13.03.2015 Views

Flash - Fonoteca Municipal de Lisboa

Flash - Fonoteca Municipal de Lisboa

Flash - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

NUNO SARAIVA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7580 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Sexta-feira<br />

7 Janeiro 2011<br />

www.ipsilon.pt


NUNO SARAIVA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7580 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Sexta-feira<br />

7 Janeiro 2011<br />

www.ipsilon.pt


<strong>Flash</strong><br />

Sumário<br />

2011 6<br />

Todos os nomes<br />

do ano que agora<br />

começa, <strong>de</strong> Steven<br />

Spielberg aos<br />

Von Calhau!<br />

Ontroerend<br />

Goed 24<br />

O espectador<br />

no seu labirinto<br />

em três “rounds”<br />

na Culturgest<br />

Congotronics nics 26<br />

O som do Congo compilado<br />

por Vincent Kenis<br />

Sergei Loznitsa 28<br />

“Coup <strong>de</strong> foudre” com um<br />

cineasta bielorusso<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara,<br />

Inês Nadais (adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho,<br />

Carla Noronha,<br />

Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografia ografia<br />

Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@<br />

publico.pt<br />

Yoda e a Pantera<br />

Cor-<strong>de</strong>-Rosa na lista<br />

da Biblioteca do<br />

Congresso<br />

A Biblioteca do Congresso dos EUA<br />

seleccionou mais 25 filmes para<br />

serem preservados para memória<br />

futura. Com estas novas entradas, o<br />

número <strong>de</strong> filmes no arquivo<br />

filmográfico da Biblioteca, que tem<br />

como missão proteger as obras mais<br />

A retrospectiva<br />

Tom of Finland é<br />

uma espécie <strong>de</strong><br />

“homecoming”,<br />

mas um “homecoming”<br />

polémico<br />

marcantes do cinema norteamericano,<br />

chega a 550. Do lote dos<br />

escolhidos fazem parte, entre<br />

outros, “O Exorcista” (1973), <strong>de</strong><br />

William Friedkin, “O Império<br />

Contra Ataca” (1980), <strong>de</strong> Irvin<br />

Kershner, “Os Homens do<br />

Presi<strong>de</strong>nte” (1976), <strong>de</strong> Alan J.<br />

Pakula, “Malcolm X” (1992), <strong>de</strong><br />

Spike Lee, “Febre <strong>de</strong> Sábado à<br />

Noite” (1977), <strong>de</strong> John Badham, “O<br />

Aeroplano” (1980), <strong>de</strong> Jim<br />

Abrahams e David Zucker, e “A<br />

Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa” (1964), <strong>de</strong><br />

O<br />

homoerotismo<br />

<strong>de</strong> Tom of<br />

Finland e a<br />

arquitectura<br />

<strong>de</strong> Alvar<br />

Aalto: para<br />

o seu ano<br />

como Capital<br />

Europeia<br />

da Cultura,<br />

Turku saca<br />

dos maiores<br />

trunfos da<br />

Finlândia<br />

Blake Edwards.<br />

Os 25 filmes que agora irão ser<br />

preservados foram seleccionados<br />

entre 2112 obras, nomeadas pelo<br />

público pela sua importância a nível<br />

“cultural, histórico e estético”. É<br />

serviço público, sublinha James H.<br />

Billington, da Biblioteca do<br />

Congresso: “O registo <strong>de</strong> filmes do<br />

Congresso é uma forma <strong>de</strong> lembrar<br />

à nação que a preservação da nossa<br />

criativida<strong>de</strong> cinematográfica tem <strong>de</strong><br />

ser uma priorida<strong>de</strong>, já que meta<strong>de</strong><br />

dos filmes produzidos até 1950 e<br />

Tom of<br />

Finland<br />

<strong>de</strong> novo<br />

em casa<br />

“O Império<br />

Contra-Ataca”<br />

é um dos<br />

próximos 25<br />

filmes a serem<br />

preservados<br />

para memória<br />

futura<br />

Tom of Finland,<br />

aliás<br />

Touko Laaksonen (1920-<br />

1991), é o rapaz da terra em<br />

<strong>de</strong>staque no programa que<br />

Turku, uma das<br />

principais<br />

cida<strong>de</strong>s finlan<strong>de</strong>sas, tem<br />

na<br />

manga para<br />

o seu<br />

mandato como<br />

Capital<br />

Europeia da Cultura,<br />

que teve<br />

início já<br />

na<br />

segunda-feira.<br />

Natural <strong>de</strong><br />

Kaarina, uma<br />

população<br />

vizinha <strong>de</strong><br />

Turku, Tom of<br />

Finland volta<br />

agora<br />

a casa<br />

com uma<br />

retrospectiva que<br />

varre toda a<br />

obra do<br />

artista, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

esboços da<br />

juventu<strong>de</strong> até aos trabalhos<br />

mais tardios. A exposição<br />

será inaugurada<br />

já no dia<br />

16 e fica em Turku até 18 <strong>de</strong><br />

Dezembro, por cortesia da<br />

Tom of Finland<br />

Foundation, <strong>de</strong> Los<br />

Angeles, e da associação<br />

Homotopia, <strong>de</strong> Liverpool.<br />

Mas há vida além <strong>de</strong> Tom<br />

of Finland (embora este<br />

esteja a ser, no “site” oficial<br />

da Capital Europeia da<br />

Cultura e na página do<br />

evento do Facebook, o<br />

acontecimento mais<br />

picante da Capital):<br />

festivais <strong>de</strong> teatro e<br />

dança, um extenso<br />

programa musical, e<br />

exposições <strong>de</strong>dicadas<br />

cerca <strong>de</strong> 90 por cento dos filmes<br />

feitos até 1920 estão perdidos para<br />

as gerações futuras.”<br />

Entre os escolhidos, “O<br />

Exorcista” foi distinguido por ser<br />

“um dos mais influentes filmes <strong>de</strong><br />

terror <strong>de</strong> todos os tempos” e “O<br />

Império Contra-ataca”, o segundo<br />

episódio da saga “Guerra das<br />

Estrelas” a ser lançado, por ter<br />

ajudado a “lançar as fundações <strong>de</strong><br />

uma das séries mais bem-sucedidas<br />

comercialmente na história<br />

americana”.<br />

ao pintor sueco Carl<br />

Larsson (1853-1919), ao<br />

trabalho com a ma<strong>de</strong>ira do<br />

arquitecto Alvar Aalto,<br />

outro ícone incontornável<br />

da Finlândia que viveu em<br />

Turku entre 1927 e 1933, e à<br />

artista Eija-Liisa Ahtila, que<br />

reflecte sobre a socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea finlan<strong>de</strong>sa<br />

na ví<strong>de</strong>o-instalação “Where<br />

is where?” (2008), sobre a<br />

guerra da Argélia. Também<br />

a relação com o espaço<br />

báltico, e nomeadamente<br />

com Tallin, a outra Capital<br />

Europeia da Cultura em<br />

2011, ocupa um lugar<br />

central no programa <strong>de</strong><br />

Turku. Ambas as cida<strong>de</strong>s<br />

propõem, <strong>de</strong> resto, um<br />

equilíbrio entre a cultura<br />

local e eventos <strong>de</strong><br />

projecção internacional,<br />

prolongando a lógica mais<br />

recente do projecto<br />

Capitais Europeias da<br />

Cultura. Em Tallin, <strong>de</strong><br />

resto, a aposta é<br />

<strong>de</strong>cididamente nos<br />

cidadãos locais, fazendo do<br />

evento uma materialização<br />

“poética e pragmática” do<br />

espírito da cida<strong>de</strong>:<br />

traduzindo, haverá danças<br />

populares, eventos<br />

<strong>de</strong>sportivos, jogos<br />

tradicionais, música<br />

clássica, os inabaláveis<br />

festivais da canção que são<br />

uma espécie <strong>de</strong> último<br />

reduto da alma estoniana, e<br />

uma série <strong>de</strong> aventuras no<br />

mar. Mas o principal<br />

<strong>de</strong>staque mediático vai<br />

para uma gran<strong>de</strong><br />

retrospectiva <strong>de</strong><br />

Hieronymus Bosch, que<br />

relacionará o génio do<br />

pintor holandês com os<br />

mitos do Norte da Europa.<br />

Tiago Bartolomeu Costa<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 3


<strong>Flash</strong><br />

A dupla<br />

britânica ica<br />

andou à caça<br />

dos anúncios<br />

sexuais<br />

afixados<br />

nas cabines<br />

telefónicas <strong>de</strong><br />

Londres para<br />

montar a nova<br />

exposição<br />

Queens<br />

of the Stone Age<br />

<strong>de</strong> volta ao estúdio<br />

Os norte americanos Queens of the<br />

Stone Age vão entrar em estúdio<br />

este mês para gravar o disco<br />

sucessor <strong>de</strong> “Era Vulgaris”, <strong>de</strong> 2007.<br />

A revelação foi feita por Dean<br />

Fertita, multi-instrumentista que faz<br />

parte do quinteto, à revista<br />

“Billboard”.<br />

O músico não adiantou a data <strong>de</strong><br />

lançamento do disco, que será o<br />

sexto do grupo li<strong>de</strong>rado e fundado<br />

por Josh Homme. Na entrevista à<br />

“Billboard”, Fertita adiantou que a<br />

banda está “entusiasmada e<br />

preparada” para as gravações. O<br />

O teatro i<strong>de</strong>al<br />

em Praga<br />

Uma<br />

micro-al<strong>de</strong>ia<br />

artística vai<br />

nascer na<br />

Quadrienal<br />

<strong>de</strong> Praga<br />

Chama-se “Intersection: Intimacy &<br />

Spectacle” e é um dos múltiplos<br />

acontecimentos paralelos da<br />

Quadrienal <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong><br />

Praga, que, <strong>de</strong> quatro em quatro<br />

anos, reúne o melhor da cenografia,<br />

do <strong>de</strong>sign e da arquitectura mundial<br />

e que em 2011 <strong>de</strong>corre entre 16 e 26<br />

<strong>de</strong> Junho. Mas o que este<br />

acontecimento tem <strong>de</strong> particular é o<br />

facto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r concorrer, em<br />

termos mediáticos, com a exposição<br />

oficial, cuja representação<br />

portuguesa está a cargo do<br />

encenador João Brites, do Teatro O<br />

Bando. Ao todo, são 30 caixas<br />

negras e brancas, criadas por<br />

provocadores como Árpád Schilling,<br />

fundador da companhia húngara<br />

Krétakör, Romeo Castellucci, da<br />

Societàs Raffaello Sanzio, ou o<br />

coreógrafo Josef Nadj, que vão<br />

ocupar o espaço público entre o<br />

Teatro Nacional <strong>de</strong> Praga e o antigo<br />

teatro da companhia Lanterna<br />

Magika, no centro da cida<strong>de</strong>.<br />

Objectivo: questionar o público<br />

sobre a sua relação com a<br />

performance e os modos<br />

contemporâneos <strong>de</strong> apresentação.<br />

“A primeira i<strong>de</strong>ia que nos surgiu foi<br />

uma al<strong>de</strong>ia artística microscópica,<br />

pequenos ‘teatros i<strong>de</strong>ais’ e ‘galerias<br />

i<strong>de</strong>ais’, cada um oferecendo um<br />

território interior para um<br />

compromisso íntimo com a obra <strong>de</strong><br />

arte”, explica Sodja Zupanc Lotker,<br />

curador da exposição e director<br />

artístico da Quadrienal. As caixas<br />

viajarão <strong>de</strong>pois pela Europa: a<br />

escala em Portugal faz-se no Festival<br />

Escrita na Paisagem, que <strong>de</strong>corre no<br />

Alentejo durante o Verão.<br />

músico disse ainda que os restantes<br />

membros da banda “já<br />

encontraram o seu espaço para<br />

contribuir na composição das<br />

faixas, apesar <strong>de</strong> os Queens of the<br />

Stone Age continuarem a ser a<br />

banda do Josh Homme”.<br />

Entre 1988 e 1995, Josh Homme foi<br />

guitarrista dos icónicos Kyuss, uma<br />

das bandas mais influentes da cena<br />

Stoner Rock. A banda, que se<br />

separou em 1995, reuniu-se em 2010<br />

como o nome Kyuss Lives! mas sem<br />

Homme, que não apoiou o regresso.<br />

Os Queens of the Stone Age já<br />

foram nomeados para o Grammy <strong>de</strong><br />

Melhor Performance Hard Rock por<br />

quatro vezes, a ultima <strong>de</strong>las em<br />

2008 com o single “Sick, Sick,<br />

Sick”.<br />

Hitchcock<br />

passa este<br />

Inverno<br />

em Paris<br />

Em Paris, o Inverno vai ser<br />

hitchcockiano: a edição em<br />

francês da mítica biografia<br />

que Patrick McGilligan<br />

lançou em 2004, “Alfred<br />

Hitchcock: A Life in<br />

Darkness and Light”,<br />

transformou-se na ponta <strong>de</strong><br />

um icebergue que inclui<br />

uma retrospectiva no<br />

Instituto Lumière em Lyon,<br />

um ciclo <strong>de</strong> projecções e <strong>de</strong><br />

conferências na<br />

Cinemateca Francesa, duas<br />

peças <strong>de</strong> teatro e 14<br />

serões Hitchcock na<br />

televisão. Nunca é<br />

<strong>de</strong>masiado: Alfred<br />

Hitchcock é um<br />

monstro que nunca mais<br />

acaba (e um dos<br />

fantasmas resi<strong>de</strong>ntes<br />

da história do<br />

cinema).<br />

Em Lyon, Bertrand<br />

Tavernier, presi<strong>de</strong>nte<br />

do Instituto Lumière, e<br />

Thierry Frémaux,<br />

director-geral,<br />

quiseram<br />

aproveitar o<br />

lançamento<br />

da biografia,<br />

editada em<br />

parceria pelo<br />

próprio instituto<br />

e pela Actes Sud,<br />

Sexto disco a<br />

caminho para<br />

a banda <strong>de</strong><br />

Josh Homme<br />

para organizar uma<br />

retrospectiva extensiva do<br />

cineasta, do cinema mudo<br />

aos anos americanos; além<br />

dos filmes, haverá um fim<strong>de</strong>-semana<br />

Hitchcock<br />

animado por Patrick<br />

McGilligan e por Tavernier<br />

(4, 5 e 6 <strong>de</strong> Fevereiro) e um<br />

estágio <strong>de</strong> análise fílmica<br />

orientado pelo especialista<br />

Jean Douchet (<strong>de</strong> 4 <strong>de</strong><br />

Janeiro a 3 <strong>de</strong> Abril). Mais<br />

acima, em Paris, a<br />

Cinemateca faz concorrência<br />

à retrospectiva <strong>de</strong> Lyon com<br />

um ciclo Hitchcock<br />

igualmente monumental, ao<br />

qual há que juntar as cinco<br />

conferências às segundasfeiras<br />

que se iniciam já dia<br />

10 com Serge Toubiana a<br />

tentar explicar como Hitch<br />

se tornou o cineasta<br />

favorito dos cineastas e<br />

acabam a 7 <strong>de</strong><br />

Fevereiro com o<br />

romancista<br />

Tanguy<br />

Viel a<br />

visitar<br />

os<br />

comboios e as casas-fétiche<br />

<strong>de</strong>sta inesgotável<br />

filmografia.<br />

Como se isto não<br />

bastasse, Hitchcock ainda<br />

vai ao teatro (e mais do que<br />

uma vez): a partir <strong>de</strong> dia 12,<br />

no Lucernaire, Alain Riou e<br />

Stéphane Boulan recriam,<br />

num ambiente <strong>de</strong> film noir,<br />

o mítico encontro <strong>de</strong><br />

Hitchcock com Truffaut;<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem, no Théâtre<br />

du Vésinet, a companhia <strong>de</strong><br />

Éric Métayer repõe a<br />

comédia “Os 39 Degraus”<br />

que fez sucesso no La<br />

Bruyère e que,<br />

curiosamente, também<br />

chega a Portugal agora,<br />

numa encenação <strong>de</strong><br />

Cláudio Hochmann. A<br />

estreia é dia 20, em<br />

Coimbra, no Teatro<br />

Académico <strong>de</strong> Gil Vicente.<br />

STF/ EPA PHOTO/AFP<br />

Gilbert &<br />

George, das cabines<br />

telefónicas para<br />

os museus<br />

A dupla Gilbert & George inaugura a<br />

14 <strong>de</strong> Janeiro, na White Cube Gallery<br />

<strong>de</strong> Londres, a exposição “Gilbert &<br />

George: Urethra Postcard Pictures”,<br />

que fica até 19 <strong>de</strong> Fevereiro na<br />

Mason’s Yard e <strong>de</strong>pois será exibida<br />

em vários museus por todo o<br />

mundo. Entre as novida<strong>de</strong>s da<br />

exposição estão trabalhos feitos a<br />

partir <strong>de</strong> anúncios sexuais afixados<br />

nas cabines telefónicas londrinas<br />

– “calling cards” que os artistas têm<br />

coleccionado ao longo <strong>de</strong> vários<br />

anos. Num <strong>de</strong>les, uma fotografia a<br />

preto e branco <strong>de</strong> um tronco <strong>de</strong> um<br />

homem, lê-se o texto: “Nasci<br />

rapariga. Fiz operação <strong>de</strong> mudança<br />

<strong>de</strong> sexo para homem. Mas ainda sou<br />

½ rapariga. Atraente turco 21 anos.”<br />

Gilbert & George pegaram nesse<br />

cartão, repetiram-no 13 vezes e<br />

criaram uma obra que dizem ser<br />

uma referência a um clérigo<br />

vitoriano <strong>de</strong>sonrado como pedófilo,<br />

explica o “The Guardian”.<br />

Des<strong>de</strong> a exposição que fizeram na<br />

Tate Mo<strong>de</strong>rn, em 2007, que Gilbert<br />

& George estão a trabalhar com<br />

estes postais. O jornal britânico<br />

explica que entre 1972 e 1989 os<br />

artistas fizeram centenas <strong>de</strong> obras<br />

em que usaram postais do tempo <strong>de</strong><br />

Eduardo VII (1841-1910) e da<br />

Primeira Guerra Mundial (1914-<br />

1918). As combinações que fizeram<br />

<strong>de</strong>stes postais serviam para os<br />

visitantes da exposição como portas<br />

<strong>de</strong> entrada no Reino Unido dos<br />

tempos do império colonial. Agora,<br />

os artistas estão a fazer retratos do<br />

Reino Unido mo<strong>de</strong>rno através <strong>de</strong><br />

postais massificados: on<strong>de</strong> se vêem<br />

as casas do parlamento, a Torre <strong>de</strong><br />

Londres, a ban<strong>de</strong>ira do Reino Unido<br />

e as tradicionais cabines<br />

telefónicas britânicas.<br />

Em Fevereiro,<br />

coincindindo com a<br />

abertura da exposição,<br />

será lançado “Complete<br />

Postcard Art of Gilbert<br />

& George”, revisão, em<br />

dois volumes editados<br />

pela Prestel, do<br />

trabalho da dupla<br />

com os postais. O<br />

livro tem <strong>de</strong>sign dos<br />

artistas e introdução do<br />

crítico Michael<br />

Bracewell.<br />

Retrospectivas e ciclos <strong>de</strong> conferências<br />

em Lyon e Paris, duas peças <strong>de</strong> teatro<br />

e 14 serões televisivos: a “saison”<br />

Hitchcock só agora está a começar<br />

4 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


B U L C Ã O<br />

EXPOSIÇÃO<br />

BRASÍLIA 50 ANOS<br />

MEIO SÉCULO DA CAPITAL DO BRASIL<br />

<strong>de</strong> 15.12.10 a 12.01.11<br />

Espaço Atmosferas - Rua da Boavista, N° 67, <strong>Lisboa</strong><br />

Entrada franca - www.brasilia50.info<br />

SINFÓNICA À SEXTA<br />

21:00 SALA SUGGIA<br />

CONCERTO<br />

DE ABERTURA<br />

PAÍS TEMA<br />

2011<br />

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA<br />

ORQUESTRA SINFÓNICA<br />

DO PORTO CASA DA MÚSICA<br />

Gerard Schwarz direcção musical<br />

Simon Trpčeski piano<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

Arthur Foote Francesca da Rimini<br />

Sergei Rachmaninoff Concerto para piano nº 4<br />

Aaron Jay Kernis Musica Celestis<br />

Howard Hanson Sinfonia nº 2, Romântica<br />

APOIO<br />

INSTITUCIONAL<br />

PATROCINADOR<br />

OFICIAL<br />

PATROCINADOR<br />

PRINCIPAL<br />

MECENAS ORQUESTRA SINFÓNICA<br />

DO PORTO CASA DA MÚSICA<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

A T H O S<br />

cultural<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

QUA 26 JAN<br />

22:00 SALA SUGGIA | € 15<br />

YASMIN LEVY<br />

De disco para disco, Yasmin Levy tem aprofundado a<br />

busca <strong>de</strong> uma linguagem própria por entre a tradição<br />

judaico–espanhola, o flamenco e a cultura do mundo<br />

árabe, num processo que transcen<strong>de</strong> a própria<br />

música e <strong>de</strong>nuncia um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> reconciliação<br />

histórica. Sentir, o álbum mais recente da cantora<br />

e compositora nascida em Jerusalém, atesta o<br />

progressivo amadurecimento <strong>de</strong>ssa fusão, cada vez<br />

mais o habitat natural para a sua voz versátil,<br />

sensual e transbordante <strong>de</strong> emoção.<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

JANTAR + CONCERTO € 30<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.


Spielberg Peter Evans Von<br />

Calhau! Mathieu Amalric<br />

The Strokes Natalie Portman<br />

Radiohead James Franco<br />

Pina Bausch Umberto Eco<br />

Jérôme Bel Houellebecq<br />

Apichatpong Weerasethakul<br />

Sofia Coppola Panda Bear<br />

James Blake Trisha Brown<br />

Cláudio da Silva Angélica<br />

Lid<strong>de</strong>ll Godard Wolfgang<br />

Rihm Jonathan Franzen JP<br />

Simões Jason Moran Gonçalo<br />

Pena Thomas Hampson<br />

Simon Trpceski Eduardo<br />

Batarda Steve Lehman


A aventura <strong>de</strong> Spielberg<br />

no mundo <strong>de</strong> Tintin<br />

Sabendo do que Spielberg,<br />

realizador, e Jackson,<br />

produtor, são capazes<br />

quando se entregam a cem<br />

por cento, é inevitável a<br />

trepidação. Jorge Mourinha<br />

“Tintin e o<br />

Segredo do<br />

Licorne” foi<br />

rodado <strong>de</strong> raiz<br />

em 3D<br />

utilizando o<br />

sistema <strong>de</strong><br />

“performance<br />

capture” que<br />

permitiu a<br />

Andy Serkis<br />

habitar o<br />

Gollum do<br />

“Senhor dos<br />

Anéis” e a<br />

Cameron<br />

concretizar o<br />

planeta<br />

Pandora <strong>de</strong><br />

“Avatar”<br />

JEAN PIERRE MULLER/AFP<br />

Se há um filme que concentra em si<br />

tudo o que <strong>de</strong> mais empolgante e <strong>de</strong><br />

mais assustador a Hollywood mo<strong>de</strong>rna<br />

po<strong>de</strong> propor é a longamente anunciada<br />

adaptação ao cinema das aventuras<br />

<strong>de</strong> Tintin, que vai ver a luz do<br />

dia em 2011. Steven Spielberg, que<br />

sonhava levar a personagem ao cinema<br />

há anos, juntou esforços a Peter<br />

Jackson para “Tintin e o Segredo do<br />

Licorne”, que amalgama elementos<br />

<strong>de</strong> “O Segredo do Licorne”, “O Tesouro<br />

<strong>de</strong> Rackham o Terrível” e “O Caranguejo<br />

das Tenazes <strong>de</strong> Ouro” (a<br />

adaptação foi escrita por Edgar Wright,<br />

realizador <strong>de</strong> “Shaun of the Dead”<br />

e “Scott Pilgrim contra o Mundo”,<br />

e Steven Moffat, principal argumentista<br />

das séries inglesas “Doctor Who”<br />

e “Sherlock”).<br />

Mas “Tintin e o Segredo do Licorne”<br />

foi rodado <strong>de</strong> raiz em 3D utilizando<br />

o sistema <strong>de</strong> “performance capture”<br />

que permitiu a Andy Serkis habitar<br />

o Gollum do “Senhor dos<br />

Anéis” e a James Cameron concretizar<br />

o planeta Pandora <strong>de</strong><br />

“Avatar”. Ou seja: filmar uma<br />

referência <strong>de</strong> imagem real que<br />

“<strong>de</strong>saparece” no resultado final,<br />

com as personagens construídas<br />

em animação digital por sobre a interpretação<br />

corporal dos<br />

actores. A rodagem da referência<br />

ficou concluída<br />

há mais <strong>de</strong> um ano, e todo<br />

o tempo que me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

então e até à estreia<br />

prevista para Outubro<br />

é <strong>de</strong>dicado<br />

à construção<br />

visual do<br />

filme, que se preten<strong>de</strong> tão próximo<br />

quanto possível da “linha clara” que<br />

Hergé impôs nos livros. Jamie Bell<br />

(“Billy Elliott”) <strong>de</strong>u o corpo e a voz a<br />

Tintin, Andy Serkis ao Capitão Haddock,<br />

Simon Pegg e Nick Frost são Dupont<br />

e Dupond e Daniel Craig Rackham<br />

o Terrível – mas que não se<br />

espere reconhecer os seus rostos no<br />

resultado final, como as primeiras<br />

fotografias divulgadas dão a enten<strong>de</strong>r...<br />

O risco <strong>de</strong> “Tintin” em “performance<br />

capture” é triplo: primeiro, porque<br />

Spielberg (que realiza) e Jackson (que<br />

produz) estão à procura <strong>de</strong> um meio<br />

termo difícil <strong>de</strong> encontrar entre o fotorealismo<br />

e a animação numa personagem<br />

que está literalmente gravada<br />

na memória cultural <strong>de</strong> milhões<br />

<strong>de</strong> leitores. Segundo, porque a personagem<br />

não tem nos EUA a popularida<strong>de</strong><br />

abrangente do resto do mundo<br />

(o resultado final é financiado a meias<br />

pela Paramount, que ficou com os<br />

direitos americanos, e a Sony/Columbia,<br />

que distribui no resto do mundo).<br />

Terceiro, porque tanto Spielberg como<br />

Jackson saem <strong>de</strong> filmes mal recebidos<br />

(o quarto Indiana Jones e “Visto<br />

do Céu”) e os observadores vão<br />

estar atentos à performance do “Licorne”<br />

- um “tropeção” po<strong>de</strong> ser complicado.<br />

Mas, sabendo do que ambos<br />

são capazes quando se entregam a<br />

cem por cento, é inevitável a trepidação.<br />

E, caso o filme seja um êxito, há<br />

sempre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter lançado<br />

um novo “franchise” cinematográfico...<br />

No interim, ambos os cineastas estão<br />

já a avançar com outros projectos,<br />

aproveitando a longuíssima pós-produção<br />

<strong>de</strong> “Tintin”. Jackson começa a<br />

filmar o “Hobbit” <strong>de</strong> Tolkien (ao que<br />

tudo indica em Fevereiro) para dois<br />

filmes a estrear em 2012 e 2013. Spielberg,<br />

que prepara “Robocalypse”,<br />

história <strong>de</strong> ficção-científica, para<br />

2012, já está a montar “War Horse”,<br />

adaptação <strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> Michael<br />

Morpurgo sobre a amiza<strong>de</strong> entre<br />

adolescente e o seu cavalo durante a<br />

I Guerra Mundial (que já originou uma<br />

espantosa produção teatral londrina),<br />

com David Thewlis, Peter Mullan e<br />

Emily Watson. “War Horse” e “Tintin<br />

e o Segredo do Licorne” vão ser “concorrentes”<br />

nas bilheteiras: ambos têm<br />

estreia prevista para o final <strong>de</strong> 2011,<br />

com “Tintin” a estrear a partir <strong>de</strong> Outubro<br />

na Europa (27 <strong>de</strong> Outubro em<br />

Portugal) e “War Horse” prometido<br />

para o Natal (embora, provavelmente,<br />

só em 2012 na Europa).<br />

cinema<br />

Mathieu Amalric,<br />

a generosida<strong>de</strong><br />

das formas<br />

Com “Tournée”, Mathieu<br />

Amalric rasga uma certa<br />

imagem <strong>de</strong> “auteur” e <strong>de</strong><br />

intérprete francês.<br />

Vasco Câmara<br />

Um pouco <strong>de</strong> “The Killing of a Chinese<br />

Bookie”, <strong>de</strong> Cassavetes, algo <strong>de</strong><br />

Renoir ( Jean e Auguste), ou seja, generosida<strong>de</strong><br />

no olhar e nas formas,<br />

melancolia e raiva rock’n’roll. E, apesar<br />

disto, coisa pessoal e livre.<br />

Com “Tournée”, quarta longa <strong>de</strong><br />

Mathieu Amalric, o realizador e actor<br />

rasga uma certa imagem <strong>de</strong> “auteur”<br />

MARIO ANZUONI /REUTERS<br />

NUNO FERREIRA SANTOS


O ano<br />

<strong>de</strong> James<br />

Franco...<br />

O talento enorme<br />

parecia andar<br />

ao lado <strong>de</strong> uma<br />

gran<strong>de</strong> carreira.<br />

Mas este ano...<br />

Chamaram-lhe “o novo James Dean”<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter recriado o ícone <strong>de</strong><br />

Hollywood num telefilme <strong>de</strong> 2001.<br />

Mas nem a sua presença nos “Homem-Aranha”<br />

<strong>de</strong> Sam Raimi o salvou<br />

<strong>de</strong> uma década em que o talento enorme<br />

<strong>de</strong> James Franco parecia andar ao<br />

lado <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> carreira. Até que<br />

papéis secundários em “Milk”, <strong>de</strong> Gus<br />

van Sant, e “Pineapple Express”, <strong>de</strong><br />

David Gordon Green, seguido <strong>de</strong> presenças<br />

em veículos para Julia Roberts<br />

PHIL MCCARTE/REUTERS<br />

e Steve Carell e uma participação conceptual<br />

na telenovela “General Hospital”,<br />

o <strong>de</strong>volveram à primeira linha<br />

<strong>de</strong> Hollywood. 2011 po<strong>de</strong> bem ser o<br />

seu ano: “127 Horas”, o novo Danny<br />

Boyle (estreia a 24 <strong>de</strong> Fevereiro), on<strong>de</strong><br />

é o único actor no écrã durante 90<br />

por cento do filme, parece ter garantida<br />

a nomeação para os Oscares. Mas<br />

vamos também po<strong>de</strong>r vê-lo a recriar<br />

o poeta beat Allen Ginsberg em “Howl”<br />

(em Junho), e a li<strong>de</strong>rar o elenco<br />

da “prequela” do “Planeta dos Macacos”,<br />

“Rise of the Apes” ( Julho), e da<br />

nova comédia <strong>de</strong> David Gordon Green,<br />

“Real Desatino” (Abril). J. M.<br />

James Franco<br />

como Allen<br />

Ginsberg em<br />

“Howl”<br />

MARIO ANZUONI /REUTERS<br />

Natalie<br />

Portman em<br />

“O Cisne<br />

Negro”<br />

... e o ano <strong>de</strong> Natalie<br />

Portman<br />

A sua performance tempestuosa<br />

no “Cisne Negro” <strong>de</strong> Darren<br />

Aronofsky coloca-a à frente da<br />

corrida para os Óscares.<br />

Tinha apenas 13 anos quan-<br />

do Luc Besson a revelou em<br />

“Léon, o Profissional” - e, <strong>de</strong><br />

então para cá, Natalie Portman<br />

faz questão <strong>de</strong> evitar a “maldição<br />

da<br />

actriz criança”, mesmo que isso<br />

implicasse passar ao lado do estatuto<br />

to <strong>de</strong> “ve<strong>de</strong>ta” que muitos lhe<br />

profetizavam e preferisse ser uma<br />

actriz que (apesar da primeira trilogia<br />

da “Guerra das Estrelas”)<br />

prefere rodar com Milos Forman,<br />

Amos Gitai, Wong Kar-Wai<br />

ou<br />

Wes An<strong>de</strong>rson. Dificilmen-<br />

te<br />

2011 não lhe vai trazer o reconhecimento<br />

há muito merecido: a<br />

sua performance tempestuosa no<br />

“Cisne Negro” <strong>de</strong> Darren Aronofsky<br />

(estreia 3 <strong>de</strong> Fevereiro) coloca-a à<br />

frente da corrida para os Óscares,<br />

dando o “pontapé <strong>de</strong> saída” para um<br />

ano on<strong>de</strong> a vamos ver em duas comédias<br />

(“Sexo sem Compromisso”, <strong>de</strong><br />

Ivan Reitman, ao lado <strong>de</strong> Ashton Kutcher,<br />

em Fevereiro, e “Real Desatino”,<br />

<strong>de</strong> David Gordon Green, com<br />

James Franco e Zooey Deschanel, em<br />

Abril) e na mais recente BD filmada<br />

da Marvel, “Thor”, dirigida por Kenneth<br />

Branagh (Abril). J. M.<br />

NUNO FERREIRA SANTOS<br />

ERIC GAILLARD/REUTERS<br />

O realizador e<br />

as suas<br />

ve<strong>de</strong>tas: Mimi<br />

Le Meaux,<br />

Kitten on the<br />

Keys, Dirty<br />

Martini e Julie<br />

Atlas Muz<br />

e <strong>de</strong> intérprete (aquilo que fez para o<br />

cinema <strong>de</strong> Arnaud Desplechin, por<br />

exemplo). Criando algo <strong>de</strong> mais selvagem<br />

com a ajuda <strong>de</strong> opulentos<br />

exemplares do “burlesque”: Mimi Le<br />

Meaux, Kitten on the Keys, Dirty Martini<br />

ou Julie Atlas Muz, criaturas do<br />

revival <strong>de</strong> uma tradição do vau<strong>de</strong>ville<br />

americano, o New Burlesque, que nada<br />

tem a ver com o <strong>de</strong>sign escultural<br />

<strong>de</strong> Dita Von Teese (nem, já agora, com<br />

o <strong>de</strong> Christina Aguillera e <strong>de</strong> Cher).<br />

Amalric interpreta o empresário <strong>de</strong><br />

um show que regressa a França com<br />

as suas artistas, recrutadas nos EUA,<br />

disposto a vencer em Paris. On<strong>de</strong> nunca<br />

chegará - “malaise” e melancolia,<br />

figura em fuga, nunca se sabendo se<br />

corre para um objectivo ou se foge <strong>de</strong><br />

si próprio. O filme é generoso e caótico,<br />

sempre em trânsito entre o documental<br />

(os shows, filmados em<br />

tournée pela costa francesa) e o ficcional,<br />

<strong>de</strong>senvolve-se através <strong>de</strong> linhas<br />

<strong>de</strong> fuga que se <strong>de</strong>sviam e ao mesmo<br />

tempo querem regressar a uma<br />

base - esse é o périplo do janota existencialista<br />

Joachim<br />

Amalric, sempre <strong>de</strong> saída e sempre<br />

<strong>de</strong> regresso a estas meninas <strong>de</strong> carne<br />

e <strong>de</strong> luz esplendorosamente fotografadas.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 9


JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS<br />

“The Tree of<br />

Life” move-se<br />

num registo<br />

“fantástico” e<br />

os<br />

protagonistas<br />

são Brad Pitt e<br />

Sean Penn<br />

No cinema americano não há outro<br />

“bissexto” como ele: Terrence Malick,<br />

que em 38 anos estreou quatro longas-metragens.<br />

Mas que quatro longas-metragens:<br />

“Badlands” e “Days<br />

of Heaven”, nos anos 70, ainda cheias<br />

<strong>de</strong> “febre no sangue”, e vinte anos<br />

<strong>de</strong>pois, “The Thin Red Line” e “The<br />

New World”, um par <strong>de</strong> “épicos” contemplativos<br />

e interiores. Não se erra<br />

por se prever que a estreia <strong>de</strong> “The<br />

Tree of Life”, a sua quinta longa-metragem<br />

(seis anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “New<br />

World”), agendada para Maio <strong>de</strong> 2011<br />

nos EUA, motivará algumas parangonas.<br />

Ainda ninguém sabe o que o filme<br />

é, e se alguém sabe mantém-se<br />

calado – o que se vai ouvindo e lendo<br />

são as pequenas coisas <strong>de</strong> que o<br />

“hype” precisa para se alimentar: que<br />

é “radical”, que “não se parece com<br />

nada”. Em todo o caso será conveniente,<br />

como dizia o velho slogan,<br />

esperar o inesperado. Aparentemente,<br />

“The Tree of Life” move-se num<br />

registo “fantástico” (um “Tio Boonmee”<br />

americano?...), e os protagonistas<br />

masculinos são Brad Pitt e Sean<br />

Penn. L.M.O.<br />

Terrence Malick: esperar<br />

o inesperado<br />

O que se vai lendo são as pequenas coisas <strong>de</strong> que<br />

o “hype” precisa para se alimentar: que “The Tree<br />

of Life” é “radical”, que “não se parece com nada”.<br />

Apichatpong Weerasethakul:<br />

<strong>de</strong>corem todas as sílabas<br />

É um nome na ponta da língua <strong>de</strong> muita gente,<br />

e o passo que faltava dar para consagrar essa<br />

familiarida<strong>de</strong> aconteceu em Cannes <strong>de</strong> 2010, com<br />

a Palma a “Uncle Boonmee Who Can Recall his<br />

Past Lives”. Luís Miguel Oliveira<br />

Ao lado <strong>de</strong><br />

artigos<br />

extasiados<br />

outros<br />

queixam-se <strong>de</strong><br />

o filme ser<br />

“muito<br />

parado”.<br />

Não houve outro remédio que não<br />

<strong>de</strong>corar todas as sílabas que compõem<br />

o nome <strong>de</strong>ste cineasta tailandês. Hoje,<br />

nove anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Blissfully Yours”,<br />

sete anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Tropical Malady”,<br />

Apichatpong Weerasethakul é um<br />

nome na ponta da língua <strong>de</strong> muita<br />

gente, e o passo que faltava dar para<br />

consagrar a sua familiarida<strong>de</strong> aconteceu<br />

em Cannes <strong>de</strong> 2010, quando “Uncle<br />

Boonmee Who Can Recall his Past<br />

Lives” conquistou a Palma <strong>de</strong> Ouro.<br />

Circularam SMS a dizer que se tratava<br />

do “maior filme da história”, escreveram-se<br />

artigos extasiados, e agora, no<br />

final <strong>de</strong> 2010, “Uncle Boonmee” encabeçou<br />

um sem-número <strong>de</strong> listas <strong>de</strong><br />

“melhores do ano”. O acréscimo <strong>de</strong><br />

exposição que a Palma trouxe também<br />

ofereceu a Apichatpong, até então<br />

quase um exclusivo dos nichos<br />

cinéfilos “hardcore”, as primeiras bastonadas<br />

públicas: ao lado dos artigos<br />

extasiados encontram-se outros que<br />

se queixam <strong>de</strong> o filme ser “muito parado”.<br />

Com polémicas <strong>de</strong>stas ou não,<br />

é seguro que também em Portugal será<br />

nome muito dito em 2011: “Uncle<br />

Boonmee...” tem estreia nacional marcada<br />

para os próximos meses.<br />

Edgar Ramírez<br />

ao espelho<br />

A estratégia <strong>de</strong> Carlos como estratégia<br />

<strong>de</strong> sensualida<strong>de</strong>, a História inscrita no corpo<br />

do terrorista. Assayas encontrou um actor<br />

para esse narcisismo que se consome.<br />

Vasco Câmara<br />

De um Ramírez, Ilich Ramí-<br />

rez Sánchez, venezuelano,<br />

a outro, Edgar Ramírez, ve-<br />

nezuelano: “Porque é que te<br />

prestas a [servir <strong>de</strong> veículo] a uma<br />

obra <strong>de</strong> propaganda contra-revolu-<br />

cionária difamando o mais conhecido<br />

dos Ramírez? Mantenho-me firme,<br />

intransigente em<br />

relação aos princí-<br />

pios transmitidos pelo meu pai, recusando<br />

ven<strong>de</strong>r-me ao império <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte.<br />

Edgar, não <strong>de</strong>ixes que a glória<br />

efémera, a soldo <strong>de</strong> Hollywood, te dê<br />

a volta à cabeça. A fama mediática é<br />

passageira. Ela não po<strong>de</strong> substituir o<br />

respeito, a honra, a realida<strong>de</strong>. Viva a<br />

nossa Venezuela bolivariana! Viva a<br />

nossa Terra santa da Palestina! Deus<br />

é o maior. Carlos, Poissy, 14 <strong>de</strong> Maio<br />

<strong>de</strong> 2010”.<br />

Foi no jornal francês “Figaro” que<br />

o primeiro Ramírez – nome <strong>de</strong> guerra<br />

“Carlos, o Chacal”, terrorista, a cumprir<br />

pena perpétua em estabelecimento<br />

<strong>de</strong> alta segurança –, invocando<br />

um antepassado comum <strong>de</strong> há 500<br />

anos, “um conquistador”, publicou<br />

uma carta ao outro Ramírez, o actor<br />

que o interpreta em “Carlos”, filme<br />

<strong>de</strong> Olivier Assayas.<br />

Edgar<br />

Ramírez como<br />

Carlos, o<br />

Chacal


JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS<br />

Jean-Luc Godard “lives”<br />

Um dos ícones vivos da outrora<br />

chamada arte cinematográfica: a<br />

estreia <strong>de</strong> “Film Socialisme” será um<br />

dos pontos altos do ano.<br />

“Exit Through<br />

the Gift Shop”<br />

O retrato do<br />

vazio da fama<br />

que La<br />

Coppola<br />

propõe em<br />

“Somewhere”<br />

é autobiográfico<br />

ou<br />

satírico?<br />

JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS<br />

Banksy, o gran<strong>de</strong><br />

manipulador<br />

Um filme que cai em<br />

pleno <strong>de</strong>bate do que é e<br />

po<strong>de</strong> ser hoje o cinema.<br />

Acabou <strong>de</strong> se tornar octogenário (em<br />

Dezembro), sobreviveu a duas biografias<br />

(uma do americano Richard<br />

Brody, crítico da “New Yorker”, outra<br />

do francês Antoine <strong>de</strong> Baecque),<br />

e uma estapafúrdia campanha (suscitada<br />

pelo livro <strong>de</strong> Brody) que pretendia<br />

fazer <strong>de</strong>le um perigoso antisemita.<br />

Também sobreviveu a um<br />

muito publicitado “Óscar especial”<br />

e, tudo indica, à agressivida<strong>de</strong> (nalguns<br />

casos inimaginável) com que a<br />

crítica mais generalista recebeu<br />

“Film Socialisme”. Longe vão os<br />

tempos em que a estreia <strong>de</strong> um filme<br />

<strong>de</strong> Godard fazia parar as máquinas<br />

– mas, c’os diabos, trata-se <strong>de</strong> um<br />

dos dois ou três ícones vivos da outrora<br />

chamada arte cinematográfica,<br />

e a estreia em Portugal será um dos<br />

pontos altos do ano. Majestoso e labiríntico,<br />

encantador e exasperante<br />

– é tudo menos uma abstracção: viaja<br />

pelo Mediterrâneo, “mar fundador”,<br />

e fala <strong>de</strong> nós, europeus, no<br />

ponto da história em que estamos,<br />

prevendo o momento em que se ia<br />

conseguir convencer os gregos <strong>de</strong><br />

que são eles quem está em dívida<br />

para com a Europa. L.M.O.<br />

Lugares-comuns: “uma imagem vale<br />

mais do que mil palavras”, “um velling é uma questão <strong>de</strong> moral”, “a<br />

tra-<br />

câmara nunca mente”. A era do “falso<br />

documentário” como laboratório<br />

formal e criativo do cinema mo<strong>de</strong>rno<br />

tem <strong>de</strong>svalorizado ou revalorizado<br />

esses lugares-comuns, <strong>de</strong> “O Projecto<br />

Blair Witch” a “I’m Not Here”. Mas<br />

quando o “falso documentário” é um<br />

“documentário verda<strong>de</strong>iro”, como<br />

“Exit Through the Gift Shop”, que<br />

pega em imagens reais mas nos<br />

leva a perguntar a qualquer momento<br />

o que é verda<strong>de</strong> e o que<br />

é mentira? O filme do provocaem<br />

Abril) é um exercício <strong>de</strong> manipulação<br />

<strong>de</strong> materiais e da própria<br />

forma do documentário que toma<br />

dor Banksy (nas nossas salas<br />

como tema a manipulação, mas também<br />

o modo como um ponto o <strong>de</strong> vista<br />

ou um olhar muda as coor<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong><br />

compreensão e recepção <strong>de</strong> qualquer<br />

objecto. Se quisermos, um cumentário sobre si mesmo – e um<br />

meta-do-<br />

filme que cai em pleno <strong>de</strong>bate do que<br />

é e po<strong>de</strong> ser hoje o cinema. J. M.<br />

ALESSANDRO BIANCHI/REUTERS<br />

Sofia<br />

ou o<br />

regresso<br />

da filha<br />

pródiga<br />

Sofia já per<strong>de</strong>u<br />

o prazo <strong>de</strong><br />

valida<strong>de</strong> ou<br />

acaba <strong>de</strong> se<br />

reinventar?<br />

“Somewhere”<br />

promete ser um<br />

dos assuntos da<br />

temporada.<br />

É o seu cinema, ou é só o seu apelido?<br />

Sempre que Sofia Coppola reaparece,<br />

os holofotes assestam-se nela. Depois<br />

da controvérsia “Marie Antoinette”,<br />

“Somewhere” tem polarizado a<br />

crítica e o público <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia<br />

em Setembro no Festival <strong>de</strong> Veneza,<br />

on<strong>de</strong> ganhou o Leão <strong>de</strong> Ouro por<br />

entre acusações <strong>de</strong> compadrio (Quentin<br />

Tarantino, presi<strong>de</strong>nte do júri, foi<br />

seu namorado) e aclamações <strong>de</strong> genialida<strong>de</strong>.<br />

O retrato do vazio da fama<br />

que La Coppola propõe em “Somewhere”<br />

é autobiográfico ou satírico?<br />

Um retorno ao estado <strong>de</strong> graça <strong>de</strong><br />

“Lost in Translation” ou a sua confirmação<br />

como frau<strong>de</strong> empolada? Sofia<br />

já per<strong>de</strong>u o prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> ou acaba<br />

<strong>de</strong> se reinventar? “Somewhere”<br />

promete ser um dos assuntos <strong>de</strong> conversa<br />

da temporada. Respostas, ou<br />

<strong>de</strong>bates, quando por cá estrear (17 <strong>de</strong><br />

Fevereiro). J. M.<br />

Cinco horas e meia para televisão<br />

reduzidas a duas horas e meia para<br />

cinema, versão anunciada entre nós<br />

para Fevereiro - é verda<strong>de</strong> que algo<br />

se per<strong>de</strong>... –, “Carlos” é várias coisas:<br />

um “puzzle” ou miniatura que <strong>de</strong>senha<br />

as movimentações e figuras do<br />

terrorismo das décadas <strong>de</strong> 70 e 80 do<br />

século XX; uma tragédia sobre a pureza<br />

revolucionária que é <strong>de</strong>vorada;<br />

um retrato da ambição em movimento,<br />

retrato em aberto, esse, <strong>de</strong> um<br />

sedutor nato que gostava <strong>de</strong> armas e<br />

<strong>de</strong> mulheres. A estratégia <strong>de</strong> Carlos<br />

como estratégia <strong>de</strong> sensualida<strong>de</strong>, a<br />

História no corpo do terrorista. Assayas<br />

encontra uma figura para esse<br />

narcisismo que se consome: o plano<br />

<strong>de</strong> Ramírez nu, <strong>de</strong>spudoradamente<br />

embeiçado por si próprio, momento<br />

que se repete, ao som <strong>de</strong> “Dreams<br />

never end”, dos New Or<strong>de</strong>r, quando<br />

Carlos é já corpo inchado pelo excesso<br />

e pelo ego, mas ainda capaz <strong>de</strong> um<br />

último “hurrah” ao espelho. No centro<br />

das atenções, Edgar Ramírez, 33<br />

anos, actor secundário em “Che”, <strong>de</strong><br />

So<strong>de</strong>rbergh, ou em “The Borne Ultimatum”,<br />

tem agora o seu momento.<br />

Frente ao espelho.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 11


O que fazer<br />

com este disco?<br />

Quando finalmente<br />

aparecer, o oitavo disco<br />

dos Radiohead será<br />

inevitavelmente o assunto<br />

do momento: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “In<br />

Rainbows” que eles sabem<br />

como fazer as coisas em<br />

estilo. João Bonifácio<br />

Parece certo<br />

que os<br />

Radiohead só<br />

editarão o<br />

novo álbum<br />

quando<br />

souberem<br />

como editá-lo:<br />

a experiência<br />

“In Rainbows”<br />

terá uma<br />

sequela<br />

Tudo o que os Radiohead fazem é notícia<br />

e não apenas pela avi<strong>de</strong>z dos<br />

media – é que os fãs seguem-lhes o<br />

rasto até ao mais ínfimo passo. Mas<br />

da última vez que os Radiohead foram<br />

capa <strong>de</strong> jornais, bem, parecia que o<br />

mundo tinha acabado. Bastou lançarem<br />

disco novo, “In Rainbows”, <strong>de</strong><br />

uma forma que nada tinha <strong>de</strong> original<br />

no un<strong>de</strong>rground mas que nunca fora<br />

vista na alta indústria: cada ouvinte<br />

pagava o que achava correcto pela<br />

edição em mp3 e se quisesse até podia<br />

conseguir o disco, no formato digital,<br />

<strong>de</strong> graça. Falou-se em fim da industria,<br />

mas o que ficou claro é que o<br />

mo<strong>de</strong>lo só é válido para quem tiver,<br />

no universo pop, um grupo <strong>de</strong> fiéis<br />

vastíssimo – o que é o caso. Este pormenor<br />

<strong>de</strong> como editar um disco tem<br />

mais relevância do que parece <strong>de</strong>ntro<br />

da banda <strong>de</strong> Thom Yorke. Des<strong>de</strong> a saída<br />

<strong>de</strong> “In Rainbows” e respectiva<br />

digressão, os membros do quinteto já<br />

fizeram todo o tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações:<br />

Thom Yorke disse que os Radiohead<br />

enquanto grupo que edita discos tinham<br />

acabado e que se iam <strong>de</strong>dicar<br />

a fazer canções que colocariam na<br />

net; Ed O’Brien, guitarrista, afirmou<br />

que a banda não lançaria nenhum<br />

disco enquanto não soubesse o mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> edição a usar. Por tudo isto e<br />

mais alguma coisinha, o oitavo disco<br />

<strong>de</strong> originais dos Radiohead, que <strong>de</strong><br />

acordo com Phil Selway, baterista, é<br />

“a melhor coisa” que alguma vez fizeram,<br />

é dos discos mais ansiados do<br />

ano. Se sair este ano. Porque primeiro,<br />

em Fevereiro do ano passado, um<br />

colaborador do “L.A. Times” colocou<br />

no seu blogue um “post” em que dava<br />

conta <strong>de</strong> uma festa oferecida pelos<br />

Radiohead na casa do habitual produtor<br />

Nigel Godrich – supostamente<br />

para comemorar o fim das gravações<br />

do novo disco. O “post” foi imediatamente<br />

apagado. Depois, em Julho, Ed<br />

O’Brien dizia que o disco estaria resolvido<br />

numa “questão <strong>de</strong> semanas”.<br />

Em Novembro, Johny Greenwood dizia<br />

que finalmente o álbum estava<br />

acabado e tinha <strong>de</strong>z faixas, talvez um<br />

pouco mais, e que não só estaria prestes<br />

a sair como seria seguido <strong>de</strong> uma<br />

digressão mundial, o que supostamente<br />

ia contra os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> Thom<br />

Yorke, para quem ter <strong>de</strong> dar 200 concertos<br />

num ano é uma espécie <strong>de</strong> tortura.<br />

Mas uns dias <strong>de</strong>pois o guitarrista<br />

veio a público explicar que o tinham<br />

citado mal e que “o único<br />

plano” dos Radiohead era “não ter<br />

qualquer plano até o disco estar acabado”.<br />

Pelo meio ainda houve faixas<br />

falsas do disco a passarem para a imprensa.<br />

O que po<strong>de</strong>mos retirar <strong>de</strong> tudo isto?<br />

É certo, por múltiplas <strong>de</strong>clarações dos<br />

rapazes, que eles têm consciência <strong>de</strong><br />

ser impossível voltar a ter êxito com<br />

um truque igual ao usado em “In<br />

Rainbows”. Também parece pouco<br />

provável que os Radiohead se transformem<br />

numa banda que só muito<br />

ocasionalmente lance um par <strong>de</strong> canções<br />

na net. Mas que tipo <strong>de</strong> som sairá<br />

dali é impossível dizer. A única<br />

coisa certa é que O’Brien estava a falar<br />

a sério quando disse que não haveria<br />

novo disco enquanto a banda<br />

não soubesse como editá-lo. Resta<br />

saber se será mais falado pelo simples<br />

facto <strong>de</strong> ser parido ou pela qualida<strong>de</strong><br />

da música.<br />

música<br />

Peter Evans,<br />

trompete, século XXI<br />

Pelo que Evans fez em 2010,<br />

não po<strong>de</strong>mos perdê-lo <strong>de</strong><br />

vista em 2011.<br />

Outro dos registos que se repetiu e<br />

multiplicou nas listas dos melhores<br />

do ano foi “Scenes in the House of Music”,<br />

gravação ao vivo na Casa da Música<br />

em que o celebrado trio <strong>de</strong> Evan<br />

Parker, Barry Guy e Paul Lytton surge<br />

acompanhado <strong>de</strong> um quarto músico,<br />

o jovem trompetista Peter Evans. Ponto<br />

comum nos comentários ao disco<br />

é o espanto perante a forma absolutamente<br />

natural como Evans se integrou<br />

no xadrez complexo e exigente<br />

formado por três dos mais importantes<br />

veteranos da improvisação europeia.<br />

Com lugar cativo nos Mostly<br />

Other People Do The Killing, a nova<br />

banda coqueluche do action jazz, e<br />

um outro registo, “Live in Lisbon”, a<br />

marcar o ano discográfico que passou,<br />

Peter Evans é outro dos nomes a seguir<br />

com atenção em 2011. R.A.<br />

MIGUEL MANSO<br />

Agora é<br />

que vamos<br />

mesmo<br />

ouvir<br />

“Tomboy”<br />

Há dois anos<br />

que andamos<br />

a ouvir falar do<br />

novo álbum <strong>de</strong><br />

Panda Bear. Agora<br />

é a sério: será,<br />

corações ao alto,<br />

um acontecimento<br />

<strong>de</strong> 2011.<br />

“Person Pitch” foi um álbum milagroso.<br />

Noah Lennox (Panda Bear) criou<br />

uma sinfonia digital on<strong>de</strong> as harmonias<br />

vocais guiavam a viagem por um<br />

disco que, em pleno século XXI, ofereceu<br />

uma nova leitura do ambicioso<br />

plano <strong>de</strong> Brian Wilson na década <strong>de</strong><br />

60: criar uma elegia adolescente a<br />

<strong>de</strong>us. Talvez seja o peso <strong>de</strong>sse antecessor<br />

que recai agora sobre o mais<br />

<strong>de</strong>stacado dos Animal Collective. Porque<br />

“Tomboy”, o álbum que editará<br />

este ano, já no final <strong>de</strong> 2009 foi anunciado<br />

como um dos mais aguardados<br />

<strong>de</strong> 2010. Inicialmente <strong>de</strong>scrito como<br />

“negro” e menos “baseado em samples”,<br />

foi sendo antecipado nos últimos<br />

12 meses em vários singles <strong>de</strong><br />

numeração limitadíssima.<br />

Ouvimos agora um Panda Bear<br />

mais físico na cadência rítmica e menos<br />

contemplativo. Ouvimos pedaços<br />

<strong>de</strong> dub e drone <strong>de</strong> origem incerta, a<br />

guitarra a surgir como presença assídua<br />

e a voz ainda como centro <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

emana toda a música.<br />

Em 2011 é certo que conheceremos<br />

finalmente “Tomboy”: “Está quase,<br />

quase perto da mistura final”, anun-<br />

ciou há uns dias ao “Wall Street Jour-<br />

nal”. “Passei os últimos três anos<br />

nele. Demorou-me uma eternida-<br />

<strong>de</strong>”. Quando sair, será um aconteci-<br />

mento. E até<br />

po<strong>de</strong>rá ter companhia:<br />

Lennox vai para os EUA trabalhar<br />

no novo<br />

álbum dos Animal Collective.<br />

Mário Lopes<br />

A<strong>de</strong>us, <strong>Lisboa</strong>: Panda Bear<br />

a caminho dos EUA<br />

12 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


O mais português<br />

dos artistas<br />

portugueses<br />

JP Simões tem um disco<br />

novo, outro pronto a sair<br />

e anda num entra-e-sai <strong>de</strong><br />

palcos, sozinho ou com os<br />

Belle Chase Hotel.<br />

“On<strong>de</strong> Mora o<br />

Mundo” é o<br />

contributo <strong>de</strong><br />

JP Simões<br />

para 2011<br />

JP Simões é um bocado como o tio<br />

preferido da família: não vai aos almoços<br />

<strong>de</strong> Domingo durante meio ano,<br />

e um dia, sem aviso, lá aparece para<br />

alegria da miudagem, cheio <strong>de</strong> histórias<br />

para contar. Agora volta com o<br />

primeiro disco “a sério” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “1970”,<br />

obra-prima <strong>de</strong> análise geracional e<br />

social estruturada em samba-canção.<br />

Como não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, Simões<br />

não facilita a vida aos fãs e o disco,<br />

“On<strong>de</strong> Mora o Mundo”, não será um<br />

Jason Moran em potência<br />

Para muitos, o pianista concretizou em “Ten”,<br />

disco <strong>de</strong> 2010, todo o seu potencial da sua<br />

extraordinária exuberância instrumental.<br />

Nós preferimos pensar que isso vai<br />

acontecer em 2011. Rodrigo Amado<br />

Jason Moran<br />

é inquestionavelmente<br />

o mais<br />

exuberante<br />

músico jazz<br />

do momento<br />

JOAQUIM MENDES<br />

A aventura d’Os<br />

Golpes continua<br />

Enquanto o single “Vá lá<br />

senhora” toca em bom ritmo<br />

em rádios, aparelhagens e<br />

i-Pods país fora, Os Golpes<br />

preparam-se para 2011<br />

Em 2000, nas “liner notes” <strong>de</strong> “Facing<br />

Left”, o seu segundo registo como<br />

lí<strong>de</strong>r, Jason Moran queixava-se<br />

que “na casa do jazz, o velho testamento<br />

ten<strong>de</strong> a eclipsar o que é novo”,<br />

referindo-se ao enorme po<strong>de</strong>r da facção<br />

mais conservadora do jazz, nessa<br />

altura encabeçada por Wynton Marsalis.<br />

Na verda<strong>de</strong>, músicos como Moran<br />

têm sido <strong>de</strong>terminantes para passar<br />

a mensagem <strong>de</strong> que é necessário<br />

um equilíbrio permanente entre o<br />

legado da tradição e as novas i<strong>de</strong>ias<br />

musicais.<br />

2010 foi um ano <strong>de</strong> consagração<br />

para Jason Moran. Embora não tivéssemos<br />

encontrado em “Ten”, o seu<br />

mais recente disco, a vitalida<strong>de</strong> criativa<br />

e sobretudo a consistência que<br />

lhe garantiram um lugar em gran<strong>de</strong><br />

parte das listas dos melhores do ano,<br />

é certo que ali há suficientes sinais <strong>de</strong><br />

arrojo estético e personalida<strong>de</strong> instrumental<br />

para que lhe seja atribuído<br />

o título do mais exuberante e talentoso<br />

músico <strong>de</strong> jazz do momento. É,<br />

para nós, a gran<strong>de</strong> figura do jazz a<br />

seguir em 2011.<br />

Possuindo um estilo absolutamente<br />

contemporâneo, que recolhe impulsos<br />

das mais diversas áreas, do<br />

hip-hop ao blues, da pop à clássica<br />

contemporânea, Moran <strong>de</strong>stila todas<br />

essas influências numa música acessível<br />

e elegante como poucas, essencialmente<br />

pós-bop, com um toque<br />

MIGUEL MADEIRA<br />

“Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco”,<br />

o álbum <strong>de</strong> estreia, foi um manifesto<br />

<strong>de</strong> intenções que traduziu em<br />

disco o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> reinventar uma tradição<br />

pop para Portugal, com inspiração<br />

iconográfica nos Heróis do Mar<br />

e musicalmente consciente da história<br />

rock das últimas três décadas. Foi<br />

mais, claro: uma inatacável colecção<br />

<strong>de</strong> canções em que o romantismo, a<br />

nostalgia e o sonho das letras nos<br />

eram oferecidos em embalagem pop<br />

certeira e entusiasmante.<br />

Manifesto lançado, os Golpes <strong>de</strong>itaram<br />

mãos à sua concretização. 2010<br />

foi o ano em que a editora a que pertencem,<br />

a Amor Fúria, co-fundada<br />

pelo vocalista Manuel Fúria, se solidificou<br />

com nomes como Feromona,<br />

Verão Azul ou Capitães <strong>de</strong> Areia. Foi<br />

também o ano em que os Golpes editaram<br />

o curta duração <strong>de</strong> edição limitada<br />

“G”, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi extraído “Vá<br />

lá Senhora”, single com a participação<br />

<strong>de</strong> Rui Pregal da Cunha que lhes<br />

vem garantindo crescente protagonismo.<br />

inspirado <strong>de</strong> um jazz mais vanguardista.<br />

É precisamente este equilíbrio,<br />

uma espécie <strong>de</strong> santo graal que muitos<br />

músicos perseguem, aliado a uma<br />

técnica pianística fora do vulgar, que<br />

o tornou um dos mais influentes e<br />

transversais músicos em activida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>ixando no ar as maiores expectativas<br />

para o futuro.<br />

Com apenas 35 anos e uma aprendizagem<br />

que teve como heróis e mentores<br />

Jaki Byard e Andrew Hill, Moran<br />

construiu um percurso brilhante cuja<br />

soli<strong>de</strong>z é bem visível na série <strong>de</strong> nove<br />

discos que gravou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999, para<br />

a Blue Note (feito raro nos dias que<br />

correm), e mais particularmente no<br />

trio que mantém <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000 com o<br />

contrabaixista Tarus Mateen e o baterista<br />

Nasheet Waits - The Bandwagon<br />

- precisamente o mesmo <strong>de</strong><br />

“Ten”. Quando gravou em 2001 o superior<br />

“Black Stars”, registo em que<br />

o trio partilha o estúdio com o lendário<br />

saxofonista Sam Rivers, dificilmente<br />

se po<strong>de</strong>ria imaginar o consenso que<br />

ro<strong>de</strong>ia hoje a sua música. A verda<strong>de</strong><br />

é que Moran não realizou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aí,<br />

um disco com a urgência e a absoluta<br />

EP, digressão<br />

nacional e o<br />

segundo<br />

álbum: eis o<br />

2011 d’Os<br />

Golpes<br />

prolongamento <strong>de</strong> “1970”. É, sim, um<br />

retorno às parcerias, que com ele costumam<br />

ser proveitosas. Neste caso, o<br />

companheiro <strong>de</strong> armas foi o guitarrista<br />

Afonso Pais. “Acho que quem<br />

nos apresentou foi o Sérgio Costa”,<br />

explica o compositor, “porque sabia<br />

que apesar <strong>de</strong> o Afonso vir do jazz<br />

temos imensos gostos em comum”.<br />

Entenda-se: a bossa, particularmente<br />

“Jobim e Edu Lobo, que aliás já gravou<br />

com o Afonso”. Segundo Simões,<br />

Alexandre “andava com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fazer canções”, pelo que fizeram um<br />

simples acordo: “Ele compunha e eu<br />

escrevia. Mas acabou por ser um disco<br />

<strong>de</strong> parceria: eu compus um tema,<br />

ele fez um instrumental, eu <strong>de</strong>i umas<br />

i<strong>de</strong>ias nuns arranjos”. A assegurar a<br />

secção rítmica estão dois monstrinhos<br />

da música portuguesa, Alexandre Frazão<br />

e Carlos Barreto. “É engraçado<br />

porque com eles as coisas nunca são<br />

fixas”, reflecte Simões. “Um samba<br />

nunca é um samba, um rock nunca é<br />

um rock, criam ritmos muito <strong>de</strong>les”,<br />

o que, aventa, acaba por ser uma boa<br />

<strong>de</strong>finição para o disco: “Não tem muito<br />

<strong>de</strong> brasileiro, tirando uma marcha<br />

que eu compus”.<br />

Com o seu habitual optimismo, Simões<br />

prenuncia já um gran<strong>de</strong> êxito<br />

comercial (como aliás acontece com<br />

todos os seus discos): “O disco é <strong>de</strong><br />

tal modo um híbrido <strong>de</strong> tantas coisas<br />

que eu temo que vá passar ao lado<br />

das pessoas”. Por via das dúvidas, já<br />

tem outro pronto, que quer lançar<br />

este ano – como <strong>de</strong> costume, as probabilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> isto acontecer são ínfimas<br />

e o mais certo é só surgir no ano<br />

que vem. Funcionará como sequela<br />

<strong>de</strong> “1970” e inclui temas que vêm da<br />

abortada “Ópera do Falhado” que,<br />

criminosamente, continua por editar.<br />

Pelo meio ainda haverá “cinco ou seis<br />

concertos” dos Belle Chase Hotel, que<br />

resolveram inaugurar um novo tipo<br />

<strong>de</strong> nostalgia: “o auto-revivalismo”.<br />

Hoje Simões actua na Galeria Zé dos<br />

Bois, mas não se esperem canções <strong>de</strong><br />

“On<strong>de</strong> Mora o Mundo”. Em compensação,<br />

esperem canções do próximo<br />

disco, o que ainda está na gaveta.<br />

Confusos? É o mais português dos<br />

artistas portugueses. J.B.<br />

criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Black Stars”, concentrando-se<br />

antes numa maturação artística<br />

<strong>de</strong> conceitos musicais e da sua<br />

própria linguagem como pianista. Se<br />

os seus registos mais recentes revelam<br />

uma produção que oculta parte da<br />

sua extraordinária exuberância instrumental,<br />

já ao vivo, nos seus próprios<br />

projectos, integrado no trio <strong>de</strong><br />

Paul Motian ou no quarteto do saxofonista<br />

Charles Lloyd, a experiência<br />

<strong>de</strong> observar Moran em acção é inesquecível.<br />

Em palco, possui um magnetismo<br />

musical difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver.<br />

Mesmo ao lado <strong>de</strong> um gigante como<br />

Charles Lloyd, quando Moran se coloca<br />

em <strong>de</strong>staque, toda a atenção se<br />

foca no seu piano.<br />

Moran, que irá ocupar este ano um<br />

cargo no prestigiado New England<br />

Conservatory, um dos mais importantes<br />

centros mundiais para o estudo<br />

<strong>de</strong>sta música, tornou-se um “caso”<br />

do jazz actual, esperando-se a qualquer<br />

momento uma concretização em<br />

disco ao nível <strong>de</strong> todo este potencial.<br />

Para muitos isso aconteceu em “Ten”.<br />

Nós preferimos pensar que isso está<br />

ainda por acontecer.<br />

No primeiro trimestre <strong>de</strong> 2011, “G”<br />

será editado em loja, acrescido <strong>de</strong><br />

duas canções, e está prevista uma<br />

digressão “no maior número possível<br />

<strong>de</strong> salas e terras” do país. Mais próximo<br />

do final do ano, chegará o segundo<br />

longa-duração em que a banda<br />

começa a trabalhar neste momento.<br />

Continua a aventura. M.L.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 13


