Flash - Fonoteca Municipal de Lisboa
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NUNO SARAIVA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7580 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
Sexta-feira<br />
7 Janeiro 2011<br />
www.ipsilon.pt
NUNO SARAIVA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7580 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
Sexta-feira<br />
7 Janeiro 2011<br />
www.ipsilon.pt
<strong>Flash</strong><br />
Sumário<br />
2011 6<br />
Todos os nomes<br />
do ano que agora<br />
começa, <strong>de</strong> Steven<br />
Spielberg aos<br />
Von Calhau!<br />
Ontroerend<br />
Goed 24<br />
O espectador<br />
no seu labirinto<br />
em três “rounds”<br />
na Culturgest<br />
Congotronics nics 26<br />
O som do Congo compilado<br />
por Vincent Kenis<br />
Sergei Loznitsa 28<br />
“Coup <strong>de</strong> foudre” com um<br />
cineasta bielorusso<br />
Ficha Técnica<br />
Directora Bárbara Reis<br />
Editor Vasco Câmara,<br />
Inês Nadais (adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel<br />
Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter, Simon<br />
Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho,<br />
Carla Noronha,<br />
Mariana Soares<br />
Editor <strong>de</strong> fotografia ografia<br />
Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />
E-mail: ipsilon@<br />
publico.pt<br />
Yoda e a Pantera<br />
Cor-<strong>de</strong>-Rosa na lista<br />
da Biblioteca do<br />
Congresso<br />
A Biblioteca do Congresso dos EUA<br />
seleccionou mais 25 filmes para<br />
serem preservados para memória<br />
futura. Com estas novas entradas, o<br />
número <strong>de</strong> filmes no arquivo<br />
filmográfico da Biblioteca, que tem<br />
como missão proteger as obras mais<br />
A retrospectiva<br />
Tom of Finland é<br />
uma espécie <strong>de</strong><br />
“homecoming”,<br />
mas um “homecoming”<br />
polémico<br />
marcantes do cinema norteamericano,<br />
chega a 550. Do lote dos<br />
escolhidos fazem parte, entre<br />
outros, “O Exorcista” (1973), <strong>de</strong><br />
William Friedkin, “O Império<br />
Contra Ataca” (1980), <strong>de</strong> Irvin<br />
Kershner, “Os Homens do<br />
Presi<strong>de</strong>nte” (1976), <strong>de</strong> Alan J.<br />
Pakula, “Malcolm X” (1992), <strong>de</strong><br />
Spike Lee, “Febre <strong>de</strong> Sábado à<br />
Noite” (1977), <strong>de</strong> John Badham, “O<br />
Aeroplano” (1980), <strong>de</strong> Jim<br />
Abrahams e David Zucker, e “A<br />
Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa” (1964), <strong>de</strong><br />
O<br />
homoerotismo<br />
<strong>de</strong> Tom of<br />
Finland e a<br />
arquitectura<br />
<strong>de</strong> Alvar<br />
Aalto: para<br />
o seu ano<br />
como Capital<br />
Europeia<br />
da Cultura,<br />
Turku saca<br />
dos maiores<br />
trunfos da<br />
Finlândia<br />
Blake Edwards.<br />
Os 25 filmes que agora irão ser<br />
preservados foram seleccionados<br />
entre 2112 obras, nomeadas pelo<br />
público pela sua importância a nível<br />
“cultural, histórico e estético”. É<br />
serviço público, sublinha James H.<br />
Billington, da Biblioteca do<br />
Congresso: “O registo <strong>de</strong> filmes do<br />
Congresso é uma forma <strong>de</strong> lembrar<br />
à nação que a preservação da nossa<br />
criativida<strong>de</strong> cinematográfica tem <strong>de</strong><br />
ser uma priorida<strong>de</strong>, já que meta<strong>de</strong><br />
dos filmes produzidos até 1950 e<br />
Tom of<br />
Finland<br />
<strong>de</strong> novo<br />
em casa<br />
“O Império<br />
Contra-Ataca”<br />
é um dos<br />
próximos 25<br />
filmes a serem<br />
preservados<br />
para memória<br />
futura<br />
Tom of Finland,<br />
aliás<br />
Touko Laaksonen (1920-<br />
