Congresso Comemorativo aos 10 anos do Estatuto da Cidade - ESDM
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sos e investimentos como mo<strong>do</strong> de preparação e recepção <strong>do</strong>s eventos<br />
esportivos em 2014 e 2016. Não se ventila nesse processo a discussão<br />
sobre a recuperação de mais-valias urbanas. O que se percebe é a movimentação<br />
em direção à captura desses eventos, por meio de financiamentos<br />
públicos e também por meio de alteração <strong>da</strong> legislação de<br />
planejamento urbano, não como mo<strong>do</strong> de organizar o espaço urbano,<br />
sob a escusa de viabilização de empreendimentos priva<strong>do</strong>s necessários<br />
à realização de eventos esportivos. Explica-se:<br />
A ci<strong>da</strong>de é planeja<strong>da</strong> de acor<strong>do</strong> com as suas peculiari<strong>da</strong>des. Por<br />
meio de diagnóstico prévio, ca<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>ço <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> urbano, segun<strong>do</strong><br />
suas características, é trata<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> diferencia<strong>do</strong> pela legislação<br />
básica de política urbana, que é o plano diretor. Essa legislação é aprova<strong>da</strong><br />
com observância <strong>da</strong> participação popular, tradução <strong>da</strong> diretriz de<br />
política urbana inseri<strong>da</strong> no artigo 2º, II <strong>do</strong> <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de. O plano<br />
diretor traduz a ci<strong>da</strong>de real com o intuito de transformá-la na ci<strong>da</strong>de<br />
deseja<strong>da</strong>. Por isso denomina-se plano e deman<strong>da</strong> planejamento e gestão!<br />
No planejamento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de o regime urbanístico <strong>do</strong>s imóveis é fixa<strong>do</strong><br />
de acor<strong>do</strong> com a situação <strong>da</strong>quele pe<strong>da</strong>ço de teci<strong>do</strong> urbano, computa<strong>da</strong>s<br />
ai a previsão de desenvolvimento a médio e longo prazo e características<br />
sociais, ambientais e culturais <strong>da</strong> região. Evidente que, por isso, o regime urbanístico<br />
<strong>do</strong>s imóveis se traduz em valor econômico. Há uma relação direta<br />
entre a capaci<strong>da</strong>de construtiva desse imóvel e o seu valor de merca<strong>do</strong>.<br />
Assim que, na alteração <strong>do</strong> regime urbanístico <strong>do</strong>s imóveis, essa medi<strong>da</strong><br />
deveria decorrer, tão somente, <strong>da</strong> revisão de to<strong>da</strong>s essas variáveis e<br />
a fixação de novos parâmetros deve ser de mo<strong>do</strong> uniforme à região, de<br />
mo<strong>do</strong> a garantir a mínima igual<strong>da</strong>de, quan<strong>do</strong> isso fosse necessário.<br />
Essas considerações se relacionam diretamente com o momento prévio<br />
à realização <strong>do</strong>s eventos esportivos, a medi<strong>da</strong> que, no afã de viabilização<br />
de empreendimentos priva<strong>do</strong>s, pode-se configurar a a<strong>do</strong>ção de medi<strong>da</strong>s<br />
excepcionais com a quebra <strong>do</strong> padrão de regime urbanístico <strong>da</strong> região <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de. Em ocorren<strong>do</strong> tal hipótese, com a excepcionali<strong>da</strong>de de regime urbanístico<br />
de determina<strong>do</strong> imóvel, descaracterizan<strong>do</strong> o regime urbanístico<br />
<strong>da</strong> área que foi fixa<strong>do</strong> por meio de critérios técnicos e com a participação<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, configurar-se-ia um benefício individual, com lucro extraordinário<br />
não gera<strong>do</strong> pelo proprietário. Por meio de ações administrativas,<br />
legislativas ou de infraestrutura dessa natureza há uma quebra de paradigma<br />
<strong>da</strong>quele planejamento que foi deseja<strong>do</strong> pela comuni<strong>da</strong>de, ao aprovar<br />
os pl<strong>anos</strong> diretores. Esse procedimento além de não encontrar guari<strong>da</strong><br />
no ordenamento jurídico-urbanístico, afronta o princípio constitucional <strong>da</strong><br />
