <strong>do</strong> Senhor, para que os<br />

indivíduos possam ganhar a vida eterna.<br />

Assim crêem os católicos. Por isso, não nos<br />

preocupamos com a eleição <strong>do</strong> sucessor <strong>de</strong> João<br />

Paulo II, o Gran<strong>de</strong>! Qualquer que seja o car<strong>de</strong>al<br />

eleito, saberá <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os valores <strong>do</strong> Evangelho.<br />

Aborto, matrimônio entre pessoas <strong>do</strong> mesmo sexo,<br />

experiências com fetos e outros erros continuarão,<br />

qualquer que seja o novo lí<strong>de</strong>r da Igreja Romana,<br />

sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como erros e inadmissíveis<br />

perante a <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong> Cristo.<br />

Os hereges, pretensos “teólogos” <strong>de</strong> uma<br />

libertação à la Marx, continuarão fazen<strong>do</strong> o seu<br />

barulho, enquanto a caravana <strong>de</strong> Cristo continuará<br />

a passar, conforme ele nos prometeu.


Doutor em Economia (EPGE/FGV), Presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>do</strong> Centro Interdisciplinar <strong>de</strong> Ética e Economia<br />

Personalista (Cieep) e Professor da UERJ, da FGV,<br />

da PUC e <strong>do</strong> IBMEC.<br />

<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 36 –<br />

Março <strong>de</strong> <strong>2005</strong><br />

O TEOREMA DA INCOMPETÊNCIA<br />

LATINO-AMERICANA<br />

Em 1776, quan<strong>do</strong> as treze colônias originais<br />

formaram os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América, o seu PIB total<br />

era equivalente ao <strong>do</strong>s <strong>de</strong>z países da América <strong>do</strong> Sul.<br />

Éramos, portanto, tão pobres quanto a nação que se


tornaria a economia mais po<strong>de</strong>rosa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. E, se<br />

éramos “explora<strong>do</strong>s” por nossos coloniza<strong>do</strong>res europeus,<br />

eles também o eram. Por que, então, ao longo <strong>do</strong>s<br />

últimos duzentos e vinte e nove anos, os <strong>de</strong>sempenhos<br />

econômicos da América <strong>do</strong> Sul – e da América Latina, em<br />

geral – se distanciaram tanto? Por que permanecemos<br />

pobres e eles enriqueceram<br />

Estou convenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que só há uma resposta geral<br />

e plausível: é que as instituições que os norteamericanos<br />

lograram construir foram e continuam sen<strong>do</strong><br />

muito superiores às que os países latino-americanos<br />

resolveram seguir. Enquanto lá se estimulava o trabalho<br />

e a iniciativa individuais, aqui se <strong>de</strong>sestimulava;<br />

enquanto eles enquadravam o Esta<strong>do</strong> para servi-los, nós<br />

preferimos nos <strong>de</strong>ixar aprisionar pelo Esta<strong>do</strong>, para <strong>de</strong><br />

nós se servir; enquanto lá se a<strong>do</strong>tava um fe<strong>de</strong>ralismo<br />

<strong>de</strong>scentraliza<strong>do</strong>, aqui se seguia um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões<br />

políticas excessivamente centraliza<strong>do</strong>r; lá, a liberda<strong>de</strong><br />

econômica, aqui, o Esta<strong>do</strong> se meten<strong>do</strong> na vida <strong>do</strong>s<br />

cidadãos; lá, a liberda<strong>de</strong> política, aqui, um vai e vem <strong>de</strong><br />

perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ditaduras entremea<strong>do</strong>s por anos <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>mocracia viciada, porque pouco representativa; lá, a<br />

lei, <strong>de</strong>finida como normas gerais e concisas <strong>de</strong> conduta,<br />

justas, prospectivas e iguais para to<strong>do</strong>s, aqui, uma<br />

furibunda incontinência legislatória, baseada em<br />

coman<strong>do</strong>s e or<strong>de</strong>ns; lá, a autorida<strong>de</strong> da lei, aqui, a lei<br />

da autorida<strong>de</strong>; lá, a educação tratada com serieda<strong>de</strong>,<br />

aqui, como um componente da política.<br />

Quase <strong>do</strong>is séculos e meio não foram suficientes<br />

para nos ensinarem essas lições da História, isto para<br />

não falarmos <strong>de</strong> diversos países asiáticos que<br />

conseguiram se <strong>de</strong>senvolver. À evidência, o atual<br />

governo <strong>do</strong> Brasil, juntamente com outros da nossa<br />

pobre América Latina e da África, parece crer piamente<br />

no falso teorema <strong>de</strong> que “o somatório das pobrezas é<br />

igual à riqueza”...


