Flash - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Discos<br />
Clássica<br />
O inesgotável<br />
fascínio <strong>de</strong><br />
Pergolesi<br />
A veterana Bernarda Fink e a<br />
jovem Anna Prohaska numa<br />
interpretação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
nobreza expressiva do mais<br />
célebre “Stabat Mater” da<br />
história da música. Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
Giovanni Battista Pergolesi<br />
Stabat Mater<br />
Anna Prohaska, Bernarda Fink<br />
Aka<strong>de</strong>mie für Alte Musik Berlin<br />
Harmonia Mundi<br />
mmmmn<br />
Bernarda Fink associou-se a uma cantora <strong>de</strong> uma<br />
geração mais jovem, a soprano Anna Prohaska<br />
A discografia do<br />
“Stabat Mater”, <strong>de</strong><br />
Giovanni Battista<br />
Pergolesi (1710-<br />
1736), é imensa,<br />
mas esta obra<br />
lendária terminada poucos dias antes<br />
da morte do compositor não cessa <strong>de</strong><br />
fascinar os intérpretes. O carácter<br />
teatral da música (que no Barroco era<br />
comum também a muitas obras do<br />
repertório sacro, à própria liturgia e<br />
às artes visuais), o seu intenso<br />
“pathos” expressivo e a sua<br />
inspiração melódica permanecem até<br />
hoje como um gran<strong>de</strong> atractivo. Com<br />
um brilhante percurso ligado à<br />
música barroca e ao mundo do Lied,<br />
é natural que a meio-soprano<br />
argentina Bernarda Fink também<br />
quisesse incluir esta obra-prima entre<br />
os seus registos discográficos. No ano<br />
em que passam três séculos do<br />
nascimento <strong>de</strong> Pergolesi,<br />
associou-se s a uma<br />
cantora a<br />
<strong>de</strong> uma<br />
geração mais jovem<br />
(a soprano Anna<br />
Prohaska) e à<br />
Aka<strong>de</strong>mie für Alte<br />
Musik Berlin numa<br />
interpretação<br />
envolvente vente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
nobreza<br />
expressiva,<br />
que evita<br />
os exageros<br />
operáticos dos<br />
intérpretes<br />
menos<br />
familiarizados<br />
com as<br />
práticas<br />
<strong>de</strong><br />
execução<br />
históricas<br />
e<br />
também<br />
os<br />
contrastes<br />
<strong>de</strong>masiado<br />
abruptos<br />
<strong>de</strong> algumas orquestras barrocas<br />
italianas. O timbre dourado e os<br />
graves redondos <strong>de</strong> Bernarda Fink,<br />
que nos oferece uma leitura <strong>de</strong><br />
intensa profundida<strong>de</strong> dramática,<br />
contrastam com a clareza cintilante<br />
da voz <strong>de</strong> Anna Prohaska (cujo<br />
timbre se torna por vezes um pouco<br />
estri<strong>de</strong>nte nos climaxes), mas as<br />
duas cantoras conseguem em geral<br />
uma boa sintonia nos duetos do<br />
“Stabat Mater” e na “Salve Regina”<br />
em Dó menor. As obras vocais são<br />
intercaladas por peças instrumentais<br />
que prolongam a atmosfera<br />
pungente do programa,<br />
nomeadamente a sombria Sinfonia<br />
Rv. 169 “Al Sancto Sepolcro”, <strong>de</strong><br />
Vivaldi, e o Concerto a 4 “Il Pianto<br />
d’Arianna”, <strong>de</strong> Locatelli. Nesta<br />
última obra, a Aka<strong>de</strong>mie für Alte<br />
Musik exibe o seu habitual rigor<br />
técnico e sonorida<strong>de</strong> polida, mas<br />
po<strong>de</strong>ria ter ido mais longe na<br />
liberda<strong>de</strong> “<strong>de</strong>clamatória” e na<br />
fluência rítmica, tendo em conta que<br />
se trata <strong>de</strong> uma evocação<br />
instrumental <strong>de</strong> um “Lamento”,<br />
peça <strong>de</strong> origem vocal, neste caso<br />
associada ao famoso episódio <strong>de</strong><br />
Ariana abandonada pelo seu amante<br />
Teseu na ilha <strong>de</strong> Naxos.<br />
Pop<br />
Até <strong>de</strong>saparecer<br />