1991), é o rapaz da terra em<br />
<strong>de</strong>staque no programa que<br />
Turku, uma das<br />
principais<br />
cida<strong>de</strong>s finlan<strong>de</strong>sas, tem<br />
na<br />
manga para<br />
o seu<br />
mandato como<br />
Capital<br />
Europeia da Cultura,<br />
que teve<br />
início já<br />
na<br />
segunda-feira.<br />
Natural <strong>de</strong><br />
Kaarina, uma<br />
população<br />
vizinha <strong>de</strong><br />
Turku, Tom of<br />
Finland volta<br />
agora<br />
a casa<br />
com uma<br />
retrospectiva que<br />
varre toda a<br />
obra do<br />
artista, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />
esboços da<br />
juventu<strong>de</strong> até aos trabalhos<br />
mais tardios. A exposição<br />
será inaugurada<br />
já no dia<br />
16 e fica em Turku até 18 <strong>de</strong><br />
Dezembro, por cortesia da<br />
Tom of Finland<br />
Foundation, <strong>de</strong> Los<br />
Angeles, e da associação<br />
Homotopia, <strong>de</strong> Liverpool.<br />
Mas há vida além <strong>de</strong> Tom<br />
of Finland (embora este<br />
esteja a ser, no “site” oficial<br />
da Capital Europeia da<br />
Cultura e na página do<br />
evento do Facebook, o<br />
acontecimento mais<br />
picante da Capital):<br />
festivais <strong>de</strong> teatro e<br />
dança, um extenso<br />
programa musical, e<br />
exposições <strong>de</strong>dicadas<br />
cerca <strong>de</strong> 90 por cento dos filmes<br />
feitos até 1920 estão perdidos para<br />
as gerações futuras.”<br />
Entre os escolhidos, “O<br />
Exorcista” foi distinguido por ser<br />
“um dos mais influentes filmes <strong>de</strong><br />
terror <strong>de</strong> todos os tempos” e “O<br />
Império Contra-ataca”, o segundo<br />
episódio da saga “Guerra das<br />
Estrelas” a ser lançado, por ter<br />
ajudado a “lançar as fundações <strong>de</strong><br />
uma das séries mais bem-sucedidas<br />
comercialmente na história<br />
americana”.<br />
ao pintor sueco Carl<br />
Larsson (1853-1919), ao<br />
trabalho com a ma<strong>de</strong>ira do<br />
arquitecto Alvar Aalto,<br />
outro ícone incontornável<br />
da Finlândia que viveu em<br />
Turku entre 1927 e 1933, e à<br />
artista Eija-Liisa Ahtila, que<br />
reflecte sobre a socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea finlan<strong>de</strong>sa<br />
na ví<strong>de</strong>o-instalação “Where<br />
is where?” (2008), sobre a<br />
guerra da Argélia. Também<br />
a relação com o espaço<br />
báltico, e nomeadamente<br />
com Tallin, a outra Capital<br />
Europeia da Cultura em<br />
2011, ocupa um lugar<br />
central no programa <strong>de</strong><br />
Turku. Ambas as cida<strong>de</strong>s<br />
propõem, <strong>de</strong> resto, um<br />
equilíbrio entre a cultura<br />
local e eventos <strong>de</strong><br />
projecção internacional,<br />
prolongando a lógica mais<br />
recente do projecto<br />
Capitais Europeias da<br />
Cultura. Em Tallin, <strong>de</strong><br />
resto, a aposta é<br />
<strong>de</strong>cididamente nos<br />
cidadãos locais, fazendo do<br />
evento uma materialização<br />
“poética e pragmática” do<br />
espírito da cida<strong>de</strong>:<br />
traduzindo, haverá danças<br />
populares, eventos<br />
<strong>de</strong>sportivos, jogos<br />
tradicionais, música<br />
clássica, os inabaláveis<br />
festivais da canção que são<br />
uma espécie <strong>de</strong> último<br />
reduto da alma estoniana, e<br />
uma série <strong>de</strong> aventuras no<br />
mar. Mas o principal<br />
<strong>de</strong>staque mediático vai<br />
para uma gran<strong>de</strong><br />
retrospectiva <strong>de</strong><br />
Hieronymus Bosch, que<br />
relacionará o génio do<br />
pintor holandês com os<br />
mitos do Norte da Europa.<br />
Tiago Bartolomeu Costa<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 3