Assim, acreditam que uma união política e<br />

econômica <strong>do</strong> Brasil com Venezuela, Cuba, Argentina e<br />

outras economias pobres da África e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> árabe<br />

po<strong>de</strong>rá produzir uma potência política e econômica,<br />

como se fosse possível formar um time <strong>do</strong> nível <strong>de</strong> um<br />

Real Madrid a partir <strong>de</strong> uma seleção <strong>de</strong> joga<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

Íbis, <strong>do</strong> Tabajara e <strong>do</strong> Arranca-Toco Futebol Clube...<br />

Um teorema sinistro nos <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s, porque só<br />

nos con<strong>de</strong>nará a permanecer na pobreza e porque é<br />

enuncia<strong>do</strong> pela esquerda. Quan<strong>do</strong> os países da América<br />

Latina vão aban<strong>do</strong>nar o marxismo <strong>de</strong> botequim e<br />

apren<strong>de</strong>r que, se somos pobres, não é porque os ricos<br />

nos “exploram” - mesmo porque eles também eram<br />

“explora<strong>do</strong>s” há duzentos e cinqüenta anos atrás - mas<br />

sim porque nossas instituições políticas, econômicas e<br />

morais estão contaminadas pela i<strong>do</strong>latria ao Esta<strong>do</strong>, pela<br />

suspeição permanente sobre os cidadãos, pela<br />

corrupção, pela estúpida burocracia, pela estulta carga<br />

tributária, pelo paternalismo, pelo sindicalismo político,<br />

por empresários vicia<strong>do</strong>s em benesses públicas, pelo<br />

corporativismo, pelo <strong>de</strong>srespeito para com o fe<strong>de</strong>ralismo,<br />

pelo <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> recursos públicos, pela falta <strong>de</strong><br />

respeito para com a educação e a saú<strong>de</strong>, pela<br />

inexistência <strong>de</strong> programas por parte <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s<br />

políticos e por tantas outras manias, cacoetes e<br />

distúrbios compulsivos que caracterizam a tão exaltada<br />

“latinoamericanidad”?<br />

O Brasil <strong>do</strong> PT, a Venezuela <strong>do</strong> inacreditável<br />

Hugo Chávez e a ilha-prisão <strong>do</strong> dita<strong>do</strong>r Fi<strong>de</strong>l vão somar<br />

esforços, visan<strong>do</strong> a promover, cooptan<strong>do</strong> outros países,<br />

a “revolução bolivariana”, cujos princípios estão conti<strong>do</strong>s<br />

naquele livrinho que o presi<strong>de</strong>nte venezuelano carrega<br />

para on<strong>de</strong> vai, brandin<strong>do</strong>-o como flamejante espada. O<br />

Tabajara Futebol Clube vai entrar em campo. E as


montanhas vão entrar em trabalho <strong>de</strong> parto, <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

nascerá um ridículo rato.<br />

Ah, América Latina, tão cheia <strong>de</strong> recursos naturais,<br />

tão beneficiada pelas condições climáticas, tão rica em<br />

potencial, mas tão pobre e estúpida em termos <strong>de</strong><br />

organização social, política e econômica...<br />

<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 35 -<br />

Fevereiro <strong>de</strong> <strong>2005</strong>


O “OUTRO MUNDO<br />

POSSÍVEL” DO FSM<br />

Qual um Woodstock extemporâneo, milhares <strong>de</strong><br />

militantes <strong>de</strong> esquerda, reuni<strong>do</strong>s em Porto Alegre, a bela<br />