37 38<br />
igual<strong>da</strong>de, previsto no artigo 5º <strong>da</strong> Constituição Federal.<br />
A alteração individualiza<strong>da</strong> de regime urbanístico para determina<strong>do</strong>s<br />
imóveis como justificativa à viabilização de empreendimentos esportivos<br />
é a prova mais evidente de que a capaci<strong>da</strong>de construtiva, um <strong>do</strong>s elementos<br />
<strong>do</strong> regime urbanístico, se traduz em valor econômico. A constitucionali<strong>da</strong>de<br />
dessas leis excepcionais deman<strong>da</strong>ria uma análise específica, mas<br />
no presente trabalho apenas ilustram que há uma apropriação individual<br />
de lucro extraordinário decorrente de ação <strong>do</strong> poder público.<br />
Mesmo que se pudesse defender a constitucionali<strong>da</strong>de e justificar<br />
a excepcionali<strong>da</strong>de dessas leis como mo<strong>do</strong> justificar <strong>da</strong> realização <strong>do</strong>s<br />
eventos esportivos, ain<strong>da</strong> assim, restaria outra questão, e essa é sim<br />
objeto <strong>do</strong> presente trabalho. Admiti<strong>da</strong> a constitucionali<strong>da</strong>de dessas leis<br />
excepcionais, com o lucro auferi<strong>do</strong> pelo particular, o poder público não<br />
estaria diante de fato gera<strong>do</strong>r de contribuição de melhoria ou de outorga<br />
onerosa <strong>do</strong> direito de construir ( já que a outorga foi gratuita, decorrente<br />
<strong>da</strong> excepcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei!). Entretanto, inegável o lucro extraordinário<br />
decorrente de ação de outrem e que deveria ser recupera<strong>do</strong>.<br />
Muito embora hipótese represente apenas um exemplo, o discurso governamental<br />
<strong>da</strong> viabilização <strong>do</strong>s eventos esportivos é preocupante e poderá<br />
se refletir não apenas no planejamento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des brasileiras, mas, especialmente<br />
na potencial valorização de determina<strong>do</strong>s imóveis, sem a respectiva<br />
recuperação <strong>da</strong>s evidentes mais-valias urbanas gera<strong>da</strong>s. É preciso que<br />
o poder público esteja atento a essas questões a fim de que não financie<br />
direta ou indiretamente o mesmo empreendimento mais de uma vez. Uma,<br />
ao conceder a excepcionali<strong>da</strong>de, outra por meio de financiamentos diretos<br />
e, por fim, por deixar de arreca<strong>da</strong>r o lucro extraordinário decorrente de<br />
ação administrativa, legislativa ou infraestrutura específica.<br />
Evidente que há vários fatores envolvi<strong>do</strong>s neste processo, desde a<br />
irreversível ocupação capitalista <strong>do</strong> espaço urbano até fatores políticos<br />
afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s critérios legais. Sem criticas ou elogios à opção brasileira<br />
de sediar o Campeonato Mundial de Futebol de 2014 e os jogos olímpicos<br />
em 2016, a questão é saber qual o mo<strong>do</strong> mais econômico, eficaz<br />
e eficiente de se trazer melhoria de infraestrutura e alta de arreca<strong>da</strong>ção<br />
de tributos para os municípios. Salutar a discussão pela necessi<strong>da</strong>de de<br />
pautar essas questões relativas às mais-valias urbanas, tema absoluta-<br />
37 CORREIA, Fernan<strong>do</strong> Alves. O plano urbanístico e o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de. Coimbra: Almedina,<br />
2001.<br />
38 A propósito ver recente decisão <strong>do</strong> Superior Tribunal de Justiça sobre o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de<br />
nas operações urbano-ambientais. REsp 302.906/SP, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma,<br />
julga<strong>do</strong> em 26-8-20<strong>10</strong>, DJ de 01-12-20<strong>10</strong>.<br />
<strong>10</strong>8 - <strong>Congresso</strong> <strong>Comemorativo</strong> <strong>aos</strong> <strong>10</strong> Anos <strong>do</strong> <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de <strong>Congresso</strong> <strong>Comemorativo</strong> <strong>aos</strong> <strong>10</strong> Anos <strong>do</strong> <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de - <strong>10</strong>9