<strong>Flash</strong><br />
A dupla<br />
britânica ica<br />
andou à caça<br />
dos anúncios<br />
sexuais<br />
afixados<br />
nas cabines<br />
telefónicas <strong>de</strong><br />
Londres para<br />
montar a nova<br />
exposição<br />
Queens<br />
of the Stone Age<br />
<strong>de</strong> volta ao estúdio<br />
Os norte americanos Queens of the<br />
Stone Age vão entrar em estúdio<br />
este mês para gravar o disco<br />
sucessor <strong>de</strong> “Era Vulgaris”, <strong>de</strong> 2007.<br />
A revelação foi feita por Dean<br />
Fertita, multi-instrumentista que faz<br />
parte do quinteto, à revista<br />
“Billboard”.<br />
O músico não adiantou a data <strong>de</strong><br />
lançamento do disco, que será o<br />
sexto do grupo li<strong>de</strong>rado e fundado<br />
por Josh Homme. Na entrevista à<br />
“Billboard”, Fertita adiantou que a<br />
banda está “entusiasmada e<br />
preparada” para as gravações. O<br />
O teatro i<strong>de</strong>al<br />
em Praga<br />
Uma<br />
micro-al<strong>de</strong>ia<br />
artística vai<br />
nascer na<br />
Quadrienal<br />
<strong>de</strong> Praga<br />
Chama-se “Intersection: Intimacy &<br />
Spectacle” e é um dos múltiplos<br />
acontecimentos paralelos da<br />
Quadrienal <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong><br />
Praga, que, <strong>de</strong> quatro em quatro<br />
anos, reúne o melhor da cenografia,<br />
do <strong>de</strong>sign e da arquitectura mundial<br />
e que em 2011 <strong>de</strong>corre entre 16 e 26<br />
<strong>de</strong> Junho. Mas o que este<br />
acontecimento tem <strong>de</strong> particular é o<br />
facto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r concorrer, em<br />
termos mediáticos, com a exposição<br />
oficial, cuja representação<br />
portuguesa está a cargo do<br />
encenador João Brites, do Teatro O<br />
Bando. Ao todo, são 30 caixas<br />
negras e brancas, criadas por<br />
provocadores como Árpád Schilling,<br />
fundador da companhia húngara<br />
Krétakör, Romeo Castellucci, da<br />
Societàs Raffaello Sanzio, ou o<br />
coreógrafo Josef Nadj, que vão<br />
ocupar o espaço público entre o<br />
Teatro Nacional <strong>de</strong> Praga e o antigo<br />
teatro da companhia Lanterna<br />
Magika, no centro da cida<strong>de</strong>.<br />
Objectivo: questionar o público<br />
sobre a sua relação com a<br />
performance e os modos<br />
contemporâneos <strong>de</strong> apresentação.<br />
“A primeira i<strong>de</strong>ia que nos surgiu foi<br />
uma al<strong>de</strong>ia artística microscópica,<br />
pequenos ‘teatros i<strong>de</strong>ais’ e ‘galerias<br />
i<strong>de</strong>ais’, cada um oferecendo um<br />
território interior para um<br />
compromisso íntimo com a obra <strong>de</strong><br />
arte”, explica Sodja Zupanc Lotker,<br />
curador da exposição e director<br />
artístico da Quadrienal. As caixas<br />
viajarão <strong>de</strong>pois pela Europa: a<br />
escala em Portugal faz-se no Festival<br />
Escrita na Paisagem, que <strong>de</strong>corre no<br />
Alentejo durante o Verão.<br />
músico disse ainda que os restantes<br />
membros da banda “já<br />
encontraram o seu espaço para<br />
contribuir na composição das<br />
faixas, apesar <strong>de</strong> os Queens of the<br />
Stone Age continuarem a ser a<br />
banda do Josh Homme”.<br />
Entre 1988 e 1995, Josh Homme foi<br />
guitarrista dos icónicos Kyuss, uma<br />
das bandas mais influentes da cena<br />
Stoner Rock. A banda, que se<br />
separou em 1995, reuniu-se em 2010<br />
como o nome Kyuss Lives! mas sem<br />
Homme, que não apoiou o regresso.<br />
Os Queens of the Stone Age já<br />
foram nomeados para o Grammy <strong>de</strong><br />
Melhor Performance Hard Rock por<br />
quatro vezes, a ultima <strong>de</strong>las em<br />