– e maltratada – capital gaúcha, entre <strong>de</strong>bates, festas,<br />

passeatas e – quem é bobo? – comes e bebes <strong>do</strong>s bons,<br />

estão participan<strong>do</strong>, nessa verda<strong>de</strong>ira o<strong>de</strong> ao atraso<br />

chamada “Forum Social Mundial”, <strong>do</strong>s infindáveis e<br />

monotônicos <strong>de</strong>bates sobre o tal “outro mun<strong>do</strong><br />

possível”...<br />

Nada <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m, nada <strong>de</strong>liberam, mas falam,<br />

discursam, berram e gritam, xingam e põem para fora as<br />

suas frustrações, recalques e idiossincrasias, contra o<br />

famigera<strong>do</strong> capitalismo, os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, os bemsucedi<strong>do</strong>s,<br />

os transgênicos, o FMI, os banqueiros, o<br />

“capital financeiro” e, naturalmente, contra o maior <strong>do</strong>s<br />

males, que, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> seus QI’s <strong>de</strong><br />

protozoários, é o “neoliberalismo globalizante e<br />

exclu<strong>de</strong>nte”...<br />

Já que nenhum <strong>de</strong> seus participantes parece ter a<br />

coragem <strong>de</strong> assumir o que realmente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, que tal<br />

listarmos, em poucas linhas, o que vem a ser esse “outro<br />

mun<strong>do</strong> possível”, tentativa mais <strong>do</strong> que realizada em<br />

diversos países <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século passa<strong>do</strong> e que fracassou<br />

retumbantemente em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s, principalmente<br />

no que se refere ao objetivo <strong>de</strong> tornar os cidadãos mais<br />

felizes.


O que vem a ser, afinal, esse tal “outro mun<strong>do</strong><br />

possível”, além <strong>de</strong> uma torpe máscara para encobrir a<br />

sua verda<strong>de</strong>ira face – o socialismo-comunismo?<br />

Primeiro, é um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> formigas, cupins, abelhas<br />

e <strong>de</strong> outros animais gregários, mas não <strong>de</strong> homens e<br />

mulheres! Para uma abelha, por sua natureza – abelhas<br />

não pensam! – a colméia é o gran<strong>de</strong> objetivo, o que as<br />

torna “coletivistas”. Para qualquer ser humano normal,<br />

pensar na “socieda<strong>de</strong>” como um fim não passa <strong>de</strong> um<br />

simples sonho secundário, isto exatamente porque<br />

pensamos e, por isso, somos individualistas (o que não<br />

quer dizer egoístas): primeiro, nós e nossas famílias,<br />

<strong>de</strong>pois, os parentes, <strong>de</strong>pois, os amigos, <strong>de</strong>pois, enfim, a<br />

“socieda<strong>de</strong>”... Se isto é “certo” ou “erra<strong>do</strong>” não vem ao<br />

caso no contexto <strong>de</strong>ste artigo, mas é simplesmente<br />

assim que as coisas acontecem e vão continuar a<br />

acontecer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Adão e Eva. Querer transformar seres<br />

racionais e da<strong>do</strong>s ao individualismo em formigas é uma<br />

formidável burrice. Essa individualida<strong>de</strong>, ao contrário <strong>do</strong><br />

que muitos <strong>de</strong>fensores <strong>do</strong> “outro mun<strong>do</strong> possível”, com<br />

seus usuais argumentos <strong>de</strong> amebas, apregoam, não<br />

exclui virtu<strong>de</strong>s como as da amiza<strong>de</strong>, da compaixão, da<br />

solidarieda<strong>de</strong> e outras.<br />

Segun<strong>do</strong>, é um mun<strong>do</strong> sem liberda<strong>de</strong>, a não ser a<br />

“liberda<strong>de</strong> para” ou “liberda<strong>de</strong> positiva” a que se referia<br />

Isaiah Berlin: nesse inferno pinta<strong>do</strong> <strong>de</strong> paraíso <strong>do</strong> “outro<br />

mun<strong>do</strong> possível”, os cidadãos são livres, sim, mas para<br />

fazerem apenas o que a autorida<strong>de</strong> – geralmente, o<br />

parti<strong>do</strong> comunista – <strong>de</strong>terminam que po<strong>de</strong> ser feito.<br />

Iniciativa individual? Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento?<br />