PJ Harvey<br />

que se cui<strong>de</strong><br />

com Anna<br />

Calvi<br />

Um disco e tanto,<br />

já no dia 24.<br />

SIMON FOWLER<br />

Uma presença<br />

em palco<br />

insinuante,<br />

um disco que<br />

tem tudo para<br />

dar certo<br />

Tem uma presença em palco insinuante.<br />

Pratica rock, mas esquelético,<br />

sem banhas. Podia ser PJ Harvey. Mas<br />

é Anna Calvi, inglesa, há muitos meses<br />

i<strong>de</strong>ntificada como um dos nomes que<br />

po<strong>de</strong>rá dar que falar em 2011. Até agora<br />

tem sido em palco que tem exposto<br />

argumentos. Mas no próximo dia<br />

24 será editado na Europa o seu álbum<br />

<strong>de</strong> estreia. Já o ouvimos. Não irá<br />

revolucionar nada, mas tem tudo para<br />

dar certo: uma voz apaixonada, um<br />

som nocturno eléctrico, um rock carnal.<br />

Depois <strong>de</strong> a ver pela primeira vez,<br />

Brian Eno disse que não sentia um<br />

choque assim <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Patti Smith. Exagero?<br />

Talvez sim, talvez não. V.B.<br />

O novo disco é<br />

uma ruptura<br />

com as<br />

versões<br />

anteriores <strong>de</strong><br />

Destroyer<br />

Mudar é<br />

possível com<br />

Destroyer<br />

“Kaputt”<br />

é o disco-surpresa<br />

<strong>de</strong> Dan Bejar.<br />

O americano Dan Bejar, ou seja Destroyer,<br />

não é um ilustre <strong>de</strong>sconhecido.<br />

Quer dizer, é e não é. Não é porque<br />

já leva mais <strong>de</strong> meia dúzia <strong>de</strong> álbuns<br />

editados. Mas acaba por sê-lo,<br />

porque apenas nos círculos mais afectos<br />

ao rock alternativo lhe têm dado<br />

a atenção <strong>de</strong>vida. Seja por essa ou por<br />

outra razão, a verda<strong>de</strong> é que <strong>de</strong>cidiu<br />

mudar. “Kaputt”, o seu novo álbum,<br />

a editar a 25 <strong>de</strong> Janeiro, é surpreen<strong>de</strong>nte.<br />

Em 2009 ele já tinha avisado,<br />

com o lançamento do single “Bay of<br />

pigs”, magnífica canção <strong>de</strong> nove minutos,<br />

incluída no álbum, que dava<br />

conta <strong>de</strong> uma sonorida<strong>de</strong> pop electrónica<br />

ambiental, capaz <strong>de</strong> agradar<br />

aos admiradores <strong>de</strong> Pet Shop Boys,<br />

New Or<strong>de</strong>r ou Prefab Sprout. “Kaputt”,<br />

o novo álbum, é isso: poemas<br />

existencialistas que se dissolvem numa<br />

manta <strong>de</strong> elementos pop, alguns<br />

electrónicos, outros eléctricos, expondo<br />

uma música sonhadora e transcen<strong>de</strong>nte.<br />

V.B.<br />

O pianista<br />

do momento<br />

O virtuoso Simon<br />

Trpceski no Porto.<br />

O macedónio Simon Trpceski foi um<br />

dos artistas galardoados em Dezembro<br />

com um Diapason d’Or pela gravação<br />

dos Concertos para Piano nºs<br />

2 e 3, <strong>de</strong> Rachmaninov, com a Royal<br />

Liverpool Philharmonic Orchestra.<br />

Tendo em conta a vastíssima discografia<br />

<strong>de</strong>stas obras, é um feito marcante<br />

impor uma nova leitura, na qual<br />

o pianista procurou <strong>de</strong>sviar-se do sentimentalismo<br />

evasivo e centrar-se no<br />

texto musical e nas indicações do<br />

Um dos<br />

mais entu<br />

siasmantes<br />

intérpretes na<br />

nova geração,<br />

Trpceski vai<br />

passar duas<br />

vezes pela<br />

Casa da<br />

Música<br />

em 2011<br />

compositor. Uma técnica extraordinária<br />

aliada a uma aguda inteligência<br />

musical e a um conhecimento profundo<br />

das obras faz <strong>de</strong> Trpceski um dos<br />

mais entusiasmantes intérpretes da<br />

nova geração. Os seus discos têm recebido<br />

vários prémios (com <strong>de</strong>staque<br />

para os CD a solo na EMI) e promete<br />

continuar a dar que falar em 2011, ano<br />

em que voltará a correr o mundo com<br />

os mais virtuosísticos concertos do<br />

repertório (incluindo a série <strong>de</strong> Concertos<br />

<strong>de</strong> Rachmaninov, Liszt e Tchaikovsky)<br />

e prestigiadas orquestras. No<br />

próximo dia 14 toca o Concerto nº4,<br />

<strong>de</strong> Rachmaninov, com a Sinfónica do<br />

Porto na Casa da Música, aon<strong>de</strong> regressa<br />

a 27 <strong>de</strong> Novembro para um<br />

recital a solo que presta homenagem<br />

a Liszt, no bicentenário do seu nascimento.<br />

C.F.<br />

O futurismo<br />

abstracto <strong>de</strong> Steve<br />

Lehman<br />

Para percebermos para on<strong>de</strong><br />

vai o jazz, temos <strong>de</strong> olhar<br />

para este saxofonista.<br />

O saxofonista Steve Lehman é um dos<br />

nomes que tem vindo a <strong>de</strong>finir um<br />

mapa para o futuro do jazz. São muitos<br />

os que vêem no jovem músico uma<br />

espécie <strong>de</strong> messias do jazz mo<strong>de</strong>rno.<br />

Nomeado “rising star”, quatro anos<br />

consecutivos, pela revista “Down Beat”,<br />

Lehman <strong>de</strong>u um enorme salto na<br />

sua música e na sua carreira a com a<br />

edição <strong>de</strong> “Travail, Transformation<br />

and Flow”, aclamado <strong>de</strong> imediato iato co-<br />

mo um dos melhores <strong>de</strong> 2009. quieto e em permanente evolução,<br />

editou em 2010 “Dual I<strong>de</strong>ntity”, ty”, coli<strong>de</strong>rado<br />

com Rudresh Mahanthappa,<br />

e novamente conquistou o aplauso<br />

unânime da crítica internacional, integrando<br />

a nossa escolha para a os melhores<br />

do ano. Virtuoso, futurista urista e<br />

genuíno inovador, Lehman é um dos<br />

faróis para o jazz em 2011. R.A.<br />

Irre-<br />

Há quem veja<br />

em Lehman<br />

uma espécie<br />

<strong>de</strong> messias do<br />

jazz mo<strong>de</strong>rno<br />

14 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


Rye Rye,<br />

uma<br />

granada que<br />

nunca mais<br />

explo<strong>de</strong><br />

A protegida<br />

<strong>de</strong> M.I.A. é um<br />

prodígio. Falta o<br />

primeiro álbum<br />

para dizermos se<br />

é tudo o que nos<br />

tinham prometido.<br />

O disco <strong>de</strong> estreia da rapper Rye Rye<br />

não é um dos mais aguardados <strong>de</strong> 2011<br />

– é um dos mais aguardados <strong>de</strong> 2010.<br />

Porque há mais <strong>de</strong> um ano que a menina<br />

anda a adiar o <strong>de</strong>bute, um <strong>de</strong>bute<br />

ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> expectativas mesmo<br />

antes <strong>de</strong> se ouvir um pedaço <strong>de</strong> música<br />

que fosse por uma simples razão:<br />

Rye Rue foi a primeira aposta <strong>de</strong> M.I.A.<br />

na sua editora N.E.E.T. recordings, e<br />

é a protegida <strong>de</strong> M.I.A., que não se<br />

cansa <strong>de</strong> elogiar o talento da sua <strong>de</strong>scoberta.<br />

E, diga-se, do pouco que há<br />

para ouvir, M.I.A. não está a mentir-<br />

nos. Por exemplo, o single “Bang”, em<br />

que M.I.A. faz coros é uma maravilha<br />

– <strong>de</strong> brutalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> suor, <strong>de</strong> vertigem.<br />

Toda a canção se sustenta num<br />

beat tremendo, complexo, mas tão<br />

eficaz que o corpo respon<strong>de</strong> <strong>de</strong> diato. Depois o beat é <strong>de</strong>smontado e<br />

ime-<br />

Rye Rye aguenta quase sozinha a canção.<br />

“Sunshine”, o novo single, mantém<br />

a fasquia bem alta (e<br />

mantém M.I.A.), mas muda<br />

<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas – e dános<br />

a conhecer uma rapper<br />

menos áspera e capaz<br />

<strong>de</strong> ser doce. Se estiver<br />

tudo a este nível terá valido<br />

a pena a espera. J.B.<br />

Rye Rye<br />

O alemão<br />

caleidoscópico<br />

Wolfgang Rihm<br />

é o comporitor<br />

resi<strong>de</strong>nte da<br />

Casa da Música.<br />

Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Num total <strong>de</strong><br />

11 concertos,<br />

peças <strong>de</strong> Rihm<br />

irão fazer<br />

parte dos<br />

programas da<br />

Orquestra<br />

Sinfónica do<br />

Porto, do<br />

Remix<br />

Ensemble, do<br />

Coro Casa da<br />

Música e <strong>de</strong><br />

agrupamentos<br />

convidados<br />

como o<br />

Quarteto<br />

Arditti<br />

Ainda vamos querer<br />

saber dos Strokes?<br />

O último álbum foi há muito e 2001, o ano <strong>de</strong> “Is This<br />

It?”, há mais ainda. Este ano, os Strokes regressam e<br />

a questão a que terão <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r é muito simples:<br />

ainda vamos querer saber? Está tudo nas mãos <strong>de</strong>les<br />

(e no álbum que acabaram em Dezembro). Mário Lopes<br />

Admitamos: aguardar ansiosamente<br />

pelo regresso dos Strokes, quatro<br />

anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Last Impressions On<br />

Earth” e com o gran<strong>de</strong> impacto <strong>de</strong> “Is<br />

This It?” lá longe em 2001, parecerá<br />

anacrónico. Não tanto quanto, hipótese<br />

académica, anunciar que 2011<br />

po<strong>de</strong>rá ser o ano <strong>de</strong> Chris <strong>de</strong> Burgh,<br />

mas o leitor percebe a i<strong>de</strong>ia.<br />

Algures em blogue americano, escrevia-se<br />

recentemente que, das reuniões<br />

<strong>de</strong> gabarito do ano passado, a<br />

dos Strokes foi a mais discreta. A afirmação<br />

levantava uma questão: mas os<br />

Strokes acabaram? Não se limitavam,<br />

como qualquer banda que origina algo<br />

que a ultrapassa, a viver felizes longe<br />

uns dos outros e a espalhar fel pela imprensa<br />

enquanto anunciavam um álbum<br />

a solo ou um projecto paralelo?<br />

Oficialmente, a banda <strong>de</strong> Julian Ca-<br />

Muitas<br />

reviravoltas<br />

<strong>de</strong>pois, os<br />

Strokes ainda<br />

andam aí: em<br />

Março<br />

veremos em<br />

que estado<br />

sablancas e Albert Hammond Jr não<br />

acabou, mas o próximo álbum, cujo<br />

parto tormentoso parece aproximarse<br />

finalmente do fim, po<strong>de</strong> ser, paradoxalmente,<br />

a morte da banda. Ou o<br />

contrário. Po<strong>de</strong> salvá-la e <strong>de</strong>volver-lhe<br />

alguma da relevância perdida ao longo<br />

da década passada. Não parece<br />

haver meio-termo – continuar em formato<br />

low-profile, a exemplo <strong>de</strong> companheiros<br />

<strong>de</strong> geração como os Interpol<br />

ou os Rapture, terá a dignida<strong>de</strong><br />

do operariado bom trabalhador, mas<br />

não servirá para manter a aura <strong>de</strong><br />

aristocracia rock’n’roll (o que, para<br />

os Strokes, será uma outra forma <strong>de</strong><br />

morte). Espera-nos portanto um regresso<br />

com uma carga dramática, no<br />

mínimo, interessante. Aguar<strong>de</strong>mo-lo,<br />

tacteando a escuridão.<br />

Por ora, nada sabemos do álbum,<br />

a não ser que sai em Março. Mas conhecemos<br />

o processo que conduziu<br />

até ele. Envolve lutas <strong>de</strong> egos, frustrações,<br />

<strong>de</strong>spedimento <strong>de</strong> produtores,<br />

ironia bem doseada e, para toque mo<strong>de</strong>rno<br />

num clássico quadro<br />

rock’n’roll, revelações via twitter ou<br />

Facebook. E um Julian Casablancas<br />

que, em 2009, quando promovia o<br />

lançamento do seu álbum a solo,<br />

“Phrazes Of The Young”, explicava<br />

ao “Guardian” o que mudara na “química”<br />

da banda: “Em breve todas as<br />

preocupações serão conseguir algo<br />

óptimo, mas, neste preciso momento,<br />

o que interessa é que todos estejam<br />

felizes. Se conseguirmos isso, o resto<br />

encaixará no lugar <strong>de</strong>vido”. Seis meses<br />

<strong>de</strong>pois, em Janeiro, adiantava um<br />

pouco mais. “Dividíamos o dinheiro,<br />

mas não dividíamos o trabalho. Era<br />

muito, muito difícil” – como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>,<br />

o vocalista trabalhava, os restantes<br />

acompanhavam. No novo álbum,<br />

tudo mudará: “Penso que estamos<br />

a cumprir aquilo que dizíamos<br />

ser: um verda<strong>de</strong>iro conjunto que trabalha<br />

em todos os aspectos”. Em Janeiro<br />

<strong>de</strong> 2010, estavam portanto felizes.<br />

Casablancas ouviria os restantes,<br />

os restantes contribuiriam com mais<br />

i<strong>de</strong>ias, Casablancas trabalharia menos<br />

e receberia o mesmo. Tudo perfeito<br />

no mundo dos Strokes.<br />

Pondo <strong>de</strong> lado os vários projectos<br />

paralelos (os Little Joy do baterista Fabrizio<br />

Moretti, a carreira a solo <strong>de</strong> Casablancas<br />

e Albert Hammond Jr., os<br />

Nickel Eye do baixista Nikolai Fraiture),<br />

juntaram-se em Março ao produtor<br />

Joe Chicarelli, que trabalhara no<br />

UNIVERSAL EDITION/ERIC MARINITSCH<br />

“A minha música é sempre diferente<br />

daquilo que as pessoas pensam que<br />

é”, disse Wolfgang Rihm em Março<br />

do ano passado ao “Guardian” por<br />

ocasião <strong>de</strong> um fim-<strong>de</strong>-semana consagrado<br />

à sua música pela Orquestra<br />

Sinfónica da BBC. Rótulos como “representante<br />

do movimento da Nova<br />

Simplicida<strong>de</strong>”, “neoromantismo” e<br />

“neoexpressionismo” têm sido várias<br />

vezes aplicados à sua obra, mas resultam<br />

extremamente redutores, pois a<br />

sua vasta produção (mais <strong>de</strong> 400 peças)<br />

percorre inúmeros caminhos. É<br />

uma obra caleidoscópica, por vezes<br />

com gran<strong>de</strong>s contrastes, e portanto<br />

sempre susceptível <strong>de</strong> surpresas.<br />

A música <strong>de</strong> Rihm tem sido objecto<br />

<strong>de</strong> ciclos e retrospectivas em vários<br />

festivais e salas <strong>de</strong> concerto internacionais,<br />

e em 2010 o compositor viu<br />

a sua ópera “Dionysos” estreada no<br />

Festival <strong>de</strong> Salzburgo. Em 2011 o público<br />

português terá a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> acompanhar <strong>de</strong> perto uma parte<br />

substancial da sua obra, já que Rihm<br />

será o compositor em residência na<br />

Casa da Música.<br />

Num total <strong>de</strong> 11 concertos, peças <strong>de</strong><br />

Rihm irão fazer parte dos programas<br />

da Orquestra Sinfónica do Porto, do<br />

Remix Ensemble, do Coro Casa da Música<br />

e <strong>de</strong> agrupamentos convidados<br />

como o Quarteto Arditti. No dia 25 <strong>de</strong><br />

Outubro será estreada uma obra encomendada<br />

pela Casa da Música e, já<br />

no próximo dia 18, o Remix toca “Jag<strong>de</strong>n<br />

und Formen”, uma tarantela dançante<br />

e motórica que integra as pesquisas<br />

do compositor sobre a i<strong>de</strong>ia da<br />

forma musical e lhe valeu o prémio da<br />

Royal Philharmonic Society em 2001.<br />

Dois dias <strong>de</strong>pois, o Quareto Arditti toca<br />

os Quartetos nºs 3 e 5; a 22, o agrupamento<br />

junta-se à Sinfónica do Porto<br />

para interpretar o “Concerto Dithyrambe”.<br />

Destacam-se também os<br />

“Quatro Poemas <strong>de</strong> Rilke” na voz <strong>de</strong><br />

Christoph Prégardien (22 <strong>de</strong> Outubro)<br />

e obras como “Homenagem a Max Beckmann”<br />

e “Der Maler träumt”.<br />

Nascido em 1952 em Karlsruhe,<br />

Rihm começou a compor aos 11 anos.<br />

A sua família não tinha tradições musicais<br />

e os seus interesses iniciais foram<br />

o <strong>de</strong>senho, a pintura e a escrita<br />

literária, mas assim que começou a<br />

tocar flauta <strong>de</strong> bisel, órgão e piano<br />

rapidamente passou também a compor<br />

pequenas peças. Prosseguiu a sua<br />

formação com Stockhausen, Klaus<br />

Huber e Hans Heinrich Eggebrecht,<br />

tendo frequentado os Cursos <strong>de</strong> Darmstadt<br />

nos ano 70. Nessa ocasião Stockhausen<br />

(que nunca discutia a música<br />

dos alunos, apenas a sua) envioulhe<br />

uma nota com estas únicas<br />

palavras: “Caro Wolfgang Rihm, por<br />

favor escute apenas a sua voz interior.<br />

Com os melhores cumprimentos, Karlheinz<br />

Stockhausen.” Rihm manteve<br />

o recado muitos anos na sua secretária;<br />

foi <strong>de</strong>cisivo para a sua liberda<strong>de</strong><br />

criativa, que passa pela assimilação<br />

<strong>de</strong>scomplexada da herança do passado<br />

ou pelo uso <strong>de</strong> outras artes, da literatura<br />

e da filosofia como inspiração.<br />

Numa entrevista publicada no<br />

site do Ensemble Sospeso, o compositor<br />

reconhece que apren<strong>de</strong> muito<br />

com os não-músicos. “Sou um apaixonado<br />

pelas artes plásticas e é libertador<br />

falar com pintores sobre os segredos<br />

que ro<strong>de</strong>iam o nascimento das<br />

suas obras <strong>de</strong> arte e sobre o processo<br />

<strong>de</strong> criação em geral.”<br />

A música <strong>de</strong> Webern, Morton Feldman<br />

e Stockhausen marcou bastante<br />

as suas primeiras obras e posteriormente<br />

foi <strong>de</strong>cisivo o contacto com<br />

Wilhelm Killmayer, Helmut Lachenmann<br />

e Luigi Nono. A ópera <strong>de</strong> câmara<br />

“Jakob Lenz” (1978), baseada na<br />

novela <strong>de</strong> Büchner, converteu-se na<br />

peça <strong>de</strong> teatro musical contemporâneo<br />

mais interpretada na Alemanha<br />

e em 1983 surgiu “Die Hamletmaschine”,<br />

em colaboração com o dramaturgo<br />

Heiner Müller. A lista é necessariamente<br />

muito incompleta: Rihm<br />

é compositor compulsivo, <strong>de</strong>ixando<br />

o ouvinte num labirinto <strong>de</strong> escolhas.<br />

Em 2011 a Casa da Música indica-nos<br />

o caminho. C.F.<br />

passado com Frank Zappa, My Morning<br />

Jacket ou White Stripes. No Verão,<br />

<strong>de</strong>ram alguns concertos, actuando no<br />

festival Lollapalooza ou na Metropolitan<br />

Opera, em Nova Iorque, no 25º<br />

aniversário da linha <strong>de</strong> moda Tommy<br />

Hilfiger. Entre um e outro, Casablancas<br />

saía das sessões <strong>de</strong> gravação para confessar<br />

à “Spin” que “uma banda é uma<br />

gran<strong>de</strong> forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir uma amiza<strong>de</strong>”.<br />

Afinal, não estava tudo perfeito<br />

no mundo dos Strokes, mas os objectivos<br />

mantinham-se intactos. Casablancas<br />

novamente: “Atingimos o topo<br />

do ‘un<strong>de</strong>rground’, mas nunca ficámos<br />

tão gran<strong>de</strong>s como os Green Day, os<br />

Creed ou qualquer uma das bandas a<br />

quem se supunha tomarmos o lugar<br />

em 2001. Portanto, na minha cabeça,<br />

está aí o passo a dar”.<br />

“<strong>Flash</strong>-forward” para Novembro.<br />

Afinal, Joe Chicarella não será creditado<br />

no novo álbum. Albert Hammond<br />

Jr informa que a banda pôs <strong>de</strong> parte há<br />

alguns meses o material gravado com<br />

o produtor. O disco será produzido<br />

pela banda, terá <strong>de</strong>z canções e Albert<br />

está “para lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>liciado”: “Confio que<br />

ficarão tão entusiasmados quanto eu”.<br />

Dezembro. Julian Casablancas anuncia<br />

no seu twitter: “Não sairá nos próximos<br />

meses – misturar, etc, mas ficou<br />

finalmente pronto ontem!”. Nikolai<br />

Fraiture confirma, também no twitter:<br />

“Ei, e esta? Está a acontecer. São gran<strong>de</strong>s<br />

notícias, pessoal!”.<br />

O futuro dos Strokes segue em Março<br />

– po<strong>de</strong> ser até que já esteja <strong>de</strong>finido<br />

quando chegarem ao Super Bock<br />

Super Rock, no Meco, on<strong>de</strong> serão os<br />

cabeças <strong>de</strong> cartaz <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Julho.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 15


A Nova Iorque<br />

elegante dos Cults<br />

Como a maior parte dos projectos que<br />

dão que falar na actualida<strong>de</strong>, os Cults<br />

surgiram do dia para a noite, em Abril<br />

do ano passado, no espaço virtual,<br />

com três magníficas canções (“Go outsi<strong>de</strong>”,<br />

“Most wanted” e “The curse”,<br />

a que se seguiria, meses mais tar<strong>de</strong>,<br />

“Oh my god”) e <strong>de</strong> imediato <strong>de</strong>ram<br />

nas vistas.<br />

São <strong>de</strong> Nova Iorque, são dois, Brian<br />

Oblivion (guitarra, teclas) e Ma<strong>de</strong>line<br />

Follin (voz, baixo) e têm ambos 21<br />

anos. Até Abril do ano passado, nem<br />

página no MySpace tinham, mas rapidamente<br />

saltaram <strong>de</strong> boca em boca.<br />

Não custa perceber porquê, ouvindoos.<br />

Possuem aquela dose <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong><br />

(uma vivacida<strong>de</strong> pop controlada,<br />

muito anos 60, uma voz feminina<br />

doce, um envolvimento electrónico<br />

melancólico) e <strong>de</strong> estranheza, temperada<br />

com muita elegância, que costuma<br />

conquistar. Esta semana ficou a<br />

saber-se que assinaram pela editora<br />

Columbia, para a edição do álbum <strong>de</strong><br />

estreia, em Maio. Não custa nada perceber<br />

que iremos ouvir falar muito<br />

<strong>de</strong>les nessa altura. V.B.<br />

A sujida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Brooklyn já era.<br />

Os Cults<br />

apareceram<br />

do dia para a<br />

noite no<br />

espaço<br />

virtual, mas já<br />

assinaram<br />

pela Columbia<br />

O regresso dos<br />

barbudos<br />

O segundo dos Fleet Foxes<br />

<strong>de</strong>ve chegar na Primavera.<br />

Folk “freak” à vista.<br />

Foram o sucesso mais improvável <strong>de</strong><br />

2008. Uma trupe <strong>de</strong> barbudos saídos<br />

<strong>de</strong> uma floresta habitada por folkrockers<br />

<strong>de</strong> 1970, a insuflar nova vida<br />

ao legado dos Crosby, Stills & Nash. A<br />

verda<strong>de</strong> porém, é que as canções <strong>de</strong><br />

“Fleet Foxes” tinham essa qualida<strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>finível que as tornava graciosas e<br />

empolgantes por si, não pela linhagem<br />

distinta que as originara.<br />

Há cerca <strong>de</strong> um ano, o vocalista e<br />

principal compositor, Robin Pecknold,<br />

dizia entre digressões que achava<br />

inconcebível estar dois anos sem<br />

compor. Depois disso, andou em digressões<br />

(por duas vezes) com Joanna<br />

Newsom e lá foi apresentando<br />

algumas novas canções, sem<br />

especificar se seriam ou<br />

não do novo álbum<br />

dos Fleet Foxes. Em<br />

Outubro, um post<br />

no Facebook da<br />

banda informava<br />

que o disco estava<br />

pronto e que faltaria<br />

misturá-lo e<br />

masterizá-lo. Semanas<br />

<strong>de</strong>pois, um “mea<br />

culpa”: “Acho que falei<br />

cedo <strong>de</strong> mais”. O álbum<br />

estava quase pronto,<br />

é certo, mas ainda necessitava<br />

<strong>de</strong> algumas sessões no estúdio.<br />

Especula-se agora que sairá na Primavera.<br />

Po<strong>de</strong>rá ter como título “Deepwater<br />

Horizon”, o que até se a<strong>de</strong>qua<br />

bem ao imaginário Fleet Foxes,<br />

ou, informa a Wikipedia, seguindo o<br />

twitter da banda, “Slaughternalia”, o<br />

que, mais do que uma hipótese <strong>de</strong><br />

título, nos parece uma boa piada <strong>de</strong><br />

“freakzinhos” do rock. M.L.<br />

James Blake,<br />

fenómeno <strong>de</strong><br />

culto à vista<br />

“Deepwater<br />

Horizon” ou<br />

“Slaughternalia”:<br />

o título<br />

do novo dos<br />

Fleet Foxes<br />

ainda está em<br />

construção<br />

O barítono<br />

americano<br />

interpreta<br />

Mahler como<br />

ninguém<br />

Odisseia<br />

mahleriana<br />

Thomas Hampson<br />

traz o seu<br />

compositor <strong>de</strong><br />

eleição a <strong>Lisboa</strong>.<br />

Uma visita ao site <strong>de</strong> Thomas Hampson<br />

ou à sua página no Facebook<br />

coloca-nos <strong>de</strong> imediato em contacto<br />

com um artista dinâmico que é também<br />

um homem do seu tempo e tira<br />

partido das novas tecnologias para<br />

interagir com a socieda<strong>de</strong> e divulgar<br />

os seus projectos. Estes não se limitam<br />

à interpretação musical, mas<br />

passam também por conferências,<br />

masterclasses, concertos pedagógicos<br />

e pelas activida<strong>de</strong>s da Hampsong<br />

Fundation, <strong>de</strong>dicada à promoção<br />

da música na América.<br />

Tendo em conta a sua extraordinária<br />

estatura artística, Hampson<br />

seria sempre uma figura a seguir<br />

com atenção, mas suce<strong>de</strong> que 2011 é<br />

também o ano do centenário da te <strong>de</strong> Mahler, compositor que o barítono<br />

americano interpreta como<br />

ninguém. Ao longo <strong>de</strong>ste ano, irá<br />

prosseguir a sua “Odisseia Mahleriana”,<br />

que inclui 50 concer-<br />

mortos<br />

e recitais, bem como sessões<br />

em que discute com o<br />

público a sua visão das obras.<br />

Em <strong>Lisboa</strong> será possível ouvir<br />

Hampson na Gulbenkian (16 e<br />

17 <strong>de</strong> Abril) com a Orquestra <strong>de</strong><br />

Câmara da Europa. C.F.<br />

Há muitos regressos confirmados que<br />

suscitam natural curiosida<strong>de</strong> (Lykke<br />

Li, PJ Harvey, The Strokes, Kanye West<br />

& Jay-Z, Villalobos, Aphex twin, Buraka<br />

Som Sistema, Panda Bear ou Portishead)<br />

e algumas estreias em formato<br />

álbum, para além daquelas referidas<br />

nestas páginas, que irão dar que<br />

falar sem gran<strong>de</strong> risco (Theophilus<br />

London, Jamie Woon, Rainbow Arabia,<br />

Yuck, Jai Paul, Wu Lyf, Julianna<br />

Barwick ou Memoryhouse), mas nenhum<br />

nome reúne o consenso <strong>de</strong> James<br />

Blake, inglês, 22 anos, com álbum<br />

<strong>de</strong> estreia homónimo previsto para 7<br />

<strong>de</strong> Fevereiro.<br />

Contra ele, a expectativa excessiva<br />

que existe em seu torno, pelo facto <strong>de</strong><br />

ter lançado em 2010 três magníficos<br />

EP (“The bells sketch”, “CMYK” e “Klavierwerke”).<br />

Dificilmente o seu álbum<br />

cairá nas boas graças do gran<strong>de</strong> público,<br />

mas possui todas as características<br />

para se transformar num caso<br />

singular <strong>de</strong> culto. Inclui uma canção<br />

já conhecida (“Limit to your love”, um<br />

original <strong>de</strong> Feist) e <strong>de</strong>z temas originais,<br />

sendo composto, produzido e gravado<br />

inteiramente pelo próprio. Há canções<br />

próximas das convenções pop, baladas<br />

para piano e ruídos electrónicos<br />

e outras <strong>de</strong> arquitectura sónica bem<br />

mais in<strong>de</strong>finível.<br />

Como acontece com uma série <strong>de</strong><br />

outros jovens músicos e produtores<br />

que se revelaram em 2010 (Balam<br />

Acab, Forest Swords, How To Dress<br />

Well, Mount Kimbie ou Jamie Woon),<br />

existe um disco que parece ter sido<br />

fulcral no seu <strong>de</strong>senvolvimento. Falamos<br />

do álbum homónimo <strong>de</strong> estreia<br />

do inglês Burial, lançado há cinco<br />

anos, disco <strong>de</strong> sombras electrónicas,<br />

que acabou por ser filiado na corrente<br />

dubstep, mas que já prenunciava<br />

um outro universo.<br />

Pusha T<br />

quer ser um<br />

clássico<br />

Pharrell e Kanye<br />

West por trás do<br />

disco <strong>de</strong> estreia.<br />

As coisas no mundo dos Clipse, quando<br />

mudam, mudam radicalmente. Em<br />

2006 foram parar ao topo do mundo<br />

graças a “Hell Halth No Fury”, tremendo<br />

disco com produção <strong>de</strong> Pharrell<br />

Williams. Mas no início do ano<br />

passado, ainda sem disco novo e com<br />

as coisas encalhadas, o céu caiu-lhes<br />

um pouco em cima da cabeça quando<br />

o seu manager <strong>de</strong> sempre foi con<strong>de</strong>nado<br />

a meros 32 <strong>de</strong> prisão por tráfico<br />

<strong>de</strong> droga. Talvez tenha sido esse o clique<br />

<strong>de</strong> que eles precisavam. Pelo menos<br />

Pusha T, o mais duro do duo –<br />

Malice é o mais melódico. T tem disco<br />

<strong>de</strong> estreia a solo prestes a lançar no<br />

ano que vem e não brinca em serviço:<br />

a produzir as canções estão Bangla<strong>de</strong>sh,<br />

Pharrell e Kanye West. Aliás,<br />

participou em “Runaway”, a principal<br />

faixa do mais recente disco <strong>de</strong> West,<br />

o que lhe trouxe uma exposição mediática<br />

que garante que o seu disco a<br />

solo não vai ser esquecido. Num ano<br />

que também terá direito a novo disco<br />

<strong>de</strong> Lupe Fiasco e à<br />

muito aguardada es-<br />

treia <strong>de</strong> Jay Electroni-<br />

ca, há muita gente a<br />

pôr as fichas todas em<br />

Pusha T – quanto<br />

mais não seja, ele<br />

próprio, que<br />

garante que<br />

cada faixa é<br />

um clássico.<br />

J.B.<br />

Octa Push garante<br />

que cada faixa do álbum<br />

é um clássico<br />

Tão longe e tão perto<br />

<strong>de</strong> James Blake<br />

Depois <strong>de</strong> três magníficos EP<br />

em 2010, o álbum <strong>de</strong> estreia será<br />

uma confirmação. Vítor Belanciano<br />

DARIO ACOSTA<br />

A diferença, uma enorme disparida<strong>de</strong><br />

apesar <strong>de</strong> tudo, é que James<br />

Blake canta <strong>de</strong> forma vulnerável e revela<br />

uma enorme capacida<strong>de</strong> para<br />

compor ambientes melódicos. Em todas<br />

as suas canções existe qualquer<br />

coisa <strong>de</strong> precário, um mundo mutante<br />

em composição, que rumina consigo<br />

próprio, acolhendo qualquer<br />

coisa <strong>de</strong> longínquo e etéreo, com ligeiras<br />

reverberações electrónicas e<br />

sons <strong>de</strong> piano.<br />

A diferença é que o lugar pós-industrial<br />

que Burial erguia era negro e sombrio,<br />

<strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> calor. Em James<br />

Blake o dia a seguir ao juízo final é<br />

errante também, mas mais imersivo<br />

e emotivo. Os temas são também menos<br />

abstractos do ponto <strong>de</strong> vista sónico,<br />

circulando elementos digitais mínimos<br />

à volta da sua voz quase sempre<br />

lânguida.<br />

Nas últimas semanas soube-se que<br />

começou a actuar ao vivo, na companhia<br />

<strong>de</strong> dois músicos, existindo inúmeros<br />

registos na Internet <strong>de</strong>ssas prestações.<br />

Esse será provavelmente o seu<br />

próximo <strong>de</strong>safio. Procurar formas <strong>de</strong>,<br />

em palco, expor uma música tão preciosa<br />

e singular como aquela que tem<br />

vindo a criar no seu estúdio caseiro.<br />

16 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


À DESCOBERTA DO<br />

MEDITERRÂNEO<br />

ROSSINI | SAINT-SAËNS | SAYGUN<br />

Terça-feira, 11 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2011, 21h00<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório do CCB<br />

Orquestra Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

António Rosado piano Işın Metin direcção musical<br />

REMIX ENSEMBLE<br />

18 JAN 19:30<br />

SALA SUGGIA<br />

WOLFGANG RIHM<br />

JAGDEN UND FORMEN<br />

PARA GRANDE ENSEMBLE<br />

PETER RUNDEL direcção musical<br />

18:00, CIBERMÚSICA<br />

PALESTRA PRÉ-CONCERTO POR PAULO<br />

DE ASSIS<br />

As últimas décadas trouxeram ao<br />

alemão Wolfgang Rihm, Compositor<br />

e m Res i dên ci a n a Ca s a da M ús i ca e m<br />

2011, os mais prestigiados prémios<br />

atribuídos no âmbito das artes e<br />

da música. Entre 1995 e 2002, Rihm<br />

escreveu obras que giram à volta<br />

da mesma pesquisa sobre a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> forma musical. A este conjunto<br />

pertence Jag<strong>de</strong>n und Formen, uma<br />

tarantela dançante e motórica. Escutaremos,<br />

em estreia nacional, a<br />

nova versão <strong>de</strong> 2008.<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.