2008 com o single “Sick, Sick,<br />
Sick”.<br />
Hitchcock<br />
passa este<br />
Inverno<br />
em Paris<br />
Em Paris, o Inverno vai ser<br />
hitchcockiano: a edição em<br />
francês da mítica biografia<br />
que Patrick McGilligan<br />
lançou em 2004, “Alfred<br />
Hitchcock: A Life in<br />
Darkness and Light”,<br />
transformou-se na ponta <strong>de</strong><br />
um icebergue que inclui<br />
uma retrospectiva no<br />
Instituto Lumière em Lyon,<br />
um ciclo <strong>de</strong> projecções e <strong>de</strong><br />
conferências na<br />
Cinemateca Francesa, duas<br />
peças <strong>de</strong> teatro e 14<br />
serões Hitchcock na<br />
televisão. Nunca é<br />
<strong>de</strong>masiado: Alfred<br />
Hitchcock é um<br />
monstro que nunca mais<br />
acaba (e um dos<br />
fantasmas resi<strong>de</strong>ntes<br />
da história do<br />
cinema).<br />
Em Lyon, Bertrand<br />
Tavernier, presi<strong>de</strong>nte<br />
do Instituto Lumière, e<br />
Thierry Frémaux,<br />
director-geral,<br />
quiseram<br />
aproveitar o<br />
lançamento<br />
da biografia,<br />
editada em<br />
parceria pelo<br />
próprio instituto<br />
e pela Actes Sud,<br />
Sexto disco a<br />
caminho para<br />
a banda <strong>de</strong><br />
Josh Homme<br />
para organizar uma<br />
retrospectiva extensiva do<br />
cineasta, do cinema mudo<br />
aos anos americanos; além<br />
dos filmes, haverá um fim<strong>de</strong>-semana<br />
Hitchcock<br />
animado por Patrick<br />
McGilligan e por Tavernier<br />
(4, 5 e 6 <strong>de</strong> Fevereiro) e um<br />
estágio <strong>de</strong> análise fílmica<br />
orientado pelo especialista<br />
Jean Douchet (<strong>de</strong> 4 <strong>de</strong><br />
Janeiro a 3 <strong>de</strong> Abril). Mais<br />
acima, em Paris, a<br />
Cinemateca faz concorrência<br />
à retrospectiva <strong>de</strong> Lyon com<br />
um ciclo Hitchcock<br />
igualmente monumental, ao<br />
qual há que juntar as cinco<br />
conferências às segundasfeiras<br />
que se iniciam já dia<br />
10 com Serge Toubiana a<br />
tentar explicar como Hitch<br />
se tornou o cineasta<br />
favorito dos cineastas e<br />
acabam a 7 <strong>de</strong><br />
Fevereiro com o<br />
romancista<br />
Tanguy<br />
Viel a<br />
visitar<br />
os<br />
comboios e as casas-fétiche<br />
<strong>de</strong>sta inesgotável<br />
filmografia.<br />
Como se isto não<br />
bastasse, Hitchcock ainda<br />
vai ao teatro (e mais do que<br />
uma vez): a partir <strong>de</strong> dia 12,<br />
no Lucernaire, Alain Riou e<br />
Stéphane Boulan recriam,<br />
num ambiente <strong>de</strong> film noir,<br />
o mítico encontro <strong>de</strong><br />
Hitchcock com Truffaut;<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem, no Théâtre<br />
du Vésinet, a companhia <strong>de</strong><br />
Éric Métayer repõe a<br />
comédia “Os 39 Degraus”<br />
que fez sucesso no La<br />
Bruyère e que,<br />
curiosamente, também<br />
chega a Portugal agora,<br />
numa encenação <strong>de</strong><br />
Cláudio Hochmann. A<br />
estreia é dia 20, em<br />
Coimbra, no Teatro<br />
Académico <strong>de</strong> Gil Vicente.<br />
STF/ EPA PHOTO/AFP<br />
Gilbert &<br />
George, das cabines<br />
telefónicas para<br />
os museus<br />
A dupla Gilbert & George inaugura a<br />
14 <strong>de</strong> Janeiro, na White Cube Gallery<br />
<strong>de</strong> Londres, a exposição “Gilbert &<br />
George: Urethra Postcard Pictures”,<br />
que fica até 19 <strong>de</strong> Fevereiro na<br />
Mason’s Yard e <strong>de</strong>pois será exibida<br />
em vários museus por todo o<br />
mundo. Entre as novida<strong>de</strong>s da<br />
exposição estão trabalhos feitos a<br />
partir <strong>de</strong> anúncios sexuais afixados<br />
nas cabines telefónicas londrinas<br />