completamente<br />
Syd Barrett<br />
An Introduction to Syd Barrett<br />
Harvest; distri. EMI Music<br />
mmmmn<br />
Ouvir <strong>de</strong> rajada<br />
estes três<br />
curtíssimos anos<br />
(<strong>de</strong> 1967 a 1970) não<br />
é um ponto <strong>de</strong><br />
partido, não é “uma<br />
introdução”, como anuncia o título.<br />
Syd Barrett, fundador e primeiro<br />
lí<strong>de</strong>r dos Pink Floyd, surge primeiro<br />
como talento pop fascinante, ante, capaz<br />
<strong>de</strong> canalizar o ambiente libertário<br />
da swinging London para a um<br />
imaginário único, <strong>de</strong> uma<br />
luminosida<strong>de</strong> sonhadora a que<br />
a produção inventiva reflecte<br />
como poucas outras bandas<br />
antes ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la.<br />
Barrett, habilíssimo com as<br />
palavras, fez do psica<strong>de</strong>lismo ismo<br />
recreio infantil, com a<br />
inocência da infância eivada<br />
<strong>de</strong> perversida<strong>de</strong> adulta<br />
(conferir “Arnold Layne”, o<br />
primeiro single), fez <strong>de</strong>le<br />
viagem tripada entre uma<br />
Inglaterra <strong>de</strong> contos<br />
fantásticos e o espaço lá<br />
em cima, por <strong>de</strong>scobrir.<br />
Fez isso, como nenhum<br />
outro, rápido como<br />
nenhum outro. E,<br />
tragicamente,<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
misteriosamente, <strong>de</strong>sapareceu pouco<br />
<strong>de</strong>pois (afogado em LSD, o que, diz<br />
uma das teorias – há muitas teorias<br />
sobre Syd Barrett -, terá provocado o<br />
seu colapso mental).<br />
Em “An Introduction to Syd<br />
Barrett”, colectânea supervisionada<br />
por David Gilmour, o amigo <strong>de</strong><br />
infância que o substituiu nos Pink<br />
Floyd, em 1968, e a primeira a juntar<br />
o trabalho do Barrett com os Floyd e<br />
a obra a solo, não é apenas uma<br />
colecção <strong>de</strong> música admirável, da<br />
melhor que o século XX pop<br />
produziu. É também a história da<br />
<strong>de</strong>sintegração <strong>de</strong> um artista e dos<br />
seus últimos momentos <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z<br />
antes da queda no abismo.<br />
A efervescência que empregara<br />
nos Pink Floyd, aqui representados<br />
por singles como “Arnold Layne” ou<br />
“See Emily Play” e por canções como<br />
“Chapter 24” ou “Matilda mother”<br />
(esta em versão alternativa, anterior à<br />
que seria incluída em “Pipper At The<br />
Gates of Dawn”, o álbum <strong>de</strong> estreia),<br />
<strong>de</strong>svanece-se no preciso momento<br />
em que passamos <strong>de</strong> “Bike”,<br />
psica<strong>de</strong>lismo em versão music-hall e<br />
a última canção <strong>de</strong> “Pipper”, para<br />
“Terrapin”, a primeira do primeiro<br />
álbum a solo <strong>de</strong> Barrett, editado em<br />
1969. A música <strong>de</strong>spe-se a voz e<br />
guitarra, a voz torna-se grave, quase<br />
perturbadora, e Barrett passa a<br />
habitar um espaço só seu. Não há<br />
“swinging London”, não existe nada<br />
mais que um homem, incrivelmente<br />
talentoso, refugiado em si mesmo, às<br />
voltas consigo mesmo. Mas, e isto é<br />
importante, alguém consciente do<br />
processo que atravessava – a<br />
“loucura”, arma fetiche para a<br />
valorização dos seus álbuns a solo,<br />
não é evi<strong>de</strong>nte nas canções que<br />
<strong>de</strong>ixou. O que se ouve aqui é uma<br />
instabilida<strong>de</strong> emocional que o leva da<br />
resignação - “cause we’re the fishes<br />
and all we do, is move about is all we<br />
do”, em “Terrapin” – à euforia<br />
romântica <strong>de</strong> “Love you”. Que o leva<br />
à <strong>de</strong>sistência nessa negríssima<br />