O maravilhoso<br />

mundo<br />

<strong>de</strong> Trisha Brown<br />

Uma das pioneiras da<br />

dança contemporânea<br />

traz 13 peças a Serralves:<br />

é todo um programa <strong>de</strong><br />

resgate <strong>de</strong> uma história em<br />

contínua construção.<br />

Tiago Bartolomeu Costa<br />

O programa<br />

Trisha Brown<br />

em Serralves<br />

celebra 40<br />

anos <strong>de</strong><br />

trabalho<br />

contínuo<br />

sobre a dança<br />

“Floor of the<br />

Forest”, obra<br />

seminal <strong>de</strong><br />

1970, é uma<br />

das 13 peças<br />

que vêm ao<br />

Porto<br />

Em Serralves, Trisha Brown é a cabeça<br />

<strong>de</strong> cartaz do programa “Improvisações<br />

/ Colaborações”. A coreógrafa<br />

norte-americana abre, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> Abril<br />

a 1 <strong>de</strong> Maio, um conjunto <strong>de</strong> manifestações<br />

que se prolongam em Maio e<br />

Junho, em torno não apenas da dança<br />

enquanto prática, mas enquanto reflexão<br />

sobre os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> organização<br />

social. A oportunida<strong>de</strong> é rara e<br />

inscreve, pertinentemente, o Serviço<br />

<strong>de</strong> Artes Performativas do Museu <strong>de</strong><br />

Serralves no circuito <strong>de</strong> programação<br />

internacional menos preocupado com<br />

a novida<strong>de</strong> e mais consciente da memória<br />

enquanto matéria ra do presente.<br />

regenerado-<br />

O programa Trisha Brown inclui a<br />

apresentação <strong>de</strong> 13 peças, cobrindo<br />

um período que vai <strong>de</strong> 1968 a 1974,<br />

Entre esses “Early Works”, estão três<br />

– “Sticks” (1973), “Spanish Dance”<br />

(1973), “Figure Eight” (1974) – que já<br />

foram apresentadas as em 2008, quando<br />

Serralves, no âmbito da exposição<br />

<strong>de</strong> Robert Rauschenberg “Em viagem<br />

70-76”, mostrou trabalhos da coreógrafa,<br />

que durante anos trabalhou<br />

com o pintor.<br />

São 40 anos <strong>de</strong> dança que aqui se<br />

celebram, mas é também a singularida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> um olhar on<strong>de</strong> a dança foi<br />

sempre um ponto o <strong>de</strong> partida para<br />

uma investigação acerca dos<br />

modos <strong>de</strong> construção do<br />

movimento na sua relação<br />

com o corpo do intérprete<br />

e o olhar do espectador.<br />

“Trisha é o acordar da feição”, disse uma das bailarinas<br />

da sua companhia,<br />

referindo-se ao modo intuitivo,<br />

e não estratégico, como Brown<br />

<strong>de</strong>senvolve o seu trabalho.<br />

per-<br />

A coreógrafa norte-americana,<br />

nascida em 1936, é pioneira,<br />

com um conjunto nto <strong>de</strong><br />

outros nomes como<br />

Yvonne Rainer, Deborah<br />

Hay ou Steve<br />

Paxton, <strong>de</strong> uma dança que só é contemporânea<br />

porque se inscreve num<br />

presente que é o somatório <strong>de</strong> experiências<br />

e projecções. Como o seu<br />

movimento. “O movimento browniano<br />

não é linear. É um encontro <strong>de</strong><br />

rupturas, por vezes mesmo uma colagem<br />

belicista em que os elementos<br />

se afrontam”, escreveu Jean-Marc<br />

Adolphe na revista “Mouvement”.<br />

Foram artistas, explica o programa,<br />

que, “cruzando a arte e a vida quotidiana<br />

e <strong>de</strong>finindo os primórdios daquilo<br />

que mais tar<strong>de</strong> se viria a chamar<br />

a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>ram novo<br />

sentido à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong>.<br />

“A sua obra nunca se resumiria a<br />

uma técnica ou a um vocabulário. A<br />

sua dança, <strong>de</strong> uma musicalida<strong>de</strong> louca,<br />

é um fluir insaciável <strong>de</strong> caminhos<br />

suspensos, <strong>de</strong> quedas inesperadas,<br />

<strong>de</strong> balanços enganadores, <strong>de</strong> golpes<br />

esquivados”, continua Adolphe.<br />

Brown é autora <strong>de</strong> um movimento<br />

que inscrevia o corpo em contínuo<br />

equilíbrio com o espaço e o tempo <strong>de</strong><br />

produção – são famosas as suas expe-<br />

riências nos telhados <strong>de</strong> Nova Iorque,<br />

na floresta ou, se no palco,<br />

alterando a escala <strong>de</strong> valores<br />

entre público e<br />

intérprete. “Interessame<br />

muito o paradoxo<br />

<strong>de</strong> uma acção que<br />

trabalha na busca <strong>de</strong><br />

um encontro com<br />

uma outra”, diz. O<br />

que vamos ver em Serralves<br />

é exactamente<br />

isso: um ponto <strong>de</strong> partida.<br />

ISABEL WINARSCH<br />

LOURDES DELGADO<br />

teatro/dança<br />

Eternamente<br />

Pina<br />

Duas peças<br />

em estreia em<br />

Portugal, numa<br />

cida<strong>de</strong>, o Porto,<br />

que nunca viu<br />

Pina Bausch<br />

quando ela ainda<br />

estava viva.<br />

A<br />

companhia<br />

<strong>de</strong> Pina<br />

Baush traz<br />

“Bamboo<br />

Blues” e<br />

“Sweet<br />

Mambo”<br />

ao S. João<br />

No ano em que se estreia “Tanz”, o<br />

filme, em 3D, que Wim Wen<strong>de</strong>rs preparava<br />

sobre a coreógrafa quando ela<br />

morreu (antestreia mundial dia 24 <strong>de</strong><br />

Fevereiro no Festival <strong>de</strong> Cinema <strong>de</strong><br />

Berlim, distribuição para Portugal ainda<br />

sem data prevista), Pina Bausch – na<br />

verda<strong>de</strong> o seu trabalho - apresenta-se<br />

pela primeira vez no Porto. Em Maio,<br />

“Bamboo Blues” (6 e 7), que fez em<br />

2007 inspirada na Índia, em mais uma<br />

das suas peças sobre regiões, e “Sweet<br />

Mambo” (11 a 13), criação estreada em<br />

2008 que pouco circula, chegam ao<br />

Teatro Nacional S. João, integrando o<br />

programa transdisciplinar “Odisseia”.<br />

As duas resgatam a obra <strong>de</strong> Bausch do<br />

pessimismo em que vinham caindo,<br />

explorando a diversida<strong>de</strong> cromática,<br />

sensitiva e simbólica do movimento e,<br />

muito em particular, dos corpos que,<br />

conhecendo tão bem as estruturas<br />

bauschianas, se reinventam <strong>de</strong>ntro da<br />

própria fórmula. São, por isso mesmo,<br />

peças atípicas. Primeiro porque se<br />

afastam, <strong>de</strong>terminantemente (e <strong>de</strong>terminadamente)<br />

<strong>de</strong> uma narrativa figurativa<br />

e enca<strong>de</strong>ada. Em segundo lugar<br />

porque exploram ecos <strong>de</strong> outras peças,<br />

numa reestruturação <strong>de</strong> códigos<br />

i<strong>de</strong>ntificáveis. Por fim, porque fixam<br />

estratégias <strong>de</strong> conceptualização do<br />

movimento, <strong>de</strong>finindo e limitando o<br />

seu alcance, mais apostado em servir<br />

a coreografia do que em exercer impacto<br />

fora <strong>de</strong>la. T.B.C.<br />

GONÇALO SANTOS<br />

18 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


FERAN MC ROPE<br />

A dança segundo<br />

Jérôme Bel<br />

Ele já não acredita na<br />

dança, mas o que faz é um<br />

refinamento da própria<br />

disciplina.<br />

Imenso actor, vai ter um início <strong>de</strong> 2011<br />

em gran<strong>de</strong>. Nada que nos espante,<br />

na verda<strong>de</strong>: no ano passado, já vimos<br />

do que ele é capaz.<br />

Ele foi o rosto atordoado que po<strong>de</strong>ria<br />

ser o <strong>de</strong> qualquer um <strong>de</strong> nós em “Filme<br />

do Desassossego”, <strong>de</strong> João Botelho<br />

(que retoma a partir <strong>de</strong> amanhã a sua<br />

digressão nacional), e o corpo em<br />

queda <strong>de</strong> “A Morte do Caixeiro Viajante”,<br />

peça que marcou o regresso<br />

do Teatro Experimental do Porto ao<br />

primeiro plano do teatro nacional (e<br />

que dias 19 e 20 <strong>de</strong> Fevereiro chega<br />

ao São Luiz, em <strong>Lisboa</strong>). 2010 teve<br />

Cláudio da Silva por todo o lado, como<br />

se estivéssemos perante alguém<br />

que não conhecíamos, ele que já cá<br />

anda há pelo menos 15 anos e tem um<br />

dos mais dinâmicos percursos das<br />

artes performativas nacionais: do teatro<br />

à dança, <strong>de</strong> Jorge Silva Melo a Ana<br />

Borralho & João Galante, <strong>de</strong> Miguel<br />

Loureiro a João Fia<strong>de</strong>iro.<br />

2011 vai ser o ano da confirmação<br />

do seu nome como um dos mais seguros<br />

valores do teatro português da<br />

última década. Ele, que diz não pensar<br />

em carreira, que diz que quando lhe<br />

custar muito vai fazer outras coisas,<br />

que diz precisar <strong>de</strong> outras leituras pa-<br />

Jérôme Bel, o<br />

“enfantterrible”<br />

da<br />

dança contemporânea,<br />

está<br />

<strong>de</strong> volta com<br />

“Cédric<br />

Andrieux”<br />

O rosto múltiplo<br />

<strong>de</strong> Cláudio da Silva<br />

Em 2011,<br />

Cláudio da<br />

Silva vai<br />

continuar à<br />

procura<br />

Chamamonos,<br />

todos,<br />

Angélica<br />

Lid<strong>de</strong>ll?<br />

O teatro-catástrofe<br />

a uma só voz<br />

da encenadora<br />

espanhola vem a<br />

<strong>Lisboa</strong> assombrar<br />

as nossas utopias.<br />

No último<br />

ano, Lid<strong>de</strong>ll<br />

tornou-se<br />

figura<br />

obrigatória<br />

do teatro<br />

europeu<br />

Há alguns Verões que a temos visto a<br />

ocupar diferentes espaços <strong>de</strong> Montemor-o-Velho,<br />

a convite do Citemor,<br />

PEDRO ELIAS<br />

rata (7 Fevereiro a 24 Maio), reforçando<br />

o carácter inquiridor <strong>de</strong> um objecto<br />

marcante. Mas o Jérôme Bel coreógrafo<br />

também estará por cá, com<br />

“Cédric Andrieux” (26 Março, no Teatro<br />

Viriato, em Viseu; 30 e 31 Março,<br />

no Teatro Maria Matos, em <strong>Lisboa</strong>; 3<br />

Abril, em Serralves, no Porto), peça<br />

<strong>de</strong> joalharia e o melhor “espectáculo<br />

<strong>de</strong> intérprete” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Bel inventou<br />

o conceito com “Veronique Doisneau”.<br />

O ex-bailarino da companhia <strong>de</strong><br />

Merce Cunningham dá-nos um retrato<br />

emotivo das relações <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

entre o amor e a dança, entre a noção<br />

<strong>de</strong> casa-palco e casa-país, e, sobretudo<br />

uma reflexão profundíssima sobre<br />

a diferença que existe entre homens<br />

e mulheres na dança contemporânea,<br />

área em que sempre se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u uma<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> géneros. T.B.C.<br />

ra po<strong>de</strong>r chegar às escolhas que faz –<br />

ainda agora acabou Lord Byron e um<br />

texto sobre a segregação racial. Ele,<br />

que vai dizendo que sim ao que vai<br />

aparecendo. Por isso, a partir <strong>de</strong> dia<br />

20, e por <strong>de</strong>z dias, protagoniza “O<br />

Homem-elefante”, encenação <strong>de</strong> Sandra<br />

Faleiro que vai ser reposta no Teatro<br />

Carlos Alberto, no Porto. Três dias<br />

<strong>de</strong>pois, estreia, em Vila Nova <strong>de</strong> Gaia,<br />

a encenação <strong>de</strong> um clássico inusitado:<br />

“Felizmente há luar”, <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Sttau<br />

Monteiro, peça-farol <strong>de</strong> um teatro que<br />

a censura salazarista proibiu.<br />

“Um actor é uma pessoa curiosa”,<br />

reconhece. Cláudio da Silva diz que o<br />

seu dia-a-dia lhe vai alimentando os<br />

processos e que recolhe material <strong>de</strong><br />

todos os lados, muitas vezes sem<br />

consciência. “A lógica é maior do que<br />

isto tudo”, não é a ela que obe<strong>de</strong>ce,<br />

garante: “As coisas são muito mais<br />

abertas. Eu antes <strong>de</strong> ser actor sou uma<br />

pessoa”. Sublinha a in<strong>de</strong>pendência<br />

da escolha e o trabalho <strong>de</strong> experimentação<br />

que resulta da permanente troca<br />

<strong>de</strong> papéis, ou da sua acumulação.<br />

“Vou fazendo um percurso, seja ele<br />

qual for. Amanhã posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser<br />

actor. Isso não significa que o meu<br />

percurso como ser humano <strong>de</strong>ixe ser<br />

<strong>de</strong> importante. Estou num processo<br />

<strong>de</strong> aprendizagem. E isso é o mais importante.”<br />

T.B.C<br />

No Museu Berardo, Jérôme Bel, que<br />

cada vez mais acredita menos em peças,<br />

transforma-se em vi<strong>de</strong>asta. Uma<br />

das suas principais peças, “The show<br />

must go on” (2001), vista há uns anos<br />

no Porto, é apresentada em ví<strong>de</strong>o no<br />

âmbito da exposição “Observadores<br />

- Revelações, Trânsitos e Distâncias”,<br />

comissariada por Ana Rito e Hugo Baque<br />

a foi buscar a Espanha e a tem,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, protegido. A ela cujo<br />

discurso feminista radicalizado separa<br />

águas e extrema posições. A ela que<br />

se expõe, e ao seu corpo, que ela violenta<br />

e manipula como se não lhe<br />

pertencesse e carregasse, em si, todos<br />

os pecados do mundo. Por ser mulher,<br />

por ser política, por ser artista.<br />

“La casa <strong>de</strong> la fuerza” (Culturgest, 11<br />

e 12 Fevereiro) reorganiza o seu material<br />

<strong>de</strong> trabalho e força uma nova<br />

or<strong>de</strong>m para compreen<strong>de</strong>r a origem<br />

do mal. A peça vem coroada <strong>de</strong> um<br />

entusiasmo que só os franceses sabem<br />

coser, como se a validação surgisse<br />

apenas e só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> os artistas passarem<br />

pelo olímpico Festival<br />

d’Avignon. Escreveu o “Libération”<br />

que é “como uma cerimónia aos mortos,<br />

um ritual cuidadosamente orquestrado<br />

para arcar com a infelicida<strong>de</strong><br />

do mundo, um modo <strong>de</strong> reabrir<br />

as feridas antes <strong>de</strong> eventualmente<br />

voltar a fechá-las.” Já não falamos apenas<br />

do modo unívoco como Lid<strong>de</strong>ll<br />

pensa o mal e eleva a um outro nível<br />

o teatro-catástrofe, individualizando<br />

e pagando por isso; estamos num outro<br />

patamar: o da expiação colectiva.<br />

T.B.C.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 19


O Philip<br />

Roth inglês<br />

O prémio Man<br />

Booker 2010 sobre<br />

o que é ser ju<strong>de</strong>u.<br />

“Já <strong>de</strong>via estar à espera disto. A sua<br />

vida tinha sido uma sucessão <strong>de</strong> infelicida<strong>de</strong>s,<br />

umas a seguir às outras. De<br />

forma que já <strong>de</strong>via estar a contar com<br />

esta.” É este o registo <strong>de</strong> “A Questão<br />

Finkler”, <strong>de</strong> Howard Jacobson, o romance<br />

vencedor do Man Booker Prize<br />

2010 que será publicado pela Porto<br />

Editora.<br />

A personagem Julian Treslove tem<br />

quase 50 anos e está em crise <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Quando uma mulher lhe chama<br />

Ju<strong>de</strong>u – ele não é ju<strong>de</strong>u – começa<br />

a viver obcecado com o judaísmo apesar<br />

<strong>de</strong> não ter uma opinião concreta<br />

sobre a circuncisão, o conflito entre<br />

Israel e a Palestina, ou os monumentos<br />

ao Holocausto – na verda<strong>de</strong>, sobre<br />

todo e qualquer aspecto da cultura<br />

judaica dos nossos dias. Howard Jacobson,<br />

escritor britânico <strong>de</strong> origem<br />

judaica, é consi<strong>de</strong>rado “o Philip Roth<br />

inglês”, ,por causa dos seus romances<br />

centrarem-se nas relações e<br />

nos comportamentos da socieda<strong>de</strong><br />

judaica britânica.<br />

Ele, <strong>de</strong> forma irónica e<br />

polémica, prefere que<br />

lhe chamem “o Jane<br />

Austen ju<strong>de</strong>u”. I.C.<br />

Howard<br />

Jacobson,<br />

escritor<br />

britânico <strong>de</strong><br />

origem<br />

judaica, é<br />

consi<strong>de</strong>rado<br />

“o Philip Roth<br />

inglês”<br />

O escritor<br />

na<br />

berlinda<br />

“Liberda<strong>de</strong>” foi o livro<br />

do ano 2010 nos EUA.<br />

Jonathan Franzen o<br />

escritor da década. Isabel<br />

Coutinho<br />

LUKE MACGREGOR/REUTERS<br />

À terceira foi <strong>de</strong> vez. O escritor Michel<br />

Houellebecq recebeu o Prémio Goncourt,<br />

no dia 8 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 2010,<br />

pelo romance “La Carte et le territoire”.<br />

Venceu à primeira volta com sete<br />

votos contra dois. O livro, ainda sem<br />

título em português, vai ser editado<br />

pela Objectiva.<br />

O escritor já tinha sido finalista <strong>de</strong>ste<br />

prémio, em 1988, com “As Partículas<br />

Elementares” (editado em Portugal<br />

pela Temas e Debates), e em 2005<br />

com “A Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma Ilha”<br />

(Dom Quixote). Talvez este seja, <strong>de</strong><br />

todos os seus livros, o mais fácil <strong>de</strong> ler<br />

– diz ele. Mas é também o mais complicado<br />

em termos <strong>de</strong> estrutura.<br />

Há cinco anos que o autor francês<br />

contemporâneo mais conhecido e<br />

vendido no mundo não publicava um<br />

romance. Frédéric Beigbe<strong>de</strong>r, seu<br />

amigo <strong>de</strong> longa data, escreveu no “Le<br />

Fígaro” que “La Carte et le territoire”<br />

é um livro sobre “o <strong>de</strong>saparecimento<br />

da arte e a transformação da França<br />

em objecto <strong>de</strong> museu” para o turismo<br />

mundial.<br />

É também uma obra sobre a solidão<br />

e a velhice. Nela, Houellebecq leva<br />

mais longe a sua paródia: o escritor e<br />

o seu cão, personagens do romance,<br />

são violentamente assassinados. Mas<br />

antes disso, Jed Martin, a personagem<br />

principal, um fotógrafo, vai à Irlanda<br />

pedir ao famoso escritor que escreva<br />

um texto para o catálogo <strong>de</strong> uma das<br />

suas exposições. Ao longo <strong>de</strong> todo o<br />

livro surgem personagens com nomes<br />

<strong>de</strong> pessoas que existem na realida<strong>de</strong>.<br />

Logo no primeiro capítulo encontramos<br />

Jeff Koons e Damien Hirst, artistas<br />

plásticos. A revista “Les Inrockuptibles”<br />

escreveu que as personagens<br />

masculinas – o fotógrafo, o pai arquitecto<br />

e o escritor famoso – são todas<br />

Houellebecq, que neste livro faz o seu<br />

melhor auto-retrato.<br />

Livro lançado, Houellebecq foi acusado<br />

<strong>de</strong> plágio por ter usado citações<br />

da wikipédia e <strong>de</strong> “sites” oficiais da<br />

net que <strong>de</strong>pois modificou numa técnica<br />

que se aproxima do patchwork.<br />

O PDF do livro foi disponibilizado na<br />

Internet com a mensagem: “ La carte<br />

et le territoire’ é uma obra <strong>de</strong> Michel<br />

Houellebecq sob licença da Creative<br />

Commons”.<br />

O mais famoso escritor francês contemporâneo,<br />

que era o inimigo público<br />

que passou a ser amado pelos média,<br />

afirmou que talvez este fosse o<br />

seu último livro. Mas como não controla<br />

nada agora já não sabe se isso<br />

será verda<strong>de</strong>. I.C.<br />

Finalmente, o Goncourt<br />

2010 foi o ano em que Michel<br />

Houellebecq passou <strong>de</strong> inimigo<br />

público a escritor adorado.<br />

O mais<br />

famoso<br />

escritor<br />

francês<br />

contemporâneo<br />

afirmou que<br />

talvez este<br />

fosse o seu<br />

último livro<br />

Aconteceu o improvável. No dia 6 <strong>de</strong><br />

Dezembro <strong>de</strong> 2010, o escritor norteamericano<br />

<strong>de</strong> que mais se falou o ano<br />

passado, Jonathan Franzen, sentou-se<br />

em frente à apresentadora mais famosa<br />

da América: Oprah Winfrey. Os<br />

dois tiveram uma <strong>de</strong>savença há anos,<br />

era o momento <strong>de</strong> fazerem as pazes.<br />

O <strong>de</strong>sentendimento aconteceu quando<br />

Oprah escolheu “Correcções”, em<br />

2001, para o Clube do Livro do seu<br />

programa. Em vez <strong>de</strong> se mostrar satisfeito<br />

por ter sido escolhido, Franzen<br />

disse que temia que os leitores<br />

masculinos se afastassem do romance.<br />

Comportou-se como um snobe.<br />

Oprah não gostou das consi<strong>de</strong>rações,<br />

<strong>de</strong>sconvidou-o e Franzen não chegou<br />

a ir ao programa. Nessa altura apren<strong>de</strong>u<br />

uma lição: tem que se ter respeito<br />

pela TV e pelo seu po<strong>de</strong>r.<br />

Nove anos <strong>de</strong>pois, Oprah voltou a<br />

escolher um romance <strong>de</strong> Franzen para<br />

o seu Clube do Livro mas pediu-lhe<br />

permissão. Ele ficou feliz. E ela anunciou<br />

o livro como “uma obra-prima que<br />

abrange três décadas”, “uma saga familiar<br />

épica” que tem <strong>de</strong> tudo: sexo e<br />

amor, rock and roll, enfim, tudo aquilo<br />

que se quer num livro, disse. O romance<br />

chama-se “Freedom” e vai ser<br />

publicado pela Dom Quixote, em Fevereiro,<br />

com o título “Liberda<strong>de</strong>”.<br />

Conta-nos a história da família Berglunds<br />

e ao longo do livro tudo se<br />

<strong>de</strong>smorona ou tudo se compõe. Walter<br />

Berglund é um pai em crise <strong>de</strong><br />

meia-ida<strong>de</strong>, um advogado <strong>de</strong>fensor<br />

do meio ambiente que faz algumas<br />

escolhas erradas. Patty é a sua mulher<br />

e parece perfeita à volta dos filhos,<br />

Jessica e Joey. Nos tempos <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>,<br />

Patty era basquetebolista e apaixonada<br />

pelo músico Richard Katz,<br />

companheiro <strong>de</strong> quarto <strong>de</strong> Walter. Foi<br />

a partir <strong>de</strong>la que Franzen começou a<br />

construir o romance e os leitores vão<br />

seguindo a sua vida através dos anos<br />

Bush até ao início da governação <strong>de</strong><br />

Barack Obama. “‘Liberda<strong>de</strong>’ <strong>de</strong>screve<br />

e disseca os fracassos e hipocrisias <strong>de</strong><br />

uma vulgar família da classe média<br />

do Midwest <strong>de</strong>nunciando através <strong>de</strong>la<br />

as tentações e os pesa<strong>de</strong>los conse-<br />

PIERRE VERDY<br />

O regresso <strong>de</strong> Lídia<br />

Jorge<br />

Um romance sobre o êxito e<br />

a perda. E a fama.<br />

“Combateremos a Sombra”, o último<br />

romance <strong>de</strong> Lídia Jorge, foi publicado<br />

em 2007. Quatro anos <strong>de</strong>pois, em Mar-<br />

livros<br />

DANIEL ROCHA<br />

20 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


ço, a escritora lança “A noite das mulheres<br />

cantoras” na Dom Quixote.“É<br />

um romance passado nos anos 80 do<br />

século XX, com um tema <strong>de</strong> inesperada<br />

audácia: a idolatria e a construção<br />

do êxito. Trata-se <strong>de</strong> um livro que se<br />

constrói em torno da questão da fama”,<br />

conta a sua editora Cecília Andra<strong>de</strong>. É<br />

um romance sobre “o êxito e a perda,<br />

sobre um equívoco e a passagem do<br />

tempo. Um monólogo, uma escrita na<br />

primeira pessoa, a reconstrução <strong>de</strong><br />

uma memória e <strong>de</strong> um<br />

segredo”, acrescenta, explicando<br />

que o livro, tal<br />

como acontece na obra<br />

da autora, é sobre uma<br />

questão social, sobre a força<br />

do grupo e a aniquilação<br />

do indivíduo perante o<br />

colectivo. “A pergunta que<br />

fica é: Quantas vítimas <strong>de</strong>ixamos<br />

pelo caminho para perseguir<br />

um objectivo?” I.C.<br />

PEDRO CUNHA<br />

“O Cemitério<br />

<strong>de</strong> Praga”<br />

sairá em<br />

Março<br />

JOHN MACDOUGALL/AFP<br />

Eco, 30 anos <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> “O Nome da Rosa”<br />

A história do século XIX passa<br />

por aqui.<br />

Umberto Eco chega este ano a<br />

Portugal em dose dupla. O seu<br />

novo romance “O Cemitério <strong>de</strong><br />

Praga” sairá na Gradiva em Março<br />

e surge trinta anos <strong>de</strong>pois do<br />

best-seller “O Nome da Rosa”.<br />

Através da personagem Simonini,<br />

um falsificador <strong>de</strong> documentos<br />

que vive em Paris, em<br />

1897, se <strong>de</strong>dica também<br />

à venda<br />

<strong>de</strong> hóstias<br />

sagra-<br />

das para missas satânicas, o escritor<br />

italiano revê toda a história do século<br />

XIX. Simonini, a personagem mais<br />

cínica e<br />

antipática <strong>de</strong> toda a história<br />

da literatura que o<strong>de</strong>ia ju<strong>de</strong>us e mu-<br />

lheres, é inventado mas tudo o resto<br />

aconteceu, pelo romance passam personagens<br />

históricas como Dreyfuss,<br />

Freud e<br />

Garibaldi. Em Itália o roman-<br />

ce ven<strong>de</strong>u 650 mil exemplares num<br />

mês. Lá para o final do ano, sairá na<br />

Dom Quixote não ficção o primeiro<br />

volume dos quatro que constituem a<br />

“História da Ida<strong>de</strong> Média” <strong>de</strong> Umber-<br />

to Eco. I.C.<br />

DANIEL ROCHA<br />

Os inéditos <strong>de</strong> José Saramago<br />

“Clarabóia” e inédito inacabado.<br />

2011 voltará a ser ano José Saramago.<br />

O manuscrito inacabado em que o<br />

escritor estava a trabalhar quando<br />

morreu o ano passado, “Alabardas,<br />

alabardas, espingardas, espingardas”,<br />

será publicado este ano pela Companhia<br />

das Letras no Brasil e há também<br />

a possibilida<strong>de</strong> do inédito sair em Portugal<br />

na Caminho, segundo o editor<br />

Zeferino Coelho. A editora portuguesa<br />

publicará “Clarabóia”, o romance<br />

que Saramago terminou no dia 5 <strong>de</strong><br />

Janeiro <strong>de</strong> 1953, assinado com o pseudónimo<br />

Honorato, mas nunca foi publicado<br />

tendo ficado perdido nos arquivos<br />

da antiga Editorial Notícias. É<br />

a história <strong>de</strong> um edifício com seis inquilinos.<br />

Saramago dizia que o livro<br />

era ingénuo mas não estava mal construído.<br />

I.C.<br />

Jonathan<br />

Franzen<br />

tornou-se<br />

o tipo <strong>de</strong><br />

escritor que<br />

não queria<br />

ser: os fãs<br />

aproximamse<br />

não para<br />

terem o seu<br />

livro assinado<br />

mas para que<br />

ele autografe<br />

a “Time” que<br />

lhe <strong>de</strong>dicou<br />

uma capa<br />

FERNANDO BAPTISTA / FRANKFURTER BUCHMESSE<br />

quentes do excesso <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da<br />

socieda<strong>de</strong> americana contemporânea”,<br />

explica a editora da Dom Quixote,<br />

Cecília Andra<strong>de</strong>.<br />

O livro teve toda a atenção que po<strong>de</strong>ria<br />

ter. Há uma década que a “Time”<br />

não colocava a fotografia <strong>de</strong> um<br />

escritor norte-americano na capa (a<br />

última vez tinha acontecido em 2000,<br />

com Stephen King) e lá estava a cara<br />

<strong>de</strong> Franzen ao lado da frase: “Great<br />

American Novelist”. Para ajudar à festa,<br />

Barack Obama levou “Liberda<strong>de</strong>”<br />

para ler nas férias.<br />

Depois do estrondoso sucesso <strong>de</strong><br />

“Correcções”, Franzen ficou bloqueado.<br />

Só conseguiu voltar a escrever<br />

<strong>de</strong>pois do suicídio do escritor David<br />

Foster Wallace, um dos seus melhores<br />

amigos, em 2008.<br />

Elizabeth Wurtzel ( autora <strong>de</strong> “Nação<br />

Prozac”) tem uma teoria sobre<br />

isto. Quando Wallace se suicidou foi<br />

consi<strong>de</strong>rado o maior escritor da sua<br />

geração. Isso, contou ela à revista<br />

“GQ”, terá abalado Franzen. “Ele não<br />

po<strong>de</strong> suportar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Wallace ser<br />

o melhor escritor <strong>de</strong> sua geração, por<br />

isso escreveu um novo livro. Agora<br />

dizem a mesma coisa <strong>de</strong>le”.<br />

Franzen não lê o que escrevem sobre<br />

ele. “Aprendi a minha lição <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> passar noventa minutos infrutíferos<br />

a pesquisar-me no Google em<br />

2001. Acho que a i<strong>de</strong>ia ‘Franzen é um<br />

elitista mimado’ é falsa, apesar <strong>de</strong> ter<br />

na sua essência algo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro.<br />