– “calling cards” que os artistas têm<br />
coleccionado ao longo <strong>de</strong> vários<br />
anos. Num <strong>de</strong>les, uma fotografia a<br />
preto e branco <strong>de</strong> um tronco <strong>de</strong> um<br />
homem, lê-se o texto: “Nasci<br />
rapariga. Fiz operação <strong>de</strong> mudança<br />
<strong>de</strong> sexo para homem. Mas ainda sou<br />
½ rapariga. Atraente turco 21 anos.”<br />
Gilbert & George pegaram nesse<br />
cartão, repetiram-no 13 vezes e<br />
criaram uma obra que dizem ser<br />
uma referência a um clérigo<br />
vitoriano <strong>de</strong>sonrado como pedófilo,<br />
explica o “The Guardian”.<br />
Des<strong>de</strong> a exposição que fizeram na<br />
Tate Mo<strong>de</strong>rn, em 2007, que Gilbert<br />
& George estão a trabalhar com<br />
estes postais. O jornal britânico<br />
explica que entre 1972 e 1989 os<br />
artistas fizeram centenas <strong>de</strong> obras<br />
em que usaram postais do tempo <strong>de</strong><br />
Eduardo VII (1841-1910) e da<br />
Primeira Guerra Mundial (1914-<br />
1918). As combinações que fizeram<br />
<strong>de</strong>stes postais serviam para os<br />
visitantes da exposição como portas<br />
<strong>de</strong> entrada no Reino Unido dos<br />
tempos do império colonial. Agora,<br />
os artistas estão a fazer retratos do<br />
Reino Unido mo<strong>de</strong>rno através <strong>de</strong><br />
postais massificados: on<strong>de</strong> se vêem<br />
as casas do parlamento, a Torre <strong>de</strong><br />
Londres, a ban<strong>de</strong>ira do Reino Unido<br />
e as tradicionais cabines<br />
telefónicas britânicas.<br />
Em Fevereiro,<br />
coincindindo com a<br />
abertura da exposição,<br />
será lançado “Complete<br />
Postcard Art of Gilbert<br />
& George”, revisão, em<br />
dois volumes editados<br />
pela Prestel, do<br />
trabalho da dupla<br />
com os postais. O<br />
livro tem <strong>de</strong>sign dos<br />
artistas e introdução do<br />
crítico Michael<br />
Bracewell.<br />
Retrospectivas e ciclos <strong>de</strong> conferências<br />
em Lyon e Paris, duas peças <strong>de</strong> teatro<br />
e 14 serões televisivos: a “saison”<br />
Hitchcock só agora está a começar<br />
4 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
B U L C Ã O<br />
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De disco para disco, Yasmin Levy tem aprofundado a<br />
busca <strong>de</strong> uma linguagem própria por entre a tradição<br />
judaico–espanhola, o flamenco e a cultura do mundo<br />
árabe, num processo que transcen<strong>de</strong> a própria<br />
música e <strong>de</strong>nuncia um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> reconciliação<br />
histórica. Sentir, o álbum mais recente da cantora<br />
e compositora nascida em Jerusalém, atesta o<br />
progressivo amadurecimento <strong>de</strong>ssa fusão, cada vez<br />
mais o habitat natural para a sua voz versátil,<br />
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Calhau! Mathieu Amalric<br />
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Radiohead James Franco<br />
Pina Bausch Umberto Eco<br />
Jérôme Bel Houellebecq<br />
Apichatpong Weerasethakul<br />
Sofia Coppola Panda Bear<br />
James Blake Trisha Brown<br />
Cláudio da Silva Angélica<br />
Lid<strong>de</strong>ll Godard Wolfgang<br />
Rihm Jonathan Franzen JP<br />
Simões Jason Moran Gonçalo<br />
Pena Thomas Hampson<br />
Simon Trpceski Eduardo<br />
Batarda Steve Lehman
A aventura <strong>de</strong> Spielberg<br />
no mundo <strong>de</strong> Tintin<br />
Sabendo do que Spielberg,<br />
realizador, e Jackson,<br />
produtor, são capazes<br />
quando se entregam a cem<br />
por cento, é inevitável a<br />
trepidação. Jorge Mourinha<br />
“Tintin e o<br />
Segredo do<br />
Licorne” foi<br />
rodado <strong>de</strong> raiz<br />
em 3D<br />
utilizando o<br />
sistema <strong>de</strong><br />
“performance<br />
capture” que<br />
permitiu a<br />
Andy Serkis<br />
habitar o<br />
Gollum do<br />
“Senhor dos<br />
Anéis” e a<br />
Cameron<br />
concretizar o<br />
planeta<br />
Pandora <strong>de</strong><br />
“Avatar”<br />
JEAN PIERRE MULLER/AFP<br />
Se há um filme que concentra em si<br />
tudo o que <strong>de</strong> mais empolgante e <strong>de</strong><br />
mais assustador a Hollywood mo<strong>de</strong>rna<br />
po<strong>de</strong> propor é a longamente anunciada<br />
adaptação ao cinema das aventuras<br />
<strong>de</strong> Tintin, que vai ver a luz do<br />
dia em 2011. Steven Spielberg, que<br />
sonhava levar a personagem ao cinema<br />
há anos, juntou esforços a Peter<br />
Jackson para “Tintin e o Segredo do<br />
Licorne”, que amalgama elementos<br />
<strong>de</strong> “O Segredo do Licorne”, “O Tesouro<br />
<strong>de</strong> Rackham o Terrível” e “O Caranguejo<br />
das Tenazes <strong>de</strong> Ouro” (a<br />
adaptação foi escrita por Edgar Wright,<br />
realizador <strong>de</strong> “Shaun of the Dead”<br />
e “Scott Pilgrim contra o Mundo”,<br />
e Steven Moffat, principal argumentista<br />
das séries inglesas “Doctor Who”<br />
e “Sherlock”).<br />
Mas “Tintin e o Segredo do Licorne”<br />
foi rodado <strong>de</strong> raiz em 3D utilizando<br />
o sistema <strong>de</strong> “performance capture”<br />
que permitiu a Andy Serkis habitar<br />
o Gollum do “Senhor dos<br />
Anéis” e a James Cameron concretizar<br />
o planeta Pandora <strong>de</strong><br />
“Avatar”. Ou seja: filmar uma<br />
referência <strong>de</strong> imagem real que<br />
“<strong>de</strong>saparece” no resultado final,<br />
com as personagens construídas<br />
em animação digital por sobre a interpretação<br />
corporal dos<br />
actores. A rodagem da referência<br />
ficou concluída<br />
há mais <strong>de</strong> um ano, e todo<br />
o tempo que me<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
então e até à estreia<br />
prevista para Outubro<br />
é <strong>de</strong>dicado<br />
à construção<br />
visual do<br />
filme, que se preten<strong>de</strong> tão próximo<br />
quanto possível da “linha clara” que<br />
Hergé impôs nos livros. Jamie Bell<br />
(“Billy Elliott”) <strong>de</strong>u o corpo e a voz a<br />
Tintin, Andy Serkis ao Capitão Haddock,<br />
Simon Pegg e Nick Frost são Dupont<br />
e Dupond e Daniel Craig Rackham<br />
o Terrível – mas que não se<br />
espere reconhecer os seus rostos no<br />
resultado final, como as primeiras<br />
fotografias divulgadas dão a enten<strong>de</strong>r...<br />
O risco <strong>de</strong> “Tintin” em “performance<br />
capture” é triplo: primeiro, porque<br />
Spielberg (que realiza) e Jackson (que<br />
produz) estão à procura <strong>de</strong> um meio<br />
termo difícil <strong>de</strong> encontrar entre o fotorealismo<br />
e a animação numa personagem<br />
que está literalmente gravada<br />
na memória cultural <strong>de</strong> milhões<br />
<strong>de</strong> leitores. Segundo, porque a personagem<br />
não tem nos EUA a popularida<strong>de</strong><br />
abrangente do resto do mundo<br />
(o resultado final é financiado a meias<br />
pela Paramount, que ficou com os<br />
direitos americanos, e a Sony/Columbia,<br />
que distribui no resto do mundo).<br />
Terceiro, porque tanto Spielberg como<br />
Jackson saem <strong>de</strong> filmes mal recebidos<br />
(o quarto Indiana Jones e “Visto<br />
do Céu”) e os observadores vão<br />
estar atentos à performance do “Licorne”<br />
- um “tropeção” po<strong>de</strong> ser complicado.<br />
Mas, sabendo do que ambos<br />
são capazes quando se entregam a<br />
cem por cento, é inevitável a trepidação.<br />
E, caso o filme seja um êxito, há<br />
