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Flash - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Asimov, Bellow, Roth e outros.<br />

Porém, poucos livros como este<br />

<strong>de</strong>screvem com tanta subtileza o<br />

carácter escorregadio e as<br />

ambiguida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa tradição.<br />

Profundamente americano (no<br />

sentido em que i<strong>de</strong>ntificamos Jerry<br />

Seinfeld como arquétipo), Ames<br />

calibra o discurso com secura e<br />

sabedoria: “Voltei à fotografia <strong>de</strong>le<br />

na bicicleta. Era perfeito. [...] Tentei<br />

olhar com profundida<strong>de</strong> para os<br />

belos olhos do rapaz da fotografia. A<br />

nossa ida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>via ser tão<br />

diferente quanto isso. Queria avisálo<br />

do que aí vinha e comecei a<br />

chorar. Chorava porque aquele<br />

rapaz não fazia i<strong>de</strong>ia daquilo em que<br />

se ia tornar, que cinquenta anos<br />

mais tar<strong>de</strong> estaria a dormir num<br />

<strong>de</strong>crépito sofá no meio <strong>de</strong> um<br />

quarto pouco menos que imundo.<br />

Chorei pelo que acontecera à vida<br />

daquele jovem e chorei porque o<br />

velho em que esse jovem se tornou<br />

me tinha abandonado.”<br />

Ames é divertido sem ser pateta,<br />

irónico, mordaz, discretamente<br />

amargo, neurótico, culto mas não<br />

pedante. Parece contraditório, mas<br />

consegue ser tudo isto ao mesmo<br />

tempo. A dosagem homeopática<br />

ajuda. Como alguém disse, o<br />

“entertainer” nato.<br />

Biografia<br />

Em <strong>de</strong>fesa<br />

do legado <strong>de</strong><br />

Egas Moniz<br />

O inventor da “lobotomia”<br />

reabilitado, numa biografia<br />

que explora a fascinante<br />

personalida<strong>de</strong> do único<br />

Prémio Nobel português até<br />

Saramago.<br />

José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />

Egas Moniz – Uma Biografia<br />

João Lobo Antunes<br />

Gradiva<br />

mmmmn<br />

Há décadas que<br />

paira uma sombra<br />

sobre a obra do<br />

único Prémio<br />

Nobel português<br />

numa área<br />

científica: a má<br />

fama da<br />

“lobotomia”. Com<br />

esta biografia,<br />

João Lobo Antunes, 66 anos, um dos<br />

mais conhecidos neurocirurgiões<br />

portugueses, trata não só <strong>de</strong> resgatar<br />

a sua reputação como <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver a<br />

Egas Moniz um lugar que por vezes<br />

lhe é negado, o <strong>de</strong> cientista <strong>de</strong><br />

Egas Moniz<br />

aventurouse<br />

tar<strong>de</strong> na<br />

investigação<br />

científica,<br />

mas não<br />

<strong>de</strong>scurou<br />

nenhum<br />

esforço para<br />

obter o Nobel<br />

excelência. “O lugar na História que<br />

Egas Moniz procurou com tanta<br />

persistência e perícia é seu <strong>de</strong> pleno<br />

direito”, argumenta Lobo Antunes.<br />

Isto apesar <strong>de</strong> Moniz ter seguido um<br />

percurso bastante heterodoxo, pelo<br />

menos se o julgarmos pelos critérios<br />

actuais ou se o virmos à luz da<br />

imagem mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> um cientista.<br />

Quem era realmente Egas Moniz?<br />

Talvez esta seja uma das melhores<br />

sínteses: “Político <strong>de</strong>siludido, clínico<br />

carismático, burguês rico,<br />

humanista amador, no fundo,<br />

cientista improvável”. Mais do que<br />

improvável: tardio. Quando iniciou<br />

as investigações que levariam ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da angiografia<br />

cerebral, já tinha mais <strong>de</strong> 50 anos;<br />

quando propôs a leucotomia préfrontal,<br />

já tinha dobrado a fronteira<br />

dos 60 anos. Até então praticamente<br />

não produzira nada a nível<br />

científico.<br />

Quase nada na carreira inicial <strong>de</strong><br />

Egas Moniz parecia dirigi-lo para os<br />

feitos científicos da sua vida tardia.<br />

Nascido em 1874 numa família<br />

abastada <strong>de</strong> Avanca (Estarreja,<br />

distrito <strong>de</strong> Aveiro), beneficia do<br />

apoio <strong>de</strong> um tio aba<strong>de</strong> para seguir os<br />

estudos, primeiro no Colégio <strong>de</strong> S.<br />

Fiel, dos jesuítas, conhecido pelo<br />

rigor e pela qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois na<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra. Quase<br />