Tenho uma vida privilegiada. Acredito<br />

que alguns livros são melhores do<br />

que outros. Acho que a popularida<strong>de</strong><br />

não indica magnitu<strong>de</strong>. Nesse aspecto,<br />

suponho que sou elitista. Mas penso<br />

que o termo ‘elitista’ é uma antítese<br />

do que eu tentava fazer como escritor:<br />

chegar à maior audiência possível.<br />

Trabalhei tanto – e <strong>de</strong> uma maneira<br />

consciente – para não excluir pessoas”,<br />

disse também à “GC”.<br />

O absurdo é que Jonathan Franzen<br />

se tornou num tipo <strong>de</strong> escritor que<br />

não queria ser. Tem fãs que se aproximam<br />

<strong>de</strong>le e não querem ter o seu<br />

livro assinado: pe<strong>de</strong>m-lhe autógrafos<br />

na capa da revista “Time”.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 21


expos<br />

Margarida<br />

Men<strong>de</strong>s<br />

reabre<br />

a barbearia<br />

Depois <strong>de</strong> Pablo<br />

León la Barra ou<br />

Karen di Franco,<br />

esperam-se outras<br />

epifanias a partir<br />

<strong>de</strong> Fevereiro.<br />

É um dos regressos mais aguardados. ados.<br />

A jovem comissária, que durante um<br />

ano agitou o panorama nacional da<br />

arte contemporânea, está <strong>de</strong> volta,<br />

ao que tudo indica, a partir <strong>de</strong><br />

Fevereiro. E <strong>de</strong> novo com o seu<br />

The Barber Shop, junto ao Marquês<br />

<strong>de</strong> Pombal, no numero cinco<br />

da Rua Rosa Araújo. Ou seja,<br />

esperam-se mais momentos intensos<br />

<strong>de</strong> discussão e conhecimento,<br />

como os que, em 2010,<br />

trouxeram a <strong>Lisboa</strong> Pablo León<br />

la Barra ou Karen di Franco. Numa<br />

só noite ou num só dia, num<br />

antiga barbearia. J.M.<br />

22 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

A comissária<br />

está <strong>de</strong> volta<br />

RAQUEL ESPERANÇA<br />

O mundo <strong>de</strong> Gonçalo<br />

Pena está a chegar<br />

O ano da pintura transbordante <strong>de</strong> Gonçalo<br />

Pena. Encontro imediato com um universo até<br />

aqui quase secreto. José Marmeleira<br />

Pintura<br />

excessiva,<br />

cheia,<br />

colorida,<br />

untuosa,<br />

redonda. On<strong>de</strong><br />

as<br />

personagens,<br />

as figuras,<br />

posam<br />

“orgulhosas”,<br />

necessárias<br />

LUÍS RAMOS<br />

Um vislumbre sobre o que 2011 vai<br />

<strong>de</strong>stapando e eis que a pintura e o <strong>de</strong>senho<br />

se revolvem em várias exposições.<br />

Não se trata <strong>de</strong> um regresso.<br />

Antes <strong>de</strong> um acordar, que permitirá<br />

testemunhar a vitalida<strong>de</strong> dos meios<br />

ao dispor das duas linguagens. Comece-se<br />

pela pintura <strong>de</strong> Cabrita Reis, a<br />

partir <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> Julho, na primeira gran<strong>de</strong><br />

retrospectiva do artista em <strong>Lisboa</strong>,<br />

organizada pelo Museu Colecção Berardo<br />

(a versão lisboeta <strong>de</strong> “One after<br />

another: a few silent steps” apresentada<br />

em Hamburgo, Nîmes e Lovaina<br />

e em cujo catálogo será possível ler o<br />

contributo do António Lobo Antunes).<br />

E o <strong>de</strong>senho na exposição que <strong>de</strong>svenda,<br />

em Outubro, o trabalho <strong>de</strong> José<br />

Loureiro com a disciplina, na Culturgest<br />

<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Encontros parecidos<br />

Eduardo Batarda<br />

“watching us” em Serralves<br />

Um dos mais sólidos corpos<br />

<strong>de</strong> trabalho da arte contemporânea<br />

portuguesa em revisão.<br />

Autor <strong>de</strong> uma das exposições do ano<br />

para o Ípsilon, distinguido há pouco<br />

tempo com o Gran<strong>de</strong> Prémio EDP,<br />

Eduardo Batarda dispensa apresentações,<br />

revisões ou consagrações. Mas<br />

como é (sempre) bom voltar a ver (ou<br />

ver pela primeira vez) a sua obra solitária,<br />

irónica, <strong>de</strong>snorteante, bela. Política<br />

e anti-política. É assim, com todo<br />

estes adjectivos, que ela estará à nossa<br />

espera no Museu <strong>de</strong> Serralves, em<br />

Outubro. Com o comissariado <strong>de</strong> João<br />

Fernan<strong>de</strong>s e do próprio Eduardo Batarda.<br />

Com ou sem crise. J.M.<br />

Os Von<br />

Calhau!<br />

(Marta e<br />

Alves) são o<br />

ovni da arte<br />

contemporânea<br />

portuguesa<br />

FRED LOBO<br />

DANIEL ROCHA<br />

estão guardados para duas exposições<br />

que resgatam Nikias Skapinakis e Luísa<br />

Correia Pereira: o primeiro será<br />

objecto <strong>de</strong> uma mostra também no<br />

Berardo; a segunda, falecida em 2009,<br />

po<strong>de</strong>rá ser justamente relembrada,<br />

através <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />

inéditos, na Culturgest do Porto, entre<br />

Maio e Julho.<br />

Mas apetece dizer que este será o<br />

ano da pintura. Acrescentamos: da<br />

pintura <strong>de</strong> Gonçalo Pena. Da sua pintura<br />

excessiva, cheia, colorida, untuosa,<br />

redonda. On<strong>de</strong> as personagens,<br />

as figuras, posam “orgulhosas”, necessárias.<br />

On<strong>de</strong> os planos compõem<br />

narrativas, histórias. On<strong>de</strong> a tela respiga<br />

vorazmente imaginários (republicano,<br />

contemporâneo, pictórico,<br />

surrealista), para os <strong>de</strong>volver ao es-<br />

Batarda: uma<br />

obra solitária,<br />

irónica,<br />

<strong>de</strong>snorteante<br />

pectador. Pintura a óleo, plena <strong>de</strong> iconografias,<br />

símbolos, arquétipos, mitos<br />

e História. Construída sob o farto<br />

aconchego da pintura dos séculos<br />

XVIII e XIX (<strong>de</strong> toda a pintura!), mas<br />

também com o traço docemente musculado<br />

da ilustração e <strong>de</strong> outras artes<br />

visuais. Uma obra pictórica que é uma<br />

enorme janela para um mundo.<br />

Algumas notas biográficas: formado<br />

em Pintura, Gonçalo Pena <strong>de</strong>ixou em<br />

2005 a Escola Superior <strong>de</strong> Arte e Desenho<br />

das Caldas da Rainha, on<strong>de</strong><br />

ensinava, para se <strong>de</strong>dicar à carreira<br />

artística, iniciando a partir daí um percurso<br />

que se tornou num dos mais<br />

“misteriosos” da arte contemporânea<br />

portuguesa. Nos anos 90 fez ilustração<br />

para jornais e revistas portuguesas (da<br />

“Ler” ao “In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, passando<br />

pelo “Público” e a “Egoísta”) e expôs<br />

na Galeria Graça Brandão (em <strong>Lisboa</strong><br />

e no Porto), tendo em 2007 realizado<br />

a sua primeira individual na Galeria<br />

Fucares, em Madrid. Acrescentam-se<br />

várias colectivas e recentemente um<br />

momento alto: a individual “Musée<br />

<strong>de</strong> l’Armée: Le Retour <strong>de</strong>s Botées”,<br />

ainda patente na Galeria <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong><br />

Torres Vedras (até 12 <strong>de</strong> Janeiro). On<strong>de</strong><br />

explora o imaginário napoleónico e a<br />

iconografia associada, com <strong>de</strong>rivas<br />

temáticas pelos conceitos <strong>de</strong> herói, o<br />

liberalismo, a sexualida<strong>de</strong>. Sem se restringir<br />

à pintura: inclui também fotografias,<br />

colagens, jogos.<br />

E agora a razão pela qual Pena marcará<br />

2011. Porque em Junho inaugura<br />

na Galeria Zé dos Bois em <strong>Lisboa</strong> uma<br />

exposição <strong>de</strong> trabalhos novos e antigos,<br />

em co-autoria com Natxo Checa.<br />

Desenvolve a abordagem apresentada<br />

em Torres Vedras: às telas juntam-se<br />

outras coisas. “Objects trouvés”, artefactos<br />

romanos, animais vivos, pinturas<br />

<strong>de</strong> outros pintores, documentos,<br />

imagens. Um arquivo on<strong>de</strong> cabem referências<br />

à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ruína, ao tropicalismo.<br />

Um arquivo imenso nascido<br />

com e da pintura. O mundo <strong>de</strong> Gonçalo<br />

Pena. Está a chegar.<br />

O ovni Von<br />

Calhau!<br />

Um disco, uma<br />

exposição<br />

e uma digressão<br />

europeia: eles<br />

po<strong>de</strong>m partir tudo<br />

em 2011.<br />

Performance, som, música, arte, concertos,<br />

exposições e workshops. Filmes<br />

<strong>de</strong> 16mm, psica<strong>de</strong>lismo, transe.<br />

Os Von Calhau! (Marta e Alves) são o<br />

ovni – sem exagero – da arte contemporânea<br />

portuguesa. São o duo “party-crasher”<br />

da 10ª edição do Prémio<br />

União Latina – foram seleccionados<br />

com os “favoritos” Pedro Barateiro,<br />

Renato Ferrão,<br />

Mauro Cerqueira.<br />

E 2011 po<strong>de</strong> ser o<br />

ano <strong>de</strong>les. Vão ter<br />

um disco (“Quadrologia<br />

Pentacónica”),<br />

uma exposição<br />

(Cascais) e<br />

uma digressão por<br />

várias cida<strong>de</strong>s europeias.<br />

J.M.


estrutura financiada por<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JAN ~11<br />

silva!<strong>de</strong>signers<br />

SESSÃO COM INTERPRETACÃO EM<br />

LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA:<br />

16 JAN, 17H30<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

M/12<br />

´<br />

6ª EDIÇAO BES REVELAÇAO<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640<br />

BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00<br />

TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

WWW.TICKETLINE.PT E LOCAIS HABITUAIS<br />

TENDAS NO DESERTO<br />

<strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> João Jacinto<br />

curadoria: Paulo Pires do Vale<br />

O BANCO ESPÍRITO SANTO E A FUNDAÇAO DE SERRALVES<br />

APRESENTAM CARLOS AZEREDO MESQUITA, EDUARDO GUERRA,<br />

MIGUEL FERRAO E MONICA BAPTISTA, VENCEDORES DA<br />

6ª EDIÇAO DO BES REVELAÇAO. VENHA CONHECER OS SEUS<br />

TRABALHOS NUMA EXPOSIÇAO COLECTIVA NO MUSEU<br />

DE SERRALVES.<br />

DE 26 DE NOVEMBRO A 16 DE JANEIRO<br />

SAIBA MAIS EM WWW.BES.PT/BESREVELACAO E WWW.SERRALVES.PT<br />

Exposição: 5 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2010 até 26 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2011<br />

Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, das 15h00 às 20h00<br />

Ciclo <strong>de</strong> conversas «Auto-retrato e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>»<br />

(na literatura, na filosofia e na arte):<br />

João Barrento – «Do Eu ao Há: Pessoa, Celan, Llansol»<br />

22 <strong>de</strong> Janeiro (sábado) às 17h00<br />

Maria João Branco – «Imagens monológicas. A pele e a voz»<br />

29 <strong>de</strong> Janeiro (sábado) às 17h00<br />

Bruno Marchand – «Auto-retrato, Auto-representação e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>»<br />

5 <strong>de</strong> Fevereiro (sábado) às 17h00<br />

«Relatório Confi<strong>de</strong>ncial», Orson Welles (1955) – projecção do filme<br />

com introdução <strong>de</strong> João Jacinto e Paulo Pires do Vale<br />

26 <strong>de</strong> Fevereiro (sábado) às 17h00<br />

APOIO<br />

CONFEDERAÇÃO<br />

fundação carmona e costa<br />

Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>)<br />

Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 <strong>Lisboa</strong><br />

(Bairro do Rego / Bairro Santos)<br />

Tel. 217 803 003 / 4<br />

www.fundacaocarmonaecosta.pt<br />

Metro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha / Cida<strong>de</strong> Universitária | Autocarro: 31


A minha peça <strong>de</strong> te<br />

é melhor do qu<br />

“Internal”: cinco performers<br />

para cinco espectadores<br />

VIRGINIE SCHREYEN<br />

Em “The Smile Off Your Face”,<br />

o espectador não sabe<br />

<strong>de</strong> que terra é<br />

A partir <strong>de</strong> amanhã, os Ontroerend Goed fazem teatro <strong>de</strong> um para um na Culturgest. “Personal T<br />

Your Face” e “A Game of You”, é uma tareia em três “rounds” que <strong>de</strong>ixa o espectador KO: perdido, m<br />

Alexan<strong>de</strong>r Devriendt morre <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> contar o que <strong>de</strong> facto se passa<br />

em cada uma das três peças da “Personal<br />

Trilogy” que os Ontroerend<br />

Goed apresentam, a partir <strong>de</strong> amanhã,<br />

na Culturgest, em <strong>Lisboa</strong> (ou<br />

então morre <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> acabar<br />

rapidamente a conversa, porque isto<br />

que acabámos <strong>de</strong> interromper é a sua<br />

festa <strong>de</strong> aniversário), mas isso seria<br />

estragar tudo. “Internal” (2007), “The<br />

Smile Off Your Face” (2003) e “A Game<br />

of You” (2010) são o tipo <strong>de</strong> teatro<br />

a que se sobrevive para não contar,<br />

porque o contrário seria a morte não<br />

do artista, mas do espectáculo e até<br />

do espectador, que sai <strong>de</strong> cada um<br />

<strong>de</strong>stes três “rounds” KO <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

uma luta extenuante contra aquilo<br />

que nem nos seus sonhos mais in<strong>de</strong>cifráveis<br />

imaginaria encontrar pela<br />

frente: a sua própria imagem, projectada<br />

num espelho assustadoramente<br />

esclarecedor (e entretanto, como Devriendt<br />

morre <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar<br />

tudo mas não conta nada, aqui estamos<br />

nós a escrever um texto sobre<br />

não sabemos exactamente o quê:<br />

“Força!”, diz ele, antes <strong>de</strong> ir outra vez<br />

fazer 34 anos).<br />

Parece sinistro, isto <strong>de</strong> o teatro po<strong>de</strong>r<br />

tornar-se tão pessoal que sabe<br />

mais sobre nós do que nós sobre ele,<br />

“As pessoas sabem<br />

os limites que<br />

separam a ficção<br />

da realida<strong>de</strong>.<br />

Mas claro que um em<br />

cada mil espectadores<br />

passa os limites, e<br />

quando isso acontece<br />

temos <strong>de</strong> mudar o<br />

espectáculo todo”<br />

Alexan<strong>de</strong>r Devriendt<br />

mas para muitas das centenas <strong>de</strong> pessoas<br />

que já passaram por estes umpara-um<br />

dos Ontroerend Goed (na<br />

Bélgica, on<strong>de</strong> as três peças se estrearam,<br />

ou em Edimburgo, on<strong>de</strong> os dois<br />

primeiros capítulos da trilogia fizeram<br />

história, talvez com H gran<strong>de</strong>) não foi<br />

sinistro, foi uma epifania. “As pessoas<br />

apren<strong>de</strong>ram coisas sobre si próprias<br />

<strong>de</strong> que nem suspeitavam: muita gente<br />

veio agra<strong>de</strong>cer-nos por lhe termos<br />

mostrado isto ou aquilo. É claro que<br />

isso po<strong>de</strong> acontecer em qualquer espectáculo;<br />

a diferença é que aqui o<br />

que fazemos é verda<strong>de</strong>iramente personalizado,<br />

e isso po<strong>de</strong> mudar o mundo.<br />

Não acredito em revoluções colectivas,<br />

mas acredito em revoluções<br />

individuais, e ao longo <strong>de</strong>sta trilogia<br />

vi-as a acontecer. Até comigo: aconteceram-me<br />

coisas com alguns espectadores<br />

que nunca me tinham acontecido<br />

na vida, e isso é muito po<strong>de</strong>roso”,<br />

explica o actor e encenador do<br />

grupo. Houve alturas em que teve medo<br />

disso: “Na noite em que estreámos<br />

‘Internal’, houve uma rapariga que<br />

acabou com o namorado no fim da<br />

peça. Veio ter comigo e eu, angustiadíssimo:<br />

‘Não é isto, eu não quero<br />

fazer peças que façam acontecer coisas<br />

<strong>de</strong>ssas’. Ela garantiu-me que não<br />

foi a peça: podia ter sido um livro, um<br />

filme, um passeio no parque. Para<br />

mim isso foi o mais extraordinário:<br />

perceber quão profundamente os espectadores<br />

conhecem os mecanismos<br />

do teatro. As pessoas sabem os limites<br />

que separam a ficção da realida<strong>de</strong>.<br />

Mas claro que um em cada mil espectadores<br />

passa os limites, e quando<br />

isso acontece temos <strong>de</strong> mudar o espectáculo<br />

todo”.<br />

Não será tão grave como ter <strong>de</strong> mudar<br />

a vida toda, o que como vimos às<br />

vezes também acontece, mas diz muito<br />

sobre o papel que sucessivas vagas<br />

<strong>de</strong> espectadores tiveram na construção<br />

<strong>de</strong>stes espectáculos. “No fundo”,<br />

sublinha Devriendt, “esta trilogia é<br />

uma investigação do espectador, uma<br />

espécie <strong>de</strong> ‘quem és tu?’. Ficámos tão<br />

fascinados pelo contacto um-a-um<br />

que nos <strong>de</strong>ixámos levar. Mas só ao fim<br />

<strong>de</strong> sete anos é que percebemos que<br />

os três espectáculos podiam funcionar<br />

como uma trilogia”. Funcionam.<br />

E on<strong>de</strong> os Ontroerend Goed <strong>de</strong>scobriram<br />

o sentido do teatro houve<br />

quem <strong>de</strong>scobrisse o sentido da vida.<br />

Os limites do controlo<br />

“Smile Off Your Face” (dias 11, 12 e 13),<br />

a primeira pedra <strong>de</strong>ste empreendimento,<br />

começou por ser um exercício<br />

formal <strong>de</strong> inversão das regras <strong>de</strong> comportamento<br />

numa sala <strong>de</strong> espectáculos,<br />

o tipo <strong>de</strong> sítio on<strong>de</strong> em princípio<br />

o espectador nunca está sozinho e é<br />

obrigado a permanecer sentado no<br />

seu lugar, a não ser para bater palmas<br />

no fim. “Quisemos que o espectador<br />

estivesse sozinho, numa ca<strong>de</strong>ira que<br />

se mexe, vendado e impedido <strong>de</strong> bater<br />

palmas”, esclarece Devriendt, e<br />

mais não diz. O que acontece a seguir<br />

(<strong>de</strong>scobrir os segredos dos Ontroerend<br />

Goed po<strong>de</strong> ser um trabalho sujo,<br />

mas tivemos <strong>de</strong> o fazer) é um assalto<br />

<strong>de</strong> 20 minutos - um assalto que<br />

a crítica britânica <strong>de</strong>screveu como<br />

próximo da epifania, coisa capaz <strong>de</strong><br />

mover montanhas, ou pelo menos<br />

gente empe<strong>de</strong>rnida por décadas <strong>de</strong><br />

teatro que não quer saber dos espectadores<br />

para nada. Des<strong>de</strong> a estreia,<br />

em Gent, a companhia teve todo o<br />

tipo <strong>de</strong> reacções, algumas “extremas”,<br />

e foi preciso readaptar constantemente<br />

a peça. Mas os Ontroerend<br />

Goed apren<strong>de</strong>ram a confiar nos<br />

espectadores, e os espectadores<br />

apren<strong>de</strong>ram a confiar neles: “Devo<br />

admitir que vendar e amarrar pessoas,<br />

a seguir pô-las numa ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

rodas e arranjar maneira <strong>de</strong> mesmo<br />

assim elas se sentirem confortáveis é<br />

um feito. Mas quando isso acontece<br />

as pessoas estão dispostas a <strong>de</strong>ixar-se<br />

24 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


eatro<br />

e a tua<br />

“A Game of You”: aquilo que vemos<br />

ao espelho é o nosso avatar<br />

VIRGINIE SCHREYEN<br />

ELIES VAN RENTERGHEM<br />

l Trilogy”, compacto que reúne “Internal”, “The Smile Off<br />

, mas às vezes reencontrado, no seu labirinto. Inês Nadais<br />

ir seja para on<strong>de</strong> for”, diz Devriendt.<br />

“Internal” (amanhã e <strong>de</strong>pois), a<br />

peça que veio a seguir, continua a<br />

po<strong>de</strong>r ir parar a lugares imprevisíveis:<br />

ao contrário <strong>de</strong> “The Smile Off<br />

Your Face”, praticamente não há<br />

guião, e os actores constroem o espectáculo<br />

à medida que entram no<br />

labirinto do seu espectador (à entrada,<br />

cada um dos cinco actores escolhe<br />

o seu “acompanhante”, que <strong>de</strong>pois<br />

leva para um privado: “Internal”<br />

está entre o “speed-dating” e a<br />

terapia <strong>de</strong> grupo). O céu só não é o<br />

limite porque os Ontroerend Goed<br />

não estão dispostos a tudo (e sobretudo<br />

não estão dispostos a ultrapassar<br />

os limites <strong>de</strong> cada espectador),<br />

mas esta é a peça <strong>de</strong>pois da qual,<br />

algures num quarto belga, não ficou<br />

pedra sobre pedra. Eis portanto a<br />

razão pela qual Alexan<strong>de</strong>r Devriendt<br />

não nos conta tudo o que sabe:<br />

“Os espectadores sabem que o que<br />

acontece nas nossas peças fica nas<br />

nossas peças. Isso é <strong>de</strong>terminante.<br />

Mas há histórias, pá, tivemos pessoas<br />

a fazerem as coisas mais estranhas...<br />

O que é incrível é que as pessoas sejam<br />

cúmplices <strong>de</strong>ste mistério: nós<br />

nunca pedimos segredo aos espectadores,<br />

mas eles não dizem a ninguém<br />

o que se passa aqui <strong>de</strong>ntro. É lindo. É<br />

“O que acontece<br />

nas nossas peças fica<br />

nas nossas peças (...).<br />

O que é incrível<br />

é que (...) nós nunca<br />

pedimos segredo aos<br />

espectadores, mas<br />

eles não dizem a<br />

ninguém o que se<br />

passa aqui <strong>de</strong>ntro.<br />

É lindo. É como<br />

se a peça fosse só<br />

nossa e <strong>de</strong>las”<br />

Alexan<strong>de</strong>r Devriendt<br />

como se a peça fosse só nossa e <strong>de</strong>las”.<br />

Continua a parecer assustador: um<br />

buraco negro, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> pelos vistos se<br />

sai melhor mas sabemos lá a que preço.<br />

Mas é tão assustador para nós como<br />

para eles: “Aqui os actores não são<br />

servos do texto, como costuma acontecer<br />

no teatro, mas são servos do<br />

público. Po<strong>de</strong> parecer que estamos<br />

sempre em controlo, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mos<br />

completamente do espectador.<br />

Estamos lá para ele. Ele po<strong>de</strong> continuar<br />

a viver a sua vida <strong>de</strong>ntro das<br />

nossas peças, nós é que não. Mesmo<br />

que ele venha e não faça nada, nós<br />

temos qualquer coisa para lhe mostrar”,<br />

continua.<br />

Também é esse o jogo em “A Game<br />

of You” (dias 15 e 16), em que os Ontroerend<br />

Goed criam um avatar para<br />

cada espectador. Parece uma oferta<br />

generosa - e é. “Quando estávamos a<br />

fazer a peça na Bélgica, houve um dia<br />

em que uma crítica flamenga apareceu<br />

para ver e nos atirou com um ‘Então,<br />

é esta a peça em que vou ficar a<br />

saber tudo sobre mim?’. Ficámos em<br />

pânico. Mas acho que sim, que ela ficou<br />

a saber uma ou outra coisa sobre<br />

ela”, conclui Devriendt.<br />

Venha daí a nossa peça <strong>de</strong> teatro:<br />

também queremos ter qualquer coisa<br />

que não seja <strong>de</strong> mais ninguém.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 25


“No Oci<strong>de</strong>nte<br />

po<strong>de</strong>mos mudar<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a toda<br />

a hora. Po<strong>de</strong>mos<br />

tocar reggae num dia<br />

e música indiana<br />

no dia seguinte.<br />

No Congo, a tua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é o padrão<br />

rítmico específico que<br />

tocas no chocalho,<br />

uma dança específica,<br />

e é complicado<br />

perceber uma cultura<br />

em que não estamos<br />

ligados a algo”<br />

Vincent Kenis<br />

Há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos que Vincent Kenis<br />

<strong>de</strong>sembarcava regularmente no<br />

Aeroporto Internacional <strong>de</strong> N’Djili em<br />

Kinshasa. Nas mãos, carregava a bagagem<br />

para uma estada <strong>de</strong> duração<br />

incerta; no estômago amarrotado, a<br />

ansieda<strong>de</strong> electrizante <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r finalmente<br />

<strong>de</strong>scobrir o rasto <strong>de</strong> um grupo<br />

chamado Konono Nº1, <strong>de</strong>saparecido<br />

<strong>de</strong> circulação há 20 anos. Mas a esperança<br />

começava a ruir. De cada vez,<br />

os resultados das suas investigações<br />

eram-lhe sempre lembrados num familiar<br />

número redondo (que parecia<br />

piscar a um ritmo <strong>de</strong>smaiado na sua<br />

<strong>de</strong>spedida <strong>de</strong> N’Djili): zero. Numa nova<br />

investida, Vincent <strong>de</strong>ixou-se conduzir<br />

pela mão da filha <strong>de</strong> Dr. Nico –<br />

um dos gran<strong>de</strong>s heróis da guitarra no<br />

Congo, sendo o outro Franco – a todos<br />

os sítios que, na cabeça <strong>de</strong>la, po<strong>de</strong>riam<br />

sugerir quaisquer pistas. Uma<br />

vez mais, zero. Até que o acaso tratou<br />

<strong>de</strong> produzir os resultados que o planeamento<br />

falhara. Ao passearem calmamente<br />

por uma <strong>de</strong>ssas gran<strong>de</strong>s<br />

avenidas da capital da República Democrática<br />

do Congo, a janela aberta<br />

<strong>de</strong> uma qualquer associação <strong>de</strong>ixou<br />

escapar para a rua o som dos Konono<br />

e a imagem <strong>de</strong> gente a dançar uma<br />

música perdida no tempo como se<br />

fosse o sucesso do momento. Vincent<br />

tinha <strong>de</strong>scoberto uma espécie <strong>de</strong> clube<br />

<strong>de</strong> fãs do grupo e jogou a sua cartada<br />

<strong>de</strong>sesperada.<br />

O contacto ali estabelecido assegurou-lhe<br />

que conseguiria chegar à fala<br />

com os Konono. Vincent esperou um<br />

telefonema durante o resto da sua<br />

estada em Kinshasa, mas foi só <strong>de</strong>pois<br />

do regresso a Bruxelas que soube que<br />

pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter apanhado o avião<br />

<strong>de</strong> volta o grupo voltara a juntar-se.<br />

E que, afinal, nunca tinham parado<br />

<strong>de</strong> tocar, simplesmente tinham sido<br />

escorraçados para a teia <strong>de</strong> uma periferia<br />

pantanosa e insondável, on<strong>de</strong><br />

viviam muitos dos praticantes originais<br />

do som tradi-mo<strong>de</strong>rne <strong>de</strong> que os<br />

Konono eram o diamante mais visível.<br />

Diz Vincent que se tratou <strong>de</strong> uma manobra<br />

do autoritarismo <strong>de</strong> Mobutu,<br />

presi<strong>de</strong>nte entre 1965 e 1997, <strong>de</strong>rrubado<br />

apenas pela morte, invenção <strong>de</strong><br />

um cancro na próstata. Quando em<br />

71 Mobutu iniciou a sua Campanha<br />

pela Autenticida<strong>de</strong>, recusando todas<br />

as referências exteriores e promovendo<br />

a supremacia cultural africana,<br />

obrigando todos os congoleses a substituírem<br />

os nomes europeus por nomes<br />

africanos, fazendo do Congo um<br />

outro país chamado Zaire, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u<br />

o aparecimento e a sobrevivência <strong>de</strong><br />

grupos como os Konono Nº1 e os Kasai<br />

Allstars. “Diziam às pessoas para<br />

não ouvirem música estrangeira, para<br />

que ficassem mais próximas da sua<br />

cultura”, lembra Kenis. “O que parece<br />

uma excelente i<strong>de</strong>ia para um país<br />

muito musical e tão gran<strong>de</strong> quanto<br />

um continente”.<br />

Em 1974, quando se <strong>de</strong>u o lendário<br />

combate <strong>de</strong> boxe entre George Foreman<br />

e Muhammad Ali em Kinshasa,<br />

o tradi-mo<strong>de</strong>rne era um movimento<br />

imenso na capital, com grupos a povoarem<br />

cada esquina, como prostitutas<br />

numa cida<strong>de</strong> europeia. Foi esse<br />

cenário que o músico sul-africano Hugh<br />

Masekela encontrou quando se<br />

<strong>de</strong>slocou para testemunhar o gancho<br />

<strong>de</strong> direita com que Ali <strong>de</strong>itou Foreman<br />

ao tapete. O KO que <strong>de</strong>volveu Ali<br />

ao trono mundial, ao <strong>de</strong>rrotar um adversário<br />

mais novo, teria um correspon<strong>de</strong>nte<br />

inverso na música congolesa.<br />

Mobutu <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ver nestes<br />

grupos <strong>de</strong> expressão mais tribal um<br />

meio para chegar às massas, e o Estado<br />

fechou a torneira, escorraçando-os<br />

para fora do centro, abrindo caminho<br />

para a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos trans-étnicos,<br />

para a rumba, para o jazz africano,<br />

“mais fáceis <strong>de</strong> usar como meio<br />

político, porque se dirigiam ao país<br />

como um todo”. Estes géneros seriam<br />

<strong>de</strong>pois engolidos pela proliferação <strong>de</strong><br />

música religiosa inspirada pelo gospel<br />

americano que tomou conta das ruas<br />

Kasai Allstars<br />

e Konono<br />

Nº1 elevam a<br />

música tribal<br />

congolesa a<br />

fenómeno da<br />

world music<br />

até hoje e que a juventu<strong>de</strong> se habituou<br />

a encarar como a face da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

congolesa. Daí que a sonorida<strong>de</strong><br />

tradi-mo<strong>de</strong>rne dos Congotronics, se<br />

mostrada agora aos locais, é <strong>de</strong>scartada<br />

com uma sentença: “Ah, isto é<br />

música dos anos 70”. É música <strong>de</strong>masiado<br />

associada ao passado, a Mobutu<br />

e à propaganda para que possa gozar<br />

do mesmo sucesso com que chega ao<br />

exterior.<br />

Quando Vincent voltou ao Congo<br />

em 2002 para gravar os Konono Nº1,<br />

estava prestes a dar origem a um dos<br />

mais marcantes fenómenos na world<br />

music: a série Congotronics. O “tronics”,<br />

entenda-se, não é tanto alusivo<br />

à electrónica quanto à electricida<strong>de</strong>,<br />

uma vez que a força propulsora <strong>de</strong>sta<br />

música é o som dos três likembés passados<br />

por amplificadores que, por sua<br />

vez, me<strong>de</strong>iam servem <strong>de</strong> canais <strong>de</strong><br />

distribuição <strong>de</strong> energia para os corpos<br />

<strong>de</strong> quem ouve. Segundo se conta,<br />

Mingiedi, o fundador do grupo, terse-á<br />

interessado pela electrificação<br />

dos instrumentos para que a música<br />

não morresse sob o tráfego incessante<br />

<strong>de</strong> Kinshasa. E, portanto, quando<br />

Kenis se encontrou com o grupo em<br />

2002, <strong>de</strong>u <strong>de</strong> caras com a mesma música<br />

por que se tinha apaixonado 20<br />

anos antes ao ouvir os Konono num<br />

programa da rádio France Culture,<br />

miraculosamente abrigada <strong>de</strong> qualquer<br />

tentação mo<strong>de</strong>rnizadora. Afinal,<br />

conta o homem que produziu a série<br />

Congotronics, Mingiedi pretendia<br />

apenas “reproduzir a música tradicional<br />

que o seu pai tocara enquanto<br />

músico na corte do rei da sua tribo, a<br />

200 quilómetros <strong>de</strong> Kinshasa”.<br />

Problema quase filosófico<br />

A relação <strong>de</strong> Vincent Kenis com a música<br />

congolesa começou no final dos<br />

Electricida<strong>de</strong> a céu<br />

A série Congotronics, sinónimo <strong>de</strong> electrificação <strong>de</strong> instrumentos precários para se<br />

sobreporem ao tráfego <strong>de</strong> Kinshasa, é-nos explicada pelo seu produtor Vincent Kenis,<br />

numa altura em que duas compilações revisitam a matéria dada. Gonçalo Frota<br />

26 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


O TNSJ É MEMBRO DA<br />

MECENAS TNSJ<br />

anos 70, quando se envolveu na cena<br />

musical cubana em Bruxelas. Dada a<br />

escassez <strong>de</strong> instrumentistas cubanos,<br />

os congoleses da ex-colónia belga<br />

eram convocados para levar ao palco<br />

a sua experiência com rumbas e ritmos<br />

latinos. “Eles eram falsos cubanos,<br />

tal como eu, e quando nos conhecemos<br />

mostraram-me a música<br />

<strong>de</strong>les. Mas a cena da Congotronics é<br />

muito diferente da rumba”, realça<br />

Kenis. Depois da epifania ao ouvir a<br />

France Culture servida pelo radialista<br />

Bernardo Preton, o mesmo foi ainda<br />

responsável pela edição, anos mais<br />

tar<strong>de</strong>, em 1987, da compilação “Zaire:<br />

Musiques Urbaines a Kinshasa”. “Gostei<br />

muito <strong>de</strong> ele ter lançado a música<br />

no formato <strong>de</strong> cassete e não <strong>de</strong> LP. A<br />

razão era que a maioria das canções<br />

era <strong>de</strong>masiado longa para caber num<br />

lado <strong>de</strong> LP e ele não quis cortar”. Pouco<br />

<strong>de</strong>pois, seria Vincent a lançar a sua<br />

primeira lança em África: a produção<br />

aberto<br />

<strong>de</strong> “Toleki Bango”, dos Classic Swe<strong>de</strong><br />

Swe<strong>de</strong>, editado em 1994 e que o próprio<br />

consi<strong>de</strong>ra uma espécie <strong>de</strong> “Congotronics<br />

nº0”.<br />

A existência <strong>de</strong> um único estúdio<br />

em Kinshasa, pago a peso <strong>de</strong> ouro e<br />

sem capacida<strong>de</strong> para gravar 12 músicos<br />

em simultâneo, e a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> gravar com um baixíssimo orçamento<br />

levaram a que Vincent optasse<br />

por efectuar as gravações para os quatro<br />

volumes da série Congotronics –<br />

dois álbuns dos Konono Nº1, um dos<br />

Kasai Allstars e uma compilação com<br />

mais uns quantos nomes menos conhecidos<br />

– ao ar livre. Além disso, a<br />

estranheza da situação artificial do<br />

estúdio para músicos habituados a<br />

tocar a céu aberto não prometia os<br />

melhores resultados. “Penso que é<br />

melhor eles tocarem num sítio que<br />

conhecem, em que dominam a acústica<br />

e se sentem mais confortáveis. E<br />

os instrumentos <strong>de</strong> percussão soam<br />

sempre melhor ao ar livre”. Com os<br />

Staff Benda Bilili – grupo que gravita<br />

em torno dos Congotronics mas que<br />

não integra oficialmente a série –, as<br />

gravações foram no jardim zoológico<br />

da cida<strong>de</strong>, sítio on<strong>de</strong> ensaiavam, tirando<br />

proveito da autorização especial<br />

conseguida pelo baixista, ex-militar<br />

que tratava dos cavalos do Presi<strong>de</strong>nte<br />

e os levava para ali a pastar.<br />

Actualmente a preparar um encontro<br />

em palco entre os músicos congoleses<br />

e os oci<strong>de</strong>ntais da música indie<br />

oci<strong>de</strong>ntal que os homenageiam no<br />

disco “Tradi-Mods vs. Rockers”, Vincent<br />

Kenis tem “um problema quase<br />

filosófico” relativamente à i<strong>de</strong>ia: “No<br />

Oci<strong>de</strong>nte vivemos num mundo <strong>de</strong> informação,<br />

em que po<strong>de</strong>mos mudar<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a toda a hora. Po<strong>de</strong>mos<br />

tocar reggae num dia e música indiana<br />

no dia seguinte. I<strong>de</strong>ntificamo-nos<br />

cada vez menos com um certo tipo<br />

<strong>de</strong> música. Enquanto no Congo, nas<br />

cida<strong>de</strong>s, a tua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é a tua música,<br />

a tua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é o padrão rítmico<br />

específico que tocas no chocalho,<br />

uma dança específica, e é complicado<br />

para eles perceber uma<br />

cultura em que não estamos ligados<br />

a algo. Por isso, a música <strong>de</strong>les com<br />

outras pessoas à partida é impossível.<br />

A música está ligada tão intimamente<br />

à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que querem estimar este<br />

vínculo, não querem <strong>de</strong>sbaratá-lo.<br />

Quando tens 50, 60 ou 70 anos e nunca<br />

tentaste fazer algo diferente, não<br />

sentes essa necessida<strong>de</strong> e não queres<br />

fazer figura <strong>de</strong> tolo. Muitos <strong>de</strong>les, os<br />

Konono em particular, têm tocado em<br />

todos os gran<strong>de</strong>s festivais, gravaram<br />

com a Björk e com o Herbie Hancock,<br />

mas continuam a tocar o mesmo estilo<br />

que tocavam antes e não querem<br />

mudá-lo. E por que haviam <strong>de</strong> querer?”.<br />

Até porque o objectivo, repetese,<br />

é apenas o <strong>de</strong> imitar as cornetas<br />

<strong>de</strong> marfim que tocavam para o rei <strong>de</strong><br />

uma tribo <strong>de</strong> que continuamos a não<br />

saber o nome.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 38 e segs<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv<br />

T 220 120 220<br />

criação<br />

TEATRO MERIDIONAL<br />

encenação<br />

MIGUEL SEABRA<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

saxofone alto · trompete · saxofone tenor<br />

trombone · tuba · vibrafone · contrabaixo<br />

bateria<br />

APOIO<br />

INSTITUCIONAL<br />

PATROCINADOR OFICIAL<br />

PAÍS TEMA<br />

PATROCINADOR PRINCIPAL<br />

PAÍS TEMA<br />

Teatro<br />

Nacional<br />

São João<br />

assistência artística<br />

Jean Paul Bucchieri<br />

dramaturgia<br />

Francisco Luís Parreira<br />

espaço cénico<br />

e figurinos<br />

Marta Carreiras<br />

<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> luz<br />

Miguel Seabra<br />

música original<br />

e sonoplastia<br />

José Mário Branco<br />

coor<strong>de</strong>nação geral<br />

Natália Luiza<br />

13-23<br />

Jan<br />

2011<br />

interpretação<br />

Carla Galvão<br />

Cláudia Andra<strong>de</strong><br />

David Pereira Bastos<br />

Emanuel Arada<br />

Filipe Costa<br />

Inês Lua<br />

Inês Mariana Moitas<br />

João Melo<br />

Miguel Damião<br />

Rui M. Silva<br />

Susana Ma<strong>de</strong>ira<br />

co-produção<br />

TNDM II<br />

Teatro Meridional<br />

qua-sáb 21:30<br />

dom 16:00<br />

dur. aprox. 1:30<br />

M/12 anos<br />

www.tnsj.pt<br />

LINHA VERDE 800-10-8675<br />

MECENAS CICLO JAZZ MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

fotografia Susana Paiva, <strong>de</strong>sign Margarida Kol, adaptação Joana Monteiro<br />

Vincent Kenis<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 27


Rússia, estrada p<br />

Nos filmes do bielorusso Sergei Loznitsa, a Rússia confronta-se com os fantasmas da sua história. A<br />

abanão. Retrospectiva integral na Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>, a partir <strong>de</strong> quinta-feira, com a presença d<br />

“Revue” e<br />

“Blocka<strong>de</strong>”: a<br />

propaganda<br />

comunista e o<br />

cerco a<br />

Leninegrado<br />

em imagens<br />

<strong>de</strong> arquivo<br />

Não é uma estrada, é uma direcção...<br />

e em direcção a sítio nenhum.<br />

Tal como o camionista <strong>de</strong> “My Joy”,<br />

o espectador está metido nisto: num<br />

mundo impregnado do terror das fábulas,<br />

<strong>de</strong> que ele não conhece regras,<br />

on<strong>de</strong> a brutalida<strong>de</strong> é ancestral, como<br />

a noite, como a neve. On<strong>de</strong> não existe<br />

passado nem presente, porque o<br />

passado sempre ali esteve, a ser reiterado<br />

no presente, como uma face<br />

<strong>de</strong>moníaca que a espaços rasga uma<br />

construção, uma ficção: URSS.<br />

O camionista que tomou a direcção<br />

errada per<strong>de</strong> a memória, violentado,<br />

con<strong>de</strong>nado a errar pelas profun<strong>de</strong>zas<br />

<strong>de</strong> uma estrutura mental. O espectador<br />

também é traumatizado, obrigado<br />

a progredir <strong>de</strong> abanão em abanão<br />

“A Rússia é um gran<strong>de</strong><br />

país com uma<br />

história trágica. Isso<br />

<strong>de</strong>ve-se ao facto<br />

<strong>de</strong> as pessoas não<br />

reflectirem sobre<br />

o seu passado e não<br />

apren<strong>de</strong>rem com<br />

a experiência<br />

passada”<br />

– um <strong>de</strong>les porque às tantas “My Joy”<br />

dá uma cambalhota da actualida<strong>de</strong><br />

para a II Guerra Mundial e ninguém<br />

esperaria isso (e mesmo agora que já<br />

se sabe, a sacudi<strong>de</strong>la continua a ser<br />

assinalável).<br />

É essa a experiência com os filmes<br />

do bielorrusso Sergei Loznitsa – um<br />

sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocação física, somos<br />

atirados para um “road movie”<br />

imprevisível –, como se testemunhará<br />

entre os dias 13 e 16, no Pequeno Auditório<br />

da Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>, na<br />

retrospectiva integral <strong>de</strong>dicada ao cineasta<br />

(organização da Associação<br />

Zero em Comportamento).<br />

Abre, dia 13, às 21h30, com “My<br />

Joy” (“Minha Alegria”, título que uma<br />

semana <strong>de</strong>pois chega às salas). Rodado<br />

na Ucrânia (por contingências <strong>de</strong><br />

produção), marca a passagem do documentarista<br />

para a ficção, um filme<br />

que sedimentou histórias que Loznitsa<br />

foi coleccionando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997,<br />

quando começou a documentar um<br />

país profundo <strong>de</strong> neve – daquelas histórias,<br />

<strong>de</strong> folclore popular sombrio,<br />

que alguém, sem razão aparente e<br />

aproximando-se não se sabe <strong>de</strong> on<strong>de</strong>,<br />

conta, antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer na escuridão<br />

também para um não se sabe<br />

on<strong>de</strong>.<br />

E para quem não sabe o que se passa<br />

realmente em “Minha Alegria”...<br />

A Rússia é um gran<strong>de</strong> país com uma<br />

história trágica. Isso <strong>de</strong>ve-se ao facto<br />

<strong>de</strong> as pessoas não reflectirem sobre<br />

28 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


“The Train<br />

Stop”:<br />

“documentário”<br />

ou<br />

experiência<br />

sensorial?<br />

o seu passado e não apren<strong>de</strong>rem com<br />

a experiência passada. Assim o país<br />

vive num círculo vicioso, assombrado<br />

pelos mesmos <strong>de</strong>mónios. A história<br />

<strong>de</strong> violência repete-se uma e outra vez<br />

e nunca apren<strong>de</strong>mos as lições. Até<br />

apren<strong>de</strong>rmos a enfrentar o nosso<br />

passado, a reconhecê-lo e a analisálo,<br />

os problemas na Rússia vão continuar.<br />

Quando mostro o filme em<br />

várias partes da Rússia, dou-me conta<br />

<strong>de</strong> que muitos espectadores se sentem<br />

chocados apenas porque ignoram<br />

a História do país. Mesmo se<br />

está historicamente documentado<br />

que milhões <strong>de</strong> soldados soviéticos se<br />

ren<strong>de</strong>ram aos alemães durante os<br />

primeiros meses da [II] guerra e uma<br />

parte da população civil da URSS<br />

ansiava pela mudança <strong>de</strong> regime,<br />

porque acreditava que os alemães<br />

seriam um mal menor face aos comunistas,<br />

quando o meu filme evoca<br />

isso, as pessoas perturbam-se. Durante<br />

décadas foram alimentadas<br />

por histórias <strong>de</strong> propaganda. E no<br />

entanto, como cineasta, não estou<br />

em posição <strong>de</strong> dar lições a ninguém<br />

ou <strong>de</strong> redimir. O meu papel é perguntar.<br />

Algumas <strong>de</strong>las perguntas incómodas,<br />

acho...<br />

Quando Loznitsa nos fala da passivida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> uma recusa <strong>de</strong> reflexão,<br />

vemos um colapso e impõem-se-nos<br />

as imagens <strong>de</strong> “The Train Stop”<br />

(2000, sexta-feira 14, 18h30). Diz-se<br />

que é um “documentário”. Nós perguntamos<br />

se não é mais uma experiência<br />

sensorial: o som – sempre trabalhado,<br />

construído e espesso nos<br />

filmes <strong>de</strong> Loznitsa – da respiração <strong>de</strong><br />

russos a dormir enquanto o comboio<br />

não passa na estação.<br />

No Verão <strong>de</strong> 1999, o realizador e o<br />

seu “cameraman” viajavam <strong>de</strong> Moscovo<br />

para São Petersburgo quando o<br />

comboio parou <strong>de</strong> repente no que parecia<br />

ser o fim do mundo. O próximo<br />

só passaria na manhã seguinte, o realizador<br />

e o operador tiveram <strong>de</strong> passar<br />

a noite na estação, minúscula...<br />

Um caminho estreito levava, por entre<br />

neve espessa, para uma pequena<br />

sala <strong>de</strong> espera. Entrámos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

um pequeno edifício <strong>de</strong>crépito e fiquei<br />

espantado por ver a sala cheia<br />

<strong>de</strong> pessoas a dormir, à espera <strong>de</strong> um<br />

comboio que ninguém sabia quando<br />

iria chegar... Foi esta experiência que<br />

me levou a ‘The Train Stop’. E assim,<br />

durante mais ou menos um ano, eu<br />

e o meu operador <strong>de</strong> câmara fizemos<br />

viagens até essa estação e filmámos.<br />

Filmámos com uma lente que <strong>de</strong>u<br />

uma característica especial à imagem:<br />

focada no centro e cheia <strong>de</strong> névoa<br />

nas margens. E sim, para respon<strong>de</strong>r<br />

à sua pergunta: ‘The Train Stop’<br />

é tanto um documentário como uma<br />

“Os dois géneros,<br />

ficção<br />

e documentário,<br />

apresentam valores<br />

‘realistas’:<br />

documentam<br />

primeiro que tudo<br />

a percepção que<br />

o artista tem<br />

do mundo e reflectem<br />

o seu ponto <strong>de</strong> vista”<br />

experiência sensorial. E quanto ao<br />

som, também é ‘documental’ e também<br />

é ‘fabricado’. Nunca se po<strong>de</strong>m<br />

separar esses dois aspectos<br />

Isto serve para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r também<br />

que se “My Joy” é “a primeira ficção”,<br />

como é anunciada, <strong>de</strong> um documentarista<br />

<strong>de</strong> 46 anos, para o espectador<br />

essa mudança nada muda. Os documentários<br />

<strong>de</strong>ste engenheiro e matemático<br />

<strong>de</strong> formação (entre 1987 e 1991<br />

esteve envolvido no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> inteligência artificial;<br />

a partir do final dos anos 90, dá-se a<br />

passagem para o cinema; em 2001<br />

emigra com a família para a Alemanha,<br />

país que tem estado envolvido<br />

na produção da sua obra) já se testemunhavam<br />

como visões que o artista<br />

impunha à “realida<strong>de</strong>”. Falar em “realida<strong>de</strong>”,<br />

ou na documentação da<br />

realida<strong>de</strong>, é por isso tão nebuloso como<br />

a imagem <strong>de</strong> “The Train Stop”.<br />

Os dois géneros, a ficção e o documentário,<br />

apresentam valores ‘realistas’:<br />

no sentido <strong>de</strong> que documentam<br />

primeiro que tudo a percepção<br />

que o artista tem do mundo e reflectem<br />

o seu ponto <strong>de</strong> vista. O que é a<br />

‘realida<strong>de</strong>’? Qualquer obra <strong>de</strong> arte,<br />

seja um ‘documentário’ ou uma ‘ficção’,<br />

é uma manifestação das visões<br />

e das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> um artista, apenas<br />

apresentam o seu ponto <strong>de</strong> vista. O<br />

que vemos no ecrã são sombras. Como<br />

pinceladas numa tela ou letras<br />

numa página, as imagens <strong>de</strong> um filme<br />

apenas po<strong>de</strong>m ser olhadas como<br />

‘documentos’ <strong>de</strong> um processo criativo.<br />

Documentam a visão <strong>de</strong> um autor<br />

e reflectem as suas i<strong>de</strong>ias.<br />

Para a prova estão aí dois “documentos”<br />

espantosos, feitos com base<br />

em material <strong>de</strong> arquivo, a que Loznitsa<br />

acrescentou som: “Blocka<strong>de</strong>”<br />

(2005, sábado, 15, 18h30) e “Revue”<br />

(2008, domingo, 16, 18h30). O primeiro,<br />

parte <strong>de</strong> impressionantes imagens<br />

da vida e dos gestos <strong>de</strong> sobrevivência<br />

na Leninegrado cercada pelas tropas<br />

alemãs – o cerco começou em 1941,<br />

durou 872 dias, até Janeiro <strong>de</strong> 1944.<br />

O trabalho <strong>de</strong> reconstituição sonora<br />

– Loznitsa e o “sound <strong>de</strong>signer” Vladimir<br />

Golovnitsky acrescentaram o<br />

som dos passos na neve, <strong>de</strong> vozes na<br />

multidão, <strong>de</strong> edifícios a ar<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> eléctricos<br />

a circular nas ruas <strong>de</strong>struídas<br />

– é tanto um esforço no sentido <strong>de</strong><br />

aprofundar o “realismo”, a “autenticida<strong>de</strong>”<br />

– e o realizador diz-nos que<br />

sobreviventes do cerco se espantaram<br />

por se “lembrarem” do que ouviram<br />

no filme – como uma operação <strong>de</strong> reconstituição<br />

digna <strong>de</strong> um épico (<strong>de</strong><br />

ficção?) sobre uma odisseia humana.<br />

O “realismo” da coisa enfrenta sempre<br />

a sensação <strong>de</strong> espectros que existe<br />

nos filmes <strong>de</strong> Loznitsa: vemos gente<br />

morta.<br />

“Revue” é uma montagem <strong>de</strong> material<br />

<strong>de</strong> propaganda, do heroísmo<br />

fabricado nas al<strong>de</strong>ias, nos movimentos<br />

juvenis, na educação das crianças,<br />

nas fábricas, no planeamento económico...<br />

Como uma pastoral, uma utopia,<br />

arrancada às dificulda<strong>de</strong>s, está<br />

hoje ensopada em <strong>de</strong>scrença, como<br />

um sonho que correu mal, e, simultaneamente,<br />

em nostalgia: intrometese<br />

na montagem o olhar <strong>de</strong> Loznitsa,<br />

que se lembra das imagens que viu<br />

em criança.<br />

Ver toda a obra do cineasta, aliás,<br />

perdida<br />

. A brutalida<strong>de</strong> é ancestral. E o espectador experimenta o<br />

do cineasta. Com quem falámos Vasco Câmara<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 29


“Artel” e “My<br />

Joy”, que no<br />

dia 20 chega<br />

ao circuito<br />

comercial<br />

é estar no centro <strong>de</strong> um – traumático,<br />

começámos por dizer – processo<br />

<strong>de</strong> revelação: como se os filmes mostrassem,<br />

finalmente, o que estava por<br />

trás <strong>de</strong> uma fabricação, a URSS, e aquilo<br />

que irrompeu com o colapso da<br />

fabricação. Veja-se – sinta-se – a espessura<br />

do trabalho e do esforço humano<br />

em “Factory” (2004, sábado, 15,<br />

18h30) e “Artel” (2006, sábado, 15,<br />

21h30), e como essa espessura, tão<br />

humana, tão dramática, tão cruel e<br />

tão irredutível se opõe ao heroísmo<br />

<strong>de</strong> papelão dos filmes <strong>de</strong> propaganda.<br />

“My Joy”, finalmente, filme que começa<br />

com um cadáver a ser sepultado<br />

no cimento, beneficiou talvez da liberda<strong>de</strong><br />

da ficção para se po<strong>de</strong>r entregar<br />

<strong>de</strong> forma selvagem à <strong>de</strong>sagregação.<br />

“Estou sempre<br />

a ver filmes, às vezes<br />

vários filmes por dia.<br />

Não se po<strong>de</strong> viver sem<br />

filmes e sem livros...”<br />

Cresci na URSS e essas imagens <strong>de</strong><br />

propaganda são-me familiares, pertencem<br />

à minha infância. Na verda<strong>de</strong>,<br />

quando <strong>de</strong>scobri essas imagens<br />

no arquivo <strong>de</strong> cinema documental<br />

<strong>de</strong> S. Petersburgo, senti-me nostálgico...<br />

Lembrou-me a minha infância.<br />

Claro, tive que me livrar <strong>de</strong>ssa emoção<br />

e abeirar-me do material como<br />

se fosse outro qualquer, do ponto <strong>de</strong><br />

vista do seu significado e do objectivo<br />

que serviria no meu filme. Mas nho que qualquer pessoa que cresceu<br />

naquela parte do mundo e que esteve<br />

supo-<br />

submetida a este tipo <strong>de</strong> lavagem ao<br />

cérebro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong> e<br />

que sobreviveu a isso tornouse<br />

imune a qualquer tipo <strong>de</strong><br />

propaganda. E torna-se também<br />

muito sensível a esse tipo <strong>de</strong><br />

questão. Torna-se muito fácil brir on<strong>de</strong> está a propaganda e<br />

<strong>de</strong>sco-<br />

<strong>de</strong>scodificá-la.<br />

E David Lynch? Sente-se<br />

próximo? É que “My Joy”<br />

podia chamar-se também “Lost<br />

Highway”.<br />

Dou muito valor aos filmes <strong>de</strong> David<br />

Lynch. Aliás, há vários cineastas cujo<br />

trabalho me toca em termos artísticos<br />

e intelectuais: Bresson, Dovjenko,<br />

Dreyer, Buñuel – para nomear al-<br />

guns. Estou sempre a ver filmes, às<br />

vezes vários filmes por<br />

dia. Não se po<strong>de</strong> viver<br />

sem filmes e sem livros...<br />

Loznitsa<br />

acompanhará<br />

o ciclo na<br />

Culturgest<br />

TODOS OS DOMINGOS<br />

DESCONTO 6 CÊNT/LT<br />

DURANTE O MÊS DE JANEIRO<br />

RECEBA UM DESCONTO<br />

DE 6 CÊNT/LT EM COMBUSTÍVEL<br />

GALP NA COMPRA DO PÚBLICO.<br />

Procure o vale na revista Pública.<br />

Consulte as condições associadas<br />

a esta promoção no vale <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto.<br />

Promoção válida <strong>de</strong> 2 a 31 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2011.<br />

30 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


Colum<br />

McCann<br />

O gran<strong>de</strong> mundo<br />

<strong>de</strong> Nova Iorque<br />

continua a girar<br />

no livro que ganhou<br />

o National Book<br />

Award em 2009.<br />

Pág. 32<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 31


Livros<br />

Colum<br />

McCann parte<br />

<strong>de</strong> uma manhã<br />

<strong>de</strong> Agosto<br />

<strong>de</strong> 1974 para<br />

compor uma<br />

narrativa que<br />

é Nova Iorque<br />

em todos os<br />

seus estados:<br />

passado,<br />

presente e<br />

futuro<br />

Ficção<br />

Na cida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>safia o céu<br />

O gran<strong>de</strong> mundo <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque é uma epopeia<br />

neste livro com que Colum<br />

McCann ganhou o National<br />

Book Award em 2009.<br />

Rui Lagartinho<br />

Deixa o Gran<strong>de</strong> Mundo Girar<br />

Colum McCann<br />

(Trad. Helena Lopes)<br />

Civilização Editora<br />

mmmmm<br />

O National Book<br />

Award <strong>de</strong> 2009 é<br />

um retrato épico e<br />

intimista <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque. Das suas<br />

contradições e<br />

dos genes que a<br />

fazem girar.<br />

Para quem<br />

goste muito <strong>de</strong><br />

Nova Iorque, este é um livro<br />

indispensável. “Deixa o Gran<strong>de</strong><br />

Mundo Girar” faz um balanço <strong>de</strong><br />

algum passado com os olhos sempre<br />

no futuro: para o bem e para o mal.<br />

Funciona como um marco no meio<br />

do caminho. É tão útil como um<br />

bastão nas mãos <strong>de</strong> um peregrino.<br />

“Nunca me tinha ocorrido antes,<br />

mas tudo em Nova Iorque está<br />

construído sobre outra coisa, nada<br />

existe totalmente por si só,<br />

cada coisa é tão<br />

estranha como<br />

a anterior e<br />

relacionada<br />

com ela”<br />

(p. 380).<br />

Nova<br />

Iorque<br />

é,<br />

Encontros<br />

A obra <strong>de</strong> Agustina<br />

Bessa-Luís vai estar<br />

em cima da mesa no<br />

Centro Cultural Calouste<br />

Gulbenkian e na Sorbonne<br />

Nouvelle, em Paris, nos<br />

próximos dias 20, 21 e 22.<br />

nestas 430 páginas, metáfora do<br />

mundo.<br />

Colum McCann (Dublin, 1965)<br />

explica que este livro nasceu quando<br />

lhe veio parar às mãos uma<br />

fotografia tirada a 7 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />

1974. Nela vêem-se as duas torres do<br />

World Tra<strong>de</strong> Center acabadas <strong>de</strong><br />

construir. A ligá-las um enorme cabo<br />

<strong>de</strong> aço, que visto cá <strong>de</strong> baixo tem a<br />

espessura <strong>de</strong> um cabelo. Em cima<br />

<strong>de</strong>le, em equilíbrio precário mas<br />

<strong>de</strong>terminado a não cair, aquele que<br />

por causa <strong>de</strong>sta caminhada se<br />

tornaria uma lenda do<br />

funambulismo, Philippe Petit. Do<br />

lado esquerdo, a sair <strong>de</strong> campo, um<br />

avião que parece estar ali a mais e<br />

que <strong>de</strong> facto só não está porque<br />

projecta em nós uma sombra num<br />

futuro com 27 anos.<br />

“Deixa o Gran<strong>de</strong> Mundo Girar” é<br />

um retrato <strong>de</strong> Nova Iorque naquela<br />

manhã <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1974. Conta as<br />

vidas dos muitos que levantaram a<br />

cabeça do chão e viram, atónitos,<br />

um ponto negro em evolução lá no<br />

alto que <strong>de</strong>pressa <strong>de</strong>scobriram não<br />

ser um pássaro, e muito menos o<br />

Super-Homem.<br />

Nesse Verão, cá em baixo, a<br />

Guerra do Vietname estava mais do<br />

que perdida, Richard Nixon estava a<br />

ponto <strong>de</strong> se <strong>de</strong>mitir da Presidência<br />

dos Estados Unidos da América por<br />

causa do escândalo Watergate, o<br />

Bronx e o Harlem estavam<br />

dominados pela violência, pela<br />

prostituição e pela droga. Times<br />

Square, mais ou menos como se vê<br />

no filme “Taxi Driver” <strong>de</strong> Martin<br />

Scorsese, era um parque <strong>de</strong><br />

diversões da indústria do sexo, os<br />

negros ainda eram olhados com<br />

<strong>de</strong>sconfiança quando tentavam<br />

apanhar um táxi. As correntes <strong>de</strong><br />

vanguarda artística<br />

na literatura, nas<br />

artes plásticas e na música atolavam-<br />

se em novos ácidos fatais. Havia uma<br />

crise petrolífera mundial. Nova<br />

Iorque tinha tudo para paralisar e no<br />

entanto nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> girar.<br />

Este romance explica o milagre e é<br />

credível porque nele cabem todas as<br />

cida<strong>de</strong>s, que acabam por ser só uma<br />

à medida que Colum McCann as liga:<br />

padres irlan<strong>de</strong>ses que tentam salvar<br />

a alma das prostitutas dos bairros<br />

perigosos, ju<strong>de</strong>us ricos e po<strong>de</strong>rosos<br />

da Park Avenue que partilham com<br />

as mães dos bairros mais populares<br />

as fotografias dos filhos soldados<br />

mortos no Vietname numa<br />

miscigenação solidária.<br />

Dividido em quatro capítulos a<br />

que o autor chamou livros, a<br />

estrutura constrói-se que as histórias se<br />

cruzam. Depois<br />

em mosaico até<br />

há fragmentos <strong>de</strong> efeito coral, como<br />

quando uma longa sequência <strong>de</strong><br />

prostitutas se apresenta numa longa<br />

ladainha, e alguns<br />

mini-contos sobre<br />

o quotidiano e a observação da vida<br />

numa prisão: “O compartimento do<br />

chuveiro é o melhor lugar. Um<br />

elefante podia ficar suspenso dos<br />

tubos” (p. 267). Colum McCann<br />

volta a um<br />

estilo que já tinha<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

experimentado em “Deste Lado da<br />

Luz” (Difel, 2001), um romance<br />

sobre os homens-toupeira que<br />

construíram o metro <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque.<br />

No “Quarto Livro” <strong>de</strong> “Deixa o<br />

Gran<strong>de</strong> Mundo Girar”, o último,<br />

damos um salto no tempo até 2006.<br />

Em 30 páginas, as vidas que se<br />

contaram arrumam-se no percurso<br />

<strong>de</strong> uma personagem surpresa. Essa<br />

con<strong>de</strong>nsação <strong>de</strong>ixa-nos mais<br />

tranquilos. Na ficção é sempre fácil<br />

moldar a matéria dos sonhos<br />

fazendo-os <strong>de</strong>slizar para baixo <strong>de</strong><br />

uma nova realida<strong>de</strong>: aqui a guerra<br />

do Iraque, o furacão Katrina.<br />

O mundo aturdido parece que<br />

continua a querer girar.<br />

Ironia<br />

“highbrow”<br />

Divertido, irónico,<br />

mordaz, neurótico, culto,<br />

discretamente amargo. Tudo<br />

em doses homeopáticas.<br />

Eduardo Pitta<br />

O Acompanhante<br />

Jonathan Ames<br />

(Trad. André Chêdas)<br />

Contraponto<br />

mmmnn<br />

Três investigadoras da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris 3<br />

(Catherine Dumas, Agnès<br />

Levécot e Ilda Men<strong>de</strong>s dos<br />

Santos) e uma professora<br />

catedrática da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong><br />

Entre nós,<br />

Jonathan Ames<br />

(Nova Iorque,<br />

1964) é<br />

praticamente<br />

<strong>de</strong>sconhecido.<br />

Autor <strong>de</strong> “Bored<br />

to Death”,<br />

popular série <strong>de</strong><br />

televisão feita a<br />

partir <strong>de</strong> um dos seus contos,<br />

publicou romances, ensaios, uma<br />

antologia <strong>de</strong> memórias transexuais<br />

(“Sexual Metamorphosis”, 2005) e<br />

até uma autobiografia gráfica, sobre<br />

a <strong>de</strong>pendência do álcool, ilustrada<br />

por Dean Haspie. Longe <strong>de</strong> reunir<br />

consenso, tem sido elogiado e<br />

execrado com igual fervor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

publicou “I Pass Like Night” (1989).<br />

Mesmo em Manhattan, attan, esta<br />

mistura <strong>de</strong> Iggy Pop com<br />

P. G. Wo<strong>de</strong>house soa<br />

<strong>de</strong>sconcertante.<br />

Decerto não por<br />

acaso, <strong>de</strong>fine-se a si<br />

mesmo como<br />

“probably the<br />

gayest straight<br />

writer in America”.<br />

Po<strong>de</strong>mos agora a<br />

ler a tradução que<br />

André Chêdas fez <strong>de</strong><br />

“O Acompanhante”,<br />

romance sobre as<br />

relações <strong>de</strong> Henry<br />

Harrison,<br />

dramaturgo<br />

do Porto, Fátima Marinho,<br />

propõem, a partir do<br />

slogan “Audaces et<br />

Défigurations”, uma<br />

leitura plural dos textos<br />

da escritora portuguesa.<br />

falhado que vive <strong>de</strong> acompanhar<br />

mulheres da alta socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque, e Louis Ives, docente <strong>de</strong> um<br />

colégio privado <strong>de</strong> Princeton que<br />

per<strong>de</strong> o emprego no dia em que é<br />

apanhado a vestir o sutiã <strong>de</strong> uma<br />

colega na sala dos professores. Fica<br />

por esclarecer se a punição é <strong>de</strong>vida<br />

ao arremedo <strong>de</strong> travestismo ou à<br />

erecção <strong>de</strong> Louis: “A protuberância<br />

conseguiu a proeza <strong>de</strong> confirmar a<br />

culpa dos meus actos, <strong>de</strong> forma mais<br />

contun<strong>de</strong>nte do que o próprio olhar,<br />

já <strong>de</strong> si claramente sexual...” Por<br />

momentos, julgamos estar a ler<br />

Augusten Burroughs. Com o fluir da<br />

intriga, a ilusão <strong>de</strong>sfaz-se. Burroughs<br />

é literal, lá on<strong>de</strong> Ames prolonga a<br />

“respiração” da narrativa clássica.<br />

“O Acompanhante” são duas vidas<br />

cruzadas: a <strong>de</strong> Henry, vergado ao<br />

peso das idiossincrasias; e a <strong>de</strong><br />

Louis, em trânsito entre os dois<br />

lados <strong>de</strong> um espelho. Concluído em<br />

1996, o livro andou em bolandas<br />

durante dois anos, <strong>de</strong> editor em<br />

editor, tendo, ao cabo <strong>de</strong> 20<br />

rejeições, sido publicado em 1998<br />

pela Scribner. Shari Springer<br />

Berman adaptou-o ao cinema, com<br />

Kevin Kline (Henry) e Paul Dano<br />

(Louis) nos protagonistas. Tarefa<br />

inglória, na medida em que a<br />

estrutura semântica resiste à<br />

transposição <strong>de</strong> suporte. Se, por um<br />

lado, o cortejo <strong>de</strong> reflexões auto<strong>de</strong>preciativas<br />

do narrador potencia<br />

o “overacting”, a trama dos envios<br />

(<strong>de</strong> Freud a Scott Fitzgerald, sem<br />

esquecer Bertie Wooster) apenas é<br />

perceptível na escrita precisa <strong>de</strong><br />

Ames.<br />

A história mistura elementos<br />

autobiográficos, <strong>de</strong>ixando adivinhar<br />

o futuro interesse <strong>de</strong> Ames pela<br />

problemática transexual: “Ao ver-me<br />

vestido <strong>de</strong> mulher em toda a minha<br />

fealda<strong>de</strong>, tinha aprendido a apreciar<br />

e valorizar a beleza <strong>de</strong>stas raparigas<br />

e o trabalho a que as obrigava. Só os<br />

homens po<strong>de</strong>riam ter uma presença<br />

<strong>de</strong> espírito tão obstinadamente<br />

direccionada para se quererem fazer<br />

passar por mulheres.”<br />

Por razões difíceis <strong>de</strong> explicar, não<br />

é comum associar Ames aos gran<strong>de</strong>s<br />

nomes da<br />

tradição<br />

literária<br />

judaica, como<br />

Ames,<br />

“o escritor<br />

heterossexual<br />

mais gay da<br />

América”,<br />

chega<br />

finalmente a<br />

Portugal com<br />

“O Acompanhante”<br />

TRAVIS ROOZÉE<br />

32 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


Asimov, Bellow, Roth e outros.<br />

Porém, poucos livros como este<br />

<strong>de</strong>screvem com tanta subtileza o<br />

carácter escorregadio e as<br />

ambiguida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa tradição.<br />

Profundamente americano (no<br />

sentido em que i<strong>de</strong>ntificamos Jerry<br />

Seinfeld como arquétipo), Ames<br />

calibra o discurso com secura e<br />

sabedoria: “Voltei à fotografia <strong>de</strong>le<br />

na bicicleta. Era perfeito. [...] Tentei<br />

olhar com profundida<strong>de</strong> para os<br />

belos olhos do rapaz da fotografia. A<br />

nossa ida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>via ser tão<br />

diferente quanto isso. Queria avisálo<br />

do que aí vinha e comecei a<br />

chorar. Chorava porque aquele<br />

rapaz não fazia i<strong>de</strong>ia daquilo em que<br />

se ia tornar, que cinquenta anos<br />

mais tar<strong>de</strong> estaria a dormir num<br />

<strong>de</strong>crépito sofá no meio <strong>de</strong> um<br />

quarto pouco menos que imundo.<br />

Chorei pelo que acontecera à vida<br />

daquele jovem e chorei porque o<br />

velho em que esse jovem se tornou<br />

me tinha abandonado.”<br />

Ames é divertido sem ser pateta,<br />

irónico, mordaz, discretamente<br />

amargo, neurótico, culto mas não<br />

pedante. Parece contraditório, mas<br />

consegue ser tudo isto ao mesmo<br />

tempo. A dosagem homeopática<br />

ajuda. Como alguém disse, o<br />

“entertainer” nato.<br />

Biografia<br />

Em <strong>de</strong>fesa<br />

do legado <strong>de</strong><br />

Egas Moniz<br />

O inventor da “lobotomia”<br />

reabilitado, numa biografia<br />

que explora a fascinante<br />

personalida<strong>de</strong> do único<br />

Prémio Nobel português até<br />

Saramago.<br />

José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />

Egas Moniz – Uma Biografia<br />

João Lobo Antunes<br />

Gradiva<br />

mmmmn<br />

Há décadas que<br />

paira uma sombra<br />

sobre a obra do<br />

único Prémio<br />

Nobel português<br />

numa área<br />

científica: a má<br />

fama da<br />

“lobotomia”. Com<br />

esta biografia,<br />

João Lobo Antunes, 66 anos, um dos<br />

mais conhecidos neurocirurgiões<br />

portugueses, trata não só <strong>de</strong> resgatar<br />

a sua reputação como <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver a<br />