sempre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter lançado<br />
um novo “franchise” cinematográfico...<br />
No interim, ambos os cineastas estão<br />
já a avançar com outros projectos,<br />
aproveitando a longuíssima pós-produção<br />
<strong>de</strong> “Tintin”. Jackson começa a<br />
filmar o “Hobbit” <strong>de</strong> Tolkien (ao que<br />
tudo indica em Fevereiro) para dois<br />
filmes a estrear em 2012 e 2013. Spielberg,<br />
que prepara “Robocalypse”,<br />
história <strong>de</strong> ficção-científica, para<br />
2012, já está a montar “War Horse”,<br />
adaptação <strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> Michael<br />
Morpurgo sobre a amiza<strong>de</strong> entre<br />
adolescente e o seu cavalo durante a<br />
I Guerra Mundial (que já originou uma<br />
espantosa produção teatral londrina),<br />
com David Thewlis, Peter Mullan e<br />
Emily Watson. “War Horse” e “Tintin<br />
e o Segredo do Licorne” vão ser “concorrentes”<br />
nas bilheteiras: ambos têm<br />
estreia prevista para o final <strong>de</strong> 2011,<br />
com “Tintin” a estrear a partir <strong>de</strong> Outubro<br />
na Europa (27 <strong>de</strong> Outubro em<br />
Portugal) e “War Horse” prometido<br />
para o Natal (embora, provavelmente,<br />
só em 2012 na Europa).<br />
cinema<br />
Mathieu Amalric,<br />
a generosida<strong>de</strong><br />
das formas<br />
Com “Tournée”, Mathieu<br />
Amalric rasga uma certa<br />
imagem <strong>de</strong> “auteur” e <strong>de</strong><br />
intérprete francês.<br />
Vasco Câmara<br />
Um pouco <strong>de</strong> “The Killing of a Chinese<br />
Bookie”, <strong>de</strong> Cassavetes, algo <strong>de</strong><br />
Renoir ( Jean e Auguste), ou seja, generosida<strong>de</strong><br />
no olhar e nas formas,<br />
melancolia e raiva rock’n’roll. E, apesar<br />
disto, coisa pessoal e livre.<br />
Com “Tournée”, quarta longa <strong>de</strong><br />
Mathieu Amalric, o realizador e actor<br />
rasga uma certa imagem <strong>de</strong> “auteur”<br />
MARIO ANZUONI /REUTERS<br />
NUNO FERREIRA SANTOS
O ano<br />
<strong>de</strong> James<br />
Franco...<br />
O talento enorme<br />
parecia andar<br />
ao lado <strong>de</strong> uma<br />
gran<strong>de</strong> carreira.<br />
Mas este ano...<br />
Chamaram-lhe “o novo James Dean”<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter recriado o ícone <strong>de</strong><br />
Hollywood num telefilme <strong>de</strong> 2001.<br />
Mas nem a sua presença nos “Homem-Aranha”<br />
<strong>de</strong> Sam Raimi o salvou<br />
<strong>de</strong> uma década em que o talento enorme<br />
<strong>de</strong> James Franco parecia andar ao<br />
lado <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> carreira. Até que<br />
papéis secundários em “Milk”, <strong>de</strong> Gus<br />
van Sant, e “Pineapple Express”, <strong>de</strong><br />
David Gordon Green, seguido <strong>de</strong> presenças<br />
em veículos para Julia Roberts<br />
PHIL MCCARTE/REUTERS<br />
e Steve Carell e uma participação conceptual<br />
na telenovela “General Hospital”,<br />
o <strong>de</strong>volveram à primeira linha<br />
<strong>de</strong> Hollywood. 2011 po<strong>de</strong> bem ser o<br />
seu ano: “127 Horas”, o novo Danny<br />
Boyle (estreia a 24 <strong>de</strong> Fevereiro), on<strong>de</strong><br />
é o único actor no écrã durante 90<br />
por cento do filme, parece ter garantida<br />
a nomeação para os Oscares. Mas<br />
vamos também po<strong>de</strong>r vê-lo a recriar<br />
o poeta beat Allen Ginsberg em “Howl”<br />
(em Junho), e a li<strong>de</strong>rar o elenco<br />
da “prequela” do “Planeta dos Macacos”,<br />
“Rise of the Apes” ( Julho), e da<br />
nova comédia <strong>de</strong> David Gordon Green,<br />
“Real Desatino” (Abril). J. M.<br />