sempre bom aluno, ingressa na<br />

carreira académica ao mesmo<br />

tempo que inicia a prática clínica e<br />

se começa a <strong>de</strong>dicar à política,<br />

sendo eleito para o Parlamento nas<br />

listas do Partido Progressista <strong>de</strong> José<br />

Luciano <strong>de</strong> Castro, ainda no tempo<br />

da Monarquia. Orador contun<strong>de</strong>nte,<br />

tornar-se-ia um republicano<br />

mo<strong>de</strong>rado que, após o 5 <strong>de</strong> Outubro,<br />

alinharia com os que se opunham ao<br />

radicalismo <strong>de</strong> Afonso Costa. Viria<br />

assim a ser um dos mais importantes<br />

colaboradores <strong>de</strong> Sidónio Pais, em<br />

cujo consulado chegou a ser<br />

ministro dos Negócios Estrangeiros,<br />

tendo sido o primeiro chefe da<br />

<strong>de</strong>legação portuguesa à Conferência<br />

<strong>de</strong> Versalhes. O assassinato do<br />

Presi<strong>de</strong>nte-Rei acabaria contudo por<br />

precipitar o seu afastamento da<br />

política activa, primeiro <strong>de</strong>siludido<br />

DAVID CLIFFORD/ ARQUIVO<br />

com a violência que marcou os anos<br />

finais da I República, <strong>de</strong>pois triste<br />

pela falta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> durante o<br />

Estado Novo (apesar <strong>de</strong> muito amigo<br />

do Presi<strong>de</strong>nte Carmona, <strong>de</strong>testava<br />

Salazar).<br />

O fim da aventura política<br />

permitiu-lhe <strong>de</strong>dicar mais tempo ao<br />

consultório (muito procurado e<br />

fonte <strong>de</strong> avultados proventos, que<br />

lhe permitiram reunir uma pequena<br />

fortuna) e à Universida<strong>de</strong>. Aí, com a<br />

colaboração <strong>de</strong> um finalista <strong>de</strong><br />

Medicina e futuro cirurgião, 29 anos<br />

mais novo, Pedro Almeida Lima,<br />

começa a tentar visualizar os vasos<br />

cerebrais. Nessa altura já Egas Moniz<br />

contava 51 anos, ida<strong>de</strong> pouco<br />

habitual para se lançar a uma<br />

investigação com esta ambição –<br />

basta recordar que os cientistas que<br />

ganharam o Nobel <strong>de</strong>senvolveram os<br />

seus trabalhos mais importantes<br />

com uma ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 36 anos,<br />

como recorda Lobo Antunes. Mesmo<br />

assim, começando por realizar<br />

testes em cães e, <strong>de</strong>pois, em<br />

doentes, Egas e os seus<br />

colaboradores <strong>de</strong>senvolveram a<br />

angiografia que, escreve Lobo<br />

Antunes, “se manteve viva durante<br />

décadas como técnica <strong>de</strong><br />

diagnóstico quase exclusiva das<br />

lesões tumorais, vasculares e<br />

traumáticas do sistema nervoso”.<br />

Gradualmente substituída para<br />

alguns diagnósticos pela tomografia<br />

axial e pela ressonância magnética<br />

(duas técnicas que justificaram a<br />

atribuição do Nobel aos seus<br />

criadores), a angiografia<br />

“<strong>de</strong>sempenha hoje um papel<br />

indispensável e previsivelmente<br />

perene como técnica <strong>de</strong> intervenção<br />

terapêutica, a única aplicação que<br />

Egas não terá previsto, que permite,<br />

por exemplo, tratar um aneurisma<br />

intracraniano sem cirurgia”.<br />

A angiografia teve uma rápida<br />

expansão na Europa, ao contrário da<br />

leucotomia pré-frontal, que seria<br />

pouco praticada no Velho<br />

Continente (à excepção do Reino<br />

Unido), mas que se tornaria uma<br />

terapia muito popular nos Estados<br />

Unidos. A intuição que esteve por<br />

trás do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta<br />

intervenção foi a <strong>de</strong> que<br />

“<strong>de</strong>sligando” alguns circuitos<br />

neuronais era possível tratar certos<br />

tipos <strong>de</strong> doenças neurológicas. Com<br />

Egas Moniz, a técnica seguida – a que<br />

chamou “psicocirurgia” e que ele<br />

mesmo consi<strong>de</strong>rara “ousada” ou<br />

mesmo “temerária” – consistia em<br />

cortar os feixes nervosos que<br />

ligavam os dois lóbulos frontais do<br />

cérebro. As primeiras cirurgias<br />

apontaram para resultados<br />

positivos, pelo que a técnica foi<br />

rapidamente adoptada em países<br />

on<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> doentes<br />

psiquiátricos era muito elevado.<br />

Nessa época, é importante recordar,<br />

não estavam ainda disponíveis<br />

outras terapias menos invasivas ou<br />

reversíveis, pelo que acabaram por<br />

ocorrer muitas intervenções sem um<br />

diagnóstico correcto ou mesmo<br />

motivadas por intenções menos<br />

nobres, abrindo campo a uma<br />

controvérsia que ainda hoje<br />

perdura.<br />

João Lobo Antunes faz a <strong>de</strong>fesa da<br />

intuição e do trabalho <strong>de</strong> Egas Moniz<br />

seguindo duas linhas <strong>de</strong><br />

argumentação. A primeira é a da<br />

correcção <strong>de</strong>ssa sua intuição. O<br />

neurocirurgião nota que assistimos<br />

hoje a uma recuperação da<br />

psicocirurgia, sendo que “à ablação<br />

<strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> extensão variável e<br />