Egas Moniz um lugar que por vezes<br />

lhe é negado, o <strong>de</strong> cientista <strong>de</strong><br />

Egas Moniz<br />

aventurouse<br />

tar<strong>de</strong> na<br />

investigação<br />

científica,<br />

mas não<br />

<strong>de</strong>scurou<br />

nenhum<br />

esforço para<br />

obter o Nobel<br />

excelência. “O lugar na História que<br />

Egas Moniz procurou com tanta<br />

persistência e perícia é seu <strong>de</strong> pleno<br />

direito”, argumenta Lobo Antunes.<br />

Isto apesar <strong>de</strong> Moniz ter seguido um<br />

percurso bastante heterodoxo, pelo<br />

menos se o julgarmos pelos critérios<br />

actuais ou se o virmos à luz da<br />

imagem mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> um cientista.<br />

Quem era realmente Egas Moniz?<br />

Talvez esta seja uma das melhores<br />

sínteses: “Político <strong>de</strong>siludido, clínico<br />

carismático, burguês rico,<br />

humanista amador, no fundo,<br />

cientista improvável”. Mais do que<br />

improvável: tardio. Quando iniciou<br />

as investigações que levariam ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da angiografia<br />

cerebral, já tinha mais <strong>de</strong> 50 anos;<br />

quando propôs a leucotomia préfrontal,<br />

já tinha dobrado a fronteira<br />

dos 60 anos. Até então praticamente<br />

não produzira nada a nível<br />

científico.<br />

Quase nada na carreira inicial <strong>de</strong><br />

Egas Moniz parecia dirigi-lo para os<br />

feitos científicos da sua vida tardia.<br />

Nascido em 1874 numa família<br />

abastada <strong>de</strong> Avanca (Estarreja,<br />

distrito <strong>de</strong> Aveiro), beneficia do<br />

apoio <strong>de</strong> um tio aba<strong>de</strong> para seguir os<br />

estudos, primeiro no Colégio <strong>de</strong> S.<br />

Fiel, dos jesuítas, conhecido pelo<br />

rigor e pela qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois na<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra. Quase<br />

sempre bom aluno, ingressa na<br />

carreira académica ao mesmo<br />

tempo que inicia a prática clínica e<br />

se começa a <strong>de</strong>dicar à política,<br />

sendo eleito para o Parlamento nas<br />

listas do Partido Progressista <strong>de</strong> José<br />

Luciano <strong>de</strong> Castro, ainda no tempo<br />

da Monarquia. Orador contun<strong>de</strong>nte,<br />

tornar-se-ia um republicano<br />

mo<strong>de</strong>rado que, após o 5 <strong>de</strong> Outubro,<br />

alinharia com os que se opunham ao<br />

radicalismo <strong>de</strong> Afonso Costa. Viria<br />

assim a ser um dos mais importantes<br />

colaboradores <strong>de</strong> Sidónio Pais, em<br />

cujo consulado chegou a ser<br />

ministro dos Negócios Estrangeiros,<br />

tendo sido o primeiro chefe da<br />

<strong>de</strong>legação portuguesa à Conferência<br />

<strong>de</strong> Versalhes. O assassinato do<br />

Presi<strong>de</strong>nte-Rei acabaria contudo por<br />

precipitar o seu afastamento da<br />

política activa, primeiro <strong>de</strong>siludido<br />

DAVID CLIFFORD/ ARQUIVO<br />

com a violência que marcou os anos<br />

finais da I República, <strong>de</strong>pois triste<br />

pela falta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> durante o<br />

Estado Novo (apesar <strong>de</strong> muito amigo<br />

do Presi<strong>de</strong>nte Carmona, <strong>de</strong>testava<br />

Salazar).<br />

O fim da aventura política<br />

permitiu-lhe <strong>de</strong>dicar mais tempo ao<br />

consultório (muito procurado e<br />

fonte <strong>de</strong> avultados proventos, que<br />

lhe permitiram reunir uma pequena<br />

fortuna) e à Universida<strong>de</strong>. Aí, com a<br />

colaboração <strong>de</strong> um finalista <strong>de</strong><br />

Medicina e futuro cirurgião, 29 anos<br />

mais novo, Pedro Almeida Lima,<br />

começa a tentar visualizar os vasos<br />

cerebrais. Nessa altura já Egas Moniz<br />

contava 51 anos, ida<strong>de</strong> pouco<br />

habitual para se lançar a uma<br />

investigação com esta ambição –<br />

basta recordar que os cientistas que<br />

ganharam o Nobel <strong>de</strong>senvolveram os<br />

seus trabalhos mais importantes<br />

com uma ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 36 anos,<br />

como recorda Lobo Antunes. Mesmo<br />

assim, começando por realizar<br />

testes em cães e, <strong>de</strong>pois, em<br />

doentes, Egas e os seus<br />

colaboradores <strong>de</strong>senvolveram a<br />

angiografia que, escreve Lobo<br />

Antunes, “se manteve viva durante<br />

décadas como técnica <strong>de</strong><br />

diagnóstico quase exclusiva das<br />

lesões tumorais, vasculares e<br />

traumáticas do sistema nervoso”.<br />

Gradualmente substituída para<br />

alguns diagnósticos pela tomografia<br />

axial e pela ressonância magnética<br />

(duas técnicas que justificaram a<br />

atribuição do Nobel aos seus<br />

criadores), a angiografia<br />

“<strong>de</strong>sempenha hoje um papel<br />

indispensável e previsivelmente<br />

perene como técnica <strong>de</strong> intervenção<br />

terapêutica, a única aplicação que<br />

Egas não terá previsto, que permite,<br />

por exemplo, tratar um aneurisma<br />

intracraniano sem cirurgia”.<br />

A angiografia teve uma rápida<br />

expansão na Europa, ao contrário da<br />

leucotomia pré-frontal, que seria<br />

pouco praticada no Velho<br />

Continente (à excepção do Reino<br />

Unido), mas que se tornaria uma<br />

terapia muito popular nos Estados<br />

Unidos. A intuição que esteve por<br />

trás do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta<br />

intervenção foi a <strong>de</strong> que<br />

“<strong>de</strong>sligando” alguns circuitos<br />

neuronais era possível tratar certos<br />

tipos <strong>de</strong> doenças neurológicas. Com<br />

Egas Moniz, a técnica seguida – a que<br />

chamou “psicocirurgia” e que ele<br />

mesmo consi<strong>de</strong>rara “ousada” ou<br />

mesmo “temerária” – consistia em<br />

cortar os feixes nervosos que<br />

ligavam os dois lóbulos frontais do<br />

cérebro. As primeiras cirurgias<br />

apontaram para resultados<br />

positivos, pelo que a técnica foi<br />

rapidamente adoptada em países<br />

on<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> doentes<br />

psiquiátricos era muito elevado.<br />

Nessa época, é importante recordar,<br />

não estavam ainda disponíveis<br />

outras terapias menos invasivas ou<br />

reversíveis, pelo que acabaram por<br />

ocorrer muitas intervenções sem um<br />

diagnóstico correcto ou mesmo<br />

motivadas por intenções menos<br />

nobres, abrindo campo a uma<br />

controvérsia que ainda hoje<br />

perdura.<br />

João Lobo Antunes faz a <strong>de</strong>fesa da<br />

intuição e do trabalho <strong>de</strong> Egas Moniz<br />

seguindo duas linhas <strong>de</strong><br />

argumentação. A primeira é a da<br />

correcção <strong>de</strong>ssa sua intuição. O<br />

neurocirurgião nota que assistimos<br />

hoje a uma recuperação da<br />

psicocirurgia, sendo que “à ablação<br />

<strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> extensão variável e<br />

limites imprecisos suce<strong>de</strong>u a<br />

inibição reversível <strong>de</strong> circuitos<br />

restritos através da estimulação<br />

cerebral profunda, que tem como<br />

consequência o silenciamento<br />

temporário dos neurónios e dos<br />

circuitos que integram”. Ou seja,<br />

passou o tempo da leucotomia,<br />

chegou um tempo em que “não há<br />

dúvida que a intuição <strong>de</strong> Egas e o<br />

seu <strong>de</strong>stemor abriram um caminho<br />

sem retorno na cirurgia funcional do<br />

sistema nervoso”.<br />

Em segundo lugar, João Lobo<br />

Antunes <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong><br />

avaliar Egas pelos critérios da ética<br />

médica contemporânea, que não<br />

existiam no tempo em que<br />

trabalhou, um tempo em que os<br />

primeiros neurocirurgiões<br />

portugueses registavam taxas <strong>de</strong><br />

mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 50 por cento.EG<br />

Isto leva a que o autor consi<strong>de</strong>re<br />

que a história que se propôs contar<br />

“<strong>de</strong>monstra sem rebuço a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> do pensamento <strong>de</strong><br />

Egas, entendida aquela num sentido<br />

não infalivelmente positivo”. O que<br />

significa que esta biografia, sem ser<br />

hagiográfica, é a biografia <strong>de</strong> alguém<br />

que, sentindo-se <strong>de</strong> alguma forma<br />

ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

MÚSICA<br />

MAZGANI<br />

CENÁRIO<br />

ANTÓNIO CASIMIRO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

BERTOLT BRECHT<br />

ESTRUTURA PATROCINADA PELO<br />

APOIO<br />

QUARTA A SÁBADO 21H30<br />

her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> uma escola médica <strong>de</strong><br />

que Egas Moniz foi mestre, não<br />

omite o seu fascínio por um<br />

personagem que, não duvi<strong>de</strong>mos,<br />

era mesmo fascinante. Nesta obra<br />

revela-se sobretudo o seu percurso<br />

médico e científico, se bem que<br />

Lobo Antunes dê também atenção à<br />

sua carreira política e, mais<br />

marginalmente, à sua vida<br />

mundana. É-nos reconstituído, com<br />

<strong>de</strong>talhe, todo o processo que leva às<br />

suas <strong>de</strong>scobertas científicas, mas, se<br />

ficamos a saber que viveu na<br />

moradia on<strong>de</strong> hoje está instalada a<br />

Nunciatura Apostólica e que<br />

utilizava um faqueiro que pertencera<br />

ao Marquês <strong>de</strong> Pombal, não ficamos<br />

a saber por que razão utilizava<br />

capachinho, um pormenor que só<br />

nos é revelado quando nos<br />

aproximamos do leito <strong>de</strong> morte do<br />

nosso prémio Nobel. Mais: se<br />

também nos são recordados muitos<br />

artigos que escreveu sobre pintura<br />

(era um apaixonado da pintura<br />

naturalista portuguesa), não<br />

chegamos a perceber os motivos das<br />

suas inimiza<strong>de</strong>s, ou mesmo guerras<br />

com outros vultos da medicina<br />

portuguesa, como Francisco Gentil<br />

ou Pulido Valente, seus eternos<br />

críticos.<br />

Em contrapartida, é notável a<br />

forma como nos <strong>de</strong>screve os seus<br />

esforços para conseguir o Nobel,<br />

mostrando como também nesta<br />

frente nada po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scurado e<br />

não contam as falsas modéstias.<br />

Como escreve João Lobo Antunes,<br />

Egas acreditava “na superiorida<strong>de</strong><br />

das vonta<strong>de</strong>s”, sendo que, no seu<br />

caso, “quis tudo e quase sempre o<br />

conseguiu”. O que não é pouco, se é<br />

que não é tudo.<br />

FIGURINOS<br />

BERNARDO MONTEIRO<br />

COREOGRAFIA<br />

CLÁUDIA NÓVOA<br />

SUPERVISÃO AUDIOVISUAL<br />

AURÉLIO VASQUES<br />

LUZ<br />

MELIM TEIXEIRA<br />

[ m/12 ]<br />

DOMINGO-MATINÉE 16H00<br />

VERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

DRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

COM<br />

ANTÓNIO PEDRO LIMA | CÁTIA RIBEIRO<br />

CARLOS MALVAREZ | CRISTÓVÃO CAMPOS<br />

FRANCISCO PESTANA | JOÃO FERNANDEZ<br />

LUIS BARROS | MAFALDA LENCASTRE<br />

MAFALDA LUÍS DE CASTRO | MARTA DIAS<br />

MIGUEL GUILHERME | MIGUEL TAPADAS<br />

PATRÍCIA ANDRÉ | RUI MORISSON<br />

SARA CIPRIANO | SÉRGIO PRAIA<br />

SOFIA DE PORTUGAL<br />

VASCO SOUSA<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 33


Cinema<br />

Retrospectiva Sergei<br />

Loznitsa <strong>Lisboa</strong> Culturgest<br />

quinta, 13<br />

My Joy<br />

Às 21h30<br />

sexta, 14<br />

Today We Are Going to Build a<br />

House, Life, Autumn<br />

Às 18h30<br />

The Train Stop<br />

Às 21h30: Settlement<br />

sábado, 15,<br />

Portrait e Landscape<br />

Às 16h<br />

Factory e Blocka<strong>de</strong><br />

Às 18h30<br />

Artel e Northern Light<br />

Às 21h30<br />

domingo, 16<br />

Revue<br />

Às 18h30<br />

Sexta,<br />

14 Janeiro,<br />

ALAIN<br />

RESNAIS<br />

por mais 1,95€.<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

34 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

“Que Mais Quero Eu”:<br />

uma curiosa tensão<br />

dramática, feita<br />

<strong>de</strong> pequenas explosões<br />

<strong>de</strong> sentimento<br />

Estreiam<br />

Crónica <strong>de</strong><br />

um amor<br />

Uma curiosa tensão<br />

dramática, feita <strong>de</strong> pequenas<br />

explosões <strong>de</strong> sentimentos<br />

feridos e <strong>de</strong> frustrações<br />

contidas. Mário Jorge<br />

Torres<br />

Que Mais Quero Eu<br />

Cosa Voglio di Più<br />

De Silvio Soldini,<br />

com Alba Rohrwacher, Pierfrancesco<br />

Favino, Giuseppe Battiston, Teresa<br />

Saponangelo, Gisella Burinato. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h15,<br />

16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h;<br />

Apesar <strong>de</strong> o cinema italiano<br />

atravessar um enorme crise, muito<br />

longe <strong>de</strong> antigos esplendores, vão<br />

chegando interessantes tentativas <strong>de</strong><br />

renovar um olhar esgotado, quantas<br />

vezes contaminado pelo<br />

<strong>de</strong>corativismo das séries televisivas<br />

<strong>de</strong> prestígio. “Que Mais Quero Eu”<br />

possui, pelo menos, um ponto <strong>de</strong><br />

vista e constrói com razoável perícia<br />

uma narrativa bem enca<strong>de</strong>ada, com<br />

reminiscências das crónicas do<br />

quotidiano <strong>de</strong> um certo neorealismo<br />

tardio, um uso da câmara<br />

que lembra algumas das estratégias<br />

<strong>de</strong> Nanni Moretti e, sobretudo, um<br />

olhar actuante sobre a Itália <strong>de</strong><br />

Berlusconi, sobre a crise, sobre o<br />

po<strong>de</strong>r do dinheiro, omnipresente <strong>de</strong><br />

forma subliminar nas relações entre<br />

as personagens.<br />

Dir-se-á que não há muito <strong>de</strong><br />

original nesta história <strong>de</strong> adultério<br />

entre as classes médias citadinas,<br />

com almoços <strong>de</strong> família, encontros<br />

furtivos em motéis ou fugas<br />

escapistas para um Norte <strong>de</strong> África<br />

estereotipado. E, no entanto, Sílvio<br />

Soldini, conhecido pelo seu “Pão e<br />

Túlipas” (2000), mas com obra<br />

importante no do documentário,<br />

consegue uma curiosa tensão<br />

dramática, feita <strong>de</strong> pequenas<br />

explosões <strong>de</strong> sentimentos feridos e<br />

<strong>de</strong> frustrações contidas, com uma<br />

atenção redobrada ao real cinzento<br />

do século XXI.<br />

Começando pelo nascimento do<br />

filho da irmã da protagonista e<br />

acabando em suspensão numa espécie<br />

<strong>de</strong> morte da esperança, o filme<br />

percorre uma galeria <strong>de</strong> personagens<br />

aprisionadas num mundo sem<br />

perspectivas <strong>de</strong> sobrevivência e<br />

acomodado aos instintos familiares:<br />

uma jovem contabilista casada com<br />

um marido “bricoleur” e sem chama,<br />

Anna (Alba Rohrbacher, que víramos<br />

em “Eu Sou o Amor”), apaixona-se por<br />

um homem também casado,<br />

Domenico (um carismático<br />

Pierfrancesco Favrino), e vive uma<br />

história <strong>de</strong> amor clan<strong>de</strong>stina, que<br />

esbarra na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar<br />

as convenções e <strong>de</strong> competir com os<br />

filhos <strong>de</strong>le. Tudo <strong>de</strong>corre num mundo<br />

sem gran<strong>de</strong>zas em que a mera<br />

hipótese do amor louco aparece<br />

reduzida ao anedótico das mensagens<br />

por telemóvel ou dos encontros<br />

ocasionais. É fundamental a sequência<br />

em que Anna aparece na bancada da<br />

piscina para observar <strong>de</strong> longe a<br />

família que impe<strong>de</strong> a realização dos<br />

seus (muito estranhos e mal<br />

<strong>de</strong>limitados) sonhos amorosos,<br />

porque reflecte a estratégia <strong>de</strong> “Que<br />

Mais Quero Eu”: mostrar sem tomar<br />

partido, apresentar o <strong>de</strong>sejo sem<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

juízos <strong>de</strong> valor, nem perturbações<br />

metafísicas.<br />

Em resumo, um pequeno filme<br />

simpático em que parece não se<br />

passar nada a não ser a projecção<br />

mísera das frustrações<br />

contemporâneas. Que mais<br />

queremos nós?<br />

Atracção<br />

fatal <strong>de</strong> luxo<br />

O potencial para o filme<br />

marcar um regresso <strong>de</strong><br />

Egoyan à melhor forma<br />

estava lá todo. Mas... Jorge<br />

Mourinha<br />

O Preço da Traição<br />

Chloe<br />

De Atom Egoyan,<br />

com Julianne Moore, Liam Neeson,<br />

Amanda Seyfried, Max Thieriot. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h30, 18h30,<br />

21h50, 00h15; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h,<br />

00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h25, 16h55, 19h20, 21h45, 00h10<br />

Domingo 11h30, 14h25, 16h55, 19h20, 21h45,<br />

00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h10, 21h20,<br />

00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h20, 18h, 21h20, 23h50; ZON<br />

Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h15, 15h45, 18h25, 21h10, 23h45; ZON<br />

Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 17h50, 21h, 23h30;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h20, 16h50, 19h20, 22h05, 00h40 3ª<br />

4ª 16h50, 19h20, 22h05, 00h40; ZON Lusomundo<br />

Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h, 16h20, 19h20, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 16h10, 18h50, 21h40, 24h;<br />

Atom Egoyan a dirigir uma “remake”<br />

produzida por Ivan Reitman (ele dos<br />

“O Preço da Traição”:<br />

Julianne Moore vale<br />

o preço do bilhete<br />

“Caça-Fantasmas”)? O estimável<br />

autor canadiano <strong>de</strong> “Exotica” e “O<br />

Futuro Radioso” arriscou aqui,<br />

assumidamente, um filme <strong>de</strong><br />

encomenda, “remake” americana do<br />

filme francês <strong>de</strong> Anne Fontaine,<br />

“Nathalie...”, sobre uma esposa –<br />

uma Julianne Moore absolutamente<br />

soberba – que contrata uma<br />

prostituta <strong>de</strong> luxo para testar a<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do marido. E, durante a<br />

primeira hora, Egoyan e Moore<br />

constroem, com infinita elegância e<br />

<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, uma teia equívoca <strong>de</strong><br />

ambiguida<strong>de</strong>s e sugestões que<br />

funciona, ao mesmo tempo, como<br />

manual básico <strong>de</strong> manipulação e<br />

metáfora da arte <strong>de</strong> contar histórias.<br />

Moore é magistral na modulação<br />

infinitesimal das emoções<br />

conturbadas que o papel lhe pe<strong>de</strong>;<br />

Egoyan guia-a com precisão e justeza<br />

sem nunca per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista as<br />

necessida<strong>de</strong>s da narrativa. Eis senão<br />

quando, à entrada do “terceiro acto”,<br />

“O Preço da Traição” <strong>de</strong>scamba para<br />

uma espécie <strong>de</strong> “Atracção Fatal” <strong>de</strong><br />

luxo, guinada que parece ser uma<br />

“traição” não só ao próprio filme<br />

como à inteligência do seu realizador<br />

e à entrega dos seus actores — o<br />

potencial para o filme marcar um<br />

regresso <strong>de</strong> Egoyan à melhor forma<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algumas obras menos<br />

felizes estava lá todo.<br />

Há muito tempo que não víamos<br />

Julianne Moore com papel tão forte<br />

para ferrar o <strong>de</strong>nte – e, mesmo que o<br />

filme não cumpra a promessa<br />

daquela primeira hora, é tão raro<br />

po<strong>de</strong>rmos ver uma actriz tão<br />

entrosada com a sua personagem que<br />

não nos <strong>de</strong>vemos dar ao luxo <strong>de</strong> o<br />

ignorar quando aparece. E só ela vale<br />

o preço do bilhete. J. M.<br />

O estilo<br />

dos outros<br />

Podia ser um espumante<br />

mas não passa <strong>de</strong> uma<br />

zurrapa. Luís Miguel<br />

Oliveira


As estrelas do público<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Burlesque mnnnn nnnnn mnnnn A<br />

Cela 211 nnnnn mmnnn mmmnn mmnnn<br />

Katalin Varga mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />

O Mágico mmmmm nnnnn mmmmn nnnnn<br />

Mammuth mmmnn nnnnn mmmnn mnnnn<br />

O Preço da Traição mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Que mais quero eu nnnnn nnnnn mmmnn nnnnn<br />

O Turista mmnnn mnnnn nnnnn nnnnn<br />

Skyline mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Tulpan mmmnn mmmmn nnnnn nnnnn<br />

O Turista<br />

The Tourist<br />

De Florian Henckel von<br />

Donnersmarck,<br />

com Angelina Jolie, Johnny Depp, Paul<br />

Bettany, Timothy Dalton, Steven<br />

Berkoff, Rufus Sewell, Christian <strong>de</strong><br />

Sica. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h30; Castello Lopes -<br />

Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h50<br />

6ª 16h, 18h50, 21h50, 00h20 Sábado 13h30, 16h,<br />

18h50, 21h50, 00h20 Domingo 13h30, 16h, 18h50,<br />

21h50; Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h,<br />

16h30, 19h, 21h30, 24h; Castello Lopes - Loures<br />

Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h10; CinemaCity<br />

Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 21h55, 23h55; CinemaCity Alegro<br />

Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30,<br />

17h30, 19h30, 21h30, 23h30 Sábado Domingo 11h30,<br />

13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30,<br />

23h30; CinemaCity Beloura Shopping: Cinemax: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30,<br />

19h30, 21h30, 23h30; CinemaCity Campo Pequeno<br />

Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 21h30, 23h40; CinemaCity Campo<br />

Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 15h50, 17h50, 19h50, 21h50, 24h Sábado<br />

Domingo 11h40, 13h40, 15h50, 17h50, 19h50, 21h50,<br />

24h; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 2ª 3ª<br />

4ª 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40 6ª 13h40,<br />

15h40, 17h40, 19h40, 21h40, 23h50 Sábado 11h35,<br />

13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40, 23h50 Domingo<br />

11h35, 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40; Me<strong>de</strong>ia<br />

Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50,<br />

22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9:<br />

5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h55,<br />

00h20 Domingo 11h30, 14h15, 16h40, 19h05, 21h55,<br />

00h20; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 10: 5ª Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h45, 16h10, 19h, 21h35 6ª Sábado 13h45,<br />

16h10, 19h, 21h35, 00h15; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35,<br />

16h, 18h30, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Amoreiras:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20,<br />

18h50, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo<br />

CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 15h40, 18h20, 21h10, 23h50; ZON Lusomundo<br />

Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,<br />

15h35 18h10, 21h15, 23h45; ZON Lusomundo Dolce<br />

Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />

18h30, 21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30,<br />

00h30; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª<br />

4ª 15h30, 18h20, 21h20 6ª 15h30, 18h20, 21h20, 24h<br />

Sábado 13h, 15h30, 18h20, 21h20, 24h Domingo 13h,<br />

15h30, 18h20, 21h20; ZON Lusomundo Oeiras<br />

Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10,<br />

15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Torres<br />

Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30,<br />

16h, 18h30, 21h, 23h30; ZON Lusomundo Vasco da<br />

Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10,<br />

15h40, 18h20, 21h30, 00h20; Castello Lopes - C. C.<br />

Jumbo: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h30 6ª<br />

15h20, 18h20, 21h30, 24h Sábado 13h30, 15h20,<br />

18h20, 21h30, 24h Domingo 13h30, 15h20, 18h20,<br />

21h30; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 1: 5ª<br />

2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h30 6ª 15h40, 18h40,<br />

21h30, 24h Sábado 13h10, 15h40, 18h40, 21h30, 24h<br />

Domingo 13h10, 15h40, 18h40, 21h30; Castello Lopes<br />

- Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40,<br />

18h10, 21h30, 23h40 Sábado Domingo 13h, 15h40,<br />

18h10, 21h30, 23h40; ZON Lusomundo Almada<br />

Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />

15h30, 18h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Fórum<br />

Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,<br />

16h, 18h35, 21h30, 00h10; Zon Lusomundo Freeport:<br />

5ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h45, 21h30 6ª 16h10, 18h45,<br />

21h30, 00h10 Sábado 13h30, 16h10, 18h45, 21h30,<br />

00h10 Domingo 13h30, 16h10, 18h45, 21h30;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h05, 16h35, 19h10, 21h45, 00h25 3ª 4ª 16h35,<br />

19h10, 21h45, 00h25; Vivacine - Maia: Sala 3: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h20,<br />

21h20, 23h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h50,<br />

21h30, 00h05; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h, 21h30 6ª Sábado<br />

15h30, 18h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo<br />

GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h,<br />

18h35, 21h20 6ª Sábado 13h25, 16h, 18h35, 21h20,<br />

00h15; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h20, 21h20 6ª Sábado 13h10,<br />

15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 16h, 19h, 21h50, 00h40; ZON Lusomundo<br />

Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h40, 18h30, 21h30, 00h20; Castello Lopes - 8ª<br />

Avenida: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 17h30, 19h40,<br />

21h50 6ª 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 00h05 Sábado<br />

13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 00h05 Domingo<br />

13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50; ZON Lusomundo<br />

Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10,<br />

18h50, 21h30 6ª Sábado 13h30, 16h10, 18h50, 21h30,<br />

00h10; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h25, 19h10, 21h55, 00h40;<br />

O alemão Florian Henckel von<br />

Donnersmark foi o autor <strong>de</strong> um<br />

estimável filme, “As Vidas dos<br />

Outros”, visão pacificada, se não<br />

re<strong>de</strong>ntora pelo menos compassiva, do<br />

quotidiano na extinta RDA, com<br />

ênfase no que <strong>de</strong>sse quotidiano era<br />

marcado pela conspícua acção da<br />

STASI. Se bem se recordam – e foi um<br />

filme muito visto, Óscar para filme em<br />

língua estrangeira e tudo – havia um<br />

agente secreto que aprendia que “o<br />

mediador entre o cérebro e as mãos<br />

<strong>de</strong>ve ser o coração”, como se diz no<br />

“Metropolis” <strong>de</strong> Lang (nos filmes, os<br />

alemães têm esta estranha tendência<br />

para proporem a via sentimental<br />

como resolução <strong>de</strong> conflitos).<br />

Estimável, dissemos, porque bem ou<br />

mal, era um filme que tinha uma<br />

“raison d’être” para além das<br />

consagradas causas da “arte” ou do<br />

“comércio”: queria dizer qualquer<br />

coisa que parecia minimamente<br />

necessário dizer, e dizia-a.<br />

“O Turista” é exactamente o<br />

contrário: não tem nada para dizer, e<br />

não diz nada. O enraizamento <strong>de</strong> “As<br />

Vidas dos Outros” é substituído pelo<br />

superficial charme <strong>de</strong> uma<br />

“produção internacional”, com<br />

ve<strong>de</strong>tas <strong>de</strong> calibre mundial –<br />

Angelina Jolie, Johnny Depp, e<br />

Veneza – e uma história que podia<br />

ser contada mais ou menos da<br />

mesma maneira por um tarefeiro<br />

hollywoodiano anódino (que é aquilo<br />

que von Donnersmark se candidata a<br />

ser). Podia ser um espumante – como<br />

Cary Grant, Grace Kelly e a Riviera<br />

no “To Catch a Thief” <strong>de</strong> Hitchcock<br />

- mas não passa <strong>de</strong> uma zurrapa. A<br />

intriga mistura elementos <strong>de</strong><br />

histórias <strong>de</strong> gangsters com atmosfera<br />

<strong>de</strong> filme <strong>de</strong> espionagem “high tech”,<br />

e duas personagens (as <strong>de</strong> Jolie e<br />

Depp) que <strong>de</strong>viam ter uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> incerta – mas não há<br />

personagens, <strong>de</strong> facto, que resistam<br />

à quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças<br />

“ontológicas” a que o argumento as<br />

submete, pelo menos da maneira<br />

<strong>de</strong>sajeitada (ou, liminarmente,<br />

<strong>de</strong>sonesta) com que o filme as<br />

cumpre. Von Donnersmark filma<br />

como se estivesse a trabalhar para<br />

uma revista <strong>de</strong> “glamour” como<br />

aquelas que se folheiam nos aviões.<br />

Mas se há “estilo” é sempre o estilo<br />

dos outros – Jolie, o guarda-roupa, o<br />

Hotel Danieli, Tudo muito bonito,<br />

com certeza; mas o filme não tem<br />

uma única i<strong>de</strong>ia sobre o que fazer<br />

com esse estilo, nem como olhar<br />

para ele ou como torná-lo seu<br />

enquanto <strong>de</strong>spacha a fórmula que<br />

tem para <strong>de</strong>spachar. Sai-se a trautear<br />

o senhor Jarvis Cocker: “’cause<br />

everybody hates a tourist…”.<br />

Continuam<br />

Tulpan<br />

De Sergei Dvortsevoy,<br />

com Askhat Kuchinchirekov, Samal<br />

Eslyamova, Ondas Besikbasov,<br />

Tolepbergen Baisakalov. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30 6ª Sábado 2ª<br />