“Dominoes”, ao toque <strong>de</strong> Midas<br />
rock’n’roll, novamente, na<br />
excentricida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Gigolo<br />
aunt”, à tão neurótica<br />
quanto contagiante<br />
“Octupus”, u ao humor<br />
<strong>de</strong><br />
“Bob Dylan blues”,<br />
sátira e homenagem a<br />
um<br />
dos músicos que<br />
mais admirava,<br />
revelada pela<br />
primeira r vez numa<br />
colectânea<br />
anterior,<br />
editada em<br />
2001.<br />
Com a<br />
ajuda <strong>de</strong><br />
Syd Barrett: como foi<br />
possível tanto em tão<br />
pouco tempo – e<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparecer<br />
completamente?<br />
David<br />
Gilmour,<br />
Rick<br />
Wright e<br />
alguns Soft<br />
Machine,<br />
Syd Barrett<br />
ressurgiu<br />
em 1969 com “The Madcap Laughs”:<br />
o título, naturalmente, é todo um<br />
programa. No ano seguinte, lançou<br />
“Barrett”, o segundo e último álbum<br />
a solo (os dois, bem como “Opel”,<br />
criado a partir das sobras das sessões<br />
<strong>de</strong> ambos, foram reeditados em<br />
paralelo à compilação).<br />
Em três anos, Barrett passara <strong>de</strong><br />
estrela da contracultura britânica, a<br />
mais cintilante, a mais promissora, a<br />
trovador em queda, mistério<br />
insondável que nunca conseguiremos<br />
<strong>de</strong>svendar. A sua obra expõe todo<br />
esse percurso com uma nu<strong>de</strong>z ímpar<br />
e com uma perturbadora<br />
clarividência do ocaso que se<br />
aproximava.<br />
“An Introduction” apresenta cinco<br />
das suas <strong>de</strong>zoito canções em novas<br />
misturas, um baixo regravado por<br />
Gilmour, com a discrição que se<br />
impunha., para “Here I go”, e dá-nos<br />
a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r, através do<br />
site sydbarrett.com, ao inédito<br />
“Rhamadan” (mera curiosida<strong>de</strong>, uma<br />
jam <strong>de</strong> vinte minutos da primeira fase<br />
dos Pink Floyd).<br />
“An Introduction” não nos revela<br />
nada que não soubéssemos. Prolonga<br />
o fascínio e a admiração provocada<br />
por esta impressionante explosão<br />
criativa. E <strong>de</strong>ixa-nos, ainda, com uma<br />
sensação <strong>de</strong> angústia: como foi<br />
possível tanto em tão pouco tempo –<br />
e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparecer<br />
completamente? M.L.<br />
Vários<br />
Tradi-Mods vs.<br />
Rockers<br />
Crammed; distri.<br />
Megamúsica<br />
mmmmn<br />
Vários<br />
Congotronics: Box<br />
Set<br />
Crammed; distri.<br />
Megamúsica<br />
mmmmm<br />
Lamelas metálicas fixadas sobre uma<br />
caixa <strong>de</strong> ressonância, às quais se<br />
aplicam pick-ups <strong>de</strong> fabrico caseiro<br />
que imitam a captação <strong>de</strong> uma<br />
guitarra eléctrica. Likembés <strong>de</strong> uma<br />
fragilida<strong>de</strong> tremenda, tratados como<br />
se fossem as clássicas Les Paul.<br />
Electricida<strong>de</strong> lançara para a mesma<br />
rua que permite a sobrevivência da<br />
música não a matar com carros em<br />
aceleração. Este é o gran<strong>de</strong> segredo<br />
dos grupos que compõem a série<br />
Congotronics, o movimento tradimo<strong>de</strong>rne<br />
dado a conhecer ao mundo<br />
com o álbum igualmente baptizado<br />
como “Congotronics” e gravado<br />
pelos Konono Nº1 em 2002. O<br />
impacto <strong>de</strong>ste disco – e dos três que<br />
ampliaram a série – junto do público<br />
e dos músicos europeus e norteamericanos<br />
foi <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m que<br />
Björk e Herbie Hancock não<br />
resistiram a chamar os Konono para<br />
embelezarem os seus discos.<br />
38 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon