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Flash - Fonoteca Municipal de Lisboa

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NUNO SARAIVA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7580 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Sexta-feira<br />

7 Janeiro 2011<br />

www.ipsilon.pt


NUNO SARAIVA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7580 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Sexta-feira<br />

7 Janeiro 2011<br />

www.ipsilon.pt


<strong>Flash</strong><br />

Sumário<br />

2011 6<br />

Todos os nomes<br />

do ano que agora<br />

começa, <strong>de</strong> Steven<br />

Spielberg aos<br />

Von Calhau!<br />

Ontroerend<br />

Goed 24<br />

O espectador<br />

no seu labirinto<br />

em três “rounds”<br />

na Culturgest<br />

Congotronics nics 26<br />

O som do Congo compilado<br />

por Vincent Kenis<br />

Sergei Loznitsa 28<br />

“Coup <strong>de</strong> foudre” com um<br />

cineasta bielorusso<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara,<br />

Inês Nadais (adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho,<br />

Carla Noronha,<br />

Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografia ografia<br />

Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@<br />

publico.pt<br />

Yoda e a Pantera<br />

Cor-<strong>de</strong>-Rosa na lista<br />

da Biblioteca do<br />

Congresso<br />

A Biblioteca do Congresso dos EUA<br />

seleccionou mais 25 filmes para<br />

serem preservados para memória<br />

futura. Com estas novas entradas, o<br />

número <strong>de</strong> filmes no arquivo<br />

filmográfico da Biblioteca, que tem<br />

como missão proteger as obras mais<br />

A retrospectiva<br />

Tom of Finland é<br />

uma espécie <strong>de</strong><br />

“homecoming”,<br />

mas um “homecoming”<br />

polémico<br />

marcantes do cinema norteamericano,<br />

chega a 550. Do lote dos<br />

escolhidos fazem parte, entre<br />

outros, “O Exorcista” (1973), <strong>de</strong><br />

William Friedkin, “O Império<br />

Contra Ataca” (1980), <strong>de</strong> Irvin<br />

Kershner, “Os Homens do<br />

Presi<strong>de</strong>nte” (1976), <strong>de</strong> Alan J.<br />

Pakula, “Malcolm X” (1992), <strong>de</strong><br />

Spike Lee, “Febre <strong>de</strong> Sábado à<br />

Noite” (1977), <strong>de</strong> John Badham, “O<br />

Aeroplano” (1980), <strong>de</strong> Jim<br />

Abrahams e David Zucker, e “A<br />

Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa” (1964), <strong>de</strong><br />

O<br />

homoerotismo<br />

<strong>de</strong> Tom of<br />

Finland e a<br />

arquitectura<br />

<strong>de</strong> Alvar<br />

Aalto: para<br />

o seu ano<br />

como Capital<br />

Europeia<br />

da Cultura,<br />

Turku saca<br />

dos maiores<br />

trunfos da<br />

Finlândia<br />

Blake Edwards.<br />

Os 25 filmes que agora irão ser<br />

preservados foram seleccionados<br />

entre 2112 obras, nomeadas pelo<br />

público pela sua importância a nível<br />

“cultural, histórico e estético”. É<br />

serviço público, sublinha James H.<br />

Billington, da Biblioteca do<br />

Congresso: “O registo <strong>de</strong> filmes do<br />

Congresso é uma forma <strong>de</strong> lembrar<br />

à nação que a preservação da nossa<br />

criativida<strong>de</strong> cinematográfica tem <strong>de</strong><br />

ser uma priorida<strong>de</strong>, já que meta<strong>de</strong><br />

dos filmes produzidos até 1950 e<br />

Tom of<br />

Finland<br />

<strong>de</strong> novo<br />

em casa<br />

“O Império<br />

Contra-Ataca”<br />

é um dos<br />

próximos 25<br />

filmes a serem<br />

preservados<br />

para memória<br />

futura<br />

Tom of Finland,<br />

aliás<br />

Touko Laaksonen (1920-<br />

1991), é o rapaz da terra em<br />

<strong>de</strong>staque no programa que<br />

Turku, uma das<br />

principais<br />

cida<strong>de</strong>s finlan<strong>de</strong>sas, tem<br />

na<br />

manga para<br />

o seu<br />

mandato como<br />

Capital<br />

Europeia da Cultura,<br />

que teve<br />

início já<br />

na<br />

segunda-feira.<br />

Natural <strong>de</strong><br />

Kaarina, uma<br />

população<br />

vizinha <strong>de</strong><br />

Turku, Tom of<br />

Finland volta<br />

agora<br />

a casa<br />

com uma<br />

retrospectiva que<br />

varre toda a<br />

obra do<br />

artista, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

esboços da<br />

juventu<strong>de</strong> até aos trabalhos<br />

mais tardios. A exposição<br />

será inaugurada<br />

já no dia<br />

16 e fica em Turku até 18 <strong>de</strong><br />

Dezembro, por cortesia da<br />

Tom of Finland<br />

Foundation, <strong>de</strong> Los<br />

Angeles, e da associação<br />

Homotopia, <strong>de</strong> Liverpool.<br />

Mas há vida além <strong>de</strong> Tom<br />

of Finland (embora este<br />

esteja a ser, no “site” oficial<br />

da Capital Europeia da<br />

Cultura e na página do<br />

evento do Facebook, o<br />

acontecimento mais<br />

picante da Capital):<br />

festivais <strong>de</strong> teatro e<br />

dança, um extenso<br />

programa musical, e<br />

exposições <strong>de</strong>dicadas<br />

cerca <strong>de</strong> 90 por cento dos filmes<br />

feitos até 1920 estão perdidos para<br />

as gerações futuras.”<br />

Entre os escolhidos, “O<br />

Exorcista” foi distinguido por ser<br />

“um dos mais influentes filmes <strong>de</strong><br />

terror <strong>de</strong> todos os tempos” e “O<br />

Império Contra-ataca”, o segundo<br />

episódio da saga “Guerra das<br />

Estrelas” a ser lançado, por ter<br />

ajudado a “lançar as fundações <strong>de</strong><br />

uma das séries mais bem-sucedidas<br />

comercialmente na história<br />

americana”.<br />

ao pintor sueco Carl<br />

Larsson (1853-1919), ao<br />

trabalho com a ma<strong>de</strong>ira do<br />

arquitecto Alvar Aalto,<br />

outro ícone incontornável<br />

da Finlândia que viveu em<br />

Turku entre 1927 e 1933, e à<br />

artista Eija-Liisa Ahtila, que<br />

reflecte sobre a socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea finlan<strong>de</strong>sa<br />

na ví<strong>de</strong>o-instalação “Where<br />

is where?” (2008), sobre a<br />

guerra da Argélia. Também<br />

a relação com o espaço<br />

báltico, e nomeadamente<br />

com Tallin, a outra Capital<br />

Europeia da Cultura em<br />

2011, ocupa um lugar<br />

central no programa <strong>de</strong><br />

Turku. Ambas as cida<strong>de</strong>s<br />

propõem, <strong>de</strong> resto, um<br />

equilíbrio entre a cultura<br />

local e eventos <strong>de</strong><br />

projecção internacional,<br />

prolongando a lógica mais<br />

recente do projecto<br />

Capitais Europeias da<br />

Cultura. Em Tallin, <strong>de</strong><br />

resto, a aposta é<br />

<strong>de</strong>cididamente nos<br />

cidadãos locais, fazendo do<br />

evento uma materialização<br />

“poética e pragmática” do<br />

espírito da cida<strong>de</strong>:<br />

traduzindo, haverá danças<br />

populares, eventos<br />

<strong>de</strong>sportivos, jogos<br />

tradicionais, música<br />

clássica, os inabaláveis<br />

festivais da canção que são<br />

uma espécie <strong>de</strong> último<br />

reduto da alma estoniana, e<br />

uma série <strong>de</strong> aventuras no<br />

mar. Mas o principal<br />

<strong>de</strong>staque mediático vai<br />

para uma gran<strong>de</strong><br />

retrospectiva <strong>de</strong><br />

Hieronymus Bosch, que<br />

relacionará o génio do<br />

pintor holandês com os<br />

mitos do Norte da Europa.<br />

Tiago Bartolomeu Costa<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 3


<strong>Flash</strong><br />

A dupla<br />

britânica ica<br />

andou à caça<br />

dos anúncios<br />

sexuais<br />

afixados<br />

nas cabines<br />

telefónicas <strong>de</strong><br />

Londres para<br />

montar a nova<br />

exposição<br />

Queens<br />

of the Stone Age<br />

<strong>de</strong> volta ao estúdio<br />

Os norte americanos Queens of the<br />

Stone Age vão entrar em estúdio<br />

este mês para gravar o disco<br />

sucessor <strong>de</strong> “Era Vulgaris”, <strong>de</strong> 2007.<br />

A revelação foi feita por Dean<br />

Fertita, multi-instrumentista que faz<br />

parte do quinteto, à revista<br />

“Billboard”.<br />

O músico não adiantou a data <strong>de</strong><br />

lançamento do disco, que será o<br />

sexto do grupo li<strong>de</strong>rado e fundado<br />

por Josh Homme. Na entrevista à<br />

“Billboard”, Fertita adiantou que a<br />

banda está “entusiasmada e<br />

preparada” para as gravações. O<br />

O teatro i<strong>de</strong>al<br />

em Praga<br />

Uma<br />

micro-al<strong>de</strong>ia<br />

artística vai<br />

nascer na<br />

Quadrienal<br />

<strong>de</strong> Praga<br />

Chama-se “Intersection: Intimacy &<br />

Spectacle” e é um dos múltiplos<br />

acontecimentos paralelos da<br />

Quadrienal <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong><br />

Praga, que, <strong>de</strong> quatro em quatro<br />

anos, reúne o melhor da cenografia,<br />

do <strong>de</strong>sign e da arquitectura mundial<br />

e que em 2011 <strong>de</strong>corre entre 16 e 26<br />

<strong>de</strong> Junho. Mas o que este<br />

acontecimento tem <strong>de</strong> particular é o<br />

facto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r concorrer, em<br />

termos mediáticos, com a exposição<br />

oficial, cuja representação<br />

portuguesa está a cargo do<br />

encenador João Brites, do Teatro O<br />

Bando. Ao todo, são 30 caixas<br />

negras e brancas, criadas por<br />

provocadores como Árpád Schilling,<br />

fundador da companhia húngara<br />

Krétakör, Romeo Castellucci, da<br />

Societàs Raffaello Sanzio, ou o<br />

coreógrafo Josef Nadj, que vão<br />

ocupar o espaço público entre o<br />

Teatro Nacional <strong>de</strong> Praga e o antigo<br />

teatro da companhia Lanterna<br />

Magika, no centro da cida<strong>de</strong>.<br />

Objectivo: questionar o público<br />

sobre a sua relação com a<br />

performance e os modos<br />

contemporâneos <strong>de</strong> apresentação.<br />

“A primeira i<strong>de</strong>ia que nos surgiu foi<br />

uma al<strong>de</strong>ia artística microscópica,<br />

pequenos ‘teatros i<strong>de</strong>ais’ e ‘galerias<br />

i<strong>de</strong>ais’, cada um oferecendo um<br />

território interior para um<br />

compromisso íntimo com a obra <strong>de</strong><br />

arte”, explica Sodja Zupanc Lotker,<br />

curador da exposição e director<br />

artístico da Quadrienal. As caixas<br />

viajarão <strong>de</strong>pois pela Europa: a<br />

escala em Portugal faz-se no Festival<br />

Escrita na Paisagem, que <strong>de</strong>corre no<br />

Alentejo durante o Verão.<br />

músico disse ainda que os restantes<br />

membros da banda “já<br />

encontraram o seu espaço para<br />

contribuir na composição das<br />

faixas, apesar <strong>de</strong> os Queens of the<br />

Stone Age continuarem a ser a<br />

banda do Josh Homme”.<br />

Entre 1988 e 1995, Josh Homme foi<br />

guitarrista dos icónicos Kyuss, uma<br />

das bandas mais influentes da cena<br />

Stoner Rock. A banda, que se<br />

separou em 1995, reuniu-se em 2010<br />

como o nome Kyuss Lives! mas sem<br />

Homme, que não apoiou o regresso.<br />

Os Queens of the Stone Age já<br />

foram nomeados para o Grammy <strong>de</strong><br />

Melhor Performance Hard Rock por<br />

quatro vezes, a ultima <strong>de</strong>las em<br />

2008 com o single “Sick, Sick,<br />

Sick”.<br />

Hitchcock<br />

passa este<br />

Inverno<br />

em Paris<br />

Em Paris, o Inverno vai ser<br />

hitchcockiano: a edição em<br />

francês da mítica biografia<br />

que Patrick McGilligan<br />

lançou em 2004, “Alfred<br />

Hitchcock: A Life in<br />

Darkness and Light”,<br />

transformou-se na ponta <strong>de</strong><br />

um icebergue que inclui<br />

uma retrospectiva no<br />

Instituto Lumière em Lyon,<br />

um ciclo <strong>de</strong> projecções e <strong>de</strong><br />

conferências na<br />

Cinemateca Francesa, duas<br />

peças <strong>de</strong> teatro e 14<br />

serões Hitchcock na<br />

televisão. Nunca é<br />

<strong>de</strong>masiado: Alfred<br />

Hitchcock é um<br />

monstro que nunca mais<br />

acaba (e um dos<br />

fantasmas resi<strong>de</strong>ntes<br />

da história do<br />

cinema).<br />

Em Lyon, Bertrand<br />

Tavernier, presi<strong>de</strong>nte<br />

do Instituto Lumière, e<br />

Thierry Frémaux,<br />

director-geral,<br />

quiseram<br />

aproveitar o<br />

lançamento<br />

da biografia,<br />

editada em<br />

parceria pelo<br />

próprio instituto<br />

e pela Actes Sud,<br />

Sexto disco a<br />

caminho para<br />

a banda <strong>de</strong><br />

Josh Homme<br />

para organizar uma<br />

retrospectiva extensiva do<br />

cineasta, do cinema mudo<br />

aos anos americanos; além<br />

dos filmes, haverá um fim<strong>de</strong>-semana<br />

Hitchcock<br />

animado por Patrick<br />

McGilligan e por Tavernier<br />

(4, 5 e 6 <strong>de</strong> Fevereiro) e um<br />

estágio <strong>de</strong> análise fílmica<br />

orientado pelo especialista<br />

Jean Douchet (<strong>de</strong> 4 <strong>de</strong><br />

Janeiro a 3 <strong>de</strong> Abril). Mais<br />

acima, em Paris, a<br />

Cinemateca faz concorrência<br />

à retrospectiva <strong>de</strong> Lyon com<br />

um ciclo Hitchcock<br />

igualmente monumental, ao<br />

qual há que juntar as cinco<br />

conferências às segundasfeiras<br />

que se iniciam já dia<br />

10 com Serge Toubiana a<br />

tentar explicar como Hitch<br />

se tornou o cineasta<br />

favorito dos cineastas e<br />

acabam a 7 <strong>de</strong><br />

Fevereiro com o<br />

romancista<br />

Tanguy<br />

Viel a<br />

visitar<br />

os<br />

comboios e as casas-fétiche<br />

<strong>de</strong>sta inesgotável<br />

filmografia.<br />

Como se isto não<br />

bastasse, Hitchcock ainda<br />

vai ao teatro (e mais do que<br />

uma vez): a partir <strong>de</strong> dia 12,<br />

no Lucernaire, Alain Riou e<br />

Stéphane Boulan recriam,<br />

num ambiente <strong>de</strong> film noir,<br />

o mítico encontro <strong>de</strong><br />

Hitchcock com Truffaut;<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem, no Théâtre<br />

du Vésinet, a companhia <strong>de</strong><br />

Éric Métayer repõe a<br />

comédia “Os 39 Degraus”<br />

que fez sucesso no La<br />

Bruyère e que,<br />

curiosamente, também<br />

chega a Portugal agora,<br />

numa encenação <strong>de</strong><br />

Cláudio Hochmann. A<br />

estreia é dia 20, em<br />

Coimbra, no Teatro<br />

Académico <strong>de</strong> Gil Vicente.<br />

STF/ EPA PHOTO/AFP<br />

Gilbert &<br />

George, das cabines<br />

telefónicas para<br />

os museus<br />

A dupla Gilbert & George inaugura a<br />

14 <strong>de</strong> Janeiro, na White Cube Gallery<br />

<strong>de</strong> Londres, a exposição “Gilbert &<br />

George: Urethra Postcard Pictures”,<br />

que fica até 19 <strong>de</strong> Fevereiro na<br />

Mason’s Yard e <strong>de</strong>pois será exibida<br />

em vários museus por todo o<br />

mundo. Entre as novida<strong>de</strong>s da<br />

exposição estão trabalhos feitos a<br />

partir <strong>de</strong> anúncios sexuais afixados<br />

nas cabines telefónicas londrinas<br />

– “calling cards” que os artistas têm<br />

coleccionado ao longo <strong>de</strong> vários<br />

anos. Num <strong>de</strong>les, uma fotografia a<br />

preto e branco <strong>de</strong> um tronco <strong>de</strong> um<br />

homem, lê-se o texto: “Nasci<br />

rapariga. Fiz operação <strong>de</strong> mudança<br />

<strong>de</strong> sexo para homem. Mas ainda sou<br />

½ rapariga. Atraente turco 21 anos.”<br />

Gilbert & George pegaram nesse<br />

cartão, repetiram-no 13 vezes e<br />

criaram uma obra que dizem ser<br />

uma referência a um clérigo<br />

vitoriano <strong>de</strong>sonrado como pedófilo,<br />

explica o “The Guardian”.<br />

Des<strong>de</strong> a exposição que fizeram na<br />

Tate Mo<strong>de</strong>rn, em 2007, que Gilbert<br />

& George estão a trabalhar com<br />

estes postais. O jornal britânico<br />

explica que entre 1972 e 1989 os<br />

artistas fizeram centenas <strong>de</strong> obras<br />

em que usaram postais do tempo <strong>de</strong><br />

Eduardo VII (1841-1910) e da<br />

Primeira Guerra Mundial (1914-<br />

1918). As combinações que fizeram<br />

<strong>de</strong>stes postais serviam para os<br />

visitantes da exposição como portas<br />

<strong>de</strong> entrada no Reino Unido dos<br />

tempos do império colonial. Agora,<br />

os artistas estão a fazer retratos do<br />

Reino Unido mo<strong>de</strong>rno através <strong>de</strong><br />

postais massificados: on<strong>de</strong> se vêem<br />

as casas do parlamento, a Torre <strong>de</strong><br />

Londres, a ban<strong>de</strong>ira do Reino Unido<br />

e as tradicionais cabines<br />

telefónicas britânicas.<br />

Em Fevereiro,<br />

coincindindo com a<br />

abertura da exposição,<br />

será lançado “Complete<br />

Postcard Art of Gilbert<br />

& George”, revisão, em<br />

dois volumes editados<br />

pela Prestel, do<br />

trabalho da dupla<br />

com os postais. O<br />

livro tem <strong>de</strong>sign dos<br />

artistas e introdução do<br />

crítico Michael<br />

Bracewell.<br />

Retrospectivas e ciclos <strong>de</strong> conferências<br />

em Lyon e Paris, duas peças <strong>de</strong> teatro<br />

e 14 serões televisivos: a “saison”<br />

Hitchcock só agora está a começar<br />

4 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


B U L C Ã O<br />

EXPOSIÇÃO<br />

BRASÍLIA 50 ANOS<br />

MEIO SÉCULO DA CAPITAL DO BRASIL<br />

<strong>de</strong> 15.12.10 a 12.01.11<br />

Espaço Atmosferas - Rua da Boavista, N° 67, <strong>Lisboa</strong><br />

Entrada franca - www.brasilia50.info<br />

SINFÓNICA À SEXTA<br />

21:00 SALA SUGGIA<br />

CONCERTO<br />

DE ABERTURA<br />

PAÍS TEMA<br />

2011<br />

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA<br />

ORQUESTRA SINFÓNICA<br />

DO PORTO CASA DA MÚSICA<br />

Gerard Schwarz direcção musical<br />

Simon Trpčeski piano<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

Arthur Foote Francesca da Rimini<br />

Sergei Rachmaninoff Concerto para piano nº 4<br />

Aaron Jay Kernis Musica Celestis<br />

Howard Hanson Sinfonia nº 2, Romântica<br />

APOIO<br />

INSTITUCIONAL<br />

PATROCINADOR<br />

OFICIAL<br />

PATROCINADOR<br />

PRINCIPAL<br />

MECENAS ORQUESTRA SINFÓNICA<br />

DO PORTO CASA DA MÚSICA<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

A T H O S<br />

cultural<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

QUA 26 JAN<br />

22:00 SALA SUGGIA | € 15<br />

YASMIN LEVY<br />

De disco para disco, Yasmin Levy tem aprofundado a<br />

busca <strong>de</strong> uma linguagem própria por entre a tradição<br />

judaico–espanhola, o flamenco e a cultura do mundo<br />

árabe, num processo que transcen<strong>de</strong> a própria<br />

música e <strong>de</strong>nuncia um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> reconciliação<br />

histórica. Sentir, o álbum mais recente da cantora<br />

e compositora nascida em Jerusalém, atesta o<br />

progressivo amadurecimento <strong>de</strong>ssa fusão, cada vez<br />

mais o habitat natural para a sua voz versátil,<br />

sensual e transbordante <strong>de</strong> emoção.<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

JANTAR + CONCERTO € 30<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

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MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

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DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.


Spielberg Peter Evans Von<br />

Calhau! Mathieu Amalric<br />

The Strokes Natalie Portman<br />

Radiohead James Franco<br />

Pina Bausch Umberto Eco<br />

Jérôme Bel Houellebecq<br />

Apichatpong Weerasethakul<br />

Sofia Coppola Panda Bear<br />

James Blake Trisha Brown<br />

Cláudio da Silva Angélica<br />

Lid<strong>de</strong>ll Godard Wolfgang<br />

Rihm Jonathan Franzen JP<br />

Simões Jason Moran Gonçalo<br />

Pena Thomas Hampson<br />

Simon Trpceski Eduardo<br />

Batarda Steve Lehman


A aventura <strong>de</strong> Spielberg<br />

no mundo <strong>de</strong> Tintin<br />

Sabendo do que Spielberg,<br />

realizador, e Jackson,<br />

produtor, são capazes<br />

quando se entregam a cem<br />

por cento, é inevitável a<br />

trepidação. Jorge Mourinha<br />

“Tintin e o<br />

Segredo do<br />

Licorne” foi<br />

rodado <strong>de</strong> raiz<br />

em 3D<br />

utilizando o<br />

sistema <strong>de</strong><br />

“performance<br />

capture” que<br />

permitiu a<br />

Andy Serkis<br />

habitar o<br />

Gollum do<br />

“Senhor dos<br />

Anéis” e a<br />

Cameron<br />

concretizar o<br />

planeta<br />

Pandora <strong>de</strong><br />

“Avatar”<br />

JEAN PIERRE MULLER/AFP<br />

Se há um filme que concentra em si<br />

tudo o que <strong>de</strong> mais empolgante e <strong>de</strong><br />

mais assustador a Hollywood mo<strong>de</strong>rna<br />

po<strong>de</strong> propor é a longamente anunciada<br />

adaptação ao cinema das aventuras<br />

<strong>de</strong> Tintin, que vai ver a luz do<br />

dia em 2011. Steven Spielberg, que<br />

sonhava levar a personagem ao cinema<br />

há anos, juntou esforços a Peter<br />

Jackson para “Tintin e o Segredo do<br />

Licorne”, que amalgama elementos<br />

<strong>de</strong> “O Segredo do Licorne”, “O Tesouro<br />

<strong>de</strong> Rackham o Terrível” e “O Caranguejo<br />

das Tenazes <strong>de</strong> Ouro” (a<br />

adaptação foi escrita por Edgar Wright,<br />

realizador <strong>de</strong> “Shaun of the Dead”<br />

e “Scott Pilgrim contra o Mundo”,<br />

e Steven Moffat, principal argumentista<br />

das séries inglesas “Doctor Who”<br />

e “Sherlock”).<br />

Mas “Tintin e o Segredo do Licorne”<br />

foi rodado <strong>de</strong> raiz em 3D utilizando<br />

o sistema <strong>de</strong> “performance capture”<br />

que permitiu a Andy Serkis habitar<br />

o Gollum do “Senhor dos<br />

Anéis” e a James Cameron concretizar<br />

o planeta Pandora <strong>de</strong><br />

“Avatar”. Ou seja: filmar uma<br />

referência <strong>de</strong> imagem real que<br />

“<strong>de</strong>saparece” no resultado final,<br />

com as personagens construídas<br />

em animação digital por sobre a interpretação<br />

corporal dos<br />

actores. A rodagem da referência<br />

ficou concluída<br />

há mais <strong>de</strong> um ano, e todo<br />

o tempo que me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

então e até à estreia<br />

prevista para Outubro<br />

é <strong>de</strong>dicado<br />

à construção<br />

visual do<br />

filme, que se preten<strong>de</strong> tão próximo<br />

quanto possível da “linha clara” que<br />

Hergé impôs nos livros. Jamie Bell<br />

(“Billy Elliott”) <strong>de</strong>u o corpo e a voz a<br />

Tintin, Andy Serkis ao Capitão Haddock,<br />

Simon Pegg e Nick Frost são Dupont<br />

e Dupond e Daniel Craig Rackham<br />

o Terrível – mas que não se<br />

espere reconhecer os seus rostos no<br />

resultado final, como as primeiras<br />

fotografias divulgadas dão a enten<strong>de</strong>r...<br />

O risco <strong>de</strong> “Tintin” em “performance<br />

capture” é triplo: primeiro, porque<br />

Spielberg (que realiza) e Jackson (que<br />

produz) estão à procura <strong>de</strong> um meio<br />

termo difícil <strong>de</strong> encontrar entre o fotorealismo<br />

e a animação numa personagem<br />

que está literalmente gravada<br />

na memória cultural <strong>de</strong> milhões<br />

<strong>de</strong> leitores. Segundo, porque a personagem<br />

não tem nos EUA a popularida<strong>de</strong><br />

abrangente do resto do mundo<br />

(o resultado final é financiado a meias<br />

pela Paramount, que ficou com os<br />

direitos americanos, e a Sony/Columbia,<br />

que distribui no resto do mundo).<br />

Terceiro, porque tanto Spielberg como<br />

Jackson saem <strong>de</strong> filmes mal recebidos<br />

(o quarto Indiana Jones e “Visto<br />

do Céu”) e os observadores vão<br />

estar atentos à performance do “Licorne”<br />

- um “tropeção” po<strong>de</strong> ser complicado.<br />

Mas, sabendo do que ambos<br />

são capazes quando se entregam a<br />

cem por cento, é inevitável a trepidação.<br />

E, caso o filme seja um êxito, há<br />

sempre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter lançado<br />

um novo “franchise” cinematográfico...<br />

No interim, ambos os cineastas estão<br />

já a avançar com outros projectos,<br />

aproveitando a longuíssima pós-produção<br />

<strong>de</strong> “Tintin”. Jackson começa a<br />

filmar o “Hobbit” <strong>de</strong> Tolkien (ao que<br />

tudo indica em Fevereiro) para dois<br />

filmes a estrear em 2012 e 2013. Spielberg,<br />

que prepara “Robocalypse”,<br />

história <strong>de</strong> ficção-científica, para<br />

2012, já está a montar “War Horse”,<br />

adaptação <strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> Michael<br />

Morpurgo sobre a amiza<strong>de</strong> entre<br />

adolescente e o seu cavalo durante a<br />

I Guerra Mundial (que já originou uma<br />

espantosa produção teatral londrina),<br />

com David Thewlis, Peter Mullan e<br />

Emily Watson. “War Horse” e “Tintin<br />

e o Segredo do Licorne” vão ser “concorrentes”<br />

nas bilheteiras: ambos têm<br />

estreia prevista para o final <strong>de</strong> 2011,<br />

com “Tintin” a estrear a partir <strong>de</strong> Outubro<br />

na Europa (27 <strong>de</strong> Outubro em<br />

Portugal) e “War Horse” prometido<br />

para o Natal (embora, provavelmente,<br />

só em 2012 na Europa).<br />

cinema<br />

Mathieu Amalric,<br />

a generosida<strong>de</strong><br />

das formas<br />

Com “Tournée”, Mathieu<br />

Amalric rasga uma certa<br />

imagem <strong>de</strong> “auteur” e <strong>de</strong><br />

intérprete francês.<br />

Vasco Câmara<br />

Um pouco <strong>de</strong> “The Killing of a Chinese<br />

Bookie”, <strong>de</strong> Cassavetes, algo <strong>de</strong><br />

Renoir ( Jean e Auguste), ou seja, generosida<strong>de</strong><br />

no olhar e nas formas,<br />

melancolia e raiva rock’n’roll. E, apesar<br />

disto, coisa pessoal e livre.<br />

Com “Tournée”, quarta longa <strong>de</strong><br />

Mathieu Amalric, o realizador e actor<br />

rasga uma certa imagem <strong>de</strong> “auteur”<br />

MARIO ANZUONI /REUTERS<br />

NUNO FERREIRA SANTOS


O ano<br />

<strong>de</strong> James<br />

Franco...<br />

O talento enorme<br />

parecia andar<br />

ao lado <strong>de</strong> uma<br />

gran<strong>de</strong> carreira.<br />

Mas este ano...<br />

Chamaram-lhe “o novo James Dean”<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter recriado o ícone <strong>de</strong><br />

Hollywood num telefilme <strong>de</strong> 2001.<br />

Mas nem a sua presença nos “Homem-Aranha”<br />

<strong>de</strong> Sam Raimi o salvou<br />

<strong>de</strong> uma década em que o talento enorme<br />

<strong>de</strong> James Franco parecia andar ao<br />

lado <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> carreira. Até que<br />

papéis secundários em “Milk”, <strong>de</strong> Gus<br />

van Sant, e “Pineapple Express”, <strong>de</strong><br />

David Gordon Green, seguido <strong>de</strong> presenças<br />

em veículos para Julia Roberts<br />

PHIL MCCARTE/REUTERS<br />

e Steve Carell e uma participação conceptual<br />

na telenovela “General Hospital”,<br />

o <strong>de</strong>volveram à primeira linha<br />

<strong>de</strong> Hollywood. 2011 po<strong>de</strong> bem ser o<br />

seu ano: “127 Horas”, o novo Danny<br />

Boyle (estreia a 24 <strong>de</strong> Fevereiro), on<strong>de</strong><br />

é o único actor no écrã durante 90<br />

por cento do filme, parece ter garantida<br />

a nomeação para os Oscares. Mas<br />

vamos também po<strong>de</strong>r vê-lo a recriar<br />

o poeta beat Allen Ginsberg em “Howl”<br />

(em Junho), e a li<strong>de</strong>rar o elenco<br />

da “prequela” do “Planeta dos Macacos”,<br />

“Rise of the Apes” ( Julho), e da<br />

nova comédia <strong>de</strong> David Gordon Green,<br />

“Real Desatino” (Abril). J. M.<br />

James Franco<br />

como Allen<br />

Ginsberg em<br />

“Howl”<br />

MARIO ANZUONI /REUTERS<br />

Natalie<br />

Portman em<br />

“O Cisne<br />

Negro”<br />

... e o ano <strong>de</strong> Natalie<br />

Portman<br />

A sua performance tempestuosa<br />

no “Cisne Negro” <strong>de</strong> Darren<br />

Aronofsky coloca-a à frente da<br />

corrida para os Óscares.<br />

Tinha apenas 13 anos quan-<br />

do Luc Besson a revelou em<br />

“Léon, o Profissional” - e, <strong>de</strong><br />

então para cá, Natalie Portman<br />

faz questão <strong>de</strong> evitar a “maldição<br />

da<br />

actriz criança”, mesmo que isso<br />

implicasse passar ao lado do estatuto<br />

to <strong>de</strong> “ve<strong>de</strong>ta” que muitos lhe<br />

profetizavam e preferisse ser uma<br />

actriz que (apesar da primeira trilogia<br />

da “Guerra das Estrelas”)<br />

prefere rodar com Milos Forman,<br />

Amos Gitai, Wong Kar-Wai<br />

ou<br />

Wes An<strong>de</strong>rson. Dificilmen-<br />

te<br />

2011 não lhe vai trazer o reconhecimento<br />

há muito merecido: a<br />

sua performance tempestuosa no<br />

“Cisne Negro” <strong>de</strong> Darren Aronofsky<br />

(estreia 3 <strong>de</strong> Fevereiro) coloca-a à<br />

frente da corrida para os Óscares,<br />

dando o “pontapé <strong>de</strong> saída” para um<br />

ano on<strong>de</strong> a vamos ver em duas comédias<br />

(“Sexo sem Compromisso”, <strong>de</strong><br />

Ivan Reitman, ao lado <strong>de</strong> Ashton Kutcher,<br />

em Fevereiro, e “Real Desatino”,<br />

<strong>de</strong> David Gordon Green, com<br />

James Franco e Zooey Deschanel, em<br />

Abril) e na mais recente BD filmada<br />

da Marvel, “Thor”, dirigida por Kenneth<br />

Branagh (Abril). J. M.<br />

NUNO FERREIRA SANTOS<br />

ERIC GAILLARD/REUTERS<br />

O realizador e<br />

as suas<br />

ve<strong>de</strong>tas: Mimi<br />

Le Meaux,<br />

Kitten on the<br />

Keys, Dirty<br />

Martini e Julie<br />

Atlas Muz<br />

e <strong>de</strong> intérprete (aquilo que fez para o<br />

cinema <strong>de</strong> Arnaud Desplechin, por<br />

exemplo). Criando algo <strong>de</strong> mais selvagem<br />

com a ajuda <strong>de</strong> opulentos<br />

exemplares do “burlesque”: Mimi Le<br />

Meaux, Kitten on the Keys, Dirty Martini<br />

ou Julie Atlas Muz, criaturas do<br />

revival <strong>de</strong> uma tradição do vau<strong>de</strong>ville<br />

americano, o New Burlesque, que nada<br />

tem a ver com o <strong>de</strong>sign escultural<br />

<strong>de</strong> Dita Von Teese (nem, já agora, com<br />

o <strong>de</strong> Christina Aguillera e <strong>de</strong> Cher).<br />

Amalric interpreta o empresário <strong>de</strong><br />

um show que regressa a França com<br />

as suas artistas, recrutadas nos EUA,<br />

disposto a vencer em Paris. On<strong>de</strong> nunca<br />

chegará - “malaise” e melancolia,<br />

figura em fuga, nunca se sabendo se<br />

corre para um objectivo ou se foge <strong>de</strong><br />

si próprio. O filme é generoso e caótico,<br />

sempre em trânsito entre o documental<br />

(os shows, filmados em<br />

tournée pela costa francesa) e o ficcional,<br />

<strong>de</strong>senvolve-se através <strong>de</strong> linhas<br />

<strong>de</strong> fuga que se <strong>de</strong>sviam e ao mesmo<br />

tempo querem regressar a uma<br />

base - esse é o périplo do janota existencialista<br />

Joachim<br />

Amalric, sempre <strong>de</strong> saída e sempre<br />

<strong>de</strong> regresso a estas meninas <strong>de</strong> carne<br />

e <strong>de</strong> luz esplendorosamente fotografadas.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 9


JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS<br />

“The Tree of<br />

Life” move-se<br />

num registo<br />

“fantástico” e<br />

os<br />

protagonistas<br />

são Brad Pitt e<br />

Sean Penn<br />

No cinema americano não há outro<br />

“bissexto” como ele: Terrence Malick,<br />

que em 38 anos estreou quatro longas-metragens.<br />

Mas que quatro longas-metragens:<br />

“Badlands” e “Days<br />

of Heaven”, nos anos 70, ainda cheias<br />

<strong>de</strong> “febre no sangue”, e vinte anos<br />

<strong>de</strong>pois, “The Thin Red Line” e “The<br />

New World”, um par <strong>de</strong> “épicos” contemplativos<br />

e interiores. Não se erra<br />

por se prever que a estreia <strong>de</strong> “The<br />

Tree of Life”, a sua quinta longa-metragem<br />

(seis anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “New<br />

World”), agendada para Maio <strong>de</strong> 2011<br />

nos EUA, motivará algumas parangonas.<br />

Ainda ninguém sabe o que o filme<br />

é, e se alguém sabe mantém-se<br />

calado – o que se vai ouvindo e lendo<br />

são as pequenas coisas <strong>de</strong> que o<br />

“hype” precisa para se alimentar: que<br />

é “radical”, que “não se parece com<br />

nada”. Em todo o caso será conveniente,<br />

como dizia o velho slogan,<br />

esperar o inesperado. Aparentemente,<br />

“The Tree of Life” move-se num<br />

registo “fantástico” (um “Tio Boonmee”<br />

americano?...), e os protagonistas<br />

masculinos são Brad Pitt e Sean<br />

Penn. L.M.O.<br />

Terrence Malick: esperar<br />

o inesperado<br />

O que se vai lendo são as pequenas coisas <strong>de</strong> que<br />

o “hype” precisa para se alimentar: que “The Tree<br />

of Life” é “radical”, que “não se parece com nada”.<br />

Apichatpong Weerasethakul:<br />

<strong>de</strong>corem todas as sílabas<br />

É um nome na ponta da língua <strong>de</strong> muita gente,<br />

e o passo que faltava dar para consagrar essa<br />

familiarida<strong>de</strong> aconteceu em Cannes <strong>de</strong> 2010, com<br />

a Palma a “Uncle Boonmee Who Can Recall his<br />

Past Lives”. Luís Miguel Oliveira<br />

Ao lado <strong>de</strong><br />

artigos<br />

extasiados<br />

outros<br />

queixam-se <strong>de</strong><br />

o filme ser<br />

“muito<br />

parado”.<br />

Não houve outro remédio que não<br />

<strong>de</strong>corar todas as sílabas que compõem<br />

o nome <strong>de</strong>ste cineasta tailandês. Hoje,<br />

nove anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Blissfully Yours”,<br />

sete anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Tropical Malady”,<br />

Apichatpong Weerasethakul é um<br />

nome na ponta da língua <strong>de</strong> muita<br />

gente, e o passo que faltava dar para<br />

consagrar a sua familiarida<strong>de</strong> aconteceu<br />

em Cannes <strong>de</strong> 2010, quando “Uncle<br />

Boonmee Who Can Recall his Past<br />

Lives” conquistou a Palma <strong>de</strong> Ouro.<br />

Circularam SMS a dizer que se tratava<br />

do “maior filme da história”, escreveram-se<br />

artigos extasiados, e agora, no<br />

final <strong>de</strong> 2010, “Uncle Boonmee” encabeçou<br />

um sem-número <strong>de</strong> listas <strong>de</strong><br />

“melhores do ano”. O acréscimo <strong>de</strong><br />

exposição que a Palma trouxe também<br />

ofereceu a Apichatpong, até então<br />

quase um exclusivo dos nichos<br />

cinéfilos “hardcore”, as primeiras bastonadas<br />

públicas: ao lado dos artigos<br />

extasiados encontram-se outros que<br />

se queixam <strong>de</strong> o filme ser “muito parado”.<br />

Com polémicas <strong>de</strong>stas ou não,<br />

é seguro que também em Portugal será<br />

nome muito dito em 2011: “Uncle<br />

Boonmee...” tem estreia nacional marcada<br />

para os próximos meses.<br />

Edgar Ramírez<br />

ao espelho<br />

A estratégia <strong>de</strong> Carlos como estratégia<br />

<strong>de</strong> sensualida<strong>de</strong>, a História inscrita no corpo<br />

do terrorista. Assayas encontrou um actor<br />

para esse narcisismo que se consome.<br />

Vasco Câmara<br />

De um Ramírez, Ilich Ramí-<br />

rez Sánchez, venezuelano,<br />

a outro, Edgar Ramírez, ve-<br />

nezuelano: “Porque é que te<br />

prestas a [servir <strong>de</strong> veículo] a uma<br />

obra <strong>de</strong> propaganda contra-revolu-<br />

cionária difamando o mais conhecido<br />

dos Ramírez? Mantenho-me firme,<br />

intransigente em<br />

relação aos princí-<br />

pios transmitidos pelo meu pai, recusando<br />

ven<strong>de</strong>r-me ao império <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte.<br />

Edgar, não <strong>de</strong>ixes que a glória<br />

efémera, a soldo <strong>de</strong> Hollywood, te dê<br />

a volta à cabeça. A fama mediática é<br />

passageira. Ela não po<strong>de</strong> substituir o<br />

respeito, a honra, a realida<strong>de</strong>. Viva a<br />

nossa Venezuela bolivariana! Viva a<br />

nossa Terra santa da Palestina! Deus<br />

é o maior. Carlos, Poissy, 14 <strong>de</strong> Maio<br />

<strong>de</strong> 2010”.<br />

Foi no jornal francês “Figaro” que<br />

o primeiro Ramírez – nome <strong>de</strong> guerra<br />

“Carlos, o Chacal”, terrorista, a cumprir<br />

pena perpétua em estabelecimento<br />

<strong>de</strong> alta segurança –, invocando<br />

um antepassado comum <strong>de</strong> há 500<br />

anos, “um conquistador”, publicou<br />

uma carta ao outro Ramírez, o actor<br />

que o interpreta em “Carlos”, filme<br />

<strong>de</strong> Olivier Assayas.<br />

Edgar<br />

Ramírez como<br />

Carlos, o<br />

Chacal


JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS<br />

Jean-Luc Godard “lives”<br />

Um dos ícones vivos da outrora<br />

chamada arte cinematográfica: a<br />

estreia <strong>de</strong> “Film Socialisme” será um<br />

dos pontos altos do ano.<br />

“Exit Through<br />

the Gift Shop”<br />

O retrato do<br />

vazio da fama<br />

que La<br />

Coppola<br />

propõe em<br />

“Somewhere”<br />

é autobiográfico<br />

ou<br />

satírico?<br />

JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS<br />

Banksy, o gran<strong>de</strong><br />

manipulador<br />

Um filme que cai em<br />

pleno <strong>de</strong>bate do que é e<br />

po<strong>de</strong> ser hoje o cinema.<br />

Acabou <strong>de</strong> se tornar octogenário (em<br />

Dezembro), sobreviveu a duas biografias<br />

(uma do americano Richard<br />

Brody, crítico da “New Yorker”, outra<br />

do francês Antoine <strong>de</strong> Baecque),<br />

e uma estapafúrdia campanha (suscitada<br />

pelo livro <strong>de</strong> Brody) que pretendia<br />

fazer <strong>de</strong>le um perigoso antisemita.<br />

Também sobreviveu a um<br />

muito publicitado “Óscar especial”<br />

e, tudo indica, à agressivida<strong>de</strong> (nalguns<br />

casos inimaginável) com que a<br />

crítica mais generalista recebeu<br />

“Film Socialisme”. Longe vão os<br />

tempos em que a estreia <strong>de</strong> um filme<br />

<strong>de</strong> Godard fazia parar as máquinas<br />

– mas, c’os diabos, trata-se <strong>de</strong> um<br />

dos dois ou três ícones vivos da outrora<br />

chamada arte cinematográfica,<br />

e a estreia em Portugal será um dos<br />

pontos altos do ano. Majestoso e labiríntico,<br />

encantador e exasperante<br />

– é tudo menos uma abstracção: viaja<br />

pelo Mediterrâneo, “mar fundador”,<br />

e fala <strong>de</strong> nós, europeus, no<br />

ponto da história em que estamos,<br />

prevendo o momento em que se ia<br />

conseguir convencer os gregos <strong>de</strong><br />

que são eles quem está em dívida<br />

para com a Europa. L.M.O.<br />

Lugares-comuns: “uma imagem vale<br />

mais do que mil palavras”, “um velling é uma questão <strong>de</strong> moral”, “a<br />

tra-<br />

câmara nunca mente”. A era do “falso<br />

documentário” como laboratório<br />

formal e criativo do cinema mo<strong>de</strong>rno<br />

tem <strong>de</strong>svalorizado ou revalorizado<br />

esses lugares-comuns, <strong>de</strong> “O Projecto<br />

Blair Witch” a “I’m Not Here”. Mas<br />

quando o “falso documentário” é um<br />

“documentário verda<strong>de</strong>iro”, como<br />

“Exit Through the Gift Shop”, que<br />

pega em imagens reais mas nos<br />

leva a perguntar a qualquer momento<br />

o que é verda<strong>de</strong> e o que<br />

é mentira? O filme do provocaem<br />

Abril) é um exercício <strong>de</strong> manipulação<br />

<strong>de</strong> materiais e da própria<br />

forma do documentário que toma<br />

dor Banksy (nas nossas salas<br />

como tema a manipulação, mas também<br />

o modo como um ponto o <strong>de</strong> vista<br />

ou um olhar muda as coor<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong><br />

compreensão e recepção <strong>de</strong> qualquer<br />

objecto. Se quisermos, um cumentário sobre si mesmo – e um<br />

meta-do-<br />

filme que cai em pleno <strong>de</strong>bate do que<br />

é e po<strong>de</strong> ser hoje o cinema. J. M.<br />

ALESSANDRO BIANCHI/REUTERS<br />

Sofia<br />

ou o<br />

regresso<br />

da filha<br />

pródiga<br />

Sofia já per<strong>de</strong>u<br />

o prazo <strong>de</strong><br />

valida<strong>de</strong> ou<br />

acaba <strong>de</strong> se<br />

reinventar?<br />

“Somewhere”<br />

promete ser um<br />

dos assuntos da<br />

temporada.<br />

É o seu cinema, ou é só o seu apelido?<br />

Sempre que Sofia Coppola reaparece,<br />

os holofotes assestam-se nela. Depois<br />

da controvérsia “Marie Antoinette”,<br />

“Somewhere” tem polarizado a<br />

crítica e o público <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia<br />

em Setembro no Festival <strong>de</strong> Veneza,<br />

on<strong>de</strong> ganhou o Leão <strong>de</strong> Ouro por<br />

entre acusações <strong>de</strong> compadrio (Quentin<br />

Tarantino, presi<strong>de</strong>nte do júri, foi<br />

seu namorado) e aclamações <strong>de</strong> genialida<strong>de</strong>.<br />

O retrato do vazio da fama<br />

que La Coppola propõe em “Somewhere”<br />

é autobiográfico ou satírico?<br />

Um retorno ao estado <strong>de</strong> graça <strong>de</strong><br />

“Lost in Translation” ou a sua confirmação<br />

como frau<strong>de</strong> empolada? Sofia<br />

já per<strong>de</strong>u o prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> ou acaba<br />

<strong>de</strong> se reinventar? “Somewhere”<br />

promete ser um dos assuntos <strong>de</strong> conversa<br />

da temporada. Respostas, ou<br />

<strong>de</strong>bates, quando por cá estrear (17 <strong>de</strong><br />

Fevereiro). J. M.<br />

Cinco horas e meia para televisão<br />

reduzidas a duas horas e meia para<br />

cinema, versão anunciada entre nós<br />

para Fevereiro - é verda<strong>de</strong> que algo<br />

se per<strong>de</strong>... –, “Carlos” é várias coisas:<br />

um “puzzle” ou miniatura que <strong>de</strong>senha<br />

as movimentações e figuras do<br />

terrorismo das décadas <strong>de</strong> 70 e 80 do<br />

século XX; uma tragédia sobre a pureza<br />

revolucionária que é <strong>de</strong>vorada;<br />

um retrato da ambição em movimento,<br />

retrato em aberto, esse, <strong>de</strong> um<br />

sedutor nato que gostava <strong>de</strong> armas e<br />

<strong>de</strong> mulheres. A estratégia <strong>de</strong> Carlos<br />

como estratégia <strong>de</strong> sensualida<strong>de</strong>, a<br />

História no corpo do terrorista. Assayas<br />

encontra uma figura para esse<br />

narcisismo que se consome: o plano<br />

<strong>de</strong> Ramírez nu, <strong>de</strong>spudoradamente<br />

embeiçado por si próprio, momento<br />

que se repete, ao som <strong>de</strong> “Dreams<br />

never end”, dos New Or<strong>de</strong>r, quando<br />

Carlos é já corpo inchado pelo excesso<br />

e pelo ego, mas ainda capaz <strong>de</strong> um<br />

último “hurrah” ao espelho. No centro<br />

das atenções, Edgar Ramírez, 33<br />

anos, actor secundário em “Che”, <strong>de</strong><br />

So<strong>de</strong>rbergh, ou em “The Borne Ultimatum”,<br />

tem agora o seu momento.<br />

Frente ao espelho.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 11


O que fazer<br />

com este disco?<br />

Quando finalmente<br />

aparecer, o oitavo disco<br />

dos Radiohead será<br />

inevitavelmente o assunto<br />

do momento: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “In<br />

Rainbows” que eles sabem<br />

como fazer as coisas em<br />

estilo. João Bonifácio<br />

Parece certo<br />

que os<br />

Radiohead só<br />

editarão o<br />

novo álbum<br />

quando<br />

souberem<br />

como editá-lo:<br />

a experiência<br />

“In Rainbows”<br />

terá uma<br />

sequela<br />

Tudo o que os Radiohead fazem é notícia<br />

e não apenas pela avi<strong>de</strong>z dos<br />

media – é que os fãs seguem-lhes o<br />

rasto até ao mais ínfimo passo. Mas<br />

da última vez que os Radiohead foram<br />

capa <strong>de</strong> jornais, bem, parecia que o<br />

mundo tinha acabado. Bastou lançarem<br />

disco novo, “In Rainbows”, <strong>de</strong><br />

uma forma que nada tinha <strong>de</strong> original<br />

no un<strong>de</strong>rground mas que nunca fora<br />

vista na alta indústria: cada ouvinte<br />

pagava o que achava correcto pela<br />

edição em mp3 e se quisesse até podia<br />

conseguir o disco, no formato digital,<br />

<strong>de</strong> graça. Falou-se em fim da industria,<br />

mas o que ficou claro é que o<br />

mo<strong>de</strong>lo só é válido para quem tiver,<br />

no universo pop, um grupo <strong>de</strong> fiéis<br />

vastíssimo – o que é o caso. Este pormenor<br />

<strong>de</strong> como editar um disco tem<br />

mais relevância do que parece <strong>de</strong>ntro<br />

da banda <strong>de</strong> Thom Yorke. Des<strong>de</strong> a saída<br />

<strong>de</strong> “In Rainbows” e respectiva<br />

digressão, os membros do quinteto já<br />

fizeram todo o tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações:<br />

Thom Yorke disse que os Radiohead<br />

enquanto grupo que edita discos tinham<br />

acabado e que se iam <strong>de</strong>dicar<br />

a fazer canções que colocariam na<br />

net; Ed O’Brien, guitarrista, afirmou<br />

que a banda não lançaria nenhum<br />

disco enquanto não soubesse o mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> edição a usar. Por tudo isto e<br />

mais alguma coisinha, o oitavo disco<br />

<strong>de</strong> originais dos Radiohead, que <strong>de</strong><br />

acordo com Phil Selway, baterista, é<br />

“a melhor coisa” que alguma vez fizeram,<br />

é dos discos mais ansiados do<br />

ano. Se sair este ano. Porque primeiro,<br />

em Fevereiro do ano passado, um<br />

colaborador do “L.A. Times” colocou<br />

no seu blogue um “post” em que dava<br />

conta <strong>de</strong> uma festa oferecida pelos<br />

Radiohead na casa do habitual produtor<br />

Nigel Godrich – supostamente<br />

para comemorar o fim das gravações<br />

do novo disco. O “post” foi imediatamente<br />

apagado. Depois, em Julho, Ed<br />

O’Brien dizia que o disco estaria resolvido<br />

numa “questão <strong>de</strong> semanas”.<br />

Em Novembro, Johny Greenwood dizia<br />

que finalmente o álbum estava<br />

acabado e tinha <strong>de</strong>z faixas, talvez um<br />

pouco mais, e que não só estaria prestes<br />

a sair como seria seguido <strong>de</strong> uma<br />

digressão mundial, o que supostamente<br />

ia contra os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> Thom<br />

Yorke, para quem ter <strong>de</strong> dar 200 concertos<br />

num ano é uma espécie <strong>de</strong> tortura.<br />

Mas uns dias <strong>de</strong>pois o guitarrista<br />

veio a público explicar que o tinham<br />

citado mal e que “o único<br />

plano” dos Radiohead era “não ter<br />

qualquer plano até o disco estar acabado”.<br />

Pelo meio ainda houve faixas<br />

falsas do disco a passarem para a imprensa.<br />

O que po<strong>de</strong>mos retirar <strong>de</strong> tudo isto?<br />

É certo, por múltiplas <strong>de</strong>clarações dos<br />

rapazes, que eles têm consciência <strong>de</strong><br />

ser impossível voltar a ter êxito com<br />

um truque igual ao usado em “In<br />

Rainbows”. Também parece pouco<br />

provável que os Radiohead se transformem<br />

numa banda que só muito<br />

ocasionalmente lance um par <strong>de</strong> canções<br />

na net. Mas que tipo <strong>de</strong> som sairá<br />

dali é impossível dizer. A única<br />

coisa certa é que O’Brien estava a falar<br />

a sério quando disse que não haveria<br />

novo disco enquanto a banda<br />

não soubesse como editá-lo. Resta<br />

saber se será mais falado pelo simples<br />

facto <strong>de</strong> ser parido ou pela qualida<strong>de</strong><br />

da música.<br />

música<br />

Peter Evans,<br />

trompete, século XXI<br />

Pelo que Evans fez em 2010,<br />

não po<strong>de</strong>mos perdê-lo <strong>de</strong><br />

vista em 2011.<br />

Outro dos registos que se repetiu e<br />

multiplicou nas listas dos melhores<br />

do ano foi “Scenes in the House of Music”,<br />

gravação ao vivo na Casa da Música<br />

em que o celebrado trio <strong>de</strong> Evan<br />

Parker, Barry Guy e Paul Lytton surge<br />

acompanhado <strong>de</strong> um quarto músico,<br />

o jovem trompetista Peter Evans. Ponto<br />

comum nos comentários ao disco<br />

é o espanto perante a forma absolutamente<br />

natural como Evans se integrou<br />

no xadrez complexo e exigente<br />

formado por três dos mais importantes<br />

veteranos da improvisação europeia.<br />

Com lugar cativo nos Mostly<br />

Other People Do The Killing, a nova<br />

banda coqueluche do action jazz, e<br />

um outro registo, “Live in Lisbon”, a<br />

marcar o ano discográfico que passou,<br />

Peter Evans é outro dos nomes a seguir<br />

com atenção em 2011. R.A.<br />

MIGUEL MANSO<br />

Agora é<br />

que vamos<br />

mesmo<br />

ouvir<br />

“Tomboy”<br />

Há dois anos<br />

que andamos<br />

a ouvir falar do<br />

novo álbum <strong>de</strong><br />

Panda Bear. Agora<br />

é a sério: será,<br />

corações ao alto,<br />

um acontecimento<br />

<strong>de</strong> 2011.<br />

“Person Pitch” foi um álbum milagroso.<br />

Noah Lennox (Panda Bear) criou<br />

uma sinfonia digital on<strong>de</strong> as harmonias<br />

vocais guiavam a viagem por um<br />

disco que, em pleno século XXI, ofereceu<br />

uma nova leitura do ambicioso<br />

plano <strong>de</strong> Brian Wilson na década <strong>de</strong><br />

60: criar uma elegia adolescente a<br />

<strong>de</strong>us. Talvez seja o peso <strong>de</strong>sse antecessor<br />

que recai agora sobre o mais<br />

<strong>de</strong>stacado dos Animal Collective. Porque<br />

“Tomboy”, o álbum que editará<br />

este ano, já no final <strong>de</strong> 2009 foi anunciado<br />

como um dos mais aguardados<br />

<strong>de</strong> 2010. Inicialmente <strong>de</strong>scrito como<br />

“negro” e menos “baseado em samples”,<br />

foi sendo antecipado nos últimos<br />

12 meses em vários singles <strong>de</strong><br />

numeração limitadíssima.<br />

Ouvimos agora um Panda Bear<br />

mais físico na cadência rítmica e menos<br />

contemplativo. Ouvimos pedaços<br />

<strong>de</strong> dub e drone <strong>de</strong> origem incerta, a<br />

guitarra a surgir como presença assídua<br />

e a voz ainda como centro <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

emana toda a música.<br />

Em 2011 é certo que conheceremos<br />

finalmente “Tomboy”: “Está quase,<br />

quase perto da mistura final”, anun-<br />

ciou há uns dias ao “Wall Street Jour-<br />

nal”. “Passei os últimos três anos<br />

nele. Demorou-me uma eternida-<br />

<strong>de</strong>”. Quando sair, será um aconteci-<br />

mento. E até<br />

po<strong>de</strong>rá ter companhia:<br />

Lennox vai para os EUA trabalhar<br />

no novo<br />

álbum dos Animal Collective.<br />

Mário Lopes<br />

A<strong>de</strong>us, <strong>Lisboa</strong>: Panda Bear<br />

a caminho dos EUA<br />

12 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


O mais português<br />

dos artistas<br />

portugueses<br />

JP Simões tem um disco<br />

novo, outro pronto a sair<br />

e anda num entra-e-sai <strong>de</strong><br />

palcos, sozinho ou com os<br />

Belle Chase Hotel.<br />

“On<strong>de</strong> Mora o<br />

Mundo” é o<br />

contributo <strong>de</strong><br />

JP Simões<br />

para 2011<br />

JP Simões é um bocado como o tio<br />

preferido da família: não vai aos almoços<br />

<strong>de</strong> Domingo durante meio ano,<br />

e um dia, sem aviso, lá aparece para<br />

alegria da miudagem, cheio <strong>de</strong> histórias<br />

para contar. Agora volta com o<br />

primeiro disco “a sério” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “1970”,<br />

obra-prima <strong>de</strong> análise geracional e<br />

social estruturada em samba-canção.<br />

Como não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, Simões<br />

não facilita a vida aos fãs e o disco,<br />

“On<strong>de</strong> Mora o Mundo”, não será um<br />

Jason Moran em potência<br />

Para muitos, o pianista concretizou em “Ten”,<br />

disco <strong>de</strong> 2010, todo o seu potencial da sua<br />

extraordinária exuberância instrumental.<br />

Nós preferimos pensar que isso vai<br />

acontecer em 2011. Rodrigo Amado<br />

Jason Moran<br />

é inquestionavelmente<br />

o mais<br />

exuberante<br />

músico jazz<br />

do momento<br />

JOAQUIM MENDES<br />

A aventura d’Os<br />

Golpes continua<br />

Enquanto o single “Vá lá<br />

senhora” toca em bom ritmo<br />

em rádios, aparelhagens e<br />

i-Pods país fora, Os Golpes<br />

preparam-se para 2011<br />

Em 2000, nas “liner notes” <strong>de</strong> “Facing<br />

Left”, o seu segundo registo como<br />

lí<strong>de</strong>r, Jason Moran queixava-se<br />

que “na casa do jazz, o velho testamento<br />

ten<strong>de</strong> a eclipsar o que é novo”,<br />

referindo-se ao enorme po<strong>de</strong>r da facção<br />

mais conservadora do jazz, nessa<br />

altura encabeçada por Wynton Marsalis.<br />

Na verda<strong>de</strong>, músicos como Moran<br />

têm sido <strong>de</strong>terminantes para passar<br />

a mensagem <strong>de</strong> que é necessário<br />

um equilíbrio permanente entre o<br />

legado da tradição e as novas i<strong>de</strong>ias<br />

musicais.<br />

2010 foi um ano <strong>de</strong> consagração<br />

para Jason Moran. Embora não tivéssemos<br />

encontrado em “Ten”, o seu<br />

mais recente disco, a vitalida<strong>de</strong> criativa<br />

e sobretudo a consistência que<br />

lhe garantiram um lugar em gran<strong>de</strong><br />

parte das listas dos melhores do ano,<br />

é certo que ali há suficientes sinais <strong>de</strong><br />

arrojo estético e personalida<strong>de</strong> instrumental<br />

para que lhe seja atribuído<br />

o título do mais exuberante e talentoso<br />

músico <strong>de</strong> jazz do momento. É,<br />

para nós, a gran<strong>de</strong> figura do jazz a<br />

seguir em 2011.<br />

Possuindo um estilo absolutamente<br />

contemporâneo, que recolhe impulsos<br />

das mais diversas áreas, do<br />

hip-hop ao blues, da pop à clássica<br />

contemporânea, Moran <strong>de</strong>stila todas<br />

essas influências numa música acessível<br />

e elegante como poucas, essencialmente<br />

pós-bop, com um toque<br />

MIGUEL MADEIRA<br />

“Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco”,<br />

o álbum <strong>de</strong> estreia, foi um manifesto<br />

<strong>de</strong> intenções que traduziu em<br />

disco o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> reinventar uma tradição<br />

pop para Portugal, com inspiração<br />

iconográfica nos Heróis do Mar<br />

e musicalmente consciente da história<br />

rock das últimas três décadas. Foi<br />

mais, claro: uma inatacável colecção<br />

<strong>de</strong> canções em que o romantismo, a<br />

nostalgia e o sonho das letras nos<br />

eram oferecidos em embalagem pop<br />

certeira e entusiasmante.<br />

Manifesto lançado, os Golpes <strong>de</strong>itaram<br />

mãos à sua concretização. 2010<br />

foi o ano em que a editora a que pertencem,<br />

a Amor Fúria, co-fundada<br />

pelo vocalista Manuel Fúria, se solidificou<br />

com nomes como Feromona,<br />

Verão Azul ou Capitães <strong>de</strong> Areia. Foi<br />

também o ano em que os Golpes editaram<br />

o curta duração <strong>de</strong> edição limitada<br />

“G”, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi extraído “Vá<br />

lá Senhora”, single com a participação<br />

<strong>de</strong> Rui Pregal da Cunha que lhes<br />

vem garantindo crescente protagonismo.<br />

inspirado <strong>de</strong> um jazz mais vanguardista.<br />

É precisamente este equilíbrio,<br />

uma espécie <strong>de</strong> santo graal que muitos<br />

músicos perseguem, aliado a uma<br />

técnica pianística fora do vulgar, que<br />

o tornou um dos mais influentes e<br />

transversais músicos em activida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>ixando no ar as maiores expectativas<br />

para o futuro.<br />

Com apenas 35 anos e uma aprendizagem<br />

que teve como heróis e mentores<br />

Jaki Byard e Andrew Hill, Moran<br />

construiu um percurso brilhante cuja<br />

soli<strong>de</strong>z é bem visível na série <strong>de</strong> nove<br />

discos que gravou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999, para<br />

a Blue Note (feito raro nos dias que<br />

correm), e mais particularmente no<br />

trio que mantém <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000 com o<br />

contrabaixista Tarus Mateen e o baterista<br />

Nasheet Waits - The Bandwagon<br />

- precisamente o mesmo <strong>de</strong><br />

“Ten”. Quando gravou em 2001 o superior<br />

“Black Stars”, registo em que<br />

o trio partilha o estúdio com o lendário<br />

saxofonista Sam Rivers, dificilmente<br />

se po<strong>de</strong>ria imaginar o consenso que<br />

ro<strong>de</strong>ia hoje a sua música. A verda<strong>de</strong><br />

é que Moran não realizou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aí,<br />

um disco com a urgência e a absoluta<br />

EP, digressão<br />

nacional e o<br />

segundo<br />

álbum: eis o<br />

2011 d’Os<br />

Golpes<br />

prolongamento <strong>de</strong> “1970”. É, sim, um<br />

retorno às parcerias, que com ele costumam<br />

ser proveitosas. Neste caso, o<br />

companheiro <strong>de</strong> armas foi o guitarrista<br />

Afonso Pais. “Acho que quem<br />

nos apresentou foi o Sérgio Costa”,<br />

explica o compositor, “porque sabia<br />

que apesar <strong>de</strong> o Afonso vir do jazz<br />

temos imensos gostos em comum”.<br />

Entenda-se: a bossa, particularmente<br />

“Jobim e Edu Lobo, que aliás já gravou<br />

com o Afonso”. Segundo Simões,<br />

Alexandre “andava com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fazer canções”, pelo que fizeram um<br />

simples acordo: “Ele compunha e eu<br />

escrevia. Mas acabou por ser um disco<br />

<strong>de</strong> parceria: eu compus um tema,<br />

ele fez um instrumental, eu <strong>de</strong>i umas<br />

i<strong>de</strong>ias nuns arranjos”. A assegurar a<br />

secção rítmica estão dois monstrinhos<br />

da música portuguesa, Alexandre Frazão<br />

e Carlos Barreto. “É engraçado<br />

porque com eles as coisas nunca são<br />

fixas”, reflecte Simões. “Um samba<br />

nunca é um samba, um rock nunca é<br />

um rock, criam ritmos muito <strong>de</strong>les”,<br />

o que, aventa, acaba por ser uma boa<br />

<strong>de</strong>finição para o disco: “Não tem muito<br />

<strong>de</strong> brasileiro, tirando uma marcha<br />

que eu compus”.<br />

Com o seu habitual optimismo, Simões<br />

prenuncia já um gran<strong>de</strong> êxito<br />

comercial (como aliás acontece com<br />

todos os seus discos): “O disco é <strong>de</strong><br />

tal modo um híbrido <strong>de</strong> tantas coisas<br />

que eu temo que vá passar ao lado<br />

das pessoas”. Por via das dúvidas, já<br />

tem outro pronto, que quer lançar<br />

este ano – como <strong>de</strong> costume, as probabilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> isto acontecer são ínfimas<br />

e o mais certo é só surgir no ano<br />

que vem. Funcionará como sequela<br />

<strong>de</strong> “1970” e inclui temas que vêm da<br />

abortada “Ópera do Falhado” que,<br />

criminosamente, continua por editar.<br />

Pelo meio ainda haverá “cinco ou seis<br />

concertos” dos Belle Chase Hotel, que<br />

resolveram inaugurar um novo tipo<br />

<strong>de</strong> nostalgia: “o auto-revivalismo”.<br />

Hoje Simões actua na Galeria Zé dos<br />

Bois, mas não se esperem canções <strong>de</strong><br />

“On<strong>de</strong> Mora o Mundo”. Em compensação,<br />

esperem canções do próximo<br />

disco, o que ainda está na gaveta.<br />

Confusos? É o mais português dos<br />

artistas portugueses. J.B.<br />

criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Black Stars”, concentrando-se<br />

antes numa maturação artística<br />

<strong>de</strong> conceitos musicais e da sua<br />

própria linguagem como pianista. Se<br />

os seus registos mais recentes revelam<br />

uma produção que oculta parte da<br />

sua extraordinária exuberância instrumental,<br />

já ao vivo, nos seus próprios<br />

projectos, integrado no trio <strong>de</strong><br />

Paul Motian ou no quarteto do saxofonista<br />

Charles Lloyd, a experiência<br />

<strong>de</strong> observar Moran em acção é inesquecível.<br />

Em palco, possui um magnetismo<br />

musical difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver.<br />

Mesmo ao lado <strong>de</strong> um gigante como<br />

Charles Lloyd, quando Moran se coloca<br />

em <strong>de</strong>staque, toda a atenção se<br />

foca no seu piano.<br />

Moran, que irá ocupar este ano um<br />

cargo no prestigiado New England<br />

Conservatory, um dos mais importantes<br />

centros mundiais para o estudo<br />

<strong>de</strong>sta música, tornou-se um “caso”<br />

do jazz actual, esperando-se a qualquer<br />

momento uma concretização em<br />

disco ao nível <strong>de</strong> todo este potencial.<br />

Para muitos isso aconteceu em “Ten”.<br />

Nós preferimos pensar que isso está<br />

ainda por acontecer.<br />

No primeiro trimestre <strong>de</strong> 2011, “G”<br />

será editado em loja, acrescido <strong>de</strong><br />

duas canções, e está prevista uma<br />

digressão “no maior número possível<br />

<strong>de</strong> salas e terras” do país. Mais próximo<br />

do final do ano, chegará o segundo<br />

longa-duração em que a banda<br />

começa a trabalhar neste momento.<br />

Continua a aventura. M.L.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 13


PJ Harvey<br />

que se cui<strong>de</strong><br />

com Anna<br />

Calvi<br />

Um disco e tanto,<br />

já no dia 24.<br />

SIMON FOWLER<br />

Uma presença<br />

em palco<br />

insinuante,<br />

um disco que<br />

tem tudo para<br />

dar certo<br />

Tem uma presença em palco insinuante.<br />

Pratica rock, mas esquelético,<br />

sem banhas. Podia ser PJ Harvey. Mas<br />

é Anna Calvi, inglesa, há muitos meses<br />

i<strong>de</strong>ntificada como um dos nomes que<br />

po<strong>de</strong>rá dar que falar em 2011. Até agora<br />

tem sido em palco que tem exposto<br />

argumentos. Mas no próximo dia<br />

24 será editado na Europa o seu álbum<br />

<strong>de</strong> estreia. Já o ouvimos. Não irá<br />

revolucionar nada, mas tem tudo para<br />

dar certo: uma voz apaixonada, um<br />

som nocturno eléctrico, um rock carnal.<br />

Depois <strong>de</strong> a ver pela primeira vez,<br />

Brian Eno disse que não sentia um<br />

choque assim <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Patti Smith. Exagero?<br />

Talvez sim, talvez não. V.B.<br />

O novo disco é<br />

uma ruptura<br />

com as<br />

versões<br />

anteriores <strong>de</strong><br />

Destroyer<br />

Mudar é<br />

possível com<br />

Destroyer<br />

“Kaputt”<br />

é o disco-surpresa<br />

<strong>de</strong> Dan Bejar.<br />

O americano Dan Bejar, ou seja Destroyer,<br />

não é um ilustre <strong>de</strong>sconhecido.<br />

Quer dizer, é e não é. Não é porque<br />

já leva mais <strong>de</strong> meia dúzia <strong>de</strong> álbuns<br />

editados. Mas acaba por sê-lo,<br />

porque apenas nos círculos mais afectos<br />

ao rock alternativo lhe têm dado<br />

a atenção <strong>de</strong>vida. Seja por essa ou por<br />

outra razão, a verda<strong>de</strong> é que <strong>de</strong>cidiu<br />

mudar. “Kaputt”, o seu novo álbum,<br />

a editar a 25 <strong>de</strong> Janeiro, é surpreen<strong>de</strong>nte.<br />

Em 2009 ele já tinha avisado,<br />

com o lançamento do single “Bay of<br />

pigs”, magnífica canção <strong>de</strong> nove minutos,<br />

incluída no álbum, que dava<br />

conta <strong>de</strong> uma sonorida<strong>de</strong> pop electrónica<br />

ambiental, capaz <strong>de</strong> agradar<br />

aos admiradores <strong>de</strong> Pet Shop Boys,<br />

New Or<strong>de</strong>r ou Prefab Sprout. “Kaputt”,<br />

o novo álbum, é isso: poemas<br />

existencialistas que se dissolvem numa<br />

manta <strong>de</strong> elementos pop, alguns<br />

electrónicos, outros eléctricos, expondo<br />

uma música sonhadora e transcen<strong>de</strong>nte.<br />

V.B.<br />

O pianista<br />

do momento<br />

O virtuoso Simon<br />

Trpceski no Porto.<br />

O macedónio Simon Trpceski foi um<br />

dos artistas galardoados em Dezembro<br />

com um Diapason d’Or pela gravação<br />

dos Concertos para Piano nºs<br />

2 e 3, <strong>de</strong> Rachmaninov, com a Royal<br />

Liverpool Philharmonic Orchestra.<br />

Tendo em conta a vastíssima discografia<br />

<strong>de</strong>stas obras, é um feito marcante<br />

impor uma nova leitura, na qual<br />

o pianista procurou <strong>de</strong>sviar-se do sentimentalismo<br />

evasivo e centrar-se no<br />

texto musical e nas indicações do<br />

Um dos<br />

mais entu<br />

siasmantes<br />

intérpretes na<br />

nova geração,<br />

Trpceski vai<br />

passar duas<br />

vezes pela<br />

Casa da<br />

Música<br />

em 2011<br />

compositor. Uma técnica extraordinária<br />

aliada a uma aguda inteligência<br />

musical e a um conhecimento profundo<br />

das obras faz <strong>de</strong> Trpceski um dos<br />

mais entusiasmantes intérpretes da<br />

nova geração. Os seus discos têm recebido<br />

vários prémios (com <strong>de</strong>staque<br />

para os CD a solo na EMI) e promete<br />

continuar a dar que falar em 2011, ano<br />

em que voltará a correr o mundo com<br />

os mais virtuosísticos concertos do<br />

repertório (incluindo a série <strong>de</strong> Concertos<br />

<strong>de</strong> Rachmaninov, Liszt e Tchaikovsky)<br />

e prestigiadas orquestras. No<br />

próximo dia 14 toca o Concerto nº4,<br />

<strong>de</strong> Rachmaninov, com a Sinfónica do<br />

Porto na Casa da Música, aon<strong>de</strong> regressa<br />

a 27 <strong>de</strong> Novembro para um<br />

recital a solo que presta homenagem<br />

a Liszt, no bicentenário do seu nascimento.<br />

C.F.<br />

O futurismo<br />

abstracto <strong>de</strong> Steve<br />

Lehman<br />

Para percebermos para on<strong>de</strong><br />

vai o jazz, temos <strong>de</strong> olhar<br />

para este saxofonista.<br />

O saxofonista Steve Lehman é um dos<br />

nomes que tem vindo a <strong>de</strong>finir um<br />

mapa para o futuro do jazz. São muitos<br />

os que vêem no jovem músico uma<br />

espécie <strong>de</strong> messias do jazz mo<strong>de</strong>rno.<br />

Nomeado “rising star”, quatro anos<br />

consecutivos, pela revista “Down Beat”,<br />

Lehman <strong>de</strong>u um enorme salto na<br />

sua música e na sua carreira a com a<br />

edição <strong>de</strong> “Travail, Transformation<br />

and Flow”, aclamado <strong>de</strong> imediato iato co-<br />

mo um dos melhores <strong>de</strong> 2009. quieto e em permanente evolução,<br />

editou em 2010 “Dual I<strong>de</strong>ntity”, ty”, coli<strong>de</strong>rado<br />

com Rudresh Mahanthappa,<br />

e novamente conquistou o aplauso<br />

unânime da crítica internacional, integrando<br />

a nossa escolha para a os melhores<br />

do ano. Virtuoso, futurista urista e<br />

genuíno inovador, Lehman é um dos<br />

faróis para o jazz em 2011. R.A.<br />

Irre-<br />

Há quem veja<br />

em Lehman<br />

uma espécie<br />

<strong>de</strong> messias do<br />

jazz mo<strong>de</strong>rno<br />

14 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


Rye Rye,<br />

uma<br />

granada que<br />

nunca mais<br />

explo<strong>de</strong><br />

A protegida<br />

<strong>de</strong> M.I.A. é um<br />

prodígio. Falta o<br />

primeiro álbum<br />

para dizermos se<br />

é tudo o que nos<br />

tinham prometido.<br />

O disco <strong>de</strong> estreia da rapper Rye Rye<br />

não é um dos mais aguardados <strong>de</strong> 2011<br />

– é um dos mais aguardados <strong>de</strong> 2010.<br />

Porque há mais <strong>de</strong> um ano que a menina<br />

anda a adiar o <strong>de</strong>bute, um <strong>de</strong>bute<br />

ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> expectativas mesmo<br />

antes <strong>de</strong> se ouvir um pedaço <strong>de</strong> música<br />

que fosse por uma simples razão:<br />

Rye Rue foi a primeira aposta <strong>de</strong> M.I.A.<br />

na sua editora N.E.E.T. recordings, e<br />

é a protegida <strong>de</strong> M.I.A., que não se<br />

cansa <strong>de</strong> elogiar o talento da sua <strong>de</strong>scoberta.<br />

E, diga-se, do pouco que há<br />

para ouvir, M.I.A. não está a mentir-<br />

nos. Por exemplo, o single “Bang”, em<br />

que M.I.A. faz coros é uma maravilha<br />

– <strong>de</strong> brutalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> suor, <strong>de</strong> vertigem.<br />

Toda a canção se sustenta num<br />

beat tremendo, complexo, mas tão<br />

eficaz que o corpo respon<strong>de</strong> <strong>de</strong> diato. Depois o beat é <strong>de</strong>smontado e<br />

ime-<br />

Rye Rye aguenta quase sozinha a canção.<br />

“Sunshine”, o novo single, mantém<br />

a fasquia bem alta (e<br />

mantém M.I.A.), mas muda<br />

<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas – e dános<br />

a conhecer uma rapper<br />

menos áspera e capaz<br />

<strong>de</strong> ser doce. Se estiver<br />

tudo a este nível terá valido<br />

a pena a espera. J.B.<br />

Rye Rye<br />

O alemão<br />

caleidoscópico<br />

Wolfgang Rihm<br />

é o comporitor<br />

resi<strong>de</strong>nte da<br />

Casa da Música.<br />

Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Num total <strong>de</strong><br />

11 concertos,<br />

peças <strong>de</strong> Rihm<br />

irão fazer<br />

parte dos<br />

programas da<br />

Orquestra<br />

Sinfónica do<br />

Porto, do<br />

Remix<br />

Ensemble, do<br />

Coro Casa da<br />

Música e <strong>de</strong><br />

agrupamentos<br />

convidados<br />

como o<br />

Quarteto<br />

Arditti<br />

Ainda vamos querer<br />

saber dos Strokes?<br />

O último álbum foi há muito e 2001, o ano <strong>de</strong> “Is This<br />

It?”, há mais ainda. Este ano, os Strokes regressam e<br />

a questão a que terão <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r é muito simples:<br />

ainda vamos querer saber? Está tudo nas mãos <strong>de</strong>les<br />

(e no álbum que acabaram em Dezembro). Mário Lopes<br />

Admitamos: aguardar ansiosamente<br />

pelo regresso dos Strokes, quatro<br />

anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Last Impressions On<br />

Earth” e com o gran<strong>de</strong> impacto <strong>de</strong> “Is<br />

This It?” lá longe em 2001, parecerá<br />

anacrónico. Não tanto quanto, hipótese<br />

académica, anunciar que 2011<br />

po<strong>de</strong>rá ser o ano <strong>de</strong> Chris <strong>de</strong> Burgh,<br />

mas o leitor percebe a i<strong>de</strong>ia.<br />

Algures em blogue americano, escrevia-se<br />

recentemente que, das reuniões<br />

<strong>de</strong> gabarito do ano passado, a<br />

dos Strokes foi a mais discreta. A afirmação<br />

levantava uma questão: mas os<br />

Strokes acabaram? Não se limitavam,<br />

como qualquer banda que origina algo<br />

que a ultrapassa, a viver felizes longe<br />

uns dos outros e a espalhar fel pela imprensa<br />

enquanto anunciavam um álbum<br />

a solo ou um projecto paralelo?<br />

Oficialmente, a banda <strong>de</strong> Julian Ca-<br />

Muitas<br />

reviravoltas<br />

<strong>de</strong>pois, os<br />

Strokes ainda<br />

andam aí: em<br />

Março<br />

veremos em<br />

que estado<br />

sablancas e Albert Hammond Jr não<br />

acabou, mas o próximo álbum, cujo<br />

parto tormentoso parece aproximarse<br />

finalmente do fim, po<strong>de</strong> ser, paradoxalmente,<br />

a morte da banda. Ou o<br />

contrário. Po<strong>de</strong> salvá-la e <strong>de</strong>volver-lhe<br />

alguma da relevância perdida ao longo<br />

da década passada. Não parece<br />

haver meio-termo – continuar em formato<br />

low-profile, a exemplo <strong>de</strong> companheiros<br />

<strong>de</strong> geração como os Interpol<br />

ou os Rapture, terá a dignida<strong>de</strong><br />

do operariado bom trabalhador, mas<br />

não servirá para manter a aura <strong>de</strong><br />

aristocracia rock’n’roll (o que, para<br />

os Strokes, será uma outra forma <strong>de</strong><br />

morte). Espera-nos portanto um regresso<br />

com uma carga dramática, no<br />

mínimo, interessante. Aguar<strong>de</strong>mo-lo,<br />

tacteando a escuridão.<br />

Por ora, nada sabemos do álbum,<br />

a não ser que sai em Março. Mas conhecemos<br />

o processo que conduziu<br />

até ele. Envolve lutas <strong>de</strong> egos, frustrações,<br />

<strong>de</strong>spedimento <strong>de</strong> produtores,<br />

ironia bem doseada e, para toque mo<strong>de</strong>rno<br />

num clássico quadro<br />

rock’n’roll, revelações via twitter ou<br />

Facebook. E um Julian Casablancas<br />

que, em 2009, quando promovia o<br />

lançamento do seu álbum a solo,<br />

“Phrazes Of The Young”, explicava<br />

ao “Guardian” o que mudara na “química”<br />

da banda: “Em breve todas as<br />

preocupações serão conseguir algo<br />

óptimo, mas, neste preciso momento,<br />

o que interessa é que todos estejam<br />

felizes. Se conseguirmos isso, o resto<br />

encaixará no lugar <strong>de</strong>vido”. Seis meses<br />

<strong>de</strong>pois, em Janeiro, adiantava um<br />

pouco mais. “Dividíamos o dinheiro,<br />

mas não dividíamos o trabalho. Era<br />

muito, muito difícil” – como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>,<br />

o vocalista trabalhava, os restantes<br />

acompanhavam. No novo álbum,<br />

tudo mudará: “Penso que estamos<br />

a cumprir aquilo que dizíamos<br />

ser: um verda<strong>de</strong>iro conjunto que trabalha<br />

em todos os aspectos”. Em Janeiro<br />

<strong>de</strong> 2010, estavam portanto felizes.<br />

Casablancas ouviria os restantes,<br />

os restantes contribuiriam com mais<br />

i<strong>de</strong>ias, Casablancas trabalharia menos<br />

e receberia o mesmo. Tudo perfeito<br />

no mundo dos Strokes.<br />

Pondo <strong>de</strong> lado os vários projectos<br />

paralelos (os Little Joy do baterista Fabrizio<br />

Moretti, a carreira a solo <strong>de</strong> Casablancas<br />

e Albert Hammond Jr., os<br />

Nickel Eye do baixista Nikolai Fraiture),<br />

juntaram-se em Março ao produtor<br />

Joe Chicarelli, que trabalhara no<br />

UNIVERSAL EDITION/ERIC MARINITSCH<br />

“A minha música é sempre diferente<br />

daquilo que as pessoas pensam que<br />

é”, disse Wolfgang Rihm em Março<br />

do ano passado ao “Guardian” por<br />

ocasião <strong>de</strong> um fim-<strong>de</strong>-semana consagrado<br />

à sua música pela Orquestra<br />

Sinfónica da BBC. Rótulos como “representante<br />

do movimento da Nova<br />

Simplicida<strong>de</strong>”, “neoromantismo” e<br />

“neoexpressionismo” têm sido várias<br />

vezes aplicados à sua obra, mas resultam<br />

extremamente redutores, pois a<br />

sua vasta produção (mais <strong>de</strong> 400 peças)<br />

percorre inúmeros caminhos. É<br />

uma obra caleidoscópica, por vezes<br />

com gran<strong>de</strong>s contrastes, e portanto<br />

sempre susceptível <strong>de</strong> surpresas.<br />

A música <strong>de</strong> Rihm tem sido objecto<br />

<strong>de</strong> ciclos e retrospectivas em vários<br />

festivais e salas <strong>de</strong> concerto internacionais,<br />

e em 2010 o compositor viu<br />

a sua ópera “Dionysos” estreada no<br />

Festival <strong>de</strong> Salzburgo. Em 2011 o público<br />

português terá a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> acompanhar <strong>de</strong> perto uma parte<br />

substancial da sua obra, já que Rihm<br />

será o compositor em residência na<br />

Casa da Música.<br />

Num total <strong>de</strong> 11 concertos, peças <strong>de</strong><br />

Rihm irão fazer parte dos programas<br />

da Orquestra Sinfónica do Porto, do<br />

Remix Ensemble, do Coro Casa da Música<br />

e <strong>de</strong> agrupamentos convidados<br />

como o Quarteto Arditti. No dia 25 <strong>de</strong><br />

Outubro será estreada uma obra encomendada<br />

pela Casa da Música e, já<br />

no próximo dia 18, o Remix toca “Jag<strong>de</strong>n<br />

und Formen”, uma tarantela dançante<br />

e motórica que integra as pesquisas<br />

do compositor sobre a i<strong>de</strong>ia da<br />

forma musical e lhe valeu o prémio da<br />

Royal Philharmonic Society em 2001.<br />

Dois dias <strong>de</strong>pois, o Quareto Arditti toca<br />

os Quartetos nºs 3 e 5; a 22, o agrupamento<br />

junta-se à Sinfónica do Porto<br />

para interpretar o “Concerto Dithyrambe”.<br />

Destacam-se também os<br />

“Quatro Poemas <strong>de</strong> Rilke” na voz <strong>de</strong><br />

Christoph Prégardien (22 <strong>de</strong> Outubro)<br />

e obras como “Homenagem a Max Beckmann”<br />

e “Der Maler träumt”.<br />

Nascido em 1952 em Karlsruhe,<br />

Rihm começou a compor aos 11 anos.<br />

A sua família não tinha tradições musicais<br />

e os seus interesses iniciais foram<br />

o <strong>de</strong>senho, a pintura e a escrita<br />

literária, mas assim que começou a<br />

tocar flauta <strong>de</strong> bisel, órgão e piano<br />

rapidamente passou também a compor<br />

pequenas peças. Prosseguiu a sua<br />

formação com Stockhausen, Klaus<br />

Huber e Hans Heinrich Eggebrecht,<br />

tendo frequentado os Cursos <strong>de</strong> Darmstadt<br />

nos ano 70. Nessa ocasião Stockhausen<br />

(que nunca discutia a música<br />

dos alunos, apenas a sua) envioulhe<br />

uma nota com estas únicas<br />

palavras: “Caro Wolfgang Rihm, por<br />

favor escute apenas a sua voz interior.<br />

Com os melhores cumprimentos, Karlheinz<br />

Stockhausen.” Rihm manteve<br />

o recado muitos anos na sua secretária;<br />

foi <strong>de</strong>cisivo para a sua liberda<strong>de</strong><br />

criativa, que passa pela assimilação<br />

<strong>de</strong>scomplexada da herança do passado<br />

ou pelo uso <strong>de</strong> outras artes, da literatura<br />

e da filosofia como inspiração.<br />

Numa entrevista publicada no<br />

site do Ensemble Sospeso, o compositor<br />

reconhece que apren<strong>de</strong> muito<br />

com os não-músicos. “Sou um apaixonado<br />

pelas artes plásticas e é libertador<br />

falar com pintores sobre os segredos<br />

que ro<strong>de</strong>iam o nascimento das<br />

suas obras <strong>de</strong> arte e sobre o processo<br />

<strong>de</strong> criação em geral.”<br />

A música <strong>de</strong> Webern, Morton Feldman<br />

e Stockhausen marcou bastante<br />

as suas primeiras obras e posteriormente<br />

foi <strong>de</strong>cisivo o contacto com<br />

Wilhelm Killmayer, Helmut Lachenmann<br />

e Luigi Nono. A ópera <strong>de</strong> câmara<br />

“Jakob Lenz” (1978), baseada na<br />

novela <strong>de</strong> Büchner, converteu-se na<br />

peça <strong>de</strong> teatro musical contemporâneo<br />

mais interpretada na Alemanha<br />

e em 1983 surgiu “Die Hamletmaschine”,<br />

em colaboração com o dramaturgo<br />

Heiner Müller. A lista é necessariamente<br />

muito incompleta: Rihm<br />

é compositor compulsivo, <strong>de</strong>ixando<br />

o ouvinte num labirinto <strong>de</strong> escolhas.<br />

Em 2011 a Casa da Música indica-nos<br />

o caminho. C.F.<br />

passado com Frank Zappa, My Morning<br />

Jacket ou White Stripes. No Verão,<br />

<strong>de</strong>ram alguns concertos, actuando no<br />

festival Lollapalooza ou na Metropolitan<br />

Opera, em Nova Iorque, no 25º<br />

aniversário da linha <strong>de</strong> moda Tommy<br />

Hilfiger. Entre um e outro, Casablancas<br />

saía das sessões <strong>de</strong> gravação para confessar<br />

à “Spin” que “uma banda é uma<br />

gran<strong>de</strong> forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir uma amiza<strong>de</strong>”.<br />

Afinal, não estava tudo perfeito<br />

no mundo dos Strokes, mas os objectivos<br />

mantinham-se intactos. Casablancas<br />

novamente: “Atingimos o topo<br />

do ‘un<strong>de</strong>rground’, mas nunca ficámos<br />

tão gran<strong>de</strong>s como os Green Day, os<br />

Creed ou qualquer uma das bandas a<br />

quem se supunha tomarmos o lugar<br />

em 2001. Portanto, na minha cabeça,<br />

está aí o passo a dar”.<br />

“<strong>Flash</strong>-forward” para Novembro.<br />

Afinal, Joe Chicarella não será creditado<br />

no novo álbum. Albert Hammond<br />

Jr informa que a banda pôs <strong>de</strong> parte há<br />

alguns meses o material gravado com<br />

o produtor. O disco será produzido<br />

pela banda, terá <strong>de</strong>z canções e Albert<br />

está “para lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>liciado”: “Confio que<br />

ficarão tão entusiasmados quanto eu”.<br />

Dezembro. Julian Casablancas anuncia<br />

no seu twitter: “Não sairá nos próximos<br />

meses – misturar, etc, mas ficou<br />

finalmente pronto ontem!”. Nikolai<br />

Fraiture confirma, também no twitter:<br />

“Ei, e esta? Está a acontecer. São gran<strong>de</strong>s<br />

notícias, pessoal!”.<br />

O futuro dos Strokes segue em Março<br />

– po<strong>de</strong> ser até que já esteja <strong>de</strong>finido<br />

quando chegarem ao Super Bock<br />

Super Rock, no Meco, on<strong>de</strong> serão os<br />

cabeças <strong>de</strong> cartaz <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Julho.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 15


A Nova Iorque<br />

elegante dos Cults<br />

Como a maior parte dos projectos que<br />

dão que falar na actualida<strong>de</strong>, os Cults<br />

surgiram do dia para a noite, em Abril<br />

do ano passado, no espaço virtual,<br />

com três magníficas canções (“Go outsi<strong>de</strong>”,<br />

“Most wanted” e “The curse”,<br />

a que se seguiria, meses mais tar<strong>de</strong>,<br />

“Oh my god”) e <strong>de</strong> imediato <strong>de</strong>ram<br />

nas vistas.<br />

São <strong>de</strong> Nova Iorque, são dois, Brian<br />

Oblivion (guitarra, teclas) e Ma<strong>de</strong>line<br />

Follin (voz, baixo) e têm ambos 21<br />

anos. Até Abril do ano passado, nem<br />

página no MySpace tinham, mas rapidamente<br />

saltaram <strong>de</strong> boca em boca.<br />

Não custa perceber porquê, ouvindoos.<br />

Possuem aquela dose <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong><br />

(uma vivacida<strong>de</strong> pop controlada,<br />

muito anos 60, uma voz feminina<br />

doce, um envolvimento electrónico<br />

melancólico) e <strong>de</strong> estranheza, temperada<br />

com muita elegância, que costuma<br />

conquistar. Esta semana ficou a<br />

saber-se que assinaram pela editora<br />

Columbia, para a edição do álbum <strong>de</strong><br />

estreia, em Maio. Não custa nada perceber<br />

que iremos ouvir falar muito<br />

<strong>de</strong>les nessa altura. V.B.<br />

A sujida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Brooklyn já era.<br />

Os Cults<br />

apareceram<br />

do dia para a<br />

noite no<br />

espaço<br />

virtual, mas já<br />

assinaram<br />

pela Columbia<br />

O regresso dos<br />

barbudos<br />

O segundo dos Fleet Foxes<br />

<strong>de</strong>ve chegar na Primavera.<br />

Folk “freak” à vista.<br />

Foram o sucesso mais improvável <strong>de</strong><br />

2008. Uma trupe <strong>de</strong> barbudos saídos<br />

<strong>de</strong> uma floresta habitada por folkrockers<br />

<strong>de</strong> 1970, a insuflar nova vida<br />

ao legado dos Crosby, Stills & Nash. A<br />

verda<strong>de</strong> porém, é que as canções <strong>de</strong><br />

“Fleet Foxes” tinham essa qualida<strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>finível que as tornava graciosas e<br />

empolgantes por si, não pela linhagem<br />

distinta que as originara.<br />

Há cerca <strong>de</strong> um ano, o vocalista e<br />

principal compositor, Robin Pecknold,<br />

dizia entre digressões que achava<br />

inconcebível estar dois anos sem<br />

compor. Depois disso, andou em digressões<br />

(por duas vezes) com Joanna<br />

Newsom e lá foi apresentando<br />

algumas novas canções, sem<br />

especificar se seriam ou<br />

não do novo álbum<br />

dos Fleet Foxes. Em<br />

Outubro, um post<br />

no Facebook da<br />

banda informava<br />

que o disco estava<br />

pronto e que faltaria<br />

misturá-lo e<br />

masterizá-lo. Semanas<br />

<strong>de</strong>pois, um “mea<br />

culpa”: “Acho que falei<br />

cedo <strong>de</strong> mais”. O álbum<br />

estava quase pronto,<br />

é certo, mas ainda necessitava<br />

<strong>de</strong> algumas sessões no estúdio.<br />

Especula-se agora que sairá na Primavera.<br />

Po<strong>de</strong>rá ter como título “Deepwater<br />

Horizon”, o que até se a<strong>de</strong>qua<br />

bem ao imaginário Fleet Foxes,<br />

ou, informa a Wikipedia, seguindo o<br />

twitter da banda, “Slaughternalia”, o<br />

que, mais do que uma hipótese <strong>de</strong><br />

título, nos parece uma boa piada <strong>de</strong><br />

“freakzinhos” do rock. M.L.<br />

James Blake,<br />

fenómeno <strong>de</strong><br />

culto à vista<br />

“Deepwater<br />

Horizon” ou<br />

“Slaughternalia”:<br />

o título<br />

do novo dos<br />

Fleet Foxes<br />

ainda está em<br />

construção<br />

O barítono<br />

americano<br />

interpreta<br />

Mahler como<br />

ninguém<br />

Odisseia<br />

mahleriana<br />

Thomas Hampson<br />

traz o seu<br />

compositor <strong>de</strong><br />

eleição a <strong>Lisboa</strong>.<br />

Uma visita ao site <strong>de</strong> Thomas Hampson<br />

ou à sua página no Facebook<br />

coloca-nos <strong>de</strong> imediato em contacto<br />

com um artista dinâmico que é também<br />

um homem do seu tempo e tira<br />

partido das novas tecnologias para<br />

interagir com a socieda<strong>de</strong> e divulgar<br />

os seus projectos. Estes não se limitam<br />

à interpretação musical, mas<br />

passam também por conferências,<br />

masterclasses, concertos pedagógicos<br />

e pelas activida<strong>de</strong>s da Hampsong<br />

Fundation, <strong>de</strong>dicada à promoção<br />

da música na América.<br />

Tendo em conta a sua extraordinária<br />

estatura artística, Hampson<br />

seria sempre uma figura a seguir<br />

com atenção, mas suce<strong>de</strong> que 2011 é<br />

também o ano do centenário da te <strong>de</strong> Mahler, compositor que o barítono<br />

americano interpreta como<br />

ninguém. Ao longo <strong>de</strong>ste ano, irá<br />

prosseguir a sua “Odisseia Mahleriana”,<br />

que inclui 50 concer-<br />

mortos<br />

e recitais, bem como sessões<br />

em que discute com o<br />

público a sua visão das obras.<br />

Em <strong>Lisboa</strong> será possível ouvir<br />

Hampson na Gulbenkian (16 e<br />

17 <strong>de</strong> Abril) com a Orquestra <strong>de</strong><br />

Câmara da Europa. C.F.<br />

Há muitos regressos confirmados que<br />

suscitam natural curiosida<strong>de</strong> (Lykke<br />

Li, PJ Harvey, The Strokes, Kanye West<br />

& Jay-Z, Villalobos, Aphex twin, Buraka<br />

Som Sistema, Panda Bear ou Portishead)<br />

e algumas estreias em formato<br />

álbum, para além daquelas referidas<br />

nestas páginas, que irão dar que<br />

falar sem gran<strong>de</strong> risco (Theophilus<br />

London, Jamie Woon, Rainbow Arabia,<br />

Yuck, Jai Paul, Wu Lyf, Julianna<br />

Barwick ou Memoryhouse), mas nenhum<br />

nome reúne o consenso <strong>de</strong> James<br />

Blake, inglês, 22 anos, com álbum<br />

<strong>de</strong> estreia homónimo previsto para 7<br />

<strong>de</strong> Fevereiro.<br />

Contra ele, a expectativa excessiva<br />

que existe em seu torno, pelo facto <strong>de</strong><br />

ter lançado em 2010 três magníficos<br />

EP (“The bells sketch”, “CMYK” e “Klavierwerke”).<br />

Dificilmente o seu álbum<br />

cairá nas boas graças do gran<strong>de</strong> público,<br />

mas possui todas as características<br />

para se transformar num caso<br />

singular <strong>de</strong> culto. Inclui uma canção<br />

já conhecida (“Limit to your love”, um<br />

original <strong>de</strong> Feist) e <strong>de</strong>z temas originais,<br />

sendo composto, produzido e gravado<br />

inteiramente pelo próprio. Há canções<br />

próximas das convenções pop, baladas<br />

para piano e ruídos electrónicos<br />

e outras <strong>de</strong> arquitectura sónica bem<br />

mais in<strong>de</strong>finível.<br />

Como acontece com uma série <strong>de</strong><br />

outros jovens músicos e produtores<br />

que se revelaram em 2010 (Balam<br />

Acab, Forest Swords, How To Dress<br />

Well, Mount Kimbie ou Jamie Woon),<br />

existe um disco que parece ter sido<br />

fulcral no seu <strong>de</strong>senvolvimento. Falamos<br />

do álbum homónimo <strong>de</strong> estreia<br />

do inglês Burial, lançado há cinco<br />

anos, disco <strong>de</strong> sombras electrónicas,<br />

que acabou por ser filiado na corrente<br />

dubstep, mas que já prenunciava<br />

um outro universo.<br />

Pusha T<br />

quer ser um<br />

clássico<br />

Pharrell e Kanye<br />

West por trás do<br />

disco <strong>de</strong> estreia.<br />

As coisas no mundo dos Clipse, quando<br />

mudam, mudam radicalmente. Em<br />

2006 foram parar ao topo do mundo<br />

graças a “Hell Halth No Fury”, tremendo<br />

disco com produção <strong>de</strong> Pharrell<br />

Williams. Mas no início do ano<br />

passado, ainda sem disco novo e com<br />

as coisas encalhadas, o céu caiu-lhes<br />

um pouco em cima da cabeça quando<br />

o seu manager <strong>de</strong> sempre foi con<strong>de</strong>nado<br />

a meros 32 <strong>de</strong> prisão por tráfico<br />

<strong>de</strong> droga. Talvez tenha sido esse o clique<br />

<strong>de</strong> que eles precisavam. Pelo menos<br />

Pusha T, o mais duro do duo –<br />

Malice é o mais melódico. T tem disco<br />

<strong>de</strong> estreia a solo prestes a lançar no<br />

ano que vem e não brinca em serviço:<br />

a produzir as canções estão Bangla<strong>de</strong>sh,<br />

Pharrell e Kanye West. Aliás,<br />

participou em “Runaway”, a principal<br />

faixa do mais recente disco <strong>de</strong> West,<br />

o que lhe trouxe uma exposição mediática<br />

que garante que o seu disco a<br />

solo não vai ser esquecido. Num ano<br />

que também terá direito a novo disco<br />

<strong>de</strong> Lupe Fiasco e à<br />

muito aguardada es-<br />

treia <strong>de</strong> Jay Electroni-<br />

ca, há muita gente a<br />

pôr as fichas todas em<br />

Pusha T – quanto<br />

mais não seja, ele<br />

próprio, que<br />

garante que<br />

cada faixa é<br />

um clássico.<br />

J.B.<br />

Octa Push garante<br />

que cada faixa do álbum<br />

é um clássico<br />

Tão longe e tão perto<br />

<strong>de</strong> James Blake<br />

Depois <strong>de</strong> três magníficos EP<br />

em 2010, o álbum <strong>de</strong> estreia será<br />

uma confirmação. Vítor Belanciano<br />

DARIO ACOSTA<br />

A diferença, uma enorme disparida<strong>de</strong><br />

apesar <strong>de</strong> tudo, é que James<br />

Blake canta <strong>de</strong> forma vulnerável e revela<br />

uma enorme capacida<strong>de</strong> para<br />

compor ambientes melódicos. Em todas<br />

as suas canções existe qualquer<br />

coisa <strong>de</strong> precário, um mundo mutante<br />

em composição, que rumina consigo<br />

próprio, acolhendo qualquer<br />

coisa <strong>de</strong> longínquo e etéreo, com ligeiras<br />

reverberações electrónicas e<br />

sons <strong>de</strong> piano.<br />

A diferença é que o lugar pós-industrial<br />

que Burial erguia era negro e sombrio,<br />

<strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> calor. Em James<br />

Blake o dia a seguir ao juízo final é<br />

errante também, mas mais imersivo<br />

e emotivo. Os temas são também menos<br />

abstractos do ponto <strong>de</strong> vista sónico,<br />

circulando elementos digitais mínimos<br />

à volta da sua voz quase sempre<br />

lânguida.<br />

Nas últimas semanas soube-se que<br />

começou a actuar ao vivo, na companhia<br />

<strong>de</strong> dois músicos, existindo inúmeros<br />

registos na Internet <strong>de</strong>ssas prestações.<br />

Esse será provavelmente o seu<br />

próximo <strong>de</strong>safio. Procurar formas <strong>de</strong>,<br />

em palco, expor uma música tão preciosa<br />

e singular como aquela que tem<br />

vindo a criar no seu estúdio caseiro.<br />

16 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


À DESCOBERTA DO<br />

MEDITERRÂNEO<br />

ROSSINI | SAINT-SAËNS | SAYGUN<br />

Terça-feira, 11 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2011, 21h00<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório do CCB<br />

Orquestra Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

António Rosado piano Işın Metin direcção musical<br />

REMIX ENSEMBLE<br />

18 JAN 19:30<br />

SALA SUGGIA<br />

WOLFGANG RIHM<br />

JAGDEN UND FORMEN<br />

PARA GRANDE ENSEMBLE<br />

PETER RUNDEL direcção musical<br />

18:00, CIBERMÚSICA<br />

PALESTRA PRÉ-CONCERTO POR PAULO<br />

DE ASSIS<br />

As últimas décadas trouxeram ao<br />

alemão Wolfgang Rihm, Compositor<br />

e m Res i dên ci a n a Ca s a da M ús i ca e m<br />

2011, os mais prestigiados prémios<br />

atribuídos no âmbito das artes e<br />

da música. Entre 1995 e 2002, Rihm<br />

escreveu obras que giram à volta<br />

da mesma pesquisa sobre a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> forma musical. A este conjunto<br />

pertence Jag<strong>de</strong>n und Formen, uma<br />

tarantela dançante e motórica. Escutaremos,<br />

em estreia nacional, a<br />

nova versão <strong>de</strong> 2008.<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

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O maravilhoso<br />

mundo<br />

<strong>de</strong> Trisha Brown<br />

Uma das pioneiras da<br />

dança contemporânea<br />

traz 13 peças a Serralves:<br />

é todo um programa <strong>de</strong><br />

resgate <strong>de</strong> uma história em<br />

contínua construção.<br />

Tiago Bartolomeu Costa<br />

O programa<br />

Trisha Brown<br />

em Serralves<br />

celebra 40<br />

anos <strong>de</strong><br />

trabalho<br />

contínuo<br />

sobre a dança<br />

“Floor of the<br />

Forest”, obra<br />

seminal <strong>de</strong><br />

1970, é uma<br />

das 13 peças<br />

que vêm ao<br />

Porto<br />

Em Serralves, Trisha Brown é a cabeça<br />

<strong>de</strong> cartaz do programa “Improvisações<br />

/ Colaborações”. A coreógrafa<br />

norte-americana abre, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> Abril<br />

a 1 <strong>de</strong> Maio, um conjunto <strong>de</strong> manifestações<br />

que se prolongam em Maio e<br />

Junho, em torno não apenas da dança<br />

enquanto prática, mas enquanto reflexão<br />

sobre os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> organização<br />

social. A oportunida<strong>de</strong> é rara e<br />

inscreve, pertinentemente, o Serviço<br />

<strong>de</strong> Artes Performativas do Museu <strong>de</strong><br />

Serralves no circuito <strong>de</strong> programação<br />

internacional menos preocupado com<br />

a novida<strong>de</strong> e mais consciente da memória<br />

enquanto matéria ra do presente.<br />

regenerado-<br />

O programa Trisha Brown inclui a<br />

apresentação <strong>de</strong> 13 peças, cobrindo<br />

um período que vai <strong>de</strong> 1968 a 1974,<br />

Entre esses “Early Works”, estão três<br />

– “Sticks” (1973), “Spanish Dance”<br />

(1973), “Figure Eight” (1974) – que já<br />

foram apresentadas as em 2008, quando<br />

Serralves, no âmbito da exposição<br />

<strong>de</strong> Robert Rauschenberg “Em viagem<br />

70-76”, mostrou trabalhos da coreógrafa,<br />

que durante anos trabalhou<br />

com o pintor.<br />

São 40 anos <strong>de</strong> dança que aqui se<br />

celebram, mas é também a singularida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> um olhar on<strong>de</strong> a dança foi<br />

sempre um ponto o <strong>de</strong> partida para<br />

uma investigação acerca dos<br />

modos <strong>de</strong> construção do<br />

movimento na sua relação<br />

com o corpo do intérprete<br />

e o olhar do espectador.<br />

“Trisha é o acordar da feição”, disse uma das bailarinas<br />

da sua companhia,<br />

referindo-se ao modo intuitivo,<br />

e não estratégico, como Brown<br />

<strong>de</strong>senvolve o seu trabalho.<br />

per-<br />

A coreógrafa norte-americana,<br />

nascida em 1936, é pioneira,<br />

com um conjunto nto <strong>de</strong><br />

outros nomes como<br />

Yvonne Rainer, Deborah<br />

Hay ou Steve<br />

Paxton, <strong>de</strong> uma dança que só é contemporânea<br />

porque se inscreve num<br />

presente que é o somatório <strong>de</strong> experiências<br />

e projecções. Como o seu<br />

movimento. “O movimento browniano<br />

não é linear. É um encontro <strong>de</strong><br />

rupturas, por vezes mesmo uma colagem<br />

belicista em que os elementos<br />

se afrontam”, escreveu Jean-Marc<br />

Adolphe na revista “Mouvement”.<br />

Foram artistas, explica o programa,<br />

que, “cruzando a arte e a vida quotidiana<br />

e <strong>de</strong>finindo os primórdios daquilo<br />

que mais tar<strong>de</strong> se viria a chamar<br />

a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>ram novo<br />

sentido à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong>.<br />

“A sua obra nunca se resumiria a<br />

uma técnica ou a um vocabulário. A<br />

sua dança, <strong>de</strong> uma musicalida<strong>de</strong> louca,<br />

é um fluir insaciável <strong>de</strong> caminhos<br />

suspensos, <strong>de</strong> quedas inesperadas,<br />

<strong>de</strong> balanços enganadores, <strong>de</strong> golpes<br />

esquivados”, continua Adolphe.<br />

Brown é autora <strong>de</strong> um movimento<br />

que inscrevia o corpo em contínuo<br />

equilíbrio com o espaço e o tempo <strong>de</strong><br />

produção – são famosas as suas expe-<br />

riências nos telhados <strong>de</strong> Nova Iorque,<br />

na floresta ou, se no palco,<br />

alterando a escala <strong>de</strong> valores<br />

entre público e<br />

intérprete. “Interessame<br />

muito o paradoxo<br />

<strong>de</strong> uma acção que<br />

trabalha na busca <strong>de</strong><br />

um encontro com<br />

uma outra”, diz. O<br />

que vamos ver em Serralves<br />

é exactamente<br />

isso: um ponto <strong>de</strong> partida.<br />

ISABEL WINARSCH<br />

LOURDES DELGADO<br />

teatro/dança<br />

Eternamente<br />

Pina<br />

Duas peças<br />

em estreia em<br />

Portugal, numa<br />

cida<strong>de</strong>, o Porto,<br />

que nunca viu<br />

Pina Bausch<br />

quando ela ainda<br />

estava viva.<br />

A<br />

companhia<br />

<strong>de</strong> Pina<br />

Baush traz<br />

“Bamboo<br />

Blues” e<br />

“Sweet<br />

Mambo”<br />

ao S. João<br />

No ano em que se estreia “Tanz”, o<br />

filme, em 3D, que Wim Wen<strong>de</strong>rs preparava<br />

sobre a coreógrafa quando ela<br />

morreu (antestreia mundial dia 24 <strong>de</strong><br />

Fevereiro no Festival <strong>de</strong> Cinema <strong>de</strong><br />

Berlim, distribuição para Portugal ainda<br />

sem data prevista), Pina Bausch – na<br />

verda<strong>de</strong> o seu trabalho - apresenta-se<br />

pela primeira vez no Porto. Em Maio,<br />

“Bamboo Blues” (6 e 7), que fez em<br />

2007 inspirada na Índia, em mais uma<br />

das suas peças sobre regiões, e “Sweet<br />

Mambo” (11 a 13), criação estreada em<br />

2008 que pouco circula, chegam ao<br />

Teatro Nacional S. João, integrando o<br />

programa transdisciplinar “Odisseia”.<br />

As duas resgatam a obra <strong>de</strong> Bausch do<br />

pessimismo em que vinham caindo,<br />

explorando a diversida<strong>de</strong> cromática,<br />

sensitiva e simbólica do movimento e,<br />

muito em particular, dos corpos que,<br />

conhecendo tão bem as estruturas<br />

bauschianas, se reinventam <strong>de</strong>ntro da<br />

própria fórmula. São, por isso mesmo,<br />

peças atípicas. Primeiro porque se<br />

afastam, <strong>de</strong>terminantemente (e <strong>de</strong>terminadamente)<br />

<strong>de</strong> uma narrativa figurativa<br />

e enca<strong>de</strong>ada. Em segundo lugar<br />

porque exploram ecos <strong>de</strong> outras peças,<br />

numa reestruturação <strong>de</strong> códigos<br />

i<strong>de</strong>ntificáveis. Por fim, porque fixam<br />

estratégias <strong>de</strong> conceptualização do<br />

movimento, <strong>de</strong>finindo e limitando o<br />

seu alcance, mais apostado em servir<br />

a coreografia do que em exercer impacto<br />

fora <strong>de</strong>la. T.B.C.<br />

GONÇALO SANTOS<br />

18 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


FERAN MC ROPE<br />

A dança segundo<br />

Jérôme Bel<br />

Ele já não acredita na<br />

dança, mas o que faz é um<br />

refinamento da própria<br />

disciplina.<br />

Imenso actor, vai ter um início <strong>de</strong> 2011<br />

em gran<strong>de</strong>. Nada que nos espante,<br />

na verda<strong>de</strong>: no ano passado, já vimos<br />

do que ele é capaz.<br />

Ele foi o rosto atordoado que po<strong>de</strong>ria<br />

ser o <strong>de</strong> qualquer um <strong>de</strong> nós em “Filme<br />

do Desassossego”, <strong>de</strong> João Botelho<br />

(que retoma a partir <strong>de</strong> amanhã a sua<br />

digressão nacional), e o corpo em<br />

queda <strong>de</strong> “A Morte do Caixeiro Viajante”,<br />

peça que marcou o regresso<br />

do Teatro Experimental do Porto ao<br />

primeiro plano do teatro nacional (e<br />

que dias 19 e 20 <strong>de</strong> Fevereiro chega<br />

ao São Luiz, em <strong>Lisboa</strong>). 2010 teve<br />

Cláudio da Silva por todo o lado, como<br />

se estivéssemos perante alguém<br />

que não conhecíamos, ele que já cá<br />

anda há pelo menos 15 anos e tem um<br />

dos mais dinâmicos percursos das<br />

artes performativas nacionais: do teatro<br />

à dança, <strong>de</strong> Jorge Silva Melo a Ana<br />

Borralho & João Galante, <strong>de</strong> Miguel<br />

Loureiro a João Fia<strong>de</strong>iro.<br />

2011 vai ser o ano da confirmação<br />

do seu nome como um dos mais seguros<br />

valores do teatro português da<br />

última década. Ele, que diz não pensar<br />

em carreira, que diz que quando lhe<br />

custar muito vai fazer outras coisas,<br />

que diz precisar <strong>de</strong> outras leituras pa-<br />

Jérôme Bel, o<br />

“enfantterrible”<br />

da<br />

dança contemporânea,<br />

está<br />

<strong>de</strong> volta com<br />

“Cédric<br />

Andrieux”<br />

O rosto múltiplo<br />

<strong>de</strong> Cláudio da Silva<br />

Em 2011,<br />

Cláudio da<br />

Silva vai<br />

continuar à<br />

procura<br />

Chamamonos,<br />

todos,<br />

Angélica<br />

Lid<strong>de</strong>ll?<br />

O teatro-catástrofe<br />

a uma só voz<br />

da encenadora<br />

espanhola vem a<br />

<strong>Lisboa</strong> assombrar<br />

as nossas utopias.<br />

No último<br />

ano, Lid<strong>de</strong>ll<br />

tornou-se<br />

figura<br />

obrigatória<br />

do teatro<br />

europeu<br />

Há alguns Verões que a temos visto a<br />

ocupar diferentes espaços <strong>de</strong> Montemor-o-Velho,<br />

a convite do Citemor,<br />

PEDRO ELIAS<br />

rata (7 Fevereiro a 24 Maio), reforçando<br />

o carácter inquiridor <strong>de</strong> um objecto<br />

marcante. Mas o Jérôme Bel coreógrafo<br />

também estará por cá, com<br />

“Cédric Andrieux” (26 Março, no Teatro<br />

Viriato, em Viseu; 30 e 31 Março,<br />

no Teatro Maria Matos, em <strong>Lisboa</strong>; 3<br />

Abril, em Serralves, no Porto), peça<br />

<strong>de</strong> joalharia e o melhor “espectáculo<br />

<strong>de</strong> intérprete” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Bel inventou<br />

o conceito com “Veronique Doisneau”.<br />

O ex-bailarino da companhia <strong>de</strong><br />

Merce Cunningham dá-nos um retrato<br />

emotivo das relações <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

entre o amor e a dança, entre a noção<br />

<strong>de</strong> casa-palco e casa-país, e, sobretudo<br />

uma reflexão profundíssima sobre<br />

a diferença que existe entre homens<br />

e mulheres na dança contemporânea,<br />

área em que sempre se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u uma<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> géneros. T.B.C.<br />

ra po<strong>de</strong>r chegar às escolhas que faz –<br />

ainda agora acabou Lord Byron e um<br />

texto sobre a segregação racial. Ele,<br />

que vai dizendo que sim ao que vai<br />

aparecendo. Por isso, a partir <strong>de</strong> dia<br />

20, e por <strong>de</strong>z dias, protagoniza “O<br />

Homem-elefante”, encenação <strong>de</strong> Sandra<br />

Faleiro que vai ser reposta no Teatro<br />

Carlos Alberto, no Porto. Três dias<br />

<strong>de</strong>pois, estreia, em Vila Nova <strong>de</strong> Gaia,<br />

a encenação <strong>de</strong> um clássico inusitado:<br />

“Felizmente há luar”, <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Sttau<br />

Monteiro, peça-farol <strong>de</strong> um teatro que<br />

a censura salazarista proibiu.<br />

“Um actor é uma pessoa curiosa”,<br />

reconhece. Cláudio da Silva diz que o<br />

seu dia-a-dia lhe vai alimentando os<br />

processos e que recolhe material <strong>de</strong><br />

todos os lados, muitas vezes sem<br />

consciência. “A lógica é maior do que<br />

isto tudo”, não é a ela que obe<strong>de</strong>ce,<br />

garante: “As coisas são muito mais<br />

abertas. Eu antes <strong>de</strong> ser actor sou uma<br />

pessoa”. Sublinha a in<strong>de</strong>pendência<br />

da escolha e o trabalho <strong>de</strong> experimentação<br />

que resulta da permanente troca<br />

<strong>de</strong> papéis, ou da sua acumulação.<br />

“Vou fazendo um percurso, seja ele<br />

qual for. Amanhã posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser<br />

actor. Isso não significa que o meu<br />

percurso como ser humano <strong>de</strong>ixe ser<br />

<strong>de</strong> importante. Estou num processo<br />

<strong>de</strong> aprendizagem. E isso é o mais importante.”<br />

T.B.C<br />

No Museu Berardo, Jérôme Bel, que<br />

cada vez mais acredita menos em peças,<br />

transforma-se em vi<strong>de</strong>asta. Uma<br />

das suas principais peças, “The show<br />

must go on” (2001), vista há uns anos<br />

no Porto, é apresentada em ví<strong>de</strong>o no<br />

âmbito da exposição “Observadores<br />

- Revelações, Trânsitos e Distâncias”,<br />

comissariada por Ana Rito e Hugo Baque<br />

a foi buscar a Espanha e a tem,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, protegido. A ela cujo<br />

discurso feminista radicalizado separa<br />

águas e extrema posições. A ela que<br />

se expõe, e ao seu corpo, que ela violenta<br />

e manipula como se não lhe<br />

pertencesse e carregasse, em si, todos<br />

os pecados do mundo. Por ser mulher,<br />

por ser política, por ser artista.<br />

“La casa <strong>de</strong> la fuerza” (Culturgest, 11<br />

e 12 Fevereiro) reorganiza o seu material<br />

<strong>de</strong> trabalho e força uma nova<br />

or<strong>de</strong>m para compreen<strong>de</strong>r a origem<br />

do mal. A peça vem coroada <strong>de</strong> um<br />

entusiasmo que só os franceses sabem<br />

coser, como se a validação surgisse<br />

apenas e só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> os artistas passarem<br />

pelo olímpico Festival<br />

d’Avignon. Escreveu o “Libération”<br />

que é “como uma cerimónia aos mortos,<br />

um ritual cuidadosamente orquestrado<br />

para arcar com a infelicida<strong>de</strong><br />

do mundo, um modo <strong>de</strong> reabrir<br />

as feridas antes <strong>de</strong> eventualmente<br />

voltar a fechá-las.” Já não falamos apenas<br />

do modo unívoco como Lid<strong>de</strong>ll<br />

pensa o mal e eleva a um outro nível<br />

o teatro-catástrofe, individualizando<br />

e pagando por isso; estamos num outro<br />

patamar: o da expiação colectiva.<br />

T.B.C.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 19


O Philip<br />

Roth inglês<br />

O prémio Man<br />

Booker 2010 sobre<br />

o que é ser ju<strong>de</strong>u.<br />

“Já <strong>de</strong>via estar à espera disto. A sua<br />

vida tinha sido uma sucessão <strong>de</strong> infelicida<strong>de</strong>s,<br />

umas a seguir às outras. De<br />

forma que já <strong>de</strong>via estar a contar com<br />

esta.” É este o registo <strong>de</strong> “A Questão<br />

Finkler”, <strong>de</strong> Howard Jacobson, o romance<br />

vencedor do Man Booker Prize<br />

2010 que será publicado pela Porto<br />

Editora.<br />

A personagem Julian Treslove tem<br />

quase 50 anos e está em crise <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Quando uma mulher lhe chama<br />

Ju<strong>de</strong>u – ele não é ju<strong>de</strong>u – começa<br />

a viver obcecado com o judaísmo apesar<br />

<strong>de</strong> não ter uma opinião concreta<br />

sobre a circuncisão, o conflito entre<br />

Israel e a Palestina, ou os monumentos<br />

ao Holocausto – na verda<strong>de</strong>, sobre<br />

todo e qualquer aspecto da cultura<br />

judaica dos nossos dias. Howard Jacobson,<br />

escritor britânico <strong>de</strong> origem<br />

judaica, é consi<strong>de</strong>rado “o Philip Roth<br />

inglês”, ,por causa dos seus romances<br />

centrarem-se nas relações e<br />

nos comportamentos da socieda<strong>de</strong><br />

judaica britânica.<br />

Ele, <strong>de</strong> forma irónica e<br />

polémica, prefere que<br />

lhe chamem “o Jane<br />

Austen ju<strong>de</strong>u”. I.C.<br />

Howard<br />

Jacobson,<br />

escritor<br />

britânico <strong>de</strong><br />

origem<br />

judaica, é<br />

consi<strong>de</strong>rado<br />

“o Philip Roth<br />

inglês”<br />

O escritor<br />

na<br />

berlinda<br />

“Liberda<strong>de</strong>” foi o livro<br />

do ano 2010 nos EUA.<br />

Jonathan Franzen o<br />

escritor da década. Isabel<br />

Coutinho<br />

LUKE MACGREGOR/REUTERS<br />

À terceira foi <strong>de</strong> vez. O escritor Michel<br />

Houellebecq recebeu o Prémio Goncourt,<br />

no dia 8 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 2010,<br />

pelo romance “La Carte et le territoire”.<br />

Venceu à primeira volta com sete<br />

votos contra dois. O livro, ainda sem<br />

título em português, vai ser editado<br />

pela Objectiva.<br />

O escritor já tinha sido finalista <strong>de</strong>ste<br />

prémio, em 1988, com “As Partículas<br />

Elementares” (editado em Portugal<br />

pela Temas e Debates), e em 2005<br />

com “A Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma Ilha”<br />

(Dom Quixote). Talvez este seja, <strong>de</strong><br />

todos os seus livros, o mais fácil <strong>de</strong> ler<br />

– diz ele. Mas é também o mais complicado<br />

em termos <strong>de</strong> estrutura.<br />

Há cinco anos que o autor francês<br />

contemporâneo mais conhecido e<br />

vendido no mundo não publicava um<br />

romance. Frédéric Beigbe<strong>de</strong>r, seu<br />

amigo <strong>de</strong> longa data, escreveu no “Le<br />

Fígaro” que “La Carte et le territoire”<br />

é um livro sobre “o <strong>de</strong>saparecimento<br />

da arte e a transformação da França<br />

em objecto <strong>de</strong> museu” para o turismo<br />

mundial.<br />

É também uma obra sobre a solidão<br />

e a velhice. Nela, Houellebecq leva<br />

mais longe a sua paródia: o escritor e<br />

o seu cão, personagens do romance,<br />

são violentamente assassinados. Mas<br />

antes disso, Jed Martin, a personagem<br />

principal, um fotógrafo, vai à Irlanda<br />

pedir ao famoso escritor que escreva<br />

um texto para o catálogo <strong>de</strong> uma das<br />

suas exposições. Ao longo <strong>de</strong> todo o<br />

livro surgem personagens com nomes<br />

<strong>de</strong> pessoas que existem na realida<strong>de</strong>.<br />

Logo no primeiro capítulo encontramos<br />

Jeff Koons e Damien Hirst, artistas<br />

plásticos. A revista “Les Inrockuptibles”<br />

escreveu que as personagens<br />

masculinas – o fotógrafo, o pai arquitecto<br />

e o escritor famoso – são todas<br />

Houellebecq, que neste livro faz o seu<br />

melhor auto-retrato.<br />

Livro lançado, Houellebecq foi acusado<br />

<strong>de</strong> plágio por ter usado citações<br />

da wikipédia e <strong>de</strong> “sites” oficiais da<br />

net que <strong>de</strong>pois modificou numa técnica<br />

que se aproxima do patchwork.<br />

O PDF do livro foi disponibilizado na<br />

Internet com a mensagem: “ La carte<br />

et le territoire’ é uma obra <strong>de</strong> Michel<br />

Houellebecq sob licença da Creative<br />

Commons”.<br />

O mais famoso escritor francês contemporâneo,<br />

que era o inimigo público<br />

que passou a ser amado pelos média,<br />

afirmou que talvez este fosse o<br />

seu último livro. Mas como não controla<br />

nada agora já não sabe se isso<br />

será verda<strong>de</strong>. I.C.<br />

Finalmente, o Goncourt<br />

2010 foi o ano em que Michel<br />

Houellebecq passou <strong>de</strong> inimigo<br />

público a escritor adorado.<br />

O mais<br />

famoso<br />

escritor<br />

francês<br />

contemporâneo<br />

afirmou que<br />

talvez este<br />

fosse o seu<br />

último livro<br />

Aconteceu o improvável. No dia 6 <strong>de</strong><br />

Dezembro <strong>de</strong> 2010, o escritor norteamericano<br />

<strong>de</strong> que mais se falou o ano<br />

passado, Jonathan Franzen, sentou-se<br />

em frente à apresentadora mais famosa<br />

da América: Oprah Winfrey. Os<br />

dois tiveram uma <strong>de</strong>savença há anos,<br />

era o momento <strong>de</strong> fazerem as pazes.<br />

O <strong>de</strong>sentendimento aconteceu quando<br />

Oprah escolheu “Correcções”, em<br />

2001, para o Clube do Livro do seu<br />

programa. Em vez <strong>de</strong> se mostrar satisfeito<br />

por ter sido escolhido, Franzen<br />

disse que temia que os leitores<br />

masculinos se afastassem do romance.<br />

Comportou-se como um snobe.<br />

Oprah não gostou das consi<strong>de</strong>rações,<br />

<strong>de</strong>sconvidou-o e Franzen não chegou<br />

a ir ao programa. Nessa altura apren<strong>de</strong>u<br />

uma lição: tem que se ter respeito<br />

pela TV e pelo seu po<strong>de</strong>r.<br />

Nove anos <strong>de</strong>pois, Oprah voltou a<br />

escolher um romance <strong>de</strong> Franzen para<br />

o seu Clube do Livro mas pediu-lhe<br />

permissão. Ele ficou feliz. E ela anunciou<br />

o livro como “uma obra-prima que<br />

abrange três décadas”, “uma saga familiar<br />

épica” que tem <strong>de</strong> tudo: sexo e<br />

amor, rock and roll, enfim, tudo aquilo<br />

que se quer num livro, disse. O romance<br />

chama-se “Freedom” e vai ser<br />

publicado pela Dom Quixote, em Fevereiro,<br />

com o título “Liberda<strong>de</strong>”.<br />

Conta-nos a história da família Berglunds<br />

e ao longo do livro tudo se<br />

<strong>de</strong>smorona ou tudo se compõe. Walter<br />

Berglund é um pai em crise <strong>de</strong><br />

meia-ida<strong>de</strong>, um advogado <strong>de</strong>fensor<br />

do meio ambiente que faz algumas<br />

escolhas erradas. Patty é a sua mulher<br />

e parece perfeita à volta dos filhos,<br />

Jessica e Joey. Nos tempos <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>,<br />

Patty era basquetebolista e apaixonada<br />

pelo músico Richard Katz,<br />

companheiro <strong>de</strong> quarto <strong>de</strong> Walter. Foi<br />

a partir <strong>de</strong>la que Franzen começou a<br />

construir o romance e os leitores vão<br />

seguindo a sua vida através dos anos<br />

Bush até ao início da governação <strong>de</strong><br />

Barack Obama. “‘Liberda<strong>de</strong>’ <strong>de</strong>screve<br />

e disseca os fracassos e hipocrisias <strong>de</strong><br />

uma vulgar família da classe média<br />

do Midwest <strong>de</strong>nunciando através <strong>de</strong>la<br />

as tentações e os pesa<strong>de</strong>los conse-<br />

PIERRE VERDY<br />

O regresso <strong>de</strong> Lídia<br />

Jorge<br />

Um romance sobre o êxito e<br />

a perda. E a fama.<br />

“Combateremos a Sombra”, o último<br />

romance <strong>de</strong> Lídia Jorge, foi publicado<br />

em 2007. Quatro anos <strong>de</strong>pois, em Mar-<br />

livros<br />

DANIEL ROCHA<br />

20 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


ço, a escritora lança “A noite das mulheres<br />

cantoras” na Dom Quixote.“É<br />

um romance passado nos anos 80 do<br />

século XX, com um tema <strong>de</strong> inesperada<br />

audácia: a idolatria e a construção<br />

do êxito. Trata-se <strong>de</strong> um livro que se<br />

constrói em torno da questão da fama”,<br />

conta a sua editora Cecília Andra<strong>de</strong>. É<br />

um romance sobre “o êxito e a perda,<br />

sobre um equívoco e a passagem do<br />

tempo. Um monólogo, uma escrita na<br />

primeira pessoa, a reconstrução <strong>de</strong><br />

uma memória e <strong>de</strong> um<br />

segredo”, acrescenta, explicando<br />

que o livro, tal<br />

como acontece na obra<br />

da autora, é sobre uma<br />

questão social, sobre a força<br />

do grupo e a aniquilação<br />

do indivíduo perante o<br />

colectivo. “A pergunta que<br />

fica é: Quantas vítimas <strong>de</strong>ixamos<br />

pelo caminho para perseguir<br />

um objectivo?” I.C.<br />

PEDRO CUNHA<br />

“O Cemitério<br />

<strong>de</strong> Praga”<br />

sairá em<br />

Março<br />

JOHN MACDOUGALL/AFP<br />

Eco, 30 anos <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> “O Nome da Rosa”<br />

A história do século XIX passa<br />

por aqui.<br />

Umberto Eco chega este ano a<br />

Portugal em dose dupla. O seu<br />

novo romance “O Cemitério <strong>de</strong><br />

Praga” sairá na Gradiva em Março<br />

e surge trinta anos <strong>de</strong>pois do<br />

best-seller “O Nome da Rosa”.<br />

Através da personagem Simonini,<br />

um falsificador <strong>de</strong> documentos<br />

que vive em Paris, em<br />

1897, se <strong>de</strong>dica também<br />

à venda<br />

<strong>de</strong> hóstias<br />

sagra-<br />

das para missas satânicas, o escritor<br />

italiano revê toda a história do século<br />

XIX. Simonini, a personagem mais<br />

cínica e<br />

antipática <strong>de</strong> toda a história<br />

da literatura que o<strong>de</strong>ia ju<strong>de</strong>us e mu-<br />

lheres, é inventado mas tudo o resto<br />

aconteceu, pelo romance passam personagens<br />

históricas como Dreyfuss,<br />

Freud e<br />

Garibaldi. Em Itália o roman-<br />

ce ven<strong>de</strong>u 650 mil exemplares num<br />

mês. Lá para o final do ano, sairá na<br />

Dom Quixote não ficção o primeiro<br />

volume dos quatro que constituem a<br />

“História da Ida<strong>de</strong> Média” <strong>de</strong> Umber-<br />

to Eco. I.C.<br />

DANIEL ROCHA<br />

Os inéditos <strong>de</strong> José Saramago<br />

“Clarabóia” e inédito inacabado.<br />

2011 voltará a ser ano José Saramago.<br />

O manuscrito inacabado em que o<br />

escritor estava a trabalhar quando<br />

morreu o ano passado, “Alabardas,<br />

alabardas, espingardas, espingardas”,<br />

será publicado este ano pela Companhia<br />

das Letras no Brasil e há também<br />

a possibilida<strong>de</strong> do inédito sair em Portugal<br />

na Caminho, segundo o editor<br />

Zeferino Coelho. A editora portuguesa<br />

publicará “Clarabóia”, o romance<br />

que Saramago terminou no dia 5 <strong>de</strong><br />

Janeiro <strong>de</strong> 1953, assinado com o pseudónimo<br />

Honorato, mas nunca foi publicado<br />

tendo ficado perdido nos arquivos<br />

da antiga Editorial Notícias. É<br />

a história <strong>de</strong> um edifício com seis inquilinos.<br />

Saramago dizia que o livro<br />

era ingénuo mas não estava mal construído.<br />

I.C.<br />

Jonathan<br />

Franzen<br />

tornou-se<br />

o tipo <strong>de</strong><br />

escritor que<br />

não queria<br />

ser: os fãs<br />

aproximamse<br />

não para<br />

terem o seu<br />

livro assinado<br />

mas para que<br />

ele autografe<br />

a “Time” que<br />

lhe <strong>de</strong>dicou<br />

uma capa<br />

FERNANDO BAPTISTA / FRANKFURTER BUCHMESSE<br />

quentes do excesso <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da<br />

socieda<strong>de</strong> americana contemporânea”,<br />

explica a editora da Dom Quixote,<br />

Cecília Andra<strong>de</strong>.<br />

O livro teve toda a atenção que po<strong>de</strong>ria<br />

ter. Há uma década que a “Time”<br />

não colocava a fotografia <strong>de</strong> um<br />

escritor norte-americano na capa (a<br />

última vez tinha acontecido em 2000,<br />

com Stephen King) e lá estava a cara<br />

<strong>de</strong> Franzen ao lado da frase: “Great<br />

American Novelist”. Para ajudar à festa,<br />

Barack Obama levou “Liberda<strong>de</strong>”<br />

para ler nas férias.<br />

Depois do estrondoso sucesso <strong>de</strong><br />

“Correcções”, Franzen ficou bloqueado.<br />

Só conseguiu voltar a escrever<br />

<strong>de</strong>pois do suicídio do escritor David<br />

Foster Wallace, um dos seus melhores<br />

amigos, em 2008.<br />

Elizabeth Wurtzel ( autora <strong>de</strong> “Nação<br />

Prozac”) tem uma teoria sobre<br />

isto. Quando Wallace se suicidou foi<br />

consi<strong>de</strong>rado o maior escritor da sua<br />

geração. Isso, contou ela à revista<br />

“GQ”, terá abalado Franzen. “Ele não<br />

po<strong>de</strong> suportar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Wallace ser<br />

o melhor escritor <strong>de</strong> sua geração, por<br />

isso escreveu um novo livro. Agora<br />

dizem a mesma coisa <strong>de</strong>le”.<br />

Franzen não lê o que escrevem sobre<br />

ele. “Aprendi a minha lição <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> passar noventa minutos infrutíferos<br />

a pesquisar-me no Google em<br />

2001. Acho que a i<strong>de</strong>ia ‘Franzen é um<br />

elitista mimado’ é falsa, apesar <strong>de</strong> ter<br />

na sua essência algo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro.<br />

Tenho uma vida privilegiada. Acredito<br />

que alguns livros são melhores do<br />

que outros. Acho que a popularida<strong>de</strong><br />

não indica magnitu<strong>de</strong>. Nesse aspecto,<br />

suponho que sou elitista. Mas penso<br />

que o termo ‘elitista’ é uma antítese<br />

do que eu tentava fazer como escritor:<br />

chegar à maior audiência possível.<br />

Trabalhei tanto – e <strong>de</strong> uma maneira<br />

consciente – para não excluir pessoas”,<br />

disse também à “GC”.<br />

O absurdo é que Jonathan Franzen<br />

se tornou num tipo <strong>de</strong> escritor que<br />

não queria ser. Tem fãs que se aproximam<br />

<strong>de</strong>le e não querem ter o seu<br />

livro assinado: pe<strong>de</strong>m-lhe autógrafos<br />

na capa da revista “Time”.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 21


expos<br />

Margarida<br />

Men<strong>de</strong>s<br />

reabre<br />

a barbearia<br />

Depois <strong>de</strong> Pablo<br />

León la Barra ou<br />

Karen di Franco,<br />

esperam-se outras<br />

epifanias a partir<br />

<strong>de</strong> Fevereiro.<br />

É um dos regressos mais aguardados. ados.<br />

A jovem comissária, que durante um<br />

ano agitou o panorama nacional da<br />

arte contemporânea, está <strong>de</strong> volta,<br />

ao que tudo indica, a partir <strong>de</strong><br />

Fevereiro. E <strong>de</strong> novo com o seu<br />

The Barber Shop, junto ao Marquês<br />

<strong>de</strong> Pombal, no numero cinco<br />

da Rua Rosa Araújo. Ou seja,<br />

esperam-se mais momentos intensos<br />

<strong>de</strong> discussão e conhecimento,<br />

como os que, em 2010,<br />

trouxeram a <strong>Lisboa</strong> Pablo León<br />

la Barra ou Karen di Franco. Numa<br />

só noite ou num só dia, num<br />

antiga barbearia. J.M.<br />

22 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

A comissária<br />

está <strong>de</strong> volta<br />

RAQUEL ESPERANÇA<br />

O mundo <strong>de</strong> Gonçalo<br />

Pena está a chegar<br />

O ano da pintura transbordante <strong>de</strong> Gonçalo<br />

Pena. Encontro imediato com um universo até<br />

aqui quase secreto. José Marmeleira<br />

Pintura<br />

excessiva,<br />

cheia,<br />

colorida,<br />

untuosa,<br />

redonda. On<strong>de</strong><br />

as<br />

personagens,<br />

as figuras,<br />

posam<br />

“orgulhosas”,<br />

necessárias<br />

LUÍS RAMOS<br />

Um vislumbre sobre o que 2011 vai<br />

<strong>de</strong>stapando e eis que a pintura e o <strong>de</strong>senho<br />

se revolvem em várias exposições.<br />

Não se trata <strong>de</strong> um regresso.<br />

Antes <strong>de</strong> um acordar, que permitirá<br />

testemunhar a vitalida<strong>de</strong> dos meios<br />

ao dispor das duas linguagens. Comece-se<br />

pela pintura <strong>de</strong> Cabrita Reis, a<br />

partir <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> Julho, na primeira gran<strong>de</strong><br />

retrospectiva do artista em <strong>Lisboa</strong>,<br />

organizada pelo Museu Colecção Berardo<br />

(a versão lisboeta <strong>de</strong> “One after<br />

another: a few silent steps” apresentada<br />

em Hamburgo, Nîmes e Lovaina<br />

e em cujo catálogo será possível ler o<br />

contributo do António Lobo Antunes).<br />

E o <strong>de</strong>senho na exposição que <strong>de</strong>svenda,<br />

em Outubro, o trabalho <strong>de</strong> José<br />

Loureiro com a disciplina, na Culturgest<br />

<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Encontros parecidos<br />

Eduardo Batarda<br />

“watching us” em Serralves<br />

Um dos mais sólidos corpos<br />

<strong>de</strong> trabalho da arte contemporânea<br />

portuguesa em revisão.<br />

Autor <strong>de</strong> uma das exposições do ano<br />

para o Ípsilon, distinguido há pouco<br />

tempo com o Gran<strong>de</strong> Prémio EDP,<br />

Eduardo Batarda dispensa apresentações,<br />

revisões ou consagrações. Mas<br />

como é (sempre) bom voltar a ver (ou<br />

ver pela primeira vez) a sua obra solitária,<br />

irónica, <strong>de</strong>snorteante, bela. Política<br />

e anti-política. É assim, com todo<br />

estes adjectivos, que ela estará à nossa<br />

espera no Museu <strong>de</strong> Serralves, em<br />

Outubro. Com o comissariado <strong>de</strong> João<br />

Fernan<strong>de</strong>s e do próprio Eduardo Batarda.<br />

Com ou sem crise. J.M.<br />

Os Von<br />

Calhau!<br />

(Marta e<br />

Alves) são o<br />

ovni da arte<br />

contemporânea<br />

portuguesa<br />

FRED LOBO<br />

DANIEL ROCHA<br />

estão guardados para duas exposições<br />

que resgatam Nikias Skapinakis e Luísa<br />

Correia Pereira: o primeiro será<br />

objecto <strong>de</strong> uma mostra também no<br />

Berardo; a segunda, falecida em 2009,<br />

po<strong>de</strong>rá ser justamente relembrada,<br />

através <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />

inéditos, na Culturgest do Porto, entre<br />

Maio e Julho.<br />

Mas apetece dizer que este será o<br />

ano da pintura. Acrescentamos: da<br />

pintura <strong>de</strong> Gonçalo Pena. Da sua pintura<br />

excessiva, cheia, colorida, untuosa,<br />

redonda. On<strong>de</strong> as personagens,<br />

as figuras, posam “orgulhosas”, necessárias.<br />

On<strong>de</strong> os planos compõem<br />

narrativas, histórias. On<strong>de</strong> a tela respiga<br />

vorazmente imaginários (republicano,<br />

contemporâneo, pictórico,<br />

surrealista), para os <strong>de</strong>volver ao es-<br />

Batarda: uma<br />

obra solitária,<br />

irónica,<br />

<strong>de</strong>snorteante<br />

pectador. Pintura a óleo, plena <strong>de</strong> iconografias,<br />

símbolos, arquétipos, mitos<br />

e História. Construída sob o farto<br />

aconchego da pintura dos séculos<br />

XVIII e XIX (<strong>de</strong> toda a pintura!), mas<br />

também com o traço docemente musculado<br />

da ilustração e <strong>de</strong> outras artes<br />

visuais. Uma obra pictórica que é uma<br />

enorme janela para um mundo.<br />

Algumas notas biográficas: formado<br />

em Pintura, Gonçalo Pena <strong>de</strong>ixou em<br />

2005 a Escola Superior <strong>de</strong> Arte e Desenho<br />

das Caldas da Rainha, on<strong>de</strong><br />

ensinava, para se <strong>de</strong>dicar à carreira<br />

artística, iniciando a partir daí um percurso<br />

que se tornou num dos mais<br />

“misteriosos” da arte contemporânea<br />

portuguesa. Nos anos 90 fez ilustração<br />

para jornais e revistas portuguesas (da<br />

“Ler” ao “In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, passando<br />

pelo “Público” e a “Egoísta”) e expôs<br />

na Galeria Graça Brandão (em <strong>Lisboa</strong><br />

e no Porto), tendo em 2007 realizado<br />

a sua primeira individual na Galeria<br />

Fucares, em Madrid. Acrescentam-se<br />

várias colectivas e recentemente um<br />

momento alto: a individual “Musée<br />

<strong>de</strong> l’Armée: Le Retour <strong>de</strong>s Botées”,<br />

ainda patente na Galeria <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong><br />

Torres Vedras (até 12 <strong>de</strong> Janeiro). On<strong>de</strong><br />

explora o imaginário napoleónico e a<br />

iconografia associada, com <strong>de</strong>rivas<br />

temáticas pelos conceitos <strong>de</strong> herói, o<br />

liberalismo, a sexualida<strong>de</strong>. Sem se restringir<br />

à pintura: inclui também fotografias,<br />

colagens, jogos.<br />

E agora a razão pela qual Pena marcará<br />

2011. Porque em Junho inaugura<br />

na Galeria Zé dos Bois em <strong>Lisboa</strong> uma<br />

exposição <strong>de</strong> trabalhos novos e antigos,<br />

em co-autoria com Natxo Checa.<br />

Desenvolve a abordagem apresentada<br />

em Torres Vedras: às telas juntam-se<br />

outras coisas. “Objects trouvés”, artefactos<br />

romanos, animais vivos, pinturas<br />

<strong>de</strong> outros pintores, documentos,<br />

imagens. Um arquivo on<strong>de</strong> cabem referências<br />

à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ruína, ao tropicalismo.<br />

Um arquivo imenso nascido<br />

com e da pintura. O mundo <strong>de</strong> Gonçalo<br />

Pena. Está a chegar.<br />

O ovni Von<br />

Calhau!<br />

Um disco, uma<br />

exposição<br />

e uma digressão<br />

europeia: eles<br />

po<strong>de</strong>m partir tudo<br />

em 2011.<br />

Performance, som, música, arte, concertos,<br />

exposições e workshops. Filmes<br />

<strong>de</strong> 16mm, psica<strong>de</strong>lismo, transe.<br />

Os Von Calhau! (Marta e Alves) são o<br />

ovni – sem exagero – da arte contemporânea<br />

portuguesa. São o duo “party-crasher”<br />

da 10ª edição do Prémio<br />

União Latina – foram seleccionados<br />

com os “favoritos” Pedro Barateiro,<br />

Renato Ferrão,<br />

Mauro Cerqueira.<br />

E 2011 po<strong>de</strong> ser o<br />

ano <strong>de</strong>les. Vão ter<br />

um disco (“Quadrologia<br />

Pentacónica”),<br />

uma exposição<br />

(Cascais) e<br />

uma digressão por<br />

várias cida<strong>de</strong>s europeias.<br />

J.M.


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<strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> João Jacinto<br />

curadoria: Paulo Pires do Vale<br />

O BANCO ESPÍRITO SANTO E A FUNDAÇAO DE SERRALVES<br />

APRESENTAM CARLOS AZEREDO MESQUITA, EDUARDO GUERRA,<br />

MIGUEL FERRAO E MONICA BAPTISTA, VENCEDORES DA<br />

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Exposição: 5 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2010 até 26 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2011<br />

Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, das 15h00 às 20h00<br />

Ciclo <strong>de</strong> conversas «Auto-retrato e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>»<br />

(na literatura, na filosofia e na arte):<br />

João Barrento – «Do Eu ao Há: Pessoa, Celan, Llansol»<br />

22 <strong>de</strong> Janeiro (sábado) às 17h00<br />

Maria João Branco – «Imagens monológicas. A pele e a voz»<br />

29 <strong>de</strong> Janeiro (sábado) às 17h00<br />

Bruno Marchand – «Auto-retrato, Auto-representação e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>»<br />

5 <strong>de</strong> Fevereiro (sábado) às 17h00<br />

«Relatório Confi<strong>de</strong>ncial», Orson Welles (1955) – projecção do filme<br />

com introdução <strong>de</strong> João Jacinto e Paulo Pires do Vale<br />

26 <strong>de</strong> Fevereiro (sábado) às 17h00<br />

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CONFEDERAÇÃO<br />

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Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>)<br />

Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 <strong>Lisboa</strong><br />

(Bairro do Rego / Bairro Santos)<br />

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Metro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha / Cida<strong>de</strong> Universitária | Autocarro: 31


A minha peça <strong>de</strong> te<br />

é melhor do qu<br />

“Internal”: cinco performers<br />

para cinco espectadores<br />

VIRGINIE SCHREYEN<br />

Em “The Smile Off Your Face”,<br />

o espectador não sabe<br />

<strong>de</strong> que terra é<br />

A partir <strong>de</strong> amanhã, os Ontroerend Goed fazem teatro <strong>de</strong> um para um na Culturgest. “Personal T<br />

Your Face” e “A Game of You”, é uma tareia em três “rounds” que <strong>de</strong>ixa o espectador KO: perdido, m<br />

Alexan<strong>de</strong>r Devriendt morre <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> contar o que <strong>de</strong> facto se passa<br />

em cada uma das três peças da “Personal<br />

Trilogy” que os Ontroerend<br />

Goed apresentam, a partir <strong>de</strong> amanhã,<br />

na Culturgest, em <strong>Lisboa</strong> (ou<br />

então morre <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> acabar<br />

rapidamente a conversa, porque isto<br />

que acabámos <strong>de</strong> interromper é a sua<br />

festa <strong>de</strong> aniversário), mas isso seria<br />

estragar tudo. “Internal” (2007), “The<br />

Smile Off Your Face” (2003) e “A Game<br />

of You” (2010) são o tipo <strong>de</strong> teatro<br />

a que se sobrevive para não contar,<br />

porque o contrário seria a morte não<br />

do artista, mas do espectáculo e até<br />

do espectador, que sai <strong>de</strong> cada um<br />

<strong>de</strong>stes três “rounds” KO <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

uma luta extenuante contra aquilo<br />

que nem nos seus sonhos mais in<strong>de</strong>cifráveis<br />

imaginaria encontrar pela<br />

frente: a sua própria imagem, projectada<br />

num espelho assustadoramente<br />

esclarecedor (e entretanto, como Devriendt<br />

morre <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar<br />

tudo mas não conta nada, aqui estamos<br />

nós a escrever um texto sobre<br />

não sabemos exactamente o quê:<br />

“Força!”, diz ele, antes <strong>de</strong> ir outra vez<br />

fazer 34 anos).<br />

Parece sinistro, isto <strong>de</strong> o teatro po<strong>de</strong>r<br />

tornar-se tão pessoal que sabe<br />

mais sobre nós do que nós sobre ele,<br />

“As pessoas sabem<br />

os limites que<br />

separam a ficção<br />

da realida<strong>de</strong>.<br />

Mas claro que um em<br />

cada mil espectadores<br />

passa os limites, e<br />

quando isso acontece<br />

temos <strong>de</strong> mudar o<br />

espectáculo todo”<br />

Alexan<strong>de</strong>r Devriendt<br />

mas para muitas das centenas <strong>de</strong> pessoas<br />

que já passaram por estes umpara-um<br />

dos Ontroerend Goed (na<br />

Bélgica, on<strong>de</strong> as três peças se estrearam,<br />

ou em Edimburgo, on<strong>de</strong> os dois<br />

primeiros capítulos da trilogia fizeram<br />

história, talvez com H gran<strong>de</strong>) não foi<br />

sinistro, foi uma epifania. “As pessoas<br />

apren<strong>de</strong>ram coisas sobre si próprias<br />

<strong>de</strong> que nem suspeitavam: muita gente<br />

veio agra<strong>de</strong>cer-nos por lhe termos<br />

mostrado isto ou aquilo. É claro que<br />

isso po<strong>de</strong> acontecer em qualquer espectáculo;<br />

a diferença é que aqui o<br />

que fazemos é verda<strong>de</strong>iramente personalizado,<br />

e isso po<strong>de</strong> mudar o mundo.<br />

Não acredito em revoluções colectivas,<br />

mas acredito em revoluções<br />

individuais, e ao longo <strong>de</strong>sta trilogia<br />

vi-as a acontecer. Até comigo: aconteceram-me<br />

coisas com alguns espectadores<br />

que nunca me tinham acontecido<br />

na vida, e isso é muito po<strong>de</strong>roso”,<br />

explica o actor e encenador do<br />

grupo. Houve alturas em que teve medo<br />

disso: “Na noite em que estreámos<br />

‘Internal’, houve uma rapariga que<br />

acabou com o namorado no fim da<br />

peça. Veio ter comigo e eu, angustiadíssimo:<br />

‘Não é isto, eu não quero<br />

fazer peças que façam acontecer coisas<br />

<strong>de</strong>ssas’. Ela garantiu-me que não<br />

foi a peça: podia ter sido um livro, um<br />

filme, um passeio no parque. Para<br />

mim isso foi o mais extraordinário:<br />

perceber quão profundamente os espectadores<br />

conhecem os mecanismos<br />

do teatro. As pessoas sabem os limites<br />

que separam a ficção da realida<strong>de</strong>.<br />

Mas claro que um em cada mil espectadores<br />

passa os limites, e quando<br />

isso acontece temos <strong>de</strong> mudar o espectáculo<br />

todo”.<br />

Não será tão grave como ter <strong>de</strong> mudar<br />

a vida toda, o que como vimos às<br />

vezes também acontece, mas diz muito<br />

sobre o papel que sucessivas vagas<br />

<strong>de</strong> espectadores tiveram na construção<br />

<strong>de</strong>stes espectáculos. “No fundo”,<br />

sublinha Devriendt, “esta trilogia é<br />

uma investigação do espectador, uma<br />

espécie <strong>de</strong> ‘quem és tu?’. Ficámos tão<br />

fascinados pelo contacto um-a-um<br />

que nos <strong>de</strong>ixámos levar. Mas só ao fim<br />

<strong>de</strong> sete anos é que percebemos que<br />

os três espectáculos podiam funcionar<br />

como uma trilogia”. Funcionam.<br />

E on<strong>de</strong> os Ontroerend Goed <strong>de</strong>scobriram<br />

o sentido do teatro houve<br />

quem <strong>de</strong>scobrisse o sentido da vida.<br />

Os limites do controlo<br />

“Smile Off Your Face” (dias 11, 12 e 13),<br />

a primeira pedra <strong>de</strong>ste empreendimento,<br />

começou por ser um exercício<br />

formal <strong>de</strong> inversão das regras <strong>de</strong> comportamento<br />

numa sala <strong>de</strong> espectáculos,<br />

o tipo <strong>de</strong> sítio on<strong>de</strong> em princípio<br />

o espectador nunca está sozinho e é<br />

obrigado a permanecer sentado no<br />

seu lugar, a não ser para bater palmas<br />

no fim. “Quisemos que o espectador<br />

estivesse sozinho, numa ca<strong>de</strong>ira que<br />

se mexe, vendado e impedido <strong>de</strong> bater<br />

palmas”, esclarece Devriendt, e<br />

mais não diz. O que acontece a seguir<br />

(<strong>de</strong>scobrir os segredos dos Ontroerend<br />

Goed po<strong>de</strong> ser um trabalho sujo,<br />

mas tivemos <strong>de</strong> o fazer) é um assalto<br />

<strong>de</strong> 20 minutos - um assalto que<br />

a crítica britânica <strong>de</strong>screveu como<br />

próximo da epifania, coisa capaz <strong>de</strong><br />

mover montanhas, ou pelo menos<br />

gente empe<strong>de</strong>rnida por décadas <strong>de</strong><br />

teatro que não quer saber dos espectadores<br />

para nada. Des<strong>de</strong> a estreia,<br />

em Gent, a companhia teve todo o<br />

tipo <strong>de</strong> reacções, algumas “extremas”,<br />

e foi preciso readaptar constantemente<br />

a peça. Mas os Ontroerend<br />

Goed apren<strong>de</strong>ram a confiar nos<br />

espectadores, e os espectadores<br />

apren<strong>de</strong>ram a confiar neles: “Devo<br />

admitir que vendar e amarrar pessoas,<br />

a seguir pô-las numa ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

rodas e arranjar maneira <strong>de</strong> mesmo<br />

assim elas se sentirem confortáveis é<br />

um feito. Mas quando isso acontece<br />

as pessoas estão dispostas a <strong>de</strong>ixar-se<br />

24 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


eatro<br />

e a tua<br />

“A Game of You”: aquilo que vemos<br />

ao espelho é o nosso avatar<br />

VIRGINIE SCHREYEN<br />

ELIES VAN RENTERGHEM<br />

l Trilogy”, compacto que reúne “Internal”, “The Smile Off<br />

, mas às vezes reencontrado, no seu labirinto. Inês Nadais<br />

ir seja para on<strong>de</strong> for”, diz Devriendt.<br />

“Internal” (amanhã e <strong>de</strong>pois), a<br />

peça que veio a seguir, continua a<br />

po<strong>de</strong>r ir parar a lugares imprevisíveis:<br />

ao contrário <strong>de</strong> “The Smile Off<br />

Your Face”, praticamente não há<br />

guião, e os actores constroem o espectáculo<br />

à medida que entram no<br />

labirinto do seu espectador (à entrada,<br />

cada um dos cinco actores escolhe<br />

o seu “acompanhante”, que <strong>de</strong>pois<br />

leva para um privado: “Internal”<br />

está entre o “speed-dating” e a<br />

terapia <strong>de</strong> grupo). O céu só não é o<br />

limite porque os Ontroerend Goed<br />

não estão dispostos a tudo (e sobretudo<br />

não estão dispostos a ultrapassar<br />

os limites <strong>de</strong> cada espectador),<br />

mas esta é a peça <strong>de</strong>pois da qual,<br />

algures num quarto belga, não ficou<br />

pedra sobre pedra. Eis portanto a<br />

razão pela qual Alexan<strong>de</strong>r Devriendt<br />

não nos conta tudo o que sabe:<br />

“Os espectadores sabem que o que<br />

acontece nas nossas peças fica nas<br />

nossas peças. Isso é <strong>de</strong>terminante.<br />

Mas há histórias, pá, tivemos pessoas<br />

a fazerem as coisas mais estranhas...<br />

O que é incrível é que as pessoas sejam<br />

cúmplices <strong>de</strong>ste mistério: nós<br />

nunca pedimos segredo aos espectadores,<br />

mas eles não dizem a ninguém<br />

o que se passa aqui <strong>de</strong>ntro. É lindo. É<br />

“O que acontece<br />

nas nossas peças fica<br />

nas nossas peças (...).<br />

O que é incrível<br />

é que (...) nós nunca<br />

pedimos segredo aos<br />

espectadores, mas<br />

eles não dizem a<br />

ninguém o que se<br />

passa aqui <strong>de</strong>ntro.<br />

É lindo. É como<br />

se a peça fosse só<br />

nossa e <strong>de</strong>las”<br />

Alexan<strong>de</strong>r Devriendt<br />

como se a peça fosse só nossa e <strong>de</strong>las”.<br />

Continua a parecer assustador: um<br />

buraco negro, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> pelos vistos se<br />

sai melhor mas sabemos lá a que preço.<br />

Mas é tão assustador para nós como<br />

para eles: “Aqui os actores não são<br />

servos do texto, como costuma acontecer<br />

no teatro, mas são servos do<br />

público. Po<strong>de</strong> parecer que estamos<br />

sempre em controlo, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mos<br />

completamente do espectador.<br />

Estamos lá para ele. Ele po<strong>de</strong> continuar<br />

a viver a sua vida <strong>de</strong>ntro das<br />

nossas peças, nós é que não. Mesmo<br />

que ele venha e não faça nada, nós<br />

temos qualquer coisa para lhe mostrar”,<br />

continua.<br />

Também é esse o jogo em “A Game<br />

of You” (dias 15 e 16), em que os Ontroerend<br />

Goed criam um avatar para<br />

cada espectador. Parece uma oferta<br />

generosa - e é. “Quando estávamos a<br />

fazer a peça na Bélgica, houve um dia<br />

em que uma crítica flamenga apareceu<br />

para ver e nos atirou com um ‘Então,<br />

é esta a peça em que vou ficar a<br />

saber tudo sobre mim?’. Ficámos em<br />

pânico. Mas acho que sim, que ela ficou<br />

a saber uma ou outra coisa sobre<br />

ela”, conclui Devriendt.<br />

Venha daí a nossa peça <strong>de</strong> teatro:<br />

também queremos ter qualquer coisa<br />

que não seja <strong>de</strong> mais ninguém.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 25


“No Oci<strong>de</strong>nte<br />

po<strong>de</strong>mos mudar<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a toda<br />

a hora. Po<strong>de</strong>mos<br />

tocar reggae num dia<br />

e música indiana<br />

no dia seguinte.<br />

No Congo, a tua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é o padrão<br />

rítmico específico que<br />

tocas no chocalho,<br />

uma dança específica,<br />

e é complicado<br />

perceber uma cultura<br />

em que não estamos<br />

ligados a algo”<br />

Vincent Kenis<br />

Há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos que Vincent Kenis<br />

<strong>de</strong>sembarcava regularmente no<br />

Aeroporto Internacional <strong>de</strong> N’Djili em<br />

Kinshasa. Nas mãos, carregava a bagagem<br />

para uma estada <strong>de</strong> duração<br />

incerta; no estômago amarrotado, a<br />

ansieda<strong>de</strong> electrizante <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r finalmente<br />

<strong>de</strong>scobrir o rasto <strong>de</strong> um grupo<br />

chamado Konono Nº1, <strong>de</strong>saparecido<br />

<strong>de</strong> circulação há 20 anos. Mas a esperança<br />

começava a ruir. De cada vez,<br />

os resultados das suas investigações<br />

eram-lhe sempre lembrados num familiar<br />

número redondo (que parecia<br />

piscar a um ritmo <strong>de</strong>smaiado na sua<br />

<strong>de</strong>spedida <strong>de</strong> N’Djili): zero. Numa nova<br />

investida, Vincent <strong>de</strong>ixou-se conduzir<br />

pela mão da filha <strong>de</strong> Dr. Nico –<br />

um dos gran<strong>de</strong>s heróis da guitarra no<br />

Congo, sendo o outro Franco – a todos<br />

os sítios que, na cabeça <strong>de</strong>la, po<strong>de</strong>riam<br />

sugerir quaisquer pistas. Uma<br />

vez mais, zero. Até que o acaso tratou<br />

<strong>de</strong> produzir os resultados que o planeamento<br />

falhara. Ao passearem calmamente<br />

por uma <strong>de</strong>ssas gran<strong>de</strong>s<br />

avenidas da capital da República Democrática<br />

do Congo, a janela aberta<br />

<strong>de</strong> uma qualquer associação <strong>de</strong>ixou<br />

escapar para a rua o som dos Konono<br />

e a imagem <strong>de</strong> gente a dançar uma<br />

música perdida no tempo como se<br />

fosse o sucesso do momento. Vincent<br />

tinha <strong>de</strong>scoberto uma espécie <strong>de</strong> clube<br />

<strong>de</strong> fãs do grupo e jogou a sua cartada<br />

<strong>de</strong>sesperada.<br />

O contacto ali estabelecido assegurou-lhe<br />

que conseguiria chegar à fala<br />

com os Konono. Vincent esperou um<br />

telefonema durante o resto da sua<br />

estada em Kinshasa, mas foi só <strong>de</strong>pois<br />

do regresso a Bruxelas que soube que<br />

pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter apanhado o avião<br />

<strong>de</strong> volta o grupo voltara a juntar-se.<br />

E que, afinal, nunca tinham parado<br />

<strong>de</strong> tocar, simplesmente tinham sido<br />

escorraçados para a teia <strong>de</strong> uma periferia<br />

pantanosa e insondável, on<strong>de</strong><br />

viviam muitos dos praticantes originais<br />

do som tradi-mo<strong>de</strong>rne <strong>de</strong> que os<br />

Konono eram o diamante mais visível.<br />

Diz Vincent que se tratou <strong>de</strong> uma manobra<br />

do autoritarismo <strong>de</strong> Mobutu,<br />

presi<strong>de</strong>nte entre 1965 e 1997, <strong>de</strong>rrubado<br />

apenas pela morte, invenção <strong>de</strong><br />

um cancro na próstata. Quando em<br />

71 Mobutu iniciou a sua Campanha<br />

pela Autenticida<strong>de</strong>, recusando todas<br />

as referências exteriores e promovendo<br />

a supremacia cultural africana,<br />

obrigando todos os congoleses a substituírem<br />

os nomes europeus por nomes<br />

africanos, fazendo do Congo um<br />

outro país chamado Zaire, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u<br />

o aparecimento e a sobrevivência <strong>de</strong><br />

grupos como os Konono Nº1 e os Kasai<br />

Allstars. “Diziam às pessoas para<br />

não ouvirem música estrangeira, para<br />

que ficassem mais próximas da sua<br />

cultura”, lembra Kenis. “O que parece<br />

uma excelente i<strong>de</strong>ia para um país<br />

muito musical e tão gran<strong>de</strong> quanto<br />

um continente”.<br />

Em 1974, quando se <strong>de</strong>u o lendário<br />

combate <strong>de</strong> boxe entre George Foreman<br />

e Muhammad Ali em Kinshasa,<br />

o tradi-mo<strong>de</strong>rne era um movimento<br />

imenso na capital, com grupos a povoarem<br />

cada esquina, como prostitutas<br />

numa cida<strong>de</strong> europeia. Foi esse<br />

cenário que o músico sul-africano Hugh<br />

Masekela encontrou quando se<br />

<strong>de</strong>slocou para testemunhar o gancho<br />

<strong>de</strong> direita com que Ali <strong>de</strong>itou Foreman<br />

ao tapete. O KO que <strong>de</strong>volveu Ali<br />

ao trono mundial, ao <strong>de</strong>rrotar um adversário<br />

mais novo, teria um correspon<strong>de</strong>nte<br />

inverso na música congolesa.<br />

Mobutu <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ver nestes<br />

grupos <strong>de</strong> expressão mais tribal um<br />

meio para chegar às massas, e o Estado<br />

fechou a torneira, escorraçando-os<br />

para fora do centro, abrindo caminho<br />

para a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos trans-étnicos,<br />

para a rumba, para o jazz africano,<br />

“mais fáceis <strong>de</strong> usar como meio<br />

político, porque se dirigiam ao país<br />

como um todo”. Estes géneros seriam<br />

<strong>de</strong>pois engolidos pela proliferação <strong>de</strong><br />

música religiosa inspirada pelo gospel<br />

americano que tomou conta das ruas<br />

Kasai Allstars<br />

e Konono<br />

Nº1 elevam a<br />

música tribal<br />

congolesa a<br />

fenómeno da<br />

world music<br />

até hoje e que a juventu<strong>de</strong> se habituou<br />

a encarar como a face da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

congolesa. Daí que a sonorida<strong>de</strong><br />

tradi-mo<strong>de</strong>rne dos Congotronics, se<br />

mostrada agora aos locais, é <strong>de</strong>scartada<br />

com uma sentença: “Ah, isto é<br />

música dos anos 70”. É música <strong>de</strong>masiado<br />

associada ao passado, a Mobutu<br />

e à propaganda para que possa gozar<br />

do mesmo sucesso com que chega ao<br />

exterior.<br />

Quando Vincent voltou ao Congo<br />

em 2002 para gravar os Konono Nº1,<br />

estava prestes a dar origem a um dos<br />

mais marcantes fenómenos na world<br />

music: a série Congotronics. O “tronics”,<br />

entenda-se, não é tanto alusivo<br />

à electrónica quanto à electricida<strong>de</strong>,<br />

uma vez que a força propulsora <strong>de</strong>sta<br />

música é o som dos três likembés passados<br />

por amplificadores que, por sua<br />

vez, me<strong>de</strong>iam servem <strong>de</strong> canais <strong>de</strong><br />

distribuição <strong>de</strong> energia para os corpos<br />

<strong>de</strong> quem ouve. Segundo se conta,<br />

Mingiedi, o fundador do grupo, terse-á<br />

interessado pela electrificação<br />

dos instrumentos para que a música<br />

não morresse sob o tráfego incessante<br />

<strong>de</strong> Kinshasa. E, portanto, quando<br />

Kenis se encontrou com o grupo em<br />

2002, <strong>de</strong>u <strong>de</strong> caras com a mesma música<br />

por que se tinha apaixonado 20<br />

anos antes ao ouvir os Konono num<br />

programa da rádio France Culture,<br />

miraculosamente abrigada <strong>de</strong> qualquer<br />

tentação mo<strong>de</strong>rnizadora. Afinal,<br />

conta o homem que produziu a série<br />

Congotronics, Mingiedi pretendia<br />

apenas “reproduzir a música tradicional<br />

que o seu pai tocara enquanto<br />

músico na corte do rei da sua tribo, a<br />

200 quilómetros <strong>de</strong> Kinshasa”.<br />

Problema quase filosófico<br />

A relação <strong>de</strong> Vincent Kenis com a música<br />

congolesa começou no final dos<br />

Electricida<strong>de</strong> a céu<br />

A série Congotronics, sinónimo <strong>de</strong> electrificação <strong>de</strong> instrumentos precários para se<br />

sobreporem ao tráfego <strong>de</strong> Kinshasa, é-nos explicada pelo seu produtor Vincent Kenis,<br />

numa altura em que duas compilações revisitam a matéria dada. Gonçalo Frota<br />

26 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


O TNSJ É MEMBRO DA<br />

MECENAS TNSJ<br />

anos 70, quando se envolveu na cena<br />

musical cubana em Bruxelas. Dada a<br />

escassez <strong>de</strong> instrumentistas cubanos,<br />

os congoleses da ex-colónia belga<br />

eram convocados para levar ao palco<br />

a sua experiência com rumbas e ritmos<br />

latinos. “Eles eram falsos cubanos,<br />

tal como eu, e quando nos conhecemos<br />

mostraram-me a música<br />

<strong>de</strong>les. Mas a cena da Congotronics é<br />

muito diferente da rumba”, realça<br />

Kenis. Depois da epifania ao ouvir a<br />

France Culture servida pelo radialista<br />

Bernardo Preton, o mesmo foi ainda<br />

responsável pela edição, anos mais<br />

tar<strong>de</strong>, em 1987, da compilação “Zaire:<br />

Musiques Urbaines a Kinshasa”. “Gostei<br />

muito <strong>de</strong> ele ter lançado a música<br />

no formato <strong>de</strong> cassete e não <strong>de</strong> LP. A<br />

razão era que a maioria das canções<br />

era <strong>de</strong>masiado longa para caber num<br />

lado <strong>de</strong> LP e ele não quis cortar”. Pouco<br />

<strong>de</strong>pois, seria Vincent a lançar a sua<br />

primeira lança em África: a produção<br />

aberto<br />

<strong>de</strong> “Toleki Bango”, dos Classic Swe<strong>de</strong><br />

Swe<strong>de</strong>, editado em 1994 e que o próprio<br />

consi<strong>de</strong>ra uma espécie <strong>de</strong> “Congotronics<br />

nº0”.<br />

A existência <strong>de</strong> um único estúdio<br />

em Kinshasa, pago a peso <strong>de</strong> ouro e<br />

sem capacida<strong>de</strong> para gravar 12 músicos<br />

em simultâneo, e a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> gravar com um baixíssimo orçamento<br />

levaram a que Vincent optasse<br />

por efectuar as gravações para os quatro<br />

volumes da série Congotronics –<br />

dois álbuns dos Konono Nº1, um dos<br />

Kasai Allstars e uma compilação com<br />

mais uns quantos nomes menos conhecidos<br />

– ao ar livre. Além disso, a<br />

estranheza da situação artificial do<br />

estúdio para músicos habituados a<br />

tocar a céu aberto não prometia os<br />

melhores resultados. “Penso que é<br />

melhor eles tocarem num sítio que<br />

conhecem, em que dominam a acústica<br />

e se sentem mais confortáveis. E<br />

os instrumentos <strong>de</strong> percussão soam<br />

sempre melhor ao ar livre”. Com os<br />

Staff Benda Bilili – grupo que gravita<br />

em torno dos Congotronics mas que<br />

não integra oficialmente a série –, as<br />

gravações foram no jardim zoológico<br />

da cida<strong>de</strong>, sítio on<strong>de</strong> ensaiavam, tirando<br />

proveito da autorização especial<br />

conseguida pelo baixista, ex-militar<br />

que tratava dos cavalos do Presi<strong>de</strong>nte<br />

e os levava para ali a pastar.<br />

Actualmente a preparar um encontro<br />

em palco entre os músicos congoleses<br />

e os oci<strong>de</strong>ntais da música indie<br />

oci<strong>de</strong>ntal que os homenageiam no<br />

disco “Tradi-Mods vs. Rockers”, Vincent<br />

Kenis tem “um problema quase<br />

filosófico” relativamente à i<strong>de</strong>ia: “No<br />

Oci<strong>de</strong>nte vivemos num mundo <strong>de</strong> informação,<br />

em que po<strong>de</strong>mos mudar<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a toda a hora. Po<strong>de</strong>mos<br />

tocar reggae num dia e música indiana<br />

no dia seguinte. I<strong>de</strong>ntificamo-nos<br />

cada vez menos com um certo tipo<br />

<strong>de</strong> música. Enquanto no Congo, nas<br />

cida<strong>de</strong>s, a tua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é a tua música,<br />

a tua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é o padrão rítmico<br />

específico que tocas no chocalho,<br />

uma dança específica, e é complicado<br />

para eles perceber uma<br />

cultura em que não estamos ligados<br />

a algo. Por isso, a música <strong>de</strong>les com<br />

outras pessoas à partida é impossível.<br />

A música está ligada tão intimamente<br />

à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que querem estimar este<br />

vínculo, não querem <strong>de</strong>sbaratá-lo.<br />

Quando tens 50, 60 ou 70 anos e nunca<br />

tentaste fazer algo diferente, não<br />

sentes essa necessida<strong>de</strong> e não queres<br />

fazer figura <strong>de</strong> tolo. Muitos <strong>de</strong>les, os<br />

Konono em particular, têm tocado em<br />

todos os gran<strong>de</strong>s festivais, gravaram<br />

com a Björk e com o Herbie Hancock,<br />

mas continuam a tocar o mesmo estilo<br />

que tocavam antes e não querem<br />

mudá-lo. E por que haviam <strong>de</strong> querer?”.<br />

Até porque o objectivo, repetese,<br />

é apenas o <strong>de</strong> imitar as cornetas<br />

<strong>de</strong> marfim que tocavam para o rei <strong>de</strong><br />

uma tribo <strong>de</strong> que continuamos a não<br />

saber o nome.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 38 e segs<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv<br />

T 220 120 220<br />

criação<br />

TEATRO MERIDIONAL<br />

encenação<br />

MIGUEL SEABRA<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

saxofone alto · trompete · saxofone tenor<br />

trombone · tuba · vibrafone · contrabaixo<br />

bateria<br />

APOIO<br />

INSTITUCIONAL<br />

PATROCINADOR OFICIAL<br />

PAÍS TEMA<br />

PATROCINADOR PRINCIPAL<br />

PAÍS TEMA<br />

Teatro<br />

Nacional<br />

São João<br />

assistência artística<br />

Jean Paul Bucchieri<br />

dramaturgia<br />

Francisco Luís Parreira<br />

espaço cénico<br />

e figurinos<br />

Marta Carreiras<br />

<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> luz<br />

Miguel Seabra<br />

música original<br />

e sonoplastia<br />

José Mário Branco<br />

coor<strong>de</strong>nação geral<br />

Natália Luiza<br />

13-23<br />

Jan<br />

2011<br />

interpretação<br />

Carla Galvão<br />

Cláudia Andra<strong>de</strong><br />

David Pereira Bastos<br />

Emanuel Arada<br />

Filipe Costa<br />

Inês Lua<br />

Inês Mariana Moitas<br />

João Melo<br />

Miguel Damião<br />

Rui M. Silva<br />

Susana Ma<strong>de</strong>ira<br />

co-produção<br />

TNDM II<br />

Teatro Meridional<br />

qua-sáb 21:30<br />

dom 16:00<br />

dur. aprox. 1:30<br />

M/12 anos<br />

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LINHA VERDE 800-10-8675<br />

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fotografia Susana Paiva, <strong>de</strong>sign Margarida Kol, adaptação Joana Monteiro<br />

Vincent Kenis<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 27


Rússia, estrada p<br />

Nos filmes do bielorusso Sergei Loznitsa, a Rússia confronta-se com os fantasmas da sua história. A<br />

abanão. Retrospectiva integral na Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>, a partir <strong>de</strong> quinta-feira, com a presença d<br />

“Revue” e<br />

“Blocka<strong>de</strong>”: a<br />

propaganda<br />

comunista e o<br />

cerco a<br />

Leninegrado<br />

em imagens<br />

<strong>de</strong> arquivo<br />

Não é uma estrada, é uma direcção...<br />

e em direcção a sítio nenhum.<br />

Tal como o camionista <strong>de</strong> “My Joy”,<br />

o espectador está metido nisto: num<br />

mundo impregnado do terror das fábulas,<br />

<strong>de</strong> que ele não conhece regras,<br />

on<strong>de</strong> a brutalida<strong>de</strong> é ancestral, como<br />

a noite, como a neve. On<strong>de</strong> não existe<br />

passado nem presente, porque o<br />

passado sempre ali esteve, a ser reiterado<br />

no presente, como uma face<br />

<strong>de</strong>moníaca que a espaços rasga uma<br />

construção, uma ficção: URSS.<br />

O camionista que tomou a direcção<br />

errada per<strong>de</strong> a memória, violentado,<br />

con<strong>de</strong>nado a errar pelas profun<strong>de</strong>zas<br />

<strong>de</strong> uma estrutura mental. O espectador<br />

também é traumatizado, obrigado<br />

a progredir <strong>de</strong> abanão em abanão<br />

“A Rússia é um gran<strong>de</strong><br />

país com uma<br />

história trágica. Isso<br />

<strong>de</strong>ve-se ao facto<br />

<strong>de</strong> as pessoas não<br />

reflectirem sobre<br />

o seu passado e não<br />

apren<strong>de</strong>rem com<br />

a experiência<br />

passada”<br />

– um <strong>de</strong>les porque às tantas “My Joy”<br />

dá uma cambalhota da actualida<strong>de</strong><br />

para a II Guerra Mundial e ninguém<br />

esperaria isso (e mesmo agora que já<br />

se sabe, a sacudi<strong>de</strong>la continua a ser<br />

assinalável).<br />

É essa a experiência com os filmes<br />

do bielorrusso Sergei Loznitsa – um<br />

sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocação física, somos<br />

atirados para um “road movie”<br />

imprevisível –, como se testemunhará<br />

entre os dias 13 e 16, no Pequeno Auditório<br />

da Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>, na<br />

retrospectiva integral <strong>de</strong>dicada ao cineasta<br />

(organização da Associação<br />

Zero em Comportamento).<br />

Abre, dia 13, às 21h30, com “My<br />

Joy” (“Minha Alegria”, título que uma<br />

semana <strong>de</strong>pois chega às salas). Rodado<br />

na Ucrânia (por contingências <strong>de</strong><br />

produção), marca a passagem do documentarista<br />

para a ficção, um filme<br />

que sedimentou histórias que Loznitsa<br />

foi coleccionando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997,<br />

quando começou a documentar um<br />

país profundo <strong>de</strong> neve – daquelas histórias,<br />

<strong>de</strong> folclore popular sombrio,<br />

que alguém, sem razão aparente e<br />

aproximando-se não se sabe <strong>de</strong> on<strong>de</strong>,<br />

conta, antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer na escuridão<br />

também para um não se sabe<br />

on<strong>de</strong>.<br />

E para quem não sabe o que se passa<br />

realmente em “Minha Alegria”...<br />

A Rússia é um gran<strong>de</strong> país com uma<br />

história trágica. Isso <strong>de</strong>ve-se ao facto<br />

<strong>de</strong> as pessoas não reflectirem sobre<br />

28 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


“The Train<br />

Stop”:<br />

“documentário”<br />

ou<br />

experiência<br />

sensorial?<br />

o seu passado e não apren<strong>de</strong>rem com<br />

a experiência passada. Assim o país<br />

vive num círculo vicioso, assombrado<br />

pelos mesmos <strong>de</strong>mónios. A história<br />

<strong>de</strong> violência repete-se uma e outra vez<br />

e nunca apren<strong>de</strong>mos as lições. Até<br />

apren<strong>de</strong>rmos a enfrentar o nosso<br />

passado, a reconhecê-lo e a analisálo,<br />

os problemas na Rússia vão continuar.<br />

Quando mostro o filme em<br />

várias partes da Rússia, dou-me conta<br />

<strong>de</strong> que muitos espectadores se sentem<br />

chocados apenas porque ignoram<br />

a História do país. Mesmo se<br />

está historicamente documentado<br />

que milhões <strong>de</strong> soldados soviéticos se<br />

ren<strong>de</strong>ram aos alemães durante os<br />

primeiros meses da [II] guerra e uma<br />

parte da população civil da URSS<br />

ansiava pela mudança <strong>de</strong> regime,<br />

porque acreditava que os alemães<br />

seriam um mal menor face aos comunistas,<br />

quando o meu filme evoca<br />

isso, as pessoas perturbam-se. Durante<br />

décadas foram alimentadas<br />

por histórias <strong>de</strong> propaganda. E no<br />

entanto, como cineasta, não estou<br />

em posição <strong>de</strong> dar lições a ninguém<br />

ou <strong>de</strong> redimir. O meu papel é perguntar.<br />

Algumas <strong>de</strong>las perguntas incómodas,<br />

acho...<br />

Quando Loznitsa nos fala da passivida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> uma recusa <strong>de</strong> reflexão,<br />

vemos um colapso e impõem-se-nos<br />

as imagens <strong>de</strong> “The Train Stop”<br />

(2000, sexta-feira 14, 18h30). Diz-se<br />

que é um “documentário”. Nós perguntamos<br />

se não é mais uma experiência<br />

sensorial: o som – sempre trabalhado,<br />

construído e espesso nos<br />

filmes <strong>de</strong> Loznitsa – da respiração <strong>de</strong><br />

russos a dormir enquanto o comboio<br />

não passa na estação.<br />

No Verão <strong>de</strong> 1999, o realizador e o<br />

seu “cameraman” viajavam <strong>de</strong> Moscovo<br />

para São Petersburgo quando o<br />

comboio parou <strong>de</strong> repente no que parecia<br />

ser o fim do mundo. O próximo<br />

só passaria na manhã seguinte, o realizador<br />

e o operador tiveram <strong>de</strong> passar<br />

a noite na estação, minúscula...<br />

Um caminho estreito levava, por entre<br />

neve espessa, para uma pequena<br />

sala <strong>de</strong> espera. Entrámos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

um pequeno edifício <strong>de</strong>crépito e fiquei<br />

espantado por ver a sala cheia<br />

<strong>de</strong> pessoas a dormir, à espera <strong>de</strong> um<br />

comboio que ninguém sabia quando<br />

iria chegar... Foi esta experiência que<br />

me levou a ‘The Train Stop’. E assim,<br />

durante mais ou menos um ano, eu<br />

e o meu operador <strong>de</strong> câmara fizemos<br />

viagens até essa estação e filmámos.<br />

Filmámos com uma lente que <strong>de</strong>u<br />

uma característica especial à imagem:<br />

focada no centro e cheia <strong>de</strong> névoa<br />

nas margens. E sim, para respon<strong>de</strong>r<br />

à sua pergunta: ‘The Train Stop’<br />

é tanto um documentário como uma<br />

“Os dois géneros,<br />

ficção<br />

e documentário,<br />

apresentam valores<br />

‘realistas’:<br />

documentam<br />

primeiro que tudo<br />

a percepção que<br />

o artista tem<br />

do mundo e reflectem<br />

o seu ponto <strong>de</strong> vista”<br />

experiência sensorial. E quanto ao<br />

som, também é ‘documental’ e também<br />

é ‘fabricado’. Nunca se po<strong>de</strong>m<br />

separar esses dois aspectos<br />

Isto serve para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r também<br />

que se “My Joy” é “a primeira ficção”,<br />

como é anunciada, <strong>de</strong> um documentarista<br />

<strong>de</strong> 46 anos, para o espectador<br />

essa mudança nada muda. Os documentários<br />

<strong>de</strong>ste engenheiro e matemático<br />

<strong>de</strong> formação (entre 1987 e 1991<br />

esteve envolvido no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> inteligência artificial;<br />

a partir do final dos anos 90, dá-se a<br />

passagem para o cinema; em 2001<br />

emigra com a família para a Alemanha,<br />

país que tem estado envolvido<br />

na produção da sua obra) já se testemunhavam<br />

como visões que o artista<br />

impunha à “realida<strong>de</strong>”. Falar em “realida<strong>de</strong>”,<br />

ou na documentação da<br />

realida<strong>de</strong>, é por isso tão nebuloso como<br />

a imagem <strong>de</strong> “The Train Stop”.<br />

Os dois géneros, a ficção e o documentário,<br />

apresentam valores ‘realistas’:<br />

no sentido <strong>de</strong> que documentam<br />

primeiro que tudo a percepção<br />

que o artista tem do mundo e reflectem<br />

o seu ponto <strong>de</strong> vista. O que é a<br />

‘realida<strong>de</strong>’? Qualquer obra <strong>de</strong> arte,<br />

seja um ‘documentário’ ou uma ‘ficção’,<br />

é uma manifestação das visões<br />

e das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> um artista, apenas<br />

apresentam o seu ponto <strong>de</strong> vista. O<br />

que vemos no ecrã são sombras. Como<br />

pinceladas numa tela ou letras<br />

numa página, as imagens <strong>de</strong> um filme<br />

apenas po<strong>de</strong>m ser olhadas como<br />

‘documentos’ <strong>de</strong> um processo criativo.<br />

Documentam a visão <strong>de</strong> um autor<br />

e reflectem as suas i<strong>de</strong>ias.<br />

Para a prova estão aí dois “documentos”<br />

espantosos, feitos com base<br />

em material <strong>de</strong> arquivo, a que Loznitsa<br />

acrescentou som: “Blocka<strong>de</strong>”<br />

(2005, sábado, 15, 18h30) e “Revue”<br />

(2008, domingo, 16, 18h30). O primeiro,<br />

parte <strong>de</strong> impressionantes imagens<br />

da vida e dos gestos <strong>de</strong> sobrevivência<br />

na Leninegrado cercada pelas tropas<br />

alemãs – o cerco começou em 1941,<br />

durou 872 dias, até Janeiro <strong>de</strong> 1944.<br />

O trabalho <strong>de</strong> reconstituição sonora<br />

– Loznitsa e o “sound <strong>de</strong>signer” Vladimir<br />

Golovnitsky acrescentaram o<br />

som dos passos na neve, <strong>de</strong> vozes na<br />

multidão, <strong>de</strong> edifícios a ar<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> eléctricos<br />

a circular nas ruas <strong>de</strong>struídas<br />

– é tanto um esforço no sentido <strong>de</strong><br />

aprofundar o “realismo”, a “autenticida<strong>de</strong>”<br />

– e o realizador diz-nos que<br />

sobreviventes do cerco se espantaram<br />

por se “lembrarem” do que ouviram<br />

no filme – como uma operação <strong>de</strong> reconstituição<br />

digna <strong>de</strong> um épico (<strong>de</strong><br />

ficção?) sobre uma odisseia humana.<br />

O “realismo” da coisa enfrenta sempre<br />

a sensação <strong>de</strong> espectros que existe<br />

nos filmes <strong>de</strong> Loznitsa: vemos gente<br />

morta.<br />

“Revue” é uma montagem <strong>de</strong> material<br />

<strong>de</strong> propaganda, do heroísmo<br />

fabricado nas al<strong>de</strong>ias, nos movimentos<br />

juvenis, na educação das crianças,<br />

nas fábricas, no planeamento económico...<br />

Como uma pastoral, uma utopia,<br />

arrancada às dificulda<strong>de</strong>s, está<br />

hoje ensopada em <strong>de</strong>scrença, como<br />

um sonho que correu mal, e, simultaneamente,<br />

em nostalgia: intrometese<br />

na montagem o olhar <strong>de</strong> Loznitsa,<br />

que se lembra das imagens que viu<br />

em criança.<br />

Ver toda a obra do cineasta, aliás,<br />

perdida<br />

. A brutalida<strong>de</strong> é ancestral. E o espectador experimenta o<br />

do cineasta. Com quem falámos Vasco Câmara<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 29


“Artel” e “My<br />

Joy”, que no<br />

dia 20 chega<br />

ao circuito<br />

comercial<br />

é estar no centro <strong>de</strong> um – traumático,<br />

começámos por dizer – processo<br />

<strong>de</strong> revelação: como se os filmes mostrassem,<br />

finalmente, o que estava por<br />

trás <strong>de</strong> uma fabricação, a URSS, e aquilo<br />

que irrompeu com o colapso da<br />

fabricação. Veja-se – sinta-se – a espessura<br />

do trabalho e do esforço humano<br />

em “Factory” (2004, sábado, 15,<br />

18h30) e “Artel” (2006, sábado, 15,<br />

21h30), e como essa espessura, tão<br />

humana, tão dramática, tão cruel e<br />

tão irredutível se opõe ao heroísmo<br />

<strong>de</strong> papelão dos filmes <strong>de</strong> propaganda.<br />

“My Joy”, finalmente, filme que começa<br />

com um cadáver a ser sepultado<br />

no cimento, beneficiou talvez da liberda<strong>de</strong><br />

da ficção para se po<strong>de</strong>r entregar<br />

<strong>de</strong> forma selvagem à <strong>de</strong>sagregação.<br />

“Estou sempre<br />

a ver filmes, às vezes<br />

vários filmes por dia.<br />

Não se po<strong>de</strong> viver sem<br />

filmes e sem livros...”<br />

Cresci na URSS e essas imagens <strong>de</strong><br />

propaganda são-me familiares, pertencem<br />

à minha infância. Na verda<strong>de</strong>,<br />

quando <strong>de</strong>scobri essas imagens<br />

no arquivo <strong>de</strong> cinema documental<br />

<strong>de</strong> S. Petersburgo, senti-me nostálgico...<br />

Lembrou-me a minha infância.<br />

Claro, tive que me livrar <strong>de</strong>ssa emoção<br />

e abeirar-me do material como<br />

se fosse outro qualquer, do ponto <strong>de</strong><br />

vista do seu significado e do objectivo<br />

que serviria no meu filme. Mas nho que qualquer pessoa que cresceu<br />

naquela parte do mundo e que esteve<br />

supo-<br />

submetida a este tipo <strong>de</strong> lavagem ao<br />

cérebro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong> e<br />

que sobreviveu a isso tornouse<br />

imune a qualquer tipo <strong>de</strong><br />

propaganda. E torna-se também<br />

muito sensível a esse tipo <strong>de</strong><br />

questão. Torna-se muito fácil brir on<strong>de</strong> está a propaganda e<br />

<strong>de</strong>sco-<br />

<strong>de</strong>scodificá-la.<br />

E David Lynch? Sente-se<br />

próximo? É que “My Joy”<br />

podia chamar-se também “Lost<br />

Highway”.<br />

Dou muito valor aos filmes <strong>de</strong> David<br />

Lynch. Aliás, há vários cineastas cujo<br />

trabalho me toca em termos artísticos<br />

e intelectuais: Bresson, Dovjenko,<br />

Dreyer, Buñuel – para nomear al-<br />

guns. Estou sempre a ver filmes, às<br />

vezes vários filmes por<br />

dia. Não se po<strong>de</strong> viver<br />

sem filmes e sem livros...<br />

Loznitsa<br />

acompanhará<br />

o ciclo na<br />

Culturgest<br />

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Promoção válida <strong>de</strong> 2 a 31 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2011.<br />

30 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


Colum<br />

McCann<br />

O gran<strong>de</strong> mundo<br />

<strong>de</strong> Nova Iorque<br />

continua a girar<br />

no livro que ganhou<br />

o National Book<br />

Award em 2009.<br />

Pág. 32<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 31


Livros<br />

Colum<br />

McCann parte<br />

<strong>de</strong> uma manhã<br />

<strong>de</strong> Agosto<br />

<strong>de</strong> 1974 para<br />

compor uma<br />

narrativa que<br />

é Nova Iorque<br />

em todos os<br />

seus estados:<br />

passado,<br />

presente e<br />

futuro<br />

Ficção<br />

Na cida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>safia o céu<br />

O gran<strong>de</strong> mundo <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque é uma epopeia<br />

neste livro com que Colum<br />

McCann ganhou o National<br />

Book Award em 2009.<br />

Rui Lagartinho<br />

Deixa o Gran<strong>de</strong> Mundo Girar<br />

Colum McCann<br />

(Trad. Helena Lopes)<br />

Civilização Editora<br />

mmmmm<br />

O National Book<br />

Award <strong>de</strong> 2009 é<br />

um retrato épico e<br />

intimista <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque. Das suas<br />

contradições e<br />

dos genes que a<br />

fazem girar.<br />

Para quem<br />

goste muito <strong>de</strong><br />

Nova Iorque, este é um livro<br />

indispensável. “Deixa o Gran<strong>de</strong><br />

Mundo Girar” faz um balanço <strong>de</strong><br />

algum passado com os olhos sempre<br />

no futuro: para o bem e para o mal.<br />

Funciona como um marco no meio<br />

do caminho. É tão útil como um<br />

bastão nas mãos <strong>de</strong> um peregrino.<br />

“Nunca me tinha ocorrido antes,<br />

mas tudo em Nova Iorque está<br />

construído sobre outra coisa, nada<br />

existe totalmente por si só,<br />

cada coisa é tão<br />

estranha como<br />

a anterior e<br />

relacionada<br />

com ela”<br />

(p. 380).<br />

Nova<br />

Iorque<br />

é,<br />

Encontros<br />

A obra <strong>de</strong> Agustina<br />

Bessa-Luís vai estar<br />

em cima da mesa no<br />

Centro Cultural Calouste<br />

Gulbenkian e na Sorbonne<br />

Nouvelle, em Paris, nos<br />

próximos dias 20, 21 e 22.<br />

nestas 430 páginas, metáfora do<br />

mundo.<br />

Colum McCann (Dublin, 1965)<br />

explica que este livro nasceu quando<br />

lhe veio parar às mãos uma<br />

fotografia tirada a 7 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />

1974. Nela vêem-se as duas torres do<br />

World Tra<strong>de</strong> Center acabadas <strong>de</strong><br />

construir. A ligá-las um enorme cabo<br />

<strong>de</strong> aço, que visto cá <strong>de</strong> baixo tem a<br />

espessura <strong>de</strong> um cabelo. Em cima<br />

<strong>de</strong>le, em equilíbrio precário mas<br />

<strong>de</strong>terminado a não cair, aquele que<br />

por causa <strong>de</strong>sta caminhada se<br />

tornaria uma lenda do<br />

funambulismo, Philippe Petit. Do<br />

lado esquerdo, a sair <strong>de</strong> campo, um<br />

avião que parece estar ali a mais e<br />

que <strong>de</strong> facto só não está porque<br />

projecta em nós uma sombra num<br />

futuro com 27 anos.<br />

“Deixa o Gran<strong>de</strong> Mundo Girar” é<br />

um retrato <strong>de</strong> Nova Iorque naquela<br />

manhã <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1974. Conta as<br />

vidas dos muitos que levantaram a<br />

cabeça do chão e viram, atónitos,<br />

um ponto negro em evolução lá no<br />

alto que <strong>de</strong>pressa <strong>de</strong>scobriram não<br />

ser um pássaro, e muito menos o<br />

Super-Homem.<br />

Nesse Verão, cá em baixo, a<br />

Guerra do Vietname estava mais do<br />

que perdida, Richard Nixon estava a<br />

ponto <strong>de</strong> se <strong>de</strong>mitir da Presidência<br />

dos Estados Unidos da América por<br />

causa do escândalo Watergate, o<br />

Bronx e o Harlem estavam<br />

dominados pela violência, pela<br />

prostituição e pela droga. Times<br />

Square, mais ou menos como se vê<br />

no filme “Taxi Driver” <strong>de</strong> Martin<br />

Scorsese, era um parque <strong>de</strong><br />

diversões da indústria do sexo, os<br />

negros ainda eram olhados com<br />

<strong>de</strong>sconfiança quando tentavam<br />

apanhar um táxi. As correntes <strong>de</strong><br />

vanguarda artística<br />

na literatura, nas<br />

artes plásticas e na música atolavam-<br />

se em novos ácidos fatais. Havia uma<br />

crise petrolífera mundial. Nova<br />

Iorque tinha tudo para paralisar e no<br />

entanto nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> girar.<br />

Este romance explica o milagre e é<br />

credível porque nele cabem todas as<br />

cida<strong>de</strong>s, que acabam por ser só uma<br />

à medida que Colum McCann as liga:<br />

padres irlan<strong>de</strong>ses que tentam salvar<br />

a alma das prostitutas dos bairros<br />

perigosos, ju<strong>de</strong>us ricos e po<strong>de</strong>rosos<br />

da Park Avenue que partilham com<br />

as mães dos bairros mais populares<br />

as fotografias dos filhos soldados<br />

mortos no Vietname numa<br />

miscigenação solidária.<br />

Dividido em quatro capítulos a<br />

que o autor chamou livros, a<br />

estrutura constrói-se que as histórias se<br />

cruzam. Depois<br />

em mosaico até<br />

há fragmentos <strong>de</strong> efeito coral, como<br />

quando uma longa sequência <strong>de</strong><br />

prostitutas se apresenta numa longa<br />

ladainha, e alguns<br />

mini-contos sobre<br />

o quotidiano e a observação da vida<br />

numa prisão: “O compartimento do<br />

chuveiro é o melhor lugar. Um<br />

elefante podia ficar suspenso dos<br />

tubos” (p. 267). Colum McCann<br />

volta a um<br />

estilo que já tinha<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

experimentado em “Deste Lado da<br />

Luz” (Difel, 2001), um romance<br />

sobre os homens-toupeira que<br />

construíram o metro <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque.<br />

No “Quarto Livro” <strong>de</strong> “Deixa o<br />

Gran<strong>de</strong> Mundo Girar”, o último,<br />

damos um salto no tempo até 2006.<br />

Em 30 páginas, as vidas que se<br />

contaram arrumam-se no percurso<br />

<strong>de</strong> uma personagem surpresa. Essa<br />

con<strong>de</strong>nsação <strong>de</strong>ixa-nos mais<br />

tranquilos. Na ficção é sempre fácil<br />

moldar a matéria dos sonhos<br />

fazendo-os <strong>de</strong>slizar para baixo <strong>de</strong><br />

uma nova realida<strong>de</strong>: aqui a guerra<br />

do Iraque, o furacão Katrina.<br />

O mundo aturdido parece que<br />

continua a querer girar.<br />

Ironia<br />

“highbrow”<br />

Divertido, irónico,<br />

mordaz, neurótico, culto,<br />

discretamente amargo. Tudo<br />

em doses homeopáticas.<br />

Eduardo Pitta<br />

O Acompanhante<br />

Jonathan Ames<br />

(Trad. André Chêdas)<br />

Contraponto<br />

mmmnn<br />

Três investigadoras da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris 3<br />

(Catherine Dumas, Agnès<br />

Levécot e Ilda Men<strong>de</strong>s dos<br />

Santos) e uma professora<br />

catedrática da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong><br />

Entre nós,<br />

Jonathan Ames<br />

(Nova Iorque,<br />

1964) é<br />

praticamente<br />

<strong>de</strong>sconhecido.<br />

Autor <strong>de</strong> “Bored<br />

to Death”,<br />

popular série <strong>de</strong><br />

televisão feita a<br />

partir <strong>de</strong> um dos seus contos,<br />

publicou romances, ensaios, uma<br />

antologia <strong>de</strong> memórias transexuais<br />

(“Sexual Metamorphosis”, 2005) e<br />

até uma autobiografia gráfica, sobre<br />

a <strong>de</strong>pendência do álcool, ilustrada<br />

por Dean Haspie. Longe <strong>de</strong> reunir<br />

consenso, tem sido elogiado e<br />

execrado com igual fervor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

publicou “I Pass Like Night” (1989).<br />

Mesmo em Manhattan, attan, esta<br />

mistura <strong>de</strong> Iggy Pop com<br />

P. G. Wo<strong>de</strong>house soa<br />

<strong>de</strong>sconcertante.<br />

Decerto não por<br />

acaso, <strong>de</strong>fine-se a si<br />

mesmo como<br />

“probably the<br />

gayest straight<br />

writer in America”.<br />

Po<strong>de</strong>mos agora a<br />

ler a tradução que<br />

André Chêdas fez <strong>de</strong><br />

“O Acompanhante”,<br />

romance sobre as<br />

relações <strong>de</strong> Henry<br />

Harrison,<br />

dramaturgo<br />

do Porto, Fátima Marinho,<br />

propõem, a partir do<br />

slogan “Audaces et<br />

Défigurations”, uma<br />

leitura plural dos textos<br />

da escritora portuguesa.<br />

falhado que vive <strong>de</strong> acompanhar<br />

mulheres da alta socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque, e Louis Ives, docente <strong>de</strong> um<br />

colégio privado <strong>de</strong> Princeton que<br />

per<strong>de</strong> o emprego no dia em que é<br />

apanhado a vestir o sutiã <strong>de</strong> uma<br />

colega na sala dos professores. Fica<br />

por esclarecer se a punição é <strong>de</strong>vida<br />

ao arremedo <strong>de</strong> travestismo ou à<br />

erecção <strong>de</strong> Louis: “A protuberância<br />

conseguiu a proeza <strong>de</strong> confirmar a<br />

culpa dos meus actos, <strong>de</strong> forma mais<br />

contun<strong>de</strong>nte do que o próprio olhar,<br />

já <strong>de</strong> si claramente sexual...” Por<br />

momentos, julgamos estar a ler<br />

Augusten Burroughs. Com o fluir da<br />

intriga, a ilusão <strong>de</strong>sfaz-se. Burroughs<br />

é literal, lá on<strong>de</strong> Ames prolonga a<br />

“respiração” da narrativa clássica.<br />

“O Acompanhante” são duas vidas<br />

cruzadas: a <strong>de</strong> Henry, vergado ao<br />

peso das idiossincrasias; e a <strong>de</strong><br />

Louis, em trânsito entre os dois<br />

lados <strong>de</strong> um espelho. Concluído em<br />

1996, o livro andou em bolandas<br />

durante dois anos, <strong>de</strong> editor em<br />

editor, tendo, ao cabo <strong>de</strong> 20<br />

rejeições, sido publicado em 1998<br />

pela Scribner. Shari Springer<br />

Berman adaptou-o ao cinema, com<br />

Kevin Kline (Henry) e Paul Dano<br />

(Louis) nos protagonistas. Tarefa<br />

inglória, na medida em que a<br />

estrutura semântica resiste à<br />

transposição <strong>de</strong> suporte. Se, por um<br />

lado, o cortejo <strong>de</strong> reflexões auto<strong>de</strong>preciativas<br />

do narrador potencia<br />

o “overacting”, a trama dos envios<br />

(<strong>de</strong> Freud a Scott Fitzgerald, sem<br />

esquecer Bertie Wooster) apenas é<br />

perceptível na escrita precisa <strong>de</strong><br />

Ames.<br />

A história mistura elementos<br />

autobiográficos, <strong>de</strong>ixando adivinhar<br />

o futuro interesse <strong>de</strong> Ames pela<br />

problemática transexual: “Ao ver-me<br />

vestido <strong>de</strong> mulher em toda a minha<br />

fealda<strong>de</strong>, tinha aprendido a apreciar<br />

e valorizar a beleza <strong>de</strong>stas raparigas<br />

e o trabalho a que as obrigava. Só os<br />

homens po<strong>de</strong>riam ter uma presença<br />

<strong>de</strong> espírito tão obstinadamente<br />

direccionada para se quererem fazer<br />

passar por mulheres.”<br />

Por razões difíceis <strong>de</strong> explicar, não<br />

é comum associar Ames aos gran<strong>de</strong>s<br />

nomes da<br />

tradição<br />

literária<br />

judaica, como<br />

Ames,<br />

“o escritor<br />

heterossexual<br />

mais gay da<br />

América”,<br />

chega<br />

finalmente a<br />

Portugal com<br />

“O Acompanhante”<br />

TRAVIS ROOZÉE<br />

32 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


Asimov, Bellow, Roth e outros.<br />

Porém, poucos livros como este<br />

<strong>de</strong>screvem com tanta subtileza o<br />

carácter escorregadio e as<br />

ambiguida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa tradição.<br />

Profundamente americano (no<br />

sentido em que i<strong>de</strong>ntificamos Jerry<br />

Seinfeld como arquétipo), Ames<br />

calibra o discurso com secura e<br />

sabedoria: “Voltei à fotografia <strong>de</strong>le<br />

na bicicleta. Era perfeito. [...] Tentei<br />

olhar com profundida<strong>de</strong> para os<br />

belos olhos do rapaz da fotografia. A<br />

nossa ida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>via ser tão<br />

diferente quanto isso. Queria avisálo<br />

do que aí vinha e comecei a<br />

chorar. Chorava porque aquele<br />

rapaz não fazia i<strong>de</strong>ia daquilo em que<br />

se ia tornar, que cinquenta anos<br />

mais tar<strong>de</strong> estaria a dormir num<br />

<strong>de</strong>crépito sofá no meio <strong>de</strong> um<br />

quarto pouco menos que imundo.<br />

Chorei pelo que acontecera à vida<br />

daquele jovem e chorei porque o<br />

velho em que esse jovem se tornou<br />

me tinha abandonado.”<br />

Ames é divertido sem ser pateta,<br />

irónico, mordaz, discretamente<br />

amargo, neurótico, culto mas não<br />

pedante. Parece contraditório, mas<br />

consegue ser tudo isto ao mesmo<br />

tempo. A dosagem homeopática<br />

ajuda. Como alguém disse, o<br />

“entertainer” nato.<br />

Biografia<br />

Em <strong>de</strong>fesa<br />

do legado <strong>de</strong><br />

Egas Moniz<br />

O inventor da “lobotomia”<br />

reabilitado, numa biografia<br />

que explora a fascinante<br />

personalida<strong>de</strong> do único<br />

Prémio Nobel português até<br />

Saramago.<br />

José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />

Egas Moniz – Uma Biografia<br />

João Lobo Antunes<br />

Gradiva<br />

mmmmn<br />

Há décadas que<br />

paira uma sombra<br />

sobre a obra do<br />

único Prémio<br />

Nobel português<br />

numa área<br />

científica: a má<br />

fama da<br />

“lobotomia”. Com<br />

esta biografia,<br />

João Lobo Antunes, 66 anos, um dos<br />

mais conhecidos neurocirurgiões<br />

portugueses, trata não só <strong>de</strong> resgatar<br />

a sua reputação como <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver a<br />

Egas Moniz um lugar que por vezes<br />

lhe é negado, o <strong>de</strong> cientista <strong>de</strong><br />

Egas Moniz<br />

aventurouse<br />

tar<strong>de</strong> na<br />

investigação<br />

científica,<br />

mas não<br />

<strong>de</strong>scurou<br />

nenhum<br />

esforço para<br />

obter o Nobel<br />

excelência. “O lugar na História que<br />

Egas Moniz procurou com tanta<br />

persistência e perícia é seu <strong>de</strong> pleno<br />

direito”, argumenta Lobo Antunes.<br />

Isto apesar <strong>de</strong> Moniz ter seguido um<br />

percurso bastante heterodoxo, pelo<br />

menos se o julgarmos pelos critérios<br />

actuais ou se o virmos à luz da<br />

imagem mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> um cientista.<br />

Quem era realmente Egas Moniz?<br />

Talvez esta seja uma das melhores<br />

sínteses: “Político <strong>de</strong>siludido, clínico<br />

carismático, burguês rico,<br />

humanista amador, no fundo,<br />

cientista improvável”. Mais do que<br />

improvável: tardio. Quando iniciou<br />

as investigações que levariam ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da angiografia<br />

cerebral, já tinha mais <strong>de</strong> 50 anos;<br />

quando propôs a leucotomia préfrontal,<br />

já tinha dobrado a fronteira<br />

dos 60 anos. Até então praticamente<br />

não produzira nada a nível<br />

científico.<br />

Quase nada na carreira inicial <strong>de</strong><br />

Egas Moniz parecia dirigi-lo para os<br />

feitos científicos da sua vida tardia.<br />

Nascido em 1874 numa família<br />

abastada <strong>de</strong> Avanca (Estarreja,<br />

distrito <strong>de</strong> Aveiro), beneficia do<br />

apoio <strong>de</strong> um tio aba<strong>de</strong> para seguir os<br />

estudos, primeiro no Colégio <strong>de</strong> S.<br />

Fiel, dos jesuítas, conhecido pelo<br />

rigor e pela qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois na<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra. Quase<br />

sempre bom aluno, ingressa na<br />

carreira académica ao mesmo<br />

tempo que inicia a prática clínica e<br />

se começa a <strong>de</strong>dicar à política,<br />

sendo eleito para o Parlamento nas<br />

listas do Partido Progressista <strong>de</strong> José<br />

Luciano <strong>de</strong> Castro, ainda no tempo<br />

da Monarquia. Orador contun<strong>de</strong>nte,<br />

tornar-se-ia um republicano<br />

mo<strong>de</strong>rado que, após o 5 <strong>de</strong> Outubro,<br />

alinharia com os que se opunham ao<br />

radicalismo <strong>de</strong> Afonso Costa. Viria<br />

assim a ser um dos mais importantes<br />

colaboradores <strong>de</strong> Sidónio Pais, em<br />

cujo consulado chegou a ser<br />

ministro dos Negócios Estrangeiros,<br />

tendo sido o primeiro chefe da<br />

<strong>de</strong>legação portuguesa à Conferência<br />

<strong>de</strong> Versalhes. O assassinato do<br />

Presi<strong>de</strong>nte-Rei acabaria contudo por<br />

precipitar o seu afastamento da<br />

política activa, primeiro <strong>de</strong>siludido<br />

DAVID CLIFFORD/ ARQUIVO<br />

com a violência que marcou os anos<br />

finais da I República, <strong>de</strong>pois triste<br />

pela falta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> durante o<br />

Estado Novo (apesar <strong>de</strong> muito amigo<br />

do Presi<strong>de</strong>nte Carmona, <strong>de</strong>testava<br />

Salazar).<br />

O fim da aventura política<br />

permitiu-lhe <strong>de</strong>dicar mais tempo ao<br />

consultório (muito procurado e<br />

fonte <strong>de</strong> avultados proventos, que<br />

lhe permitiram reunir uma pequena<br />

fortuna) e à Universida<strong>de</strong>. Aí, com a<br />

colaboração <strong>de</strong> um finalista <strong>de</strong><br />

Medicina e futuro cirurgião, 29 anos<br />

mais novo, Pedro Almeida Lima,<br />

começa a tentar visualizar os vasos<br />

cerebrais. Nessa altura já Egas Moniz<br />

contava 51 anos, ida<strong>de</strong> pouco<br />

habitual para se lançar a uma<br />

investigação com esta ambição –<br />

basta recordar que os cientistas que<br />

ganharam o Nobel <strong>de</strong>senvolveram os<br />

seus trabalhos mais importantes<br />

com uma ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 36 anos,<br />

como recorda Lobo Antunes. Mesmo<br />

assim, começando por realizar<br />

testes em cães e, <strong>de</strong>pois, em<br />

doentes, Egas e os seus<br />

colaboradores <strong>de</strong>senvolveram a<br />

angiografia que, escreve Lobo<br />

Antunes, “se manteve viva durante<br />

décadas como técnica <strong>de</strong><br />

diagnóstico quase exclusiva das<br />

lesões tumorais, vasculares e<br />

traumáticas do sistema nervoso”.<br />

Gradualmente substituída para<br />

alguns diagnósticos pela tomografia<br />

axial e pela ressonância magnética<br />

(duas técnicas que justificaram a<br />

atribuição do Nobel aos seus<br />

criadores), a angiografia<br />

“<strong>de</strong>sempenha hoje um papel<br />

indispensável e previsivelmente<br />

perene como técnica <strong>de</strong> intervenção<br />

terapêutica, a única aplicação que<br />

Egas não terá previsto, que permite,<br />

por exemplo, tratar um aneurisma<br />

intracraniano sem cirurgia”.<br />

A angiografia teve uma rápida<br />

expansão na Europa, ao contrário da<br />

leucotomia pré-frontal, que seria<br />

pouco praticada no Velho<br />

Continente (à excepção do Reino<br />

Unido), mas que se tornaria uma<br />

terapia muito popular nos Estados<br />

Unidos. A intuição que esteve por<br />

trás do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta<br />

intervenção foi a <strong>de</strong> que<br />

“<strong>de</strong>sligando” alguns circuitos<br />

neuronais era possível tratar certos<br />

tipos <strong>de</strong> doenças neurológicas. Com<br />

Egas Moniz, a técnica seguida – a que<br />

chamou “psicocirurgia” e que ele<br />

mesmo consi<strong>de</strong>rara “ousada” ou<br />

mesmo “temerária” – consistia em<br />

cortar os feixes nervosos que<br />

ligavam os dois lóbulos frontais do<br />

cérebro. As primeiras cirurgias<br />

apontaram para resultados<br />

positivos, pelo que a técnica foi<br />

rapidamente adoptada em países<br />

on<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> doentes<br />

psiquiátricos era muito elevado.<br />

Nessa época, é importante recordar,<br />

não estavam ainda disponíveis<br />

outras terapias menos invasivas ou<br />

reversíveis, pelo que acabaram por<br />

ocorrer muitas intervenções sem um<br />

diagnóstico correcto ou mesmo<br />

motivadas por intenções menos<br />

nobres, abrindo campo a uma<br />

controvérsia que ainda hoje<br />

perdura.<br />

João Lobo Antunes faz a <strong>de</strong>fesa da<br />

intuição e do trabalho <strong>de</strong> Egas Moniz<br />

seguindo duas linhas <strong>de</strong><br />

argumentação. A primeira é a da<br />

correcção <strong>de</strong>ssa sua intuição. O<br />

neurocirurgião nota que assistimos<br />

hoje a uma recuperação da<br />

psicocirurgia, sendo que “à ablação<br />

<strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> extensão variável e<br />

limites imprecisos suce<strong>de</strong>u a<br />

inibição reversível <strong>de</strong> circuitos<br />

restritos através da estimulação<br />

cerebral profunda, que tem como<br />

consequência o silenciamento<br />

temporário dos neurónios e dos<br />

circuitos que integram”. Ou seja,<br />

passou o tempo da leucotomia,<br />

chegou um tempo em que “não há<br />

dúvida que a intuição <strong>de</strong> Egas e o<br />

seu <strong>de</strong>stemor abriram um caminho<br />

sem retorno na cirurgia funcional do<br />

sistema nervoso”.<br />

Em segundo lugar, João Lobo<br />

Antunes <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong><br />

avaliar Egas pelos critérios da ética<br />

médica contemporânea, que não<br />

existiam no tempo em que<br />

trabalhou, um tempo em que os<br />

primeiros neurocirurgiões<br />

portugueses registavam taxas <strong>de</strong><br />

mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 50 por cento.EG<br />

Isto leva a que o autor consi<strong>de</strong>re<br />

que a história que se propôs contar<br />

“<strong>de</strong>monstra sem rebuço a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> do pensamento <strong>de</strong><br />

Egas, entendida aquela num sentido<br />

não infalivelmente positivo”. O que<br />

significa que esta biografia, sem ser<br />

hagiográfica, é a biografia <strong>de</strong> alguém<br />

que, sentindo-se <strong>de</strong> alguma forma<br />

ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

MÚSICA<br />

MAZGANI<br />

CENÁRIO<br />

ANTÓNIO CASIMIRO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

BERTOLT BRECHT<br />

ESTRUTURA PATROCINADA PELO<br />

APOIO<br />

QUARTA A SÁBADO 21H30<br />

her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> uma escola médica <strong>de</strong><br />

que Egas Moniz foi mestre, não<br />

omite o seu fascínio por um<br />

personagem que, não duvi<strong>de</strong>mos,<br />

era mesmo fascinante. Nesta obra<br />

revela-se sobretudo o seu percurso<br />

médico e científico, se bem que<br />

Lobo Antunes dê também atenção à<br />

sua carreira política e, mais<br />

marginalmente, à sua vida<br />

mundana. É-nos reconstituído, com<br />

<strong>de</strong>talhe, todo o processo que leva às<br />

suas <strong>de</strong>scobertas científicas, mas, se<br />

ficamos a saber que viveu na<br />

moradia on<strong>de</strong> hoje está instalada a<br />

Nunciatura Apostólica e que<br />

utilizava um faqueiro que pertencera<br />

ao Marquês <strong>de</strong> Pombal, não ficamos<br />

a saber por que razão utilizava<br />

capachinho, um pormenor que só<br />

nos é revelado quando nos<br />

aproximamos do leito <strong>de</strong> morte do<br />

nosso prémio Nobel. Mais: se<br />

também nos são recordados muitos<br />

artigos que escreveu sobre pintura<br />

(era um apaixonado da pintura<br />

naturalista portuguesa), não<br />

chegamos a perceber os motivos das<br />

suas inimiza<strong>de</strong>s, ou mesmo guerras<br />

com outros vultos da medicina<br />

portuguesa, como Francisco Gentil<br />

ou Pulido Valente, seus eternos<br />

críticos.<br />

Em contrapartida, é notável a<br />

forma como nos <strong>de</strong>screve os seus<br />

esforços para conseguir o Nobel,<br />

mostrando como também nesta<br />

frente nada po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scurado e<br />

não contam as falsas modéstias.<br />

Como escreve João Lobo Antunes,<br />

Egas acreditava “na superiorida<strong>de</strong><br />

das vonta<strong>de</strong>s”, sendo que, no seu<br />

caso, “quis tudo e quase sempre o<br />

conseguiu”. O que não é pouco, se é<br />

que não é tudo.<br />

FIGURINOS<br />

BERNARDO MONTEIRO<br />

COREOGRAFIA<br />

CLÁUDIA NÓVOA<br />

SUPERVISÃO AUDIOVISUAL<br />

AURÉLIO VASQUES<br />

LUZ<br />

MELIM TEIXEIRA<br />

[ m/12 ]<br />

DOMINGO-MATINÉE 16H00<br />

VERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

DRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

COM<br />

ANTÓNIO PEDRO LIMA | CÁTIA RIBEIRO<br />

CARLOS MALVAREZ | CRISTÓVÃO CAMPOS<br />

FRANCISCO PESTANA | JOÃO FERNANDEZ<br />

LUIS BARROS | MAFALDA LENCASTRE<br />

MAFALDA LUÍS DE CASTRO | MARTA DIAS<br />

MIGUEL GUILHERME | MIGUEL TAPADAS<br />

PATRÍCIA ANDRÉ | RUI MORISSON<br />

SARA CIPRIANO | SÉRGIO PRAIA<br />

SOFIA DE PORTUGAL<br />

VASCO SOUSA<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 33


Cinema<br />

Retrospectiva Sergei<br />

Loznitsa <strong>Lisboa</strong> Culturgest<br />

quinta, 13<br />

My Joy<br />

Às 21h30<br />

sexta, 14<br />

Today We Are Going to Build a<br />

House, Life, Autumn<br />

Às 18h30<br />

The Train Stop<br />

Às 21h30: Settlement<br />

sábado, 15,<br />

Portrait e Landscape<br />

Às 16h<br />

Factory e Blocka<strong>de</strong><br />

Às 18h30<br />

Artel e Northern Light<br />

Às 21h30<br />

domingo, 16<br />

Revue<br />

Às 18h30<br />

Sexta,<br />

14 Janeiro,<br />

ALAIN<br />

RESNAIS<br />

por mais 1,95€.<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

34 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

“Que Mais Quero Eu”:<br />

uma curiosa tensão<br />

dramática, feita<br />

<strong>de</strong> pequenas explosões<br />

<strong>de</strong> sentimento<br />

Estreiam<br />

Crónica <strong>de</strong><br />

um amor<br />

Uma curiosa tensão<br />

dramática, feita <strong>de</strong> pequenas<br />

explosões <strong>de</strong> sentimentos<br />

feridos e <strong>de</strong> frustrações<br />

contidas. Mário Jorge<br />

Torres<br />

Que Mais Quero Eu<br />

Cosa Voglio di Più<br />

De Silvio Soldini,<br />

com Alba Rohrwacher, Pierfrancesco<br />

Favino, Giuseppe Battiston, Teresa<br />

Saponangelo, Gisella Burinato. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h15,<br />

16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h;<br />

Apesar <strong>de</strong> o cinema italiano<br />

atravessar um enorme crise, muito<br />

longe <strong>de</strong> antigos esplendores, vão<br />

chegando interessantes tentativas <strong>de</strong><br />

renovar um olhar esgotado, quantas<br />

vezes contaminado pelo<br />

<strong>de</strong>corativismo das séries televisivas<br />

<strong>de</strong> prestígio. “Que Mais Quero Eu”<br />

possui, pelo menos, um ponto <strong>de</strong><br />

vista e constrói com razoável perícia<br />

uma narrativa bem enca<strong>de</strong>ada, com<br />

reminiscências das crónicas do<br />

quotidiano <strong>de</strong> um certo neorealismo<br />

tardio, um uso da câmara<br />

que lembra algumas das estratégias<br />

<strong>de</strong> Nanni Moretti e, sobretudo, um<br />

olhar actuante sobre a Itália <strong>de</strong><br />

Berlusconi, sobre a crise, sobre o<br />

po<strong>de</strong>r do dinheiro, omnipresente <strong>de</strong><br />

forma subliminar nas relações entre<br />

as personagens.<br />

Dir-se-á que não há muito <strong>de</strong><br />

original nesta história <strong>de</strong> adultério<br />

entre as classes médias citadinas,<br />

com almoços <strong>de</strong> família, encontros<br />

furtivos em motéis ou fugas<br />

escapistas para um Norte <strong>de</strong> África<br />

estereotipado. E, no entanto, Sílvio<br />

Soldini, conhecido pelo seu “Pão e<br />

Túlipas” (2000), mas com obra<br />

importante no do documentário,<br />

consegue uma curiosa tensão<br />

dramática, feita <strong>de</strong> pequenas<br />

explosões <strong>de</strong> sentimentos feridos e<br />

<strong>de</strong> frustrações contidas, com uma<br />

atenção redobrada ao real cinzento<br />

do século XXI.<br />

Começando pelo nascimento do<br />

filho da irmã da protagonista e<br />

acabando em suspensão numa espécie<br />

<strong>de</strong> morte da esperança, o filme<br />

percorre uma galeria <strong>de</strong> personagens<br />

aprisionadas num mundo sem<br />

perspectivas <strong>de</strong> sobrevivência e<br />

acomodado aos instintos familiares:<br />

uma jovem contabilista casada com<br />

um marido “bricoleur” e sem chama,<br />

Anna (Alba Rohrbacher, que víramos<br />

em “Eu Sou o Amor”), apaixona-se por<br />

um homem também casado,<br />

Domenico (um carismático<br />

Pierfrancesco Favrino), e vive uma<br />

história <strong>de</strong> amor clan<strong>de</strong>stina, que<br />

esbarra na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar<br />

as convenções e <strong>de</strong> competir com os<br />

filhos <strong>de</strong>le. Tudo <strong>de</strong>corre num mundo<br />

sem gran<strong>de</strong>zas em que a mera<br />

hipótese do amor louco aparece<br />

reduzida ao anedótico das mensagens<br />

por telemóvel ou dos encontros<br />

ocasionais. É fundamental a sequência<br />

em que Anna aparece na bancada da<br />

piscina para observar <strong>de</strong> longe a<br />

família que impe<strong>de</strong> a realização dos<br />

seus (muito estranhos e mal<br />

<strong>de</strong>limitados) sonhos amorosos,<br />

porque reflecte a estratégia <strong>de</strong> “Que<br />

Mais Quero Eu”: mostrar sem tomar<br />

partido, apresentar o <strong>de</strong>sejo sem<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

juízos <strong>de</strong> valor, nem perturbações<br />

metafísicas.<br />

Em resumo, um pequeno filme<br />

simpático em que parece não se<br />

passar nada a não ser a projecção<br />

mísera das frustrações<br />

contemporâneas. Que mais<br />

queremos nós?<br />

Atracção<br />

fatal <strong>de</strong> luxo<br />

O potencial para o filme<br />

marcar um regresso <strong>de</strong><br />

Egoyan à melhor forma<br />

estava lá todo. Mas... Jorge<br />

Mourinha<br />

O Preço da Traição<br />

Chloe<br />

De Atom Egoyan,<br />

com Julianne Moore, Liam Neeson,<br />

Amanda Seyfried, Max Thieriot. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h30, 18h30,<br />

21h50, 00h15; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h,<br />

00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h25, 16h55, 19h20, 21h45, 00h10<br />

Domingo 11h30, 14h25, 16h55, 19h20, 21h45,<br />

00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h10, 21h20,<br />

00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h20, 18h, 21h20, 23h50; ZON<br />

Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h15, 15h45, 18h25, 21h10, 23h45; ZON<br />

Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 17h50, 21h, 23h30;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h20, 16h50, 19h20, 22h05, 00h40 3ª<br />

4ª 16h50, 19h20, 22h05, 00h40; ZON Lusomundo<br />

Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h, 16h20, 19h20, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 16h10, 18h50, 21h40, 24h;<br />

Atom Egoyan a dirigir uma “remake”<br />

produzida por Ivan Reitman (ele dos<br />

“O Preço da Traição”:<br />

Julianne Moore vale<br />

o preço do bilhete<br />

“Caça-Fantasmas”)? O estimável<br />

autor canadiano <strong>de</strong> “Exotica” e “O<br />

Futuro Radioso” arriscou aqui,<br />

assumidamente, um filme <strong>de</strong><br />

encomenda, “remake” americana do<br />

filme francês <strong>de</strong> Anne Fontaine,<br />

“Nathalie...”, sobre uma esposa –<br />

uma Julianne Moore absolutamente<br />

soberba – que contrata uma<br />

prostituta <strong>de</strong> luxo para testar a<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do marido. E, durante a<br />

primeira hora, Egoyan e Moore<br />

constroem, com infinita elegância e<br />

<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, uma teia equívoca <strong>de</strong><br />

ambiguida<strong>de</strong>s e sugestões que<br />

funciona, ao mesmo tempo, como<br />

manual básico <strong>de</strong> manipulação e<br />

metáfora da arte <strong>de</strong> contar histórias.<br />

Moore é magistral na modulação<br />

infinitesimal das emoções<br />

conturbadas que o papel lhe pe<strong>de</strong>;<br />

Egoyan guia-a com precisão e justeza<br />

sem nunca per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista as<br />

necessida<strong>de</strong>s da narrativa. Eis senão<br />

quando, à entrada do “terceiro acto”,<br />

“O Preço da Traição” <strong>de</strong>scamba para<br />

uma espécie <strong>de</strong> “Atracção Fatal” <strong>de</strong><br />

luxo, guinada que parece ser uma<br />

“traição” não só ao próprio filme<br />

como à inteligência do seu realizador<br />

e à entrega dos seus actores — o<br />

potencial para o filme marcar um<br />

regresso <strong>de</strong> Egoyan à melhor forma<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algumas obras menos<br />

felizes estava lá todo.<br />

Há muito tempo que não víamos<br />

Julianne Moore com papel tão forte<br />

para ferrar o <strong>de</strong>nte – e, mesmo que o<br />

filme não cumpra a promessa<br />

daquela primeira hora, é tão raro<br />

po<strong>de</strong>rmos ver uma actriz tão<br />

entrosada com a sua personagem que<br />

não nos <strong>de</strong>vemos dar ao luxo <strong>de</strong> o<br />

ignorar quando aparece. E só ela vale<br />

o preço do bilhete. J. M.<br />

O estilo<br />

dos outros<br />

Podia ser um espumante<br />

mas não passa <strong>de</strong> uma<br />

zurrapa. Luís Miguel<br />

Oliveira


As estrelas do público<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Burlesque mnnnn nnnnn mnnnn A<br />

Cela 211 nnnnn mmnnn mmmnn mmnnn<br />

Katalin Varga mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />

O Mágico mmmmm nnnnn mmmmn nnnnn<br />

Mammuth mmmnn nnnnn mmmnn mnnnn<br />

O Preço da Traição mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Que mais quero eu nnnnn nnnnn mmmnn nnnnn<br />

O Turista mmnnn mnnnn nnnnn nnnnn<br />

Skyline mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Tulpan mmmnn mmmmn nnnnn nnnnn<br />

O Turista<br />

The Tourist<br />

De Florian Henckel von<br />

Donnersmarck,<br />

com Angelina Jolie, Johnny Depp, Paul<br />

Bettany, Timothy Dalton, Steven<br />

Berkoff, Rufus Sewell, Christian <strong>de</strong><br />

Sica. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h30; Castello Lopes -<br />

Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h50<br />

6ª 16h, 18h50, 21h50, 00h20 Sábado 13h30, 16h,<br />

18h50, 21h50, 00h20 Domingo 13h30, 16h, 18h50,<br />

21h50; Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h,<br />

16h30, 19h, 21h30, 24h; Castello Lopes - Loures<br />

Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h10; CinemaCity<br />

Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 21h55, 23h55; CinemaCity Alegro<br />

Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30,<br />

17h30, 19h30, 21h30, 23h30 Sábado Domingo 11h30,<br />

13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30,<br />

23h30; CinemaCity Beloura Shopping: Cinemax: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30,<br />

19h30, 21h30, 23h30; CinemaCity Campo Pequeno<br />

Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 21h30, 23h40; CinemaCity Campo<br />

Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 15h50, 17h50, 19h50, 21h50, 24h Sábado<br />

Domingo 11h40, 13h40, 15h50, 17h50, 19h50, 21h50,<br />

24h; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 2ª 3ª<br />

4ª 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40 6ª 13h40,<br />

15h40, 17h40, 19h40, 21h40, 23h50 Sábado 11h35,<br />

13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40, 23h50 Domingo<br />

11h35, 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40; Me<strong>de</strong>ia<br />

Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50,<br />

22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9:<br />

5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h55,<br />

00h20 Domingo 11h30, 14h15, 16h40, 19h05, 21h55,<br />

00h20; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 10: 5ª Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h45, 16h10, 19h, 21h35 6ª Sábado 13h45,<br />

16h10, 19h, 21h35, 00h15; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35,<br />

16h, 18h30, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Amoreiras:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20,<br />

18h50, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo<br />

CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 15h40, 18h20, 21h10, 23h50; ZON Lusomundo<br />

Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,<br />

15h35 18h10, 21h15, 23h45; ZON Lusomundo Dolce<br />

Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />

18h30, 21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30,<br />

00h30; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª<br />

4ª 15h30, 18h20, 21h20 6ª 15h30, 18h20, 21h20, 24h<br />

Sábado 13h, 15h30, 18h20, 21h20, 24h Domingo 13h,<br />

15h30, 18h20, 21h20; ZON Lusomundo Oeiras<br />

Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10,<br />

15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Torres<br />

Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30,<br />

16h, 18h30, 21h, 23h30; ZON Lusomundo Vasco da<br />

Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10,<br />

15h40, 18h20, 21h30, 00h20; Castello Lopes - C. C.<br />

Jumbo: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h30 6ª<br />

15h20, 18h20, 21h30, 24h Sábado 13h30, 15h20,<br />

18h20, 21h30, 24h Domingo 13h30, 15h20, 18h20,<br />

21h30; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 1: 5ª<br />

2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h30 6ª 15h40, 18h40,<br />

21h30, 24h Sábado 13h10, 15h40, 18h40, 21h30, 24h<br />

Domingo 13h10, 15h40, 18h40, 21h30; Castello Lopes<br />

- Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40,<br />

18h10, 21h30, 23h40 Sábado Domingo 13h, 15h40,<br />

18h10, 21h30, 23h40; ZON Lusomundo Almada<br />

Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />

15h30, 18h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Fórum<br />

Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,<br />

16h, 18h35, 21h30, 00h10; Zon Lusomundo Freeport:<br />

5ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h45, 21h30 6ª 16h10, 18h45,<br />

21h30, 00h10 Sábado 13h30, 16h10, 18h45, 21h30,<br />

00h10 Domingo 13h30, 16h10, 18h45, 21h30;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h05, 16h35, 19h10, 21h45, 00h25 3ª 4ª 16h35,<br />

19h10, 21h45, 00h25; Vivacine - Maia: Sala 3: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h20,<br />

21h20, 23h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h50,<br />

21h30, 00h05; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h, 21h30 6ª Sábado<br />

15h30, 18h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo<br />

GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h,<br />

18h35, 21h20 6ª Sábado 13h25, 16h, 18h35, 21h20,<br />

00h15; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h20, 21h20 6ª Sábado 13h10,<br />

15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 16h, 19h, 21h50, 00h40; ZON Lusomundo<br />

Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h40, 18h30, 21h30, 00h20; Castello Lopes - 8ª<br />

Avenida: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 17h30, 19h40,<br />

21h50 6ª 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 00h05 Sábado<br />

13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 00h05 Domingo<br />

13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50; ZON Lusomundo<br />

Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10,<br />

18h50, 21h30 6ª Sábado 13h30, 16h10, 18h50, 21h30,<br />

00h10; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h25, 19h10, 21h55, 00h40;<br />

O alemão Florian Henckel von<br />

Donnersmark foi o autor <strong>de</strong> um<br />

estimável filme, “As Vidas dos<br />

Outros”, visão pacificada, se não<br />

re<strong>de</strong>ntora pelo menos compassiva, do<br />

quotidiano na extinta RDA, com<br />

ênfase no que <strong>de</strong>sse quotidiano era<br />

marcado pela conspícua acção da<br />

STASI. Se bem se recordam – e foi um<br />

filme muito visto, Óscar para filme em<br />

língua estrangeira e tudo – havia um<br />

agente secreto que aprendia que “o<br />

mediador entre o cérebro e as mãos<br />

<strong>de</strong>ve ser o coração”, como se diz no<br />

“Metropolis” <strong>de</strong> Lang (nos filmes, os<br />

alemães têm esta estranha tendência<br />

para proporem a via sentimental<br />

como resolução <strong>de</strong> conflitos).<br />

Estimável, dissemos, porque bem ou<br />

mal, era um filme que tinha uma<br />

“raison d’être” para além das<br />

consagradas causas da “arte” ou do<br />

“comércio”: queria dizer qualquer<br />

coisa que parecia minimamente<br />

necessário dizer, e dizia-a.<br />

“O Turista” é exactamente o<br />

contrário: não tem nada para dizer, e<br />

não diz nada. O enraizamento <strong>de</strong> “As<br />

Vidas dos Outros” é substituído pelo<br />

superficial charme <strong>de</strong> uma<br />

“produção internacional”, com<br />

ve<strong>de</strong>tas <strong>de</strong> calibre mundial –<br />

Angelina Jolie, Johnny Depp, e<br />

Veneza – e uma história que podia<br />

ser contada mais ou menos da<br />

mesma maneira por um tarefeiro<br />

hollywoodiano anódino (que é aquilo<br />

que von Donnersmark se candidata a<br />

ser). Podia ser um espumante – como<br />

Cary Grant, Grace Kelly e a Riviera<br />

no “To Catch a Thief” <strong>de</strong> Hitchcock<br />

- mas não passa <strong>de</strong> uma zurrapa. A<br />

intriga mistura elementos <strong>de</strong><br />

histórias <strong>de</strong> gangsters com atmosfera<br />

<strong>de</strong> filme <strong>de</strong> espionagem “high tech”,<br />

e duas personagens (as <strong>de</strong> Jolie e<br />

Depp) que <strong>de</strong>viam ter uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> incerta – mas não há<br />

personagens, <strong>de</strong> facto, que resistam<br />

à quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças<br />

“ontológicas” a que o argumento as<br />

submete, pelo menos da maneira<br />

<strong>de</strong>sajeitada (ou, liminarmente,<br />

<strong>de</strong>sonesta) com que o filme as<br />

cumpre. Von Donnersmark filma<br />

como se estivesse a trabalhar para<br />

uma revista <strong>de</strong> “glamour” como<br />

aquelas que se folheiam nos aviões.<br />

Mas se há “estilo” é sempre o estilo<br />

dos outros – Jolie, o guarda-roupa, o<br />

Hotel Danieli, Tudo muito bonito,<br />

com certeza; mas o filme não tem<br />

uma única i<strong>de</strong>ia sobre o que fazer<br />

com esse estilo, nem como olhar<br />

para ele ou como torná-lo seu<br />

enquanto <strong>de</strong>spacha a fórmula que<br />

tem para <strong>de</strong>spachar. Sai-se a trautear<br />

o senhor Jarvis Cocker: “’cause<br />

everybody hates a tourist…”.<br />

Continuam<br />

Tulpan<br />

De Sergei Dvortsevoy,<br />

com Askhat Kuchinchirekov, Samal<br />

Eslyamova, Ondas Besikbasov,<br />

Tolepbergen Baisakalov. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30 6ª Sábado 2ª<br />

13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 24h;<br />

Asa acaba <strong>de</strong> regressar da tropa e<br />

bem tenta convencer os pais <strong>de</strong><br />

Tulpan, a única rapariga solteira da<br />

região, a darem-lhe a sua mão para<br />

ele po<strong>de</strong>r começar família e vida. Mas<br />

a rapariga não gosta das orelhas <strong>de</strong>le<br />

e a mãe também não está pelos<br />

ajustes. Contado <strong>de</strong>sta maneira,<br />

“Tulpan” é uma comédia romântica<br />

sobre um rapaz que procura o seu<br />

lugar no mundo – só que ambientada<br />

nas estepes do Cazaquistão, com<br />

Sergei Dvortsevoy, documentarista<br />

em estreia na ficção, a encerrar nessa<br />

comédia um confronto surdo entre<br />

tradição e progresso, entre perpetuar<br />

um modo <strong>de</strong> vida e construir um<br />

novo. O resultado é um filme cuja<br />

vibração do real (muito evi<strong>de</strong>nte, por<br />

exemplo, na espantosa cena do<br />

porto), integrada com elegância mas<br />

não sem ingenuida<strong>de</strong> numa ficção<br />

assumidamente sonhadora, revela<br />

uma enorme inteligência formal e<br />

criativa a trabalhar. J. M.<br />

Burlesque<br />

De Steven Antin,<br />

com Cher, Christina Aguilera, Eric<br />

Dane, Cam Gigan<strong>de</strong>t, Julianne Hough,<br />

Alan Cumming, Peter Gallagher,<br />

Kristen Bell, Stanley Tucci. M/12<br />

a<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª 2ª<br />

3ª 4ª 13h55, 16h10, 18h30, 21h45, 24h Sábado Domingo<br />

11h40, 13h55, 16h10, 18h30, 21h45, 24h; CinemaCity<br />

Beloura Shopping: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 17h35,<br />

19h45, 22h05, 00h10 Sábado Domingo 19h45, 22h05,<br />

00h10; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h55, 16h15, 18h35, 21h20, 00h05; CinemaCity Classic<br />

Alvala<strong>de</strong>: Sala 4: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10,<br />

21h30 6ª Sábado 13h50, 16h10, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>ia<br />

Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 00h10; UCI<br />

Cinemas - El Corte Inglés: Sala 6: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />

4ª 14h10, 16h45, 19h10, 21h45, 00h10 Domingo 11h30,<br />

14h10, 16h45, 19h10, 21h45, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30,<br />

16h10, 18h50, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo<br />

CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h50, 18h30, 21h20, 24h; ZON Lusomundo<br />

Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15,<br />

16h, 18h40, 21h35, 00h25; ZON Lusomundo Oeiras<br />

Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h,<br />

18h40, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Torres Vedras:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h,<br />

21h15, 23h50; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 4:<br />

5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h40, 21h20, 23h50 Sábado<br />

Domingo 12h40, 15h20, 18h40, 21h20, 23h50; Castello<br />

Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 5: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20,<br />

18h40, 21h20, 23h50 Sábado Domingo 12h40, 15h20,<br />

18h40, 21h20, 23h50; ZON Lusomundo Almada Fórum:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h45, 18h35,<br />

21h15, 23h55; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h35, 21h20,<br />

24h;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 10: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 13h55, 16h30, 19h10, 21h50, 00h25 3ª 4ª 16h30,<br />

19h10, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h40, 15h30, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h25,<br />

21h 6ª Sábado 14h30, 17h25, 21h, 23h55;<br />

Falar, a propósito <strong>de</strong> “Burlesque”, do<br />

musical clássico é um automatismo <strong>de</strong><br />

ocasião. Quer dizer: em “Chicago”, <strong>de</strong><br />

Rob Marshall, ainda se avistava o<br />

género num horizonte longínquo (mas<br />

já era, sobretudo, miragem) - por<br />

exemplo naquela forma <strong>de</strong> escravizar<br />

os actores a uma tradição <strong>de</strong> pau para<br />

toda a obra (Renée Zellweger,<br />

Catherine Zeta-Jones e Richard Gere).<br />

Havia, pelo menos, uma memória. Em<br />

“Burlesque” a haver memória ela é a<br />

<strong>de</strong> números musicais em cerimónias<br />

televisivas. Ali - on<strong>de</strong> Alan Cumming<br />

faz a enésima versão <strong>de</strong> Joel Grey no<br />

“Cabaret” e on<strong>de</strong> Cher se afirma como<br />

a melhor “drag queen” <strong>de</strong> si própria -<br />

<strong>de</strong>saguam motivos e figuras sem<br />

passado nem filiação, reproduções <strong>de</strong><br />

originais <strong>de</strong> que se per<strong>de</strong>u a memória.<br />

Vasco Câmara<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 35


Concertos<br />

Nurse With Wound: música sombria e perturbadora<br />

Pop<br />

Arriscar,<br />

criar<br />

Os históricos Nurse With<br />

Wound amanhã no Maria<br />

Matos. Mário Lopes<br />

Nurse With Wound & Blind Cave<br />

Salaman<strong>de</strong>r<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />

Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Amanhã,<br />

às 22h. Tel.: 218438801. 6€ a 15€.<br />

O sentido <strong>de</strong> risco é basilar aos Nurse<br />

With Wound. Fundados pelo inglês<br />

Steven Stapleton no final da década<br />

<strong>de</strong> 70, inicialmente tomados como<br />

parte da então emergente música<br />

industrial (a classificação ficou,<br />

Stapleton aproveitou as poucas<br />

oportunida<strong>de</strong>s em que fala ao mundo<br />

para se afastar <strong>de</strong>la), passariam as<br />

décadas seguintes a criar música<br />

absolutamente livre: livre na<br />

composição, improvisada; livre na<br />

instrumentação, com instrumentos<br />

convencionais <strong>de</strong>slocados do seu<br />

ambiente natural, a conviver com<br />

objectos do quotidiano; livre nas<br />

fontes em que bebe inspiração, tendo<br />

o kraut <strong>de</strong> Cluster, Amon Düul ou<br />

Faust como referência primordial,<br />

lado a lado com o surrealismo e os<br />

dadaístas, com mecânicas free-jazz,<br />

música noise e concreta.<br />

Os Nurse With Wound são música<br />

sombria e perturbadora. São música<br />

ambiente que nunca preten<strong>de</strong><br />

oferecer simplesmente serenida<strong>de</strong> ao<br />

ouvinte. Atingiram um dos seus<br />

maiores momentos, no que diz<br />

respeito à concretização <strong>de</strong> uma<br />

visão artística, em “Soliloquy For<br />

Lillith”, triplo álbum editado em<br />

1988, criado por Stapleton e Diana<br />

Rogerson pela sobreposição <strong>de</strong><br />

camadas sonoras em loop: vários<br />

pedais ofereciam uma vasta gama <strong>de</strong><br />

ondas eléctricas que o duo<br />

manipulou e organizou livremente<br />

através <strong>de</strong> movimentos corporais,<br />

utilizando o método e o princípio<br />

aplicados ao theremin.<br />

Apesar <strong>de</strong> ser um criador que<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o isolamento, sem<br />

interferências <strong>de</strong> qualquer espécie,<br />

como força motriz da sua obra,<br />

Steven Stapleton, que vive <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

La Shica noTheatro Circo <strong>de</strong> Braga<br />

meados da década passada numa<br />

quinta na Irlanda, tem entre a sua<br />

extensa discografia (são <strong>de</strong>zenas e<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> edições) variadíssimas<br />

colaborações: com o melhor amigo<br />

David Tibet, com os Stereolab, Jim<br />

O’Rourke ou os Faust. É<br />

precisamente aqui que regressamos<br />

ao início do texto, ao risco. Porque os<br />

Nurse With Wound não vêm sozinhos<br />

ao Maria Matos.<br />

Amanhã, subirão a palco com os<br />

Blind Cave Salaman<strong>de</strong>r, duo formado<br />

por Fabrizio Modonese Palumbo e<br />

Paul Beauchamp. Objectivo: com<br />

Steve Stapleton (guitarra), Colin<br />

Potter (electrónica) e Julia Kent<br />

(violoncelo), com a guitarra <strong>de</strong><br />

Fabrizio Modonese e a electrónica <strong>de</strong><br />

Paul Beauchamp, dar corpo<br />

instrumental à música <strong>de</strong> “Soliloquy<br />

For Lilith”. Arriscar: Stapleton não<br />

sabe fazer <strong>de</strong> outra forma.<br />

Clássica<br />

O <strong>de</strong>safio<br />

<strong>de</strong> Mário<br />

Laginha<br />

Ao lado da Orquestra<br />

Sinfónica do Porto, o<br />

pianista interpreta no Porto<br />

e em <strong>Lisboa</strong> o Concerto que<br />

escreveu em 2009. Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Mário Laginha e Orquestra<br />

Sinfónica do Porto Casa da<br />

Música<br />

Direcção Musical d Christoph Konig.<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque. Hoje, às 21h. Tel.: 220120220.<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. Império.<br />

Amanhã, às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a 25€.<br />

Obras <strong>de</strong> Dohnányi, nyi, Laginha e<br />

Strauss.<br />

Agenda<br />

Sexta 7<br />

JP Simões & Convidados<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59, às<br />

23h. Tel.: 213430205. 10€.<br />

Ver texto na pág. 12.<br />

André Fernan<strong>de</strong>s Quarteto &<br />

Bernardo Sassetti<br />

Braga. Espaço Cultural Pedro Remy. R. Dom<br />

Gualdim Pais, 36, às 22h. Tel.: 253610300.<br />

Da Casa dos Mortos<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Esa Pekka-<br />

Salonen. Encenação <strong>de</strong> Kristiina<br />

Helin. Coro e Orquestra Gulbenkian.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian<br />

- Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. <strong>de</strong> Berna, 45A, às 19h. Tel.:<br />

217823700. 15€ a 35€.<br />

Mês Janácek.<br />

Strauss Festival Orchestra e<br />

Strauss Ballet Ensemble<br />

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:<br />

223394947. 15€ a 45€.<br />

Elena Rojas e Wei-Hsien Lien<br />

Monte Estoril. Museu da Música Portuguesa - Casa<br />

Verda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Faria. Av. Sabóia, 1146 - B., às 18h30.<br />

Tel.: 214815901. Entrada gratuita.<br />

9 Years of Sonic Culture<br />

Com Wolfgang Voigt + Jorg Burger,<br />

Magda, Expan<strong>de</strong>r, Manu, André,<br />

Dexter.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique -<br />

Armazém A, às 23h. Tel.: 218820890. Consumo<br />

mínimo.<br />

Paula Sousa Quinteto<br />

<strong>Lisboa</strong>. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7, às 22h30. Tel.:<br />

919184867. 8€.<br />

Sábado 8<br />

Kátia Kabanová<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional <strong>de</strong> São Carlos. Lg. S.<br />

Carlos, 17. 2ª, 3ª, 4ª, 6ª e Sáb. às 20h. Dom. às 16h.<br />

Tel.: 213253045. 30€ a 75€.<br />

Mês Janácek.<br />

9 Years of Sonic Culture<br />

Com Wolfgang Voigt + Jorg Burger,<br />

Expan<strong>de</strong>r.<br />

Laginha na interpretação do Concerto<br />

para Piano e Orquestra que o pianista<br />

e compositor escreveu em 2009, após<br />

vários anos <strong>de</strong> hesitação. O facto <strong>de</strong><br />

ser um género musical com um<br />

gran<strong>de</strong> peso da história e uma galeria<br />

<strong>de</strong> obras magníficas intimidava-o, mas<br />

a paixão pelo <strong>de</strong>safio foi mais forte.<br />

Laginha é um dos gran<strong>de</strong>s nomes do<br />

jazz, mas a sua sensibilida<strong>de</strong> foi<br />

formada também pela música<br />

clássica e por muitas outras<br />

músicas, as quais<br />

convoca<br />

sempre que tem<br />

necessida<strong>de</strong>. Um dos<br />

exemplos evi<strong>de</strong>ntes, com<br />

excelentes resultados, é o<br />

seu Chopin revisitado por<br />

arranjos jazzísticos,<br />

Hoje no Porto (às 21h, na Casa<br />

da Música) e amanhã em<br />

<strong>Lisboa</strong> (à mesma hora, no<br />

Centro Cultural <strong>de</strong><br />

Belém), a<br />

Orquestra<br />

projecto gravado<br />

recentemente<br />

em disco.<br />

No texto que<br />

escreveu sobre<br />

o seu<br />

Sinfónica do<br />

Porto vai<br />

Laginha é um dos gran<strong>de</strong>s<br />

nomes do jazz, mas a sua<br />

Concerto<br />

para Piano,<br />

partilhar o palco<br />

sensibilida<strong>de</strong> foi formada<br />

Laginha<br />

com Mário também pela música clássica<br />

recorda que<br />

Esa Pekka-Salonen dirige<br />

na Casa da Música e na Gulbenkian<br />

Porto. Gare Clube. Rua da Ma<strong>de</strong>ira, 182, às 0h. Tel.:<br />

912564343.<br />

Domingo 9<br />

Orquestra Barroca Casa da<br />

Música<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 11€.<br />

Obras <strong>de</strong> Hän<strong>de</strong>l, Marcello, Corelli,<br />

Telemann e Vivaldi.<br />

Terça 11<br />

Philharmonia Orchestra<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Esa-Pekka<br />

Salonen. Com Leila Josefowicz<br />

(violino).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. Berna, 45A, às 21h. Tel.:<br />

217823700. 25€ a 65€.<br />

António Rosado e Orquestra<br />

Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Isin Metin.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Pç. Império, às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a<br />

20€.<br />

À Descoberta do Mediterrâneo -<br />

obras <strong>de</strong> Rossini, Saint-Saëns e<br />

Saygun.<br />

Luís Figueiredo Trio<br />

Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€.<br />

Ciclo Jazz Galp.<br />

Quinta 13<br />

Philharmonia Orchestra e Coro<br />

Gulbenkian<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Esa-Pekka<br />

Salonen. Com Attila Fekete (tenor),<br />

Michele Kalmandi (baixo).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,<br />

96, às 21h. Tel.: 213240580. 20€ a 65€.<br />

Ciclo Gran<strong>de</strong>s Orquestras. Obras <strong>de</strong><br />

Bartók e Stravinsky.<br />

La Shica<br />

Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.<br />

Liberda<strong>de</strong>, 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 12€.<br />

MUSA - Ciclo no Feminino.<br />

“a linguagem do jazz se <strong>de</strong>senvolveu<br />

afastando-se do universo clássico” e<br />

que “a forma como se tocam os<br />

instrumentos, o som que se tira <strong>de</strong>les<br />

e as próprias formações” conferiram<br />

“uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> muito própria ao<br />

jazz”. Por essa razão, po<strong>de</strong>ria<br />

“parecer um contrasenso tentar<br />

reaproximar aquilo que<br />

naturalmente se separou”, só que a<br />

postura <strong>de</strong> Laginha é outra: a <strong>de</strong><br />

assumir a contaminação das músicas<br />

e dos estilos que o atraem. “Aquilo<br />

que eu pretendi fazer foi<br />

simplesmente tentar perceber o que<br />

posso utilizar, como <strong>de</strong>vo utilizar e<br />

quando utilizar essas características.<br />

É um terreno difícil, mas o <strong>de</strong>safio é<br />

<strong>de</strong>masiado atraente.”<br />

O programa, dirigido por<br />

Christoph Konig, inclui ainda a<br />

“Rapsódia Americana”, <strong>de</strong> Ernst von<br />

Dohnányi, compositor húngaro que<br />

se mudou para os Estados Unidos<br />

após a Segunda Guerra Mundial — o<br />

país-tema da nova temporada da<br />

Casa da Música são os EUA — e o<br />

poema sinfónico <strong>de</strong> Richard Strauss<br />

“Uma Vida <strong>de</strong> Herói.”<br />

36 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


19:30 SALA 2<br />

—<br />

PORTRAIT<br />

WOLFGANG<br />

RIHM II<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

Wolfgang Rihm<br />

Quartetos nº 3<br />

e nº 5<br />

Olga Neuwirth<br />

In the realms<br />

of the unreal<br />

(estreia portuguesa;<br />

encomenda da Cité <strong>de</strong><br />

la Musique, Casa da<br />

Música, MaerzMusik/<br />

Berliner Fetspiele e<br />

ORF/musikprotokoll)<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

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DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 37


Discos<br />

Clássica<br />

O inesgotável<br />

fascínio <strong>de</strong><br />

Pergolesi<br />

A veterana Bernarda Fink e a<br />

jovem Anna Prohaska numa<br />

interpretação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

nobreza expressiva do mais<br />

célebre “Stabat Mater” da<br />

história da música. Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Giovanni Battista Pergolesi<br />

Stabat Mater<br />

Anna Prohaska, Bernarda Fink<br />

Aka<strong>de</strong>mie für Alte Musik Berlin<br />

Harmonia Mundi<br />

mmmmn<br />

Bernarda Fink associou-se a uma cantora <strong>de</strong> uma<br />

geração mais jovem, a soprano Anna Prohaska<br />

A discografia do<br />

“Stabat Mater”, <strong>de</strong><br />

Giovanni Battista<br />

Pergolesi (1710-<br />

1736), é imensa,<br />

mas esta obra<br />

lendária terminada poucos dias antes<br />

da morte do compositor não cessa <strong>de</strong><br />

fascinar os intérpretes. O carácter<br />

teatral da música (que no Barroco era<br />

comum também a muitas obras do<br />

repertório sacro, à própria liturgia e<br />

às artes visuais), o seu intenso<br />

“pathos” expressivo e a sua<br />

inspiração melódica permanecem até<br />

hoje como um gran<strong>de</strong> atractivo. Com<br />

um brilhante percurso ligado à<br />

música barroca e ao mundo do Lied,<br />

é natural que a meio-soprano<br />

argentina Bernarda Fink também<br />

quisesse incluir esta obra-prima entre<br />

os seus registos discográficos. No ano<br />

em que passam três séculos do<br />

nascimento <strong>de</strong> Pergolesi,<br />

associou-se s a uma<br />

cantora a<br />

<strong>de</strong> uma<br />

geração mais jovem<br />

(a soprano Anna<br />

Prohaska) e à<br />

Aka<strong>de</strong>mie für Alte<br />

Musik Berlin numa<br />

interpretação<br />

envolvente vente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

nobreza<br />

expressiva,<br />

que evita<br />

os exageros<br />

operáticos dos<br />

intérpretes<br />

menos<br />

familiarizados<br />

com as<br />

práticas<br />

<strong>de</strong><br />

execução<br />

históricas<br />

e<br />

também<br />

os<br />

contrastes<br />

<strong>de</strong>masiado<br />

abruptos<br />

<strong>de</strong> algumas orquestras barrocas<br />

italianas. O timbre dourado e os<br />

graves redondos <strong>de</strong> Bernarda Fink,<br />

que nos oferece uma leitura <strong>de</strong><br />

intensa profundida<strong>de</strong> dramática,<br />

contrastam com a clareza cintilante<br />

da voz <strong>de</strong> Anna Prohaska (cujo<br />

timbre se torna por vezes um pouco<br />

estri<strong>de</strong>nte nos climaxes), mas as<br />

duas cantoras conseguem em geral<br />

uma boa sintonia nos duetos do<br />

“Stabat Mater” e na “Salve Regina”<br />

em Dó menor. As obras vocais são<br />

intercaladas por peças instrumentais<br />

que prolongam a atmosfera<br />

pungente do programa,<br />

nomeadamente a sombria Sinfonia<br />

Rv. 169 “Al Sancto Sepolcro”, <strong>de</strong><br />

Vivaldi, e o Concerto a 4 “Il Pianto<br />

d’Arianna”, <strong>de</strong> Locatelli. Nesta<br />

última obra, a Aka<strong>de</strong>mie für Alte<br />

Musik exibe o seu habitual rigor<br />

técnico e sonorida<strong>de</strong> polida, mas<br />

po<strong>de</strong>ria ter ido mais longe na<br />

liberda<strong>de</strong> “<strong>de</strong>clamatória” e na<br />

fluência rítmica, tendo em conta que<br />

se trata <strong>de</strong> uma evocação<br />

instrumental <strong>de</strong> um “Lamento”,<br />

peça <strong>de</strong> origem vocal, neste caso<br />

associada ao famoso episódio <strong>de</strong><br />

Ariana abandonada pelo seu amante<br />

Teseu na ilha <strong>de</strong> Naxos.<br />

Pop<br />

Até <strong>de</strong>saparecer<br />

completamente<br />

Syd Barrett<br />

An Introduction to Syd Barrett<br />

Harvest; distri. EMI Music<br />

mmmmn<br />

Ouvir <strong>de</strong> rajada<br />

estes três<br />

curtíssimos anos<br />

(<strong>de</strong> 1967 a 1970) não<br />

é um ponto <strong>de</strong><br />

partido, não é “uma<br />

introdução”, como anuncia o título.<br />

Syd Barrett, fundador e primeiro<br />

lí<strong>de</strong>r dos Pink Floyd, surge primeiro<br />

como talento pop fascinante, ante, capaz<br />

<strong>de</strong> canalizar o ambiente libertário<br />

da swinging London para a um<br />

imaginário único, <strong>de</strong> uma<br />

luminosida<strong>de</strong> sonhadora a que<br />

a produção inventiva reflecte<br />

como poucas outras bandas<br />

antes ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la.<br />

Barrett, habilíssimo com as<br />

palavras, fez do psica<strong>de</strong>lismo ismo<br />

recreio infantil, com a<br />

inocência da infância eivada<br />

<strong>de</strong> perversida<strong>de</strong> adulta<br />

(conferir “Arnold Layne”, o<br />

primeiro single), fez <strong>de</strong>le<br />

viagem tripada entre uma<br />

Inglaterra <strong>de</strong> contos<br />

fantásticos e o espaço lá<br />

em cima, por <strong>de</strong>scobrir.<br />

Fez isso, como nenhum<br />

outro, rápido como<br />

nenhum outro. E,<br />

tragicamente,<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

misteriosamente, <strong>de</strong>sapareceu pouco<br />

<strong>de</strong>pois (afogado em LSD, o que, diz<br />

uma das teorias – há muitas teorias<br />

sobre Syd Barrett -, terá provocado o<br />

seu colapso mental).<br />

Em “An Introduction to Syd<br />

Barrett”, colectânea supervisionada<br />

por David Gilmour, o amigo <strong>de</strong><br />

infância que o substituiu nos Pink<br />

Floyd, em 1968, e a primeira a juntar<br />

o trabalho do Barrett com os Floyd e<br />

a obra a solo, não é apenas uma<br />

colecção <strong>de</strong> música admirável, da<br />

melhor que o século XX pop<br />

produziu. É também a história da<br />

<strong>de</strong>sintegração <strong>de</strong> um artista e dos<br />

seus últimos momentos <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z<br />

antes da queda no abismo.<br />

A efervescência que empregara<br />

nos Pink Floyd, aqui representados<br />

por singles como “Arnold Layne” ou<br />

“See Emily Play” e por canções como<br />

“Chapter 24” ou “Matilda mother”<br />

(esta em versão alternativa, anterior à<br />

que seria incluída em “Pipper At The<br />

Gates of Dawn”, o álbum <strong>de</strong> estreia),<br />

<strong>de</strong>svanece-se no preciso momento<br />

em que passamos <strong>de</strong> “Bike”,<br />

psica<strong>de</strong>lismo em versão music-hall e<br />

a última canção <strong>de</strong> “Pipper”, para<br />

“Terrapin”, a primeira do primeiro<br />

álbum a solo <strong>de</strong> Barrett, editado em<br />

1969. A música <strong>de</strong>spe-se a voz e<br />

guitarra, a voz torna-se grave, quase<br />

perturbadora, e Barrett passa a<br />

habitar um espaço só seu. Não há<br />

“swinging London”, não existe nada<br />

mais que um homem, incrivelmente<br />

talentoso, refugiado em si mesmo, às<br />

voltas consigo mesmo. Mas, e isto é<br />

importante, alguém consciente do<br />

processo que atravessava – a<br />

“loucura”, arma fetiche para a<br />

valorização dos seus álbuns a solo,<br />

não é evi<strong>de</strong>nte nas canções que<br />

<strong>de</strong>ixou. O que se ouve aqui é uma<br />

instabilida<strong>de</strong> emocional que o leva da<br />

resignação - “cause we’re the fishes<br />

and all we do, is move about is all we<br />

do”, em “Terrapin” – à euforia<br />

romântica <strong>de</strong> “Love you”. Que o leva<br />

à <strong>de</strong>sistência nessa negríssima<br />

“Dominoes”, ao toque <strong>de</strong> Midas<br />

rock’n’roll, novamente, na<br />

excentricida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Gigolo<br />

aunt”, à tão neurótica<br />

quanto contagiante<br />

“Octupus”, u ao humor<br />

<strong>de</strong><br />

“Bob Dylan blues”,<br />

sátira e homenagem a<br />

um<br />

dos músicos que<br />

mais admirava,<br />

revelada pela<br />

primeira r vez numa<br />

colectânea<br />

anterior,<br />

editada em<br />

2001.<br />

Com a<br />

ajuda <strong>de</strong><br />

Syd Barrett: como foi<br />

possível tanto em tão<br />

pouco tempo – e<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparecer<br />

completamente?<br />

David<br />

Gilmour,<br />

Rick<br />

Wright e<br />

alguns Soft<br />

Machine,<br />

Syd Barrett<br />

ressurgiu<br />

em 1969 com “The Madcap Laughs”:<br />

o título, naturalmente, é todo um<br />

programa. No ano seguinte, lançou<br />

“Barrett”, o segundo e último álbum<br />

a solo (os dois, bem como “Opel”,<br />

criado a partir das sobras das sessões<br />

<strong>de</strong> ambos, foram reeditados em<br />

paralelo à compilação).<br />

Em três anos, Barrett passara <strong>de</strong><br />

estrela da contracultura britânica, a<br />

mais cintilante, a mais promissora, a<br />

trovador em queda, mistério<br />

insondável que nunca conseguiremos<br />

<strong>de</strong>svendar. A sua obra expõe todo<br />

esse percurso com uma nu<strong>de</strong>z ímpar<br />

e com uma perturbadora<br />

clarividência do ocaso que se<br />

aproximava.<br />

“An Introduction” apresenta cinco<br />

das suas <strong>de</strong>zoito canções em novas<br />

misturas, um baixo regravado por<br />

Gilmour, com a discrição que se<br />

impunha., para “Here I go”, e dá-nos<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r, através do<br />

site sydbarrett.com, ao inédito<br />

“Rhamadan” (mera curiosida<strong>de</strong>, uma<br />

jam <strong>de</strong> vinte minutos da primeira fase<br />

dos Pink Floyd).<br />

“An Introduction” não nos revela<br />

nada que não soubéssemos. Prolonga<br />

o fascínio e a admiração provocada<br />

por esta impressionante explosão<br />

criativa. E <strong>de</strong>ixa-nos, ainda, com uma<br />

sensação <strong>de</strong> angústia: como foi<br />

possível tanto em tão pouco tempo –<br />

e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparecer<br />

completamente? M.L.<br />

Vários<br />

Tradi-Mods vs.<br />

Rockers<br />

Crammed; distri.<br />

Megamúsica<br />

mmmmn<br />

Vários<br />

Congotronics: Box<br />

Set<br />

Crammed; distri.<br />

Megamúsica<br />

mmmmm<br />

Lamelas metálicas fixadas sobre uma<br />

caixa <strong>de</strong> ressonância, às quais se<br />

aplicam pick-ups <strong>de</strong> fabrico caseiro<br />

que imitam a captação <strong>de</strong> uma<br />

guitarra eléctrica. Likembés <strong>de</strong> uma<br />

fragilida<strong>de</strong> tremenda, tratados como<br />

se fossem as clássicas Les Paul.<br />

Electricida<strong>de</strong> lançara para a mesma<br />

rua que permite a sobrevivência da<br />

música não a matar com carros em<br />

aceleração. Este é o gran<strong>de</strong> segredo<br />

dos grupos que compõem a série<br />

Congotronics, o movimento tradimo<strong>de</strong>rne<br />

dado a conhecer ao mundo<br />

com o álbum igualmente baptizado<br />

como “Congotronics” e gravado<br />

pelos Konono Nº1 em 2002. O<br />

impacto <strong>de</strong>ste disco – e dos três que<br />

ampliaram a série – junto do público<br />

e dos músicos europeus e norteamericanos<br />

foi <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m que<br />

Björk e Herbie Hancock não<br />

resistiram a chamar os Konono para<br />

embelezarem os seus discos.<br />

38 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon


Congotronics: se pensarmos que em tempos recentes se tornou<br />

especialmente bem visto resgatar e citar influências africanas num<br />

contexto rock<br />

Mas foi tal o fluxo contínuo <strong>de</strong><br />

entusiasmo por parte <strong>de</strong> músicos<br />

vários que continuava a chegar ao<br />

quartel-general da Crammed Discs<br />

em Bruxelas, que convenceu o seu<br />

director, Marc Hollan<strong>de</strong>r, a arriscar<br />

um convite: <strong>de</strong>safiar uma série <strong>de</strong><br />

nomes conotados com música mais<br />

alternativa, do rock dito indie a gente<br />

filiada na electrónica <strong>de</strong> ponta, ou até<br />

a folks <strong>de</strong> origem distinta, a pegar no<br />

imponente legado que a série<br />

constitui já e reinventá-lo sem<br />

respeitar quaisquer regras. Ou seja:<br />

era permitido remisturar (opção que,<br />

felizmente, não foi a privilegiada),<br />

compor novos temas inspirados pelos<br />

Congotronics, erguer canções <strong>de</strong> raiz<br />

com recurso a frases musicais tiradas<br />

dos originais, todas as variáveis<br />

possíveis <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o mote fosse<br />

dado pela música congolesa em<br />

questão.<br />

Se pensarmos que em tempos<br />

recentes se tornou especialmente<br />

bem visto resgatar e citar influências<br />

africanas num contexto rock –<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos resultados<br />

especialmente vibrantes <strong>de</strong> gente<br />

como Vampire Weekend ou Yeasayer<br />

e afins –, “Tradi-Mods vs. Rockers”<br />

parece abrir uma curiosa caixa <strong>de</strong><br />

Pandora, em que ao invés <strong>de</strong> soltar<br />

todos os males do mundo promete<br />

soltar a influência africana por todo o<br />

mundo criativo oci<strong>de</strong>ntal. Claro que<br />

antes <strong>de</strong> toda esta gente já Damon<br />

Albarn fora apren<strong>de</strong>r a tocar guitarra<br />

no Mali e o <strong>de</strong>ixara bem carimbado<br />

no disco “Think Tank” e no material<br />

dos Gorillaz – além do óbvio “Mali<br />

Music” –, mas a verda<strong>de</strong> é que ouvir<br />

esta compilação dupla, que apenas<br />

sofre do <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> chamar<br />

<strong>de</strong>masiados nomes ligados<br />

umbilicalmente à Crammed, é uma<br />

belíssima janela aberta para um<br />

futuro que apetece adoptar.<br />

Animal Collective e Andrew Bird<br />

eram daqueles casos em que<br />

facilmente os víamos a pousar as<br />

bagagens musicais no terreno<br />

africano e os resultados são<br />

excelentes confirmações <strong>de</strong>ssa<br />

suspeita. Mas há por aqui maravilhas<br />

imprevisíveis como a canção que<br />

Juana Molina constrói por cima dos<br />

Kasai Allstars ou o “aplique Kronos<br />

Quartet” dado pelo experimentalista<br />

Jherek Bischoff aos Konono Nº1. E se<br />

há quem construa, há igualmente<br />

quem <strong>de</strong>sconstrua, com notável<br />

mestria, as coor<strong>de</strong>nadas iniciais: as<br />

viagens musicais <strong>de</strong> Micachu & the<br />

Shapes e Oneida por terras do Congo<br />

são disso prodigioso exemplo. E<br />

assim por diante, com um par <strong>de</strong><br />

abordagens mais indiferentes, este<br />

“Tradi-Mods vs. Rockers” assume-se<br />

quase sempre como um olhar curioso<br />

e esforçado por pedir uma inspiração<br />

emprestada e <strong>de</strong>volvê-la não<br />

melhorada mas <strong>de</strong>vidamente<br />

transformada.<br />

Claro que passar daqui para os<br />

discos originais da série Congotronics<br />

– acrescido <strong>de</strong> “Très Très Fort” dos<br />

Staff Benda Bilili, <strong>de</strong> um single <strong>de</strong><br />

encontro entre os Kasai e os Akron/<br />

Family e <strong>de</strong> uma pen com todos os<br />

discos em mp3 mais uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong><br />

ví<strong>de</strong>os – é concorrência <strong>de</strong>sleal. A<br />

caixa <strong>de</strong> cinco LP e single em vinil<br />

com que a Crammed celebra a sua<br />

série é uma edição <strong>de</strong> luxo a todos os<br />

níveis. Mas, antes <strong>de</strong> mais, ao nível da<br />

música. Cada um dos volumes é um<br />

portento sonoro e um mergulho<br />

fundo em Kinshasa, através <strong>de</strong><br />

músicas circulares, em jeito <strong>de</strong> rituais<br />

hipnóticos com danças sensuais a<br />

levantar pé em terra batida, um<br />

convite a abandonarmo-nos num<br />

transe melodicamente riquíssimo e<br />

ritmicamente <strong>de</strong>sconcertante. Da<br />

totalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>staca-se naturalmente o<br />

“Congotronics” original pela sua<br />

reverberação urgente, ainda que os<br />

retratos mais amplos dados pelos<br />

Kasai Allstars (colectivo formado por<br />

membros <strong>de</strong> vários outros grupos) e a<br />

compilação “Congotronics 2” não lhe<br />

fiquem muito atrás. Os Staff Benda<br />

Bilili, habitualmente fora <strong>de</strong>stas<br />

contas, ganham aqui um natural<br />

contexto que faz todo o sentido –<br />

sendo igualmente uma banda <strong>de</strong> rua<br />

<strong>de</strong> Kinshasa, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada na sua<br />

terra e que vive também da passagem<br />

<strong>de</strong> instrumentos precários pela<br />

electricida<strong>de</strong>.<br />

São, em boa verda<strong>de</strong>, cinco obrasprimas.<br />

E juntá-las numa só edição é<br />

coisa que mexe com os nervos <strong>de</strong> tão<br />

imediatamente o vício se impõe.<br />

Prepare-se para comprar agulhas<br />

novas (para o gira-discos,<br />

obviamente). Gonçalo Frota<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 39

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