13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 24h;<br />

Asa acaba <strong>de</strong> regressar da tropa e<br />

bem tenta convencer os pais <strong>de</strong><br />

Tulpan, a única rapariga solteira da<br />

região, a darem-lhe a sua mão para<br />

ele po<strong>de</strong>r começar família e vida. Mas<br />

a rapariga não gosta das orelhas <strong>de</strong>le<br />

e a mãe também não está pelos<br />

ajustes. Contado <strong>de</strong>sta maneira,<br />

“Tulpan” é uma comédia romântica<br />

sobre um rapaz que procura o seu<br />

lugar no mundo – só que ambientada<br />

nas estepes do Cazaquistão, com<br />

Sergei Dvortsevoy, documentarista<br />

em estreia na ficção, a encerrar nessa<br />

comédia um confronto surdo entre<br />

tradição e progresso, entre perpetuar<br />

um modo <strong>de</strong> vida e construir um<br />

novo. O resultado é um filme cuja<br />

vibração do real (muito evi<strong>de</strong>nte, por<br />

exemplo, na espantosa cena do<br />

porto), integrada com elegância mas<br />

não sem ingenuida<strong>de</strong> numa ficção<br />

assumidamente sonhadora, revela<br />

uma enorme inteligência formal e<br />

criativa a trabalhar. J. M.<br />

Burlesque<br />

De Steven Antin,<br />

com Cher, Christina Aguilera, Eric<br />

Dane, Cam Gigan<strong>de</strong>t, Julianne Hough,<br />

Alan Cumming, Peter Gallagher,<br />

Kristen Bell, Stanley Tucci. M/12<br />

a<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª 2ª<br />

3ª 4ª 13h55, 16h10, 18h30, 21h45, 24h Sábado Domingo<br />

11h40, 13h55, 16h10, 18h30, 21h45, 24h; CinemaCity<br />

Beloura Shopping: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 17h35,<br />

19h45, 22h05, 00h10 Sábado Domingo 19h45, 22h05,<br />

00h10; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h55, 16h15, 18h35, 21h20, 00h05; CinemaCity Classic<br />

Alvala<strong>de</strong>: Sala 4: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10,<br />

21h30 6ª Sábado 13h50, 16h10, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>ia<br />

Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 00h10; UCI<br />

Cinemas - El Corte Inglés: Sala 6: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />

4ª 14h10, 16h45, 19h10, 21h45, 00h10 Domingo 11h30,<br />

14h10, 16h45, 19h10, 21h45, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30,<br />

16h10, 18h50, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo<br />

CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h50, 18h30, 21h20, 24h; ZON Lusomundo<br />

Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15,<br />

16h, 18h40, 21h35, 00h25; ZON Lusomundo Oeiras<br />

Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h,<br />

18h40, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Torres Vedras:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h,<br />

21h15, 23h50; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 4:<br />

5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h40, 21h20, 23h50 Sábado<br />

Domingo 12h40, 15h20, 18h40, 21h20, 23h50; Castello<br />

Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 5: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20,<br />

18h40, 21h20, 23h50 Sábado Domingo 12h40, 15h20,<br />

18h40, 21h20, 23h50; ZON Lusomundo Almada Fórum:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h45, 18h35,<br />

21h15, 23h55; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h35, 21h20,<br />

24h;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 10: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 13h55, 16h30, 19h10, 21h50, 00h25 3ª 4ª 16h30,<br />

19h10, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h40, 15h30, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h25,<br />

21h 6ª Sábado 14h30, 17h25, 21h, 23h55;<br />

Falar, a propósito <strong>de</strong> “Burlesque”, do<br />

musical clássico é um automatismo <strong>de</strong><br />

ocasião. Quer dizer: em “Chicago”, <strong>de</strong><br />

Rob Marshall, ainda se avistava o<br />

género num horizonte longínquo (mas<br />

já era, sobretudo, miragem) - por<br />

exemplo naquela forma <strong>de</strong> escravizar<br />

os actores a uma tradição <strong>de</strong> pau para<br />

toda a obra (Renée Zellweger,<br />

Catherine Zeta-Jones e Richard Gere).<br />

Havia, pelo menos, uma memória. Em<br />

“Burlesque” a haver memória ela é a<br />

<strong>de</strong> números musicais em cerimónias<br />

televisivas. Ali - on<strong>de</strong> Alan Cumming<br />

faz a enésima versão <strong>de</strong> Joel Grey no<br />

“Cabaret” e on<strong>de</strong> Cher se afirma como<br />

a melhor “drag queen” <strong>de</strong> si própria -<br />

<strong>de</strong>saguam motivos e figuras sem<br />

passado nem filiação, reproduções <strong>de</strong><br />

originais <strong>de</strong> que se per<strong>de</strong>u a memória.<br />

Vasco Câmara<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 35


Concertos<br />

Nurse With Wound: música sombria e perturbadora<br />

Pop<br />

Arriscar,<br />

criar<br />

Os históricos Nurse With<br />

Wound amanhã no Maria<br />

Matos. Mário Lopes<br />

Nurse With Wound & Blind Cave<br />

Salaman<strong>de</strong>r<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />

Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Amanhã,<br />

às 22h. Tel.: 218438801. 6€ a 15€.<br />

O sentido <strong>de</strong> risco é basilar aos Nurse<br />

With Wound. Fundados pelo inglês<br />

Steven Stapleton no final da década<br />

<strong>de</strong> 70, inicialmente tomados como<br />

parte da então emergente música<br />

industrial (a classificação ficou,<br />

Stapleton aproveitou as poucas<br />

oportunida<strong>de</strong>s em que fala ao mundo<br />

para se afastar <strong>de</strong>la), passariam as<br />

décadas seguintes a criar música<br />

absolutamente livre: livre na<br />

composição, improvisada; livre na<br />

instrumentação, com instrumentos<br />

convencionais <strong>de</strong>slocados do seu<br />

ambiente natural, a conviver com<br />

objectos do quotidiano; livre nas<br />

fontes em que bebe inspiração, tendo<br />

o kraut <strong>de</strong> Cluster, Amon Düul ou<br />

Faust como referência primordial,<br />

lado a lado com o surrealismo e os<br />

dadaístas, com mecânicas free-jazz,<br />

música noise e concreta.<br />

Os Nurse With Wound são música<br />

sombria e perturbadora. São música<br />

ambiente que nunca preten<strong>de</strong><br />

oferecer simplesmente serenida<strong>de</strong> ao<br />

ouvinte. Atingiram um dos seus<br />

maiores momentos, no que diz<br />

respeito à concretização <strong>de</strong> uma<br />

visão artística, em “Soliloquy For<br />

Lillith”, triplo álbum editado em<br />

1988, criado por Stapleton e Diana<br />

Rogerson pela sobreposição <strong>de</strong><br />

camadas sonoras em loop: vários<br />

pedais ofereciam uma vasta gama <strong>de</strong><br />

ondas eléctricas que o duo<br />

manipulou e organizou livremente<br />

através <strong>de</strong> movimentos corporais,<br />

utilizando o método e o princípio<br />

aplicados ao theremin.<br />

Apesar <strong>de</strong> ser um criador que<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o isolamento, sem<br />

interferências <strong>de</strong> qualquer espécie,<br />

como força motriz da sua obra,<br />

Steven Stapleton, que vive <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

La Shica noTheatro Circo <strong>de</strong> Braga<br />

meados da década passada numa<br />

quinta na Irlanda, tem entre a sua<br />

extensa discografia (são <strong>de</strong>zenas e<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> edições) variadíssimas<br />

colaborações: com o melhor amigo<br />

David Tibet, com os Stereolab, Jim<br />

O’Rourke ou os Faust. É<br />

precisamente aqui que regressamos<br />

ao início do texto, ao risco. Porque os<br />

Nurse With Wound não vêm sozinhos<br />

ao Maria Matos.<br />

Amanhã, subirão a palco com os<br />

Blind Cave Salaman<strong>de</strong>r, duo formado<br />

por Fabrizio Modonese Palumbo e<br />

Paul Beauchamp. Objectivo: com<br />

Steve Stapleton (guitarra), Colin<br />

Potter (electrónica) e Julia Kent<br />

(violoncelo), com a guitarra <strong>de</strong><br />

Fabrizio Modonese e a electrónica <strong>de</strong><br />

Paul Beauchamp, dar corpo<br />

instrumental à música <strong>de</strong> “Soliloquy<br />

For Lilith”. Arriscar: Stapleton não<br />

sabe fazer <strong>de</strong> outra forma.<br />

Clássica<br />

O <strong>de</strong>safio<br />

<strong>de</strong> Mário<br />

Laginha<br />

Ao lado da Orquestra<br />

Sinfónica do Porto, o<br />

pianista interpreta no Porto<br />

e em <strong>Lisboa</strong> o Concerto que<br />

escreveu em 2009. Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Mário Laginha e Orquestra<br />

Sinfónica do Porto Casa da<br />

Música<br />

Direcção Musical d Christoph Konig.<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque. Hoje, às 21h. Tel.: 220120220.<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. Império.<br />

Amanhã, às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a 25€.<br />

Obras <strong>de</strong> Dohnányi, nyi, Laginha e<br />

Strauss.<br />

Agenda<br />

Sexta 7<br />

JP Simões & Convidados<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59, às<br />

23h. Tel.: 213430205. 10€.<br />

Ver texto na pág. 12.<br />

André Fernan<strong>de</strong>s Quarteto &<br />

Bernardo Sassetti<br />

Braga. Espaço Cultural Pedro Remy. R. Dom<br />

Gualdim Pais, 36, às 22h. Tel.: 253610300.<br />

Da Casa dos Mortos<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Esa Pekka-<br />

Salonen. Encenação <strong>de</strong> Kristiina<br />

Helin. Coro e Orquestra Gulbenkian.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian<br />

- Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. <strong>de</strong> Berna, 45A, às 19h. Tel.:<br />

217823700. 15€ a 35€.<br />

Mês Janácek.<br />

Strauss Festival Orchestra e<br />

Strauss Ballet Ensemble<br />

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:<br />

223394947. 15€ a 45€.<br />

Elena Rojas e Wei-Hsien Lien<br />

Monte Estoril. Museu da Música Portuguesa - Casa<br />

Verda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Faria. Av. Sabóia, 1146 - B., às 18h30.<br />

Tel.: 214815901. Entrada gratuita.<br />

9 Years of Sonic Culture<br />

Com Wolfgang Voigt + Jorg Burger,<br />

Magda, Expan<strong>de</strong>r, Manu, André,<br />

Dexter.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique -<br />

Armazém A, às 23h. Tel.: 218820890. Consumo<br />

mínimo.<br />

Paula Sousa Quinteto<br />

<strong>Lisboa</strong>. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7, às 22h30. Tel.:<br />

919184867. 8€.<br />

Sábado 8<br />

Kátia Kabanová<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional <strong>de</strong> São Carlos. Lg. S.<br />

Carlos, 17. 2ª, 3ª, 4ª, 6ª e Sáb. às 20h. Dom. às 16h.<br />

Tel.: 213253045. 30€ a 75€.<br />

Mês Janácek.<br />

9 Years of Sonic Culture<br />

Com Wolfgang Voigt + Jorg Burger,<br />

Expan<strong>de</strong>r.<br />

Laginha na interpretação do Concerto<br />

para Piano e Orquestra que o pianista<br />

e compositor escreveu em 2009, após<br />

vários anos <strong>de</strong> hesitação. O facto <strong>de</strong><br />

ser um género musical com um<br />

gran<strong>de</strong> peso da história e uma galeria<br />

<strong>de</strong> obras magníficas intimidava-o, mas<br />

a paixão pelo <strong>de</strong>safio foi mais forte.<br />

Laginha é um dos gran<strong>de</strong>s nomes do<br />

jazz, mas a sua sensibilida<strong>de</strong> foi<br />

formada também pela música<br />

clássica e por muitas outras<br />

músicas, as quais<br />

convoca<br />

sempre que tem<br />

necessida<strong>de</strong>. Um dos<br />

exemplos evi<strong>de</strong>ntes, com<br />

excelentes resultados, é o<br />

seu Chopin revisitado por<br />

arranjos jazzísticos,<br />

Hoje no Porto (às 21h, na Casa<br />

da Música) e amanhã em<br />

<strong>Lisboa</strong> (à mesma hora, no<br />

Centro Cultural <strong>de</strong><br />

Belém), a<br />

Orquestra<br />

projecto gravado<br />

recentemente<br />

em disco.<br />

No texto que<br />

escreveu sobre<br />

o seu<br />

Sinfónica do<br />

Porto vai<br />

Laginha é um dos gran<strong>de</strong>s<br />

nomes do jazz, mas a sua<br />

Concerto<br />

para Piano,<br />

partilhar o palco<br />

sensibilida<strong>de</strong> foi formada<br />

Laginha<br />

com Mário também pela música clássica<br />

recorda que<br />

Esa Pekka-Salonen dirige<br />

na Casa da Música e na Gulbenkian<br />

Porto. Gare Clube. Rua da Ma<strong>de</strong>ira, 182, às 0h. Tel.:<br />

912564343.<br />

Domingo 9<br />

Orquestra Barroca Casa da<br />

Música<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 11€.<br />

Obras <strong>de</strong> Hän<strong>de</strong>l, Marcello, Corelli,<br />

Telemann e Vivaldi.<br />

Terça 11<br />

Philharmonia Orchestra<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Esa-Pekka<br />

Salonen. Com Leila Josefowicz<br />

(violino).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. Berna, 45A, às 21h. Tel.:<br />

217823700. 25€ a 65€.<br />

António Rosado e Orquestra<br />

Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Isin Metin.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Pç. Império, às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a<br />

20€.<br />

À Descoberta do Mediterrâneo -<br />

obras <strong>de</strong> Rossini, Saint-Saëns e<br />

Saygun.<br />

Luís Figueiredo Trio<br />

Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€.<br />

Ciclo Jazz Galp.<br />

Quinta 13<br />

Philharmonia Orchestra e Coro<br />

Gulbenkian<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Esa-Pekka<br />

Salonen. Com Attila Fekete (tenor),<br />

Michele Kalmandi (baixo).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,<br />

96, às 21h. Tel.: 213240580. 20€ a 65€.<br />

Ciclo Gran<strong>de</strong>s Orquestras. Obras <strong>de</strong><br />

Bartók e Stravinsky.<br />

La Shica<br />

Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.<br />

Liberda<strong>de</strong>, 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 12€.<br />

MUSA - Ciclo no Feminino.<br />

“a linguagem do jazz se <strong>de</strong>senvolveu<br />

afastando-se do universo clássico” e<br />

que “a forma como se tocam os<br />

instrumentos, o som que se tira <strong>de</strong>les<br />

e as próprias formações” conferiram<br />

“uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> muito própria ao<br />

jazz”. Por essa razão, po<strong>de</strong>ria<br />

“parecer um contrasenso tentar<br />

reaproximar aquilo que<br />

naturalmente se separou”, só que a<br />

postura <strong>de</strong> Laginha é outra: a <strong>de</strong><br />

assumir a contaminação das músicas<br />

e dos estilos que o atraem. “Aquilo<br />

que eu pretendi fazer foi<br />

simplesmente tentar perceber o que<br />

posso utilizar, como <strong>de</strong>vo utilizar e<br />

quando utilizar essas características.<br />

É um terreno difícil, mas o <strong>de</strong>safio é<br />

<strong>de</strong>masiado atraente.”<br />

O programa, dirigido por<br />

Christoph Konig, inclui ainda a<br />

“Rapsódia Americana”, <strong>de</strong> Ernst von<br />

Dohnányi, compositor húngaro que<br />

se mudou para os Estados Unidos<br />

após a Segunda Guerra Mundial — o<br />

país-tema da nova temporada da<br />

Casa da Música são os EUA — e o<br />

poema sinfónico <strong>de</strong> Richard Strauss<br />

“Uma Vida <strong>de</strong> Herói.”<br />

36 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


19:30 SALA 2<br />

—<br />

PORTRAIT<br />

WOLFGANG<br />

RIHM II<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

Wolfgang Rihm<br />

Quartetos nº 3<br />

e nº 5<br />

Olga Neuwirth<br />

In the realms<br />

of the unreal<br />

(estreia portuguesa;<br />

encomenda da Cité <strong>de</strong><br />

la Musique, Casa da<br />

Música, MaerzMusik/<br />

Berliner Fetspiele e<br />

ORF/musikprotokoll)<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 37


Discos<br />

Clássica<br />

O inesgotável<br />

fascínio <strong>de</strong><br />

Pergolesi<br />

A veterana Bernarda Fink e a<br />

jovem Anna Prohaska numa<br />

interpretação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

nobreza expressiva do mais<br />

célebre “Stabat Mater” da<br />

história da música. Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Giovanni Battista Pergolesi<br />

Stabat Mater<br />

Anna Prohaska, Bernarda Fink<br />

Aka<strong>de</strong>mie für Alte Musik Berlin<br />

Harmonia Mundi<br />

mmmmn<br />

Bernarda Fink associou-se a uma cantora <strong>de</strong> uma<br />

geração mais jovem, a soprano Anna Prohaska<br />

A discografia do<br />

“Stabat Mater”, <strong>de</strong><br />

Giovanni Battista<br />

Pergolesi (1710-<br />

1736), é imensa,<br />

mas esta obra<br />

lendária terminada poucos dias antes<br />

da morte do compositor não cessa <strong>de</strong><br />

fascinar os intérpretes. O carácter<br />

teatral da música (que no Barroco era<br />

comum também a muitas obras do<br />

repertório sacro, à própria liturgia e<br />

às artes visuais), o seu intenso<br />

“pathos” expressivo e a sua<br />

inspiração melódica permanecem até<br />

hoje como um gran<strong>de</strong> atractivo. Com<br />

um brilhante percurso ligado à<br />

música barroca e ao mundo do Lied,<br />

é natural que a meio-soprano<br />

argentina Bernarda Fink também<br />

quisesse incluir esta obra-prima entre<br />

os seus registos discográficos. No ano<br />

em que passam três séculos do<br />

nascimento <strong>de</strong> Pergolesi,<br />

associou-se s a uma<br />

cantora a<br />

<strong>de</strong> uma<br />

geração mais jovem<br />

(a soprano Anna<br />

Prohaska) e à<br />

Aka<strong>de</strong>mie für Alte<br />

Musik Berlin numa<br />

interpretação<br />

envolvente vente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

nobreza<br />

expressiva,<br />

que evita<br />

os exageros<br />

operáticos dos<br />

intérpretes<br />

menos<br />

familiarizados<br />

com as<br />

práticas<br />

<strong>de</strong><br />

execução<br />

históricas<br />

e<br />

também<br />

os<br />

contrastes<br />

<strong>de</strong>masiado<br />

abruptos<br />

<strong>de</strong> algumas orquestras barrocas<br />

italianas. O timbre dourado e os<br />

graves redondos <strong>de</strong> Bernarda Fink,<br />

que nos oferece uma leitura <strong>de</strong><br />

intensa profundida<strong>de</strong> dramática,<br />

contrastam com a clareza cintilante<br />

da voz <strong>de</strong> Anna Prohaska (cujo<br />

timbre se torna por vezes um pouco<br />

estri<strong>de</strong>nte nos climaxes), mas as<br />

duas cantoras conseguem em geral<br />

uma boa sintonia nos duetos do<br />

“Stabat Mater” e na “Salve Regina”<br />

em Dó menor. As obras vocais são<br />

intercaladas por peças instrumentais<br />

que prolongam a atmosfera<br />

pungente do programa,<br />

nomeadamente a sombria Sinfonia<br />

Rv. 169 “Al Sancto Sepolcro”, <strong>de</strong><br />

Vivaldi, e o Concerto a 4 “Il Pianto<br />

d’Arianna”, <strong>de</strong> Locatelli. Nesta<br />

última obra, a Aka<strong>de</strong>mie für Alte<br />

Musik exibe o seu habitual rigor<br />

técnico e sonorida<strong>de</strong> polida, mas<br />

po<strong>de</strong>ria ter ido mais longe na<br />

liberda<strong>de</strong> “<strong>de</strong>clamatória” e na<br />

fluência rítmica, tendo em conta que<br />

se trata <strong>de</strong> uma evocação<br />

instrumental <strong>de</strong> um “Lamento”,<br />

peça <strong>de</strong> origem vocal, neste caso<br />

associada ao famoso episódio <strong>de</strong><br />

Ariana abandonada pelo seu amante<br />

Teseu na ilha <strong>de</strong> Naxos.<br />

Pop<br />

Até <strong>de</strong>saparecer<br />

completamente<br />

Syd Barrett<br />

An Introduction to Syd Barrett<br />

Harvest; distri. EMI Music<br />

mmmmn<br />

Ouvir <strong>de</strong> rajada<br />

estes três<br />

curtíssimos anos<br />

(<strong>de</strong> 1967 a 1970) não<br />

é um ponto <strong>de</strong><br />

partido, não é “uma<br />

introdução”, como anuncia o título.<br />

Syd Barrett, fundador e primeiro<br />

lí<strong>de</strong>r dos Pink Floyd, surge primeiro<br />

como talento pop fascinante, ante, capaz<br />

<strong>de</strong> canalizar o ambiente libertário<br />

da swinging London para a um<br />

imaginário único, <strong>de</strong> uma<br />

luminosida<strong>de</strong> sonhadora a que<br />

a produção inventiva reflecte<br />

como poucas outras bandas<br />

antes ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la.<br />

Barrett, habilíssimo com as<br />

palavras, fez do psica<strong>de</strong>lismo ismo<br />

recreio infantil, com a<br />

inocência da infância eivada<br />

<strong>de</strong> perversida<strong>de</strong> adulta<br />

(conferir “Arnold Layne”, o<br />

primeiro single), fez <strong>de</strong>le<br />

viagem tripada entre uma<br />

Inglaterra <strong>de</strong> contos<br />

fantásticos e o espaço lá<br />

em cima, por <strong>de</strong>scobrir.<br />

Fez isso, como nenhum<br />

outro, rápido como<br />

nenhum outro. E,<br />

tragicamente,<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

misteriosamente, <strong>de</strong>sapareceu pouco<br />

<strong>de</strong>pois (afogado em LSD, o que, diz<br />

uma das teorias – há muitas teorias<br />

sobre Syd Barrett -, terá provocado o<br />

seu colapso mental).<br />

Em “An Introduction to Syd<br />

Barrett”, colectânea supervisionada<br />

por David Gilmour, o amigo <strong>de</strong><br />

infância que o substituiu nos Pink<br />

Floyd, em 1968, e a primeira a juntar<br />

o trabalho do Barrett com os Floyd e<br />

a obra a solo, não é apenas uma<br />

colecção <strong>de</strong> música admirável, da<br />

melhor que o século XX pop<br />

produziu. É também a história da<br />

<strong>de</strong>sintegração <strong>de</strong> um artista e dos<br />

seus últimos momentos <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z<br />

antes da queda no abismo.<br />

A efervescência que empregara<br />

nos Pink Floyd, aqui representados<br />

por singles como “Arnold Layne” ou<br />

“See Emily Play” e por canções como<br />

“Chapter 24” ou “Matilda mother”<br />

(esta em versão alternativa, anterior à<br />

que seria incluída em “Pipper At The<br />

Gates of Dawn”, o álbum <strong>de</strong> estreia),<br />

<strong>de</strong>svanece-se no preciso momento<br />

em que passamos <strong>de</strong> “Bike”,<br />

psica<strong>de</strong>lismo em versão music-hall e<br />

a última canção <strong>de</strong> “Pipper”, para<br />

“Terrapin”, a primeira do primeiro<br />

álbum a solo <strong>de</strong> Barrett, editado em<br />

1969. A música <strong>de</strong>spe-se a voz e<br />

guitarra, a voz torna-se grave, quase<br />

perturbadora, e Barrett passa a<br />

habitar um espaço só seu. Não há<br />

“swinging London”, não existe nada<br />

mais que um homem, incrivelmente<br />

talentoso, refugiado em si mesmo, às<br />

voltas consigo mesmo. Mas, e isto é<br />

importante, alguém consciente do<br />

processo que atravessava – a<br />

“loucura”, arma fetiche para a<br />

valorização dos seus álbuns a solo,<br />

não é evi<strong>de</strong>nte nas canções que<br />

<strong>de</strong>ixou. O que se ouve aqui é uma<br />

instabilida<strong>de</strong> emocional que o leva da<br />

resignação - “cause we’re the fishes<br />

and all we do, is move about is all we<br />

do”, em “Terrapin” – à euforia<br />

romântica <strong>de</strong> “Love you”. Que o leva<br />

à <strong>de</strong>sistência nessa negríssima<br />

“Dominoes”, ao toque <strong>de</strong> Midas<br />

rock’n’roll, novamente, na<br />

excentricida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Gigolo<br />

aunt”, à tão neurótica<br />

quanto contagiante<br />

“Octupus”, u ao humor<br />

<strong>de</strong><br />

“Bob Dylan blues”,<br />

sátira e homenagem a<br />

um<br />

dos músicos que<br />

mais admirava,<br />

revelada pela<br />

primeira r vez numa<br />

colectânea<br />

anterior,<br />

editada em<br />

2001.<br />

Com a<br />

ajuda <strong>de</strong><br />

Syd Barrett: como foi<br />

possível tanto em tão<br />

pouco tempo – e<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparecer<br />

completamente?<br />

David<br />

Gilmour,<br />

Rick<br />

Wright e<br />

alguns Soft<br />

Machine,<br />

Syd Barrett<br />

ressurgiu<br />

em 1969 com “The Madcap Laughs”:<br />

o título, naturalmente, é todo um<br />

programa. No ano seguinte, lançou<br />

“Barrett”, o segundo e último álbum<br />

a solo (os dois, bem como “Opel”,<br />

criado a partir das sobras das sessões<br />

<strong>de</strong> ambos, foram reeditados em<br />

paralelo à compilação).<br />

Em três anos, Barrett passara <strong>de</strong><br />

estrela da contracultura britânica, a<br />

mais cintilante, a mais promissora, a<br />

trovador em queda, mistério<br />

insondável que nunca conseguiremos<br />

<strong>de</strong>svendar. A sua obra expõe todo<br />

esse percurso com uma nu<strong>de</strong>z ímpar<br />

e com uma perturbadora<br />

clarividência do ocaso que se<br />

aproximava.<br />

“An Introduction” apresenta cinco<br />

das suas <strong>de</strong>zoito canções em novas<br />

misturas, um baixo regravado por<br />

Gilmour, com a discrição que se<br />

impunha., para “Here I go”, e dá-nos<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r, através do<br />

site sydbarrett.com, ao inédito<br />

“Rhamadan” (mera curiosida<strong>de</strong>, uma<br />

jam <strong>de</strong> vinte minutos da primeira fase<br />

dos Pink Floyd).<br />

“An Introduction” não nos revela<br />

nada que não soubéssemos. Prolonga<br />

o fascínio e a admiração provocada<br />

por esta impressionante explosão<br />

criativa. E <strong>de</strong>ixa-nos, ainda, com uma<br />

sensação <strong>de</strong> angústia: como foi<br />

possível tanto em tão pouco tempo –<br />

e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparecer<br />

completamente? M.L.<br />

Vários<br />

Tradi-Mods vs.<br />

Rockers<br />

Crammed; distri.<br />

Megamúsica<br />

mmmmn<br />

Vários<br />

Congotronics: Box<br />

Set<br />

Crammed; distri.<br />

Megamúsica<br />

mmmmm<br />

Lamelas metálicas fixadas sobre uma<br />

caixa <strong>de</strong> ressonância, às quais se<br />

aplicam pick-ups <strong>de</strong> fabrico caseiro<br />

que imitam a captação <strong>de</strong> uma<br />

guitarra eléctrica. Likembés <strong>de</strong> uma<br />

fragilida<strong>de</strong> tremenda, tratados como<br />

se fossem as clássicas Les Paul.<br />

Electricida<strong>de</strong> lançara para a mesma<br />

rua que permite a sobrevivência da<br />

música não a matar com carros em<br />

aceleração. Este é o gran<strong>de</strong> segredo<br />

dos grupos que compõem a série<br />

Congotronics, o movimento tradimo<strong>de</strong>rne<br />

dado a conhecer ao mundo<br />

com o álbum igualmente baptizado<br />

como “Congotronics” e gravado<br />

pelos Konono Nº1 em 2002. O<br />

impacto <strong>de</strong>ste disco – e dos três que<br />

ampliaram a série – junto do público<br />

e dos músicos europeus e norteamericanos<br />

foi <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m que<br />

Björk e Herbie Hancock não<br />

resistiram a chamar os Konono para<br />

embelezarem os seus discos.<br />

38 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


Congotronics: se pensarmos que em tempos recentes se tornou<br />

especialmente bem visto resgatar e citar influências africanas num<br />

contexto rock<br />

Mas foi tal o fluxo contínuo <strong>de</strong><br />

entusiasmo por parte <strong>de</strong> músicos<br />

vários que continuava a chegar ao<br />

quartel-general da Crammed Discs<br />

em Bruxelas, que convenceu o seu<br />

director, Marc Hollan<strong>de</strong>r, a arriscar<br />

um convite: <strong>de</strong>safiar uma série <strong>de</strong><br />

nomes conotados com música mais<br />

alternativa, do rock dito indie a gente<br />

filiada na electrónica <strong>de</strong> ponta, ou até<br />

a folks <strong>de</strong> origem distinta, a pegar no<br />

imponente legado que a série<br />

constitui já e reinventá-lo sem<br />

respeitar quaisquer regras. Ou seja:<br />

era permitido remisturar (opção que,<br />

felizmente, não foi a privilegiada),<br />

compor novos temas inspirados pelos<br />

Congotronics, erguer canções <strong>de</strong> raiz<br />

com recurso a frases musicais tiradas<br />

dos originais, todas as variáveis<br />

possíveis <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o mote fosse<br />

dado pela música congolesa em<br />

questão.<br />

Se pensarmos que em tempos<br />

recentes se tornou especialmente<br />

bem visto resgatar e citar influências<br />

africanas num contexto rock –<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos resultados<br />

especialmente vibrantes <strong>de</strong> gente<br />

como Vampire Weekend ou Yeasayer<br />

e afins –, “Tradi-Mods vs. Rockers”<br />

parece abrir uma curiosa caixa <strong>de</strong><br />

Pandora, em que ao invés <strong>de</strong> soltar<br />

todos os males do mundo promete<br />

soltar a influência africana por todo o<br />

mundo criativo oci<strong>de</strong>ntal. Claro que<br />

antes <strong>de</strong> toda esta gente já Damon<br />

Albarn fora apren<strong>de</strong>r a tocar guitarra<br />

no Mali e o <strong>de</strong>ixara bem carimbado<br />

no disco “Think Tank” e no material<br />

dos Gorillaz – além do óbvio “Mali<br />

Music” –, mas a verda<strong>de</strong> é que ouvir<br />

esta compilação dupla, que apenas<br />

sofre do <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> chamar<br />

<strong>de</strong>masiados nomes ligados<br />

umbilicalmente à Crammed, é uma<br />

belíssima janela aberta para um<br />

futuro que apetece adoptar.<br />

Animal Collective e Andrew Bird<br />

eram daqueles casos em que<br />

facilmente os víamos a pousar as<br />

bagagens musicais no terreno<br />

africano e os resultados são<br />

excelentes confirmações <strong>de</strong>ssa<br />

suspeita. Mas há por aqui maravilhas<br />

imprevisíveis como a canção que<br />

Juana Molina constrói por cima dos<br />

Kasai Allstars ou o “aplique Kronos<br />

Quartet” dado pelo experimentalista<br />

Jherek Bischoff aos Konono Nº1. E se<br />

há quem construa, há igualmente<br />

quem <strong>de</strong>sconstrua, com notável<br />

mestria, as coor<strong>de</strong>nadas iniciais: as<br />

viagens musicais <strong>de</strong> Micachu & the<br />

Shapes e Oneida por terras do Congo<br />

são disso prodigioso exemplo. E<br />

assim por diante, com um par <strong>de</strong><br />

abordagens mais indiferentes, este<br />

“Tradi-Mods vs. Rockers” assume-se<br />

quase sempre como um olhar curioso<br />

e esforçado por pedir uma inspiração<br />

emprestada e <strong>de</strong>volvê-la não<br />

melhorada mas <strong>de</strong>vidamente<br />

transformada.<br />

Claro que passar daqui para os<br />

discos originais da série Congotronics<br />

– acrescido <strong>de</strong> “Très Très Fort” dos<br />

Staff Benda Bilili, <strong>de</strong> um single <strong>de</strong><br />

encontro entre os Kasai e os Akron/<br />

Family e <strong>de</strong> uma pen com todos os<br />

discos em mp3 mais uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong><br />

ví<strong>de</strong>os – é concorrência <strong>de</strong>sleal. A<br />

caixa <strong>de</strong> cinco LP e single em vinil<br />

com que a Crammed celebra a sua<br />

série é uma edição <strong>de</strong> luxo a todos os<br />

níveis. Mas, antes <strong>de</strong> mais, ao nível da<br />

música. Cada um dos volumes é um<br />

portento sonoro e um mergulho<br />

fundo em Kinshasa, através <strong>de</strong><br />

músicas circulares, em jeito <strong>de</strong> rituais<br />

hipnóticos com danças sensuais a<br />

levantar pé em terra batida, um<br />

convite a abandonarmo-nos num<br />

transe melodicamente riquíssimo e<br />

ritmicamente <strong>de</strong>sconcertante. Da<br />

totalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>staca-se naturalmente o<br />

“Congotronics” original pela sua<br />

reverberação urgente, ainda que os<br />

retratos mais amplos dados pelos<br />

Kasai Allstars (colectivo formado por<br />

membros <strong>de</strong> vários outros grupos) e a<br />

compilação “Congotronics 2” não lhe<br />

fiquem muito atrás. Os Staff Benda<br />

Bilili, habitualmente fora <strong>de</strong>stas<br />

contas, ganham aqui um natural<br />

contexto que faz todo o sentido –<br />

sendo igualmente uma banda <strong>de</strong> rua<br />

<strong>de</strong> Kinshasa, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada na sua<br />

terra e que vive também da passagem<br />

<strong>de</strong> instrumentos precários pela<br />

electricida<strong>de</strong>.<br />

São, em boa verda<strong>de</strong>, cinco obrasprimas.<br />

E juntá-las numa só edição é<br />

coisa que mexe com os nervos <strong>de</strong> tão<br />

imediatamente o vício se impõe.<br />

Prepare-se para comprar agulhas<br />

novas (para o gira-discos,<br />

obviamente). Gonçalo Frota<br />

MECENAS<br />

CASA<br />

DA<br />

MÚSICA<br />

APOIO<br />

INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

PATROCÍNIO<br />

SALA 2<br />

SALA SUGGIA<br />

CIBERMÚSICA<br />

BARES 1 E 2<br />

RESTAURANTE<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 39

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!