James Franco<br />
como Allen<br />
Ginsberg em<br />
“Howl”<br />
MARIO ANZUONI /REUTERS<br />
Natalie<br />
Portman em<br />
“O Cisne<br />
Negro”<br />
... e o ano <strong>de</strong> Natalie<br />
Portman<br />
A sua performance tempestuosa<br />
no “Cisne Negro” <strong>de</strong> Darren<br />
Aronofsky coloca-a à frente da<br />
corrida para os Óscares.<br />
Tinha apenas 13 anos quan-<br />
do Luc Besson a revelou em<br />
“Léon, o Profissional” - e, <strong>de</strong><br />
então para cá, Natalie Portman<br />
faz questão <strong>de</strong> evitar a “maldição<br />
da<br />
actriz criança”, mesmo que isso<br />
implicasse passar ao lado do estatuto<br />
to <strong>de</strong> “ve<strong>de</strong>ta” que muitos lhe<br />
profetizavam e preferisse ser uma<br />
actriz que (apesar da primeira trilogia<br />
da “Guerra das Estrelas”)<br />
prefere rodar com Milos Forman,<br />
Amos Gitai, Wong Kar-Wai<br />
ou<br />
Wes An<strong>de</strong>rson. Dificilmen-<br />
te<br />
2011 não lhe vai trazer o reconhecimento<br />
há muito merecido: a<br />
sua performance tempestuosa no<br />
“Cisne Negro” <strong>de</strong> Darren Aronofsky<br />
(estreia 3 <strong>de</strong> Fevereiro) coloca-a à<br />
frente da corrida para os Óscares,<br />
dando o “pontapé <strong>de</strong> saída” para um<br />
ano on<strong>de</strong> a vamos ver em duas comédias<br />
(“Sexo sem Compromisso”, <strong>de</strong><br />
Ivan Reitman, ao lado <strong>de</strong> Ashton Kutcher,<br />
em Fevereiro, e “Real Desatino”,<br />
<strong>de</strong> David Gordon Green, com<br />
James Franco e Zooey Deschanel, em<br />
Abril) e na mais recente BD filmada<br />
da Marvel, “Thor”, dirigida por Kenneth<br />
Branagh (Abril). J. M.<br />
NUNO FERREIRA SANTOS<br />
ERIC GAILLARD/REUTERS<br />
O realizador e<br />
as suas<br />
ve<strong>de</strong>tas: Mimi<br />
Le Meaux,<br />
Kitten on the<br />
Keys, Dirty<br />
Martini e Julie<br />
Atlas Muz<br />
e <strong>de</strong> intérprete (aquilo que fez para o<br />
cinema <strong>de</strong> Arnaud Desplechin, por<br />
exemplo). Criando algo <strong>de</strong> mais selvagem<br />
com a ajuda <strong>de</strong> opulentos<br />
exemplares do “burlesque”: Mimi Le<br />
Meaux, Kitten on the Keys, Dirty Martini<br />
ou Julie Atlas Muz, criaturas do<br />
revival <strong>de</strong> uma tradição do vau<strong>de</strong>ville<br />
americano, o New Burlesque, que nada<br />
tem a ver com o <strong>de</strong>sign escultural<br />
<strong>de</strong> Dita Von Teese (nem, já agora, com<br />
o <strong>de</strong> Christina Aguillera e <strong>de</strong> Cher).<br />
Amalric interpreta o empresário <strong>de</strong><br />
um show que regressa a França com<br />
as suas artistas, recrutadas nos EUA,<br />
disposto a vencer em Paris. On<strong>de</strong> nunca<br />
chegará - “malaise” e melancolia,<br />
figura em fuga, nunca se sabendo se<br />
corre para um objectivo ou se foge <strong>de</strong><br />
si próprio. O filme é generoso e caótico,<br />
sempre em trânsito entre o documental<br />
(os shows, filmados em<br />
tournée pela costa francesa) e o ficcional,<br />
<strong>de</strong>senvolve-se através <strong>de</strong> linhas<br />
<strong>de</strong> fuga que se <strong>de</strong>sviam e ao mesmo<br />
tempo querem regressar a uma<br />
base - esse é o périplo do janota existencialista<br />
Joachim<br />
Amalric, sempre <strong>de</strong> saída e sempre<br />
<strong>de</strong> regresso a estas meninas <strong>de</strong> carne<br />
e <strong>de</strong> luz esplendorosamente fotografadas.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 9
JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS<br />
“The Tree of<br />
Life” move-se<br />
num registo<br />
“fantástico” e<br />
os<br />
protagonistas<br