Criativida<strong>de</strong>? Para que, se gênios <strong>do</strong> tipo Fi<strong>de</strong>l Castro,<br />

Pol Pot, Lenin, o histriônico Hugo Chávez e outras tristes<br />

figuras <strong>de</strong>sse quilate sabem sempre o que é melhor ou<br />

pior para cada um <strong>do</strong>s que subjugam? É impressionante<br />

a <strong>de</strong>sfaçatez com que essa gente <strong>do</strong> FSM fala em<br />

“<strong>de</strong>mocracia” e em “liberda<strong>de</strong>”, assim como é uma


incongruência <strong>de</strong>nominar-se um parti<strong>do</strong> político <strong>de</strong><br />

“Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong> Socialismo e da Liberda<strong>de</strong>”, algo como um<br />

tricolor rubro-negro ou um gremista colora<strong>do</strong>... Pois<br />

socialismo e liberda<strong>de</strong> são contraditórios, embora a<br />

maioria <strong>do</strong>s brasileiros, que não lêem ou não enten<strong>de</strong>m<br />

o que lêem, nem <strong>de</strong>sconfie disso...<br />

Terceiro, é um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> pobreza, porque <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que Adam Smith lançou as bases <strong>do</strong> que hoje chamamos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico, a principal causa da<br />

riqueza é a liberda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir, <strong>de</strong> comprar,<br />

<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> exportar, <strong>de</strong> poupar, <strong>de</strong> investir, <strong>de</strong><br />

importar, <strong>de</strong> plantar... Não há sequer um exemplo <strong>de</strong><br />

nação que tenha caí<strong>do</strong> no canto da sereia <strong>do</strong> “outro<br />

mun<strong>do</strong> possível” que tenha assegura<strong>do</strong> um padrão <strong>de</strong><br />

vida minimamente digno para os seus cidadãos. O que<br />

conseguiram – e conseguem, como em Cuba, no Vietnã<br />

<strong>do</strong> Norte e na Coréia <strong>do</strong> Norte atuais – é distribuir<br />

eqüitativamente a pobreza... To<strong>do</strong>s são iguais –<br />

“igualda<strong>de</strong> na chegada” -: burros, pascácios,<br />

inteligentes, lorpas, preguiçosos, diligentes,<br />

trabalha<strong>do</strong>res, malandros, sortu<strong>do</strong>s, vigaristas,<br />

azara<strong>do</strong>s, enfim, to<strong>do</strong>s ganham praticamente o mesmo<br />

salário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o gran<strong>de</strong> cirurgião até o<br />

ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r <strong>de</strong> “elixir da juventu<strong>de</strong>” que promete curar<br />

todas as <strong>do</strong>enças...<br />

Por fim, para não nos alongarmos, o “outro mun<strong>do</strong><br />

possível” é um mun<strong>do</strong> sem transcendência! To<strong>do</strong>s são<br />

força<strong>do</strong>s a serem ateus, mas não por escolha própria – o<br />

que, afinal, seria um direito <strong>de</strong> cada um – mas por<br />

imposição <strong>do</strong>s mandantes. Quantos sacer<strong>do</strong>tes católicos<br />

são presos, tortura<strong>do</strong>s e mortos na China, anualmente?<br />

Quantos ju<strong>de</strong>us, protestantes e fiéis <strong>de</strong> outras religiões<br />

po<strong>de</strong>m professá-las publicamente, nos países que<br />

optaram pelo “outro mun<strong>do</strong> possível”?


É um absur<strong>do</strong> a cobertura que a mídia dá<br />

anualmente a esse festival <strong>de</strong> baboseiras, embora seja<br />

um absur<strong>do</strong> compreensível, pois quase toda a mídia<br />

também acredita nesse “outro mun<strong>do</strong> possível”. Mas é<br />

também um absur<strong>do</strong> – e não é compreensível! – que<br />

recursos <strong>do</strong>s contribuintes sejam usa<strong>do</strong>s para bancar<br />

essa festa on<strong>de</strong> se reúne o que há <strong>de</strong> mais atrasa<strong>do</strong> no<br />

pensamento mundial. Na verda<strong>de</strong>, é um crime.<br />

<strong>Artigo</strong> <strong>do</strong> Mês - <strong>Ano</strong> <strong>IV</strong> - Nº 34 -<br />

Janeiro <strong>de</strong> <strong>2005</strong>


RESOLUÇÕES DE ANO<br />

NOVO<br />

Janeiro é tempo <strong>de</strong> férias, <strong>de</strong> sol, <strong>de</strong> mar e <strong>de</strong> précarnaval,<br />

o que, em um país que parece gozar férias<br />

permanentemente, on<strong>de</strong> o sol levanta-se ce<strong>do</strong> e <strong>de</strong>ita-se<br />

bem tar<strong>de</strong>, o mar é mais feliz e o carnaval marca<br />

registrada, não quer dizer muita coisa...<br />

Mas é o primeiro mês <strong>do</strong> calendário e, portanto,<br />

época <strong>de</strong> se tentar mudar o que o tempo ensinou - para<br />

quem sabe apreen<strong>de</strong>r o seu <strong>de</strong>scortinar - que precisa ser<br />

altera<strong>do</strong>. Ah, o tempo, esse moto perpétuo paganiniano<br />

<strong>de</strong> novas experiências, em que o velho se transforma em<br />

memória e acen<strong>de</strong> as expectativas para o novo, o futuro,<br />

o nosso, o <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s e, em especial, o <strong>do</strong> “país <strong>do</strong><br />

futuro”...<br />

Imaginemos que um “cidadão” chama<strong>do</strong> Brasil,<br />

<strong>de</strong>ita<strong>do</strong> em berço esplêndi<strong>do</strong> há cinco séculos, adquirisse<br />

alma, inteligência e consciência, tomasse uma folha <strong>de</strong><br />

papel e, como muitos mortais fazem a cada passagem <strong>de</strong><br />

ano, <strong>de</strong>sse asas à superstição <strong>de</strong> escrever resoluções<br />

para os próximos <strong>do</strong>ze meses, obstinadamente disposto<br />

a segui-las. O que escreveria?<br />

No alto da página, como proposição principal,<br />

sublinharia: “Não vou mais permitir que me chamem <strong>de</strong><br />

país <strong>do</strong> futuro, porque ninguém agüenta carregar um<br />

peso <strong>de</strong>sses por quinhentos e três anos segui<strong>do</strong>s; vou<br />

recuperar o tempo que me fizeram per<strong>de</strong>r, obrigan<strong>do</strong>-me<br />

a <strong>do</strong>rmir com soníferos e sacrifican<strong>do</strong> milhões e milhões<br />

<strong>do</strong>s meus filhos, geração após geração, governo após


governo, ilusão após ilusão, para o que tomarei, entre<br />

outras, as medidas a seguir”.<br />

E prosseguiria:<br />

“Primeira: chega <strong>de</strong> corrupção, <strong>de</strong> imoralida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

mentiras e <strong>de</strong> vícios!<br />

Segunda: fica proibi<strong>do</strong> fazer uso eleitoral e<br />

<strong>de</strong>magógico da pobreza e da fé alheia para angariar<br />

votos e enriquecer!<br />

Terceira: basta <strong>de</strong> centralização <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r: daqui em<br />

diante, vou ser uma república fe<strong>de</strong>rativa <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>!<br />

Quarta: o Esta<strong>do</strong> passará a servir aos cidadãos e<br />

<strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> servir-se <strong>de</strong>les, o que significa que precisa <strong>de</strong><br />

reformas profundas!<br />

Quinta: para tanto, para início <strong>de</strong> conversa,<br />

promoverei uma reforma política para valer, com<br />

parti<strong>do</strong>s programáticos e fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a eles por parte <strong>do</strong>s<br />

políticos!<br />

Sexta: toda a burocracia será profissionalizada e<br />

reduzida ao mínimo indispensável, fican<strong>do</strong><br />

terminantemente proibi<strong>do</strong> inchar a máquina pública <strong>de</strong><br />