limites imprecisos suce<strong>de</strong>u a<br />

inibição reversível <strong>de</strong> circuitos<br />

restritos através da estimulação<br />

cerebral profunda, que tem como<br />

consequência o silenciamento<br />

temporário dos neurónios e dos<br />

circuitos que integram”. Ou seja,<br />

passou o tempo da leucotomia,<br />

chegou um tempo em que “não há<br />

dúvida que a intuição <strong>de</strong> Egas e o<br />

seu <strong>de</strong>stemor abriram um caminho<br />

sem retorno na cirurgia funcional do<br />

sistema nervoso”.<br />

Em segundo lugar, João Lobo<br />

Antunes <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong><br />

avaliar Egas pelos critérios da ética<br />

médica contemporânea, que não<br />

existiam no tempo em que<br />

trabalhou, um tempo em que os<br />

primeiros neurocirurgiões<br />

portugueses registavam taxas <strong>de</strong><br />

mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 50 por cento.EG<br />

Isto leva a que o autor consi<strong>de</strong>re<br />

que a história que se propôs contar<br />

“<strong>de</strong>monstra sem rebuço a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> do pensamento <strong>de</strong><br />

Egas, entendida aquela num sentido<br />

não infalivelmente positivo”. O que<br />

significa que esta biografia, sem ser<br />

hagiográfica, é a biografia <strong>de</strong> alguém<br />

que, sentindo-se <strong>de</strong> alguma forma<br />

ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

MÚSICA<br />

MAZGANI<br />

CENÁRIO<br />

ANTÓNIO CASIMIRO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

BERTOLT BRECHT<br />

ESTRUTURA PATROCINADA PELO<br />

APOIO<br />

QUARTA A SÁBADO 21H30<br />

her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> uma escola médica <strong>de</strong><br />

que Egas Moniz foi mestre, não<br />

omite o seu fascínio por um<br />

personagem que, não duvi<strong>de</strong>mos,<br />

era mesmo fascinante. Nesta obra<br />

revela-se sobretudo o seu percurso<br />

médico e científico, se bem que<br />

Lobo Antunes dê também atenção à<br />

sua carreira política e, mais<br />

marginalmente, à sua vida<br />

mundana. É-nos reconstituído, com<br />

<strong>de</strong>talhe, todo o processo que leva às<br />

suas <strong>de</strong>scobertas científicas, mas, se<br />

ficamos a saber que viveu na<br />

moradia on<strong>de</strong> hoje está instalada a<br />

Nunciatura Apostólica e que<br />

utilizava um faqueiro que pertencera<br />

ao Marquês <strong>de</strong> Pombal, não ficamos<br />

a saber por que razão utilizava<br />

capachinho, um pormenor que só<br />

nos é revelado quando nos<br />

aproximamos do leito <strong>de</strong> morte do<br />

nosso prémio Nobel. Mais: se<br />

também nos são recordados muitos<br />

artigos que escreveu sobre pintura<br />

(era um apaixonado da pintura<br />

naturalista portuguesa), não<br />

chegamos a perceber os motivos das<br />

suas inimiza<strong>de</strong>s, ou mesmo guerras<br />

com outros vultos da medicina<br />

portuguesa, como Francisco Gentil<br />

ou Pulido Valente, seus eternos<br />

críticos.<br />

Em contrapartida, é notável a<br />

forma como nos <strong>de</strong>screve os seus<br />

esforços para conseguir o Nobel,<br />

mostrando como também nesta<br />

frente nada po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scurado e<br />

não contam as falsas modéstias.<br />

Como escreve João Lobo Antunes,<br />

Egas acreditava “na superiorida<strong>de</strong><br />

das vonta<strong>de</strong>s”, sendo que, no seu<br />

caso, “quis tudo e quase sempre o<br />

conseguiu”. O que não é pouco, se é<br />

que não é tudo.<br />

FIGURINOS<br />

BERNARDO MONTEIRO<br />

COREOGRAFIA<br />

CLÁUDIA NÓVOA<br />

SUPERVISÃO AUDIOVISUAL<br />

AURÉLIO VASQUES<br />

LUZ<br />

MELIM TEIXEIRA<br />

[ m/12 ]<br />

DOMINGO-MATINÉE 16H00<br />

VERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

DRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

COM<br />

ANTÓNIO PEDRO LIMA | CÁTIA RIBEIRO<br />

CARLOS MALVAREZ | CRISTÓVÃO CAMPOS<br />

FRANCISCO PESTANA | JOÃO FERNANDEZ<br />

LUIS BARROS | MAFALDA LENCASTRE<br />

MAFALDA LUÍS DE CASTRO | MARTA DIAS<br />

MIGUEL GUILHERME | MIGUEL TAPADAS<br />

PATRÍCIA ANDRÉ | RUI MORISSON<br />

SARA CIPRIANO | SÉRGIO PRAIA<br />

SOFIA DE PORTUGAL<br />

VASCO SOUSA<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 33

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