“funcionários companheiros”, como o atual governo vem<br />

fazen<strong>do</strong>!<br />

Sétima: qualquer político ou parti<strong>do</strong> que, chegan<strong>do</strong><br />

ao po<strong>de</strong>r, não cumprir o que prometeu em campanha - a<br />

não ser em casos excepcionais, como catástrofes,<br />

choques externos e guerras - será processa<strong>do</strong> e proibi<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> concorrer a novos mandatos!<br />

Oitava: prefeitos, governa<strong>do</strong>res, presi<strong>de</strong>ntes e<br />

ministros <strong>de</strong>verão ter curso superior, para que não ajam


como bonecos <strong>de</strong> ventríloquos e nem <strong>de</strong>rramem<br />

bobagens quan<strong>do</strong> se pronunciarem em público, fican<strong>do</strong><br />

claro ser esta <strong>de</strong>liberação fruto <strong>de</strong> um conceito forma<strong>do</strong>,<br />

firma<strong>do</strong> e comprova<strong>do</strong>, e não <strong>de</strong> qualquer preconceito!<br />

Nona: quem quiser abrir um negócio legal, terá<br />

automaticamente autorização para fazê-lo, no prazo<br />

máximo <strong>de</strong> três dias úteis!<br />

Décima: ficam aboli<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os setenta impostos,<br />

taxas e contribuições existentes e a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> o imposto<br />

único, em âmbito municipal!<br />

Décima primeira: fica instituí<strong>do</strong> o princípio da<br />

subsidiarieda<strong>de</strong>, em que os esta<strong>do</strong>s da fe<strong>de</strong>ração serão<br />

supri<strong>do</strong>s pelos respectivos municípios e a União pelos<br />

esta<strong>do</strong>s!<br />

Décima segunda: o Judiciário e o Legislativo, nas<br />

três esferas <strong>de</strong> governo, passam a ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />

fato <strong>do</strong>s Executivos!<br />

Décima terceira: institui-se a liberda<strong>de</strong> econômica e<br />

a <strong>de</strong> expressão, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-se a economia <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> e<br />

obstruin<strong>do</strong>-se qualquer agressão a essas liberda<strong>de</strong>s,<br />

como os monstrengos <strong>do</strong> “Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Jornalismo” e da “Ancinave”, verda<strong>de</strong>iros frutos <strong>de</strong> um<br />

autoritarismo serôdio, <strong>de</strong> caráter nazi-fascistacomunista!”<br />

Como a praxe, segun<strong>do</strong> contam, é <strong>de</strong> escrever<br />

apenas treze resoluções, o nosso amigo Brasil ficaria por<br />

aí. Mas, como post scriptum, ainda anotaria um pedi<strong>do</strong>:<br />

“quero que to<strong>do</strong>s os brasileiros aprendam duas coisas<br />

básicas: enten<strong>de</strong>r o que lêem e <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> confundir<br />

causas com efeitos!“


Essas proposições, evi<strong>de</strong>ntemente, têm que ser<br />

a<strong>do</strong>tadas não por uma cabeça ou por um parti<strong>do</strong>, ou por<br />

um ilumina<strong>do</strong> <strong>de</strong> plantão, mas por um consenso entre as<br />

partes que formam, no mun<strong>do</strong> real, o “cidadão Brasil”, o<br />

que só se tornará factível a partir <strong>de</strong> uma enorme<br />

mudança <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s por parte <strong>do</strong>s<br />

cidadãos, algo que, infelizmente, é impossível ocorrer em<br />

um horizonte razoável <strong>de</strong> tempo, já que estamos<br />

tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> valores morais e culturais profun<strong>do</strong>s e,<br />

a<strong>de</strong>mais, que vivemos em uma socieda<strong>de</strong> ainda crente<br />

na ilusão fatal <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong> é um pai benfeitor e que<br />

<strong>de</strong>ve nos prover <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que necessitamos.<br />

Não nos iludamos: o sono <strong>de</strong>ve continuar por um<br />

bom tempo, empurran<strong>do</strong> irresponsavelmente para o<br />

amanhã uma coleção fantástica <strong>de</strong> coisas boas... Só que<br />

o amanhã, quan<strong>do</strong> é permanentemente adia<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

ser prudência, para tornar-se o advérbio <strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s!<br />

Não obstante, Feliz <strong>2005</strong> para to<strong>do</strong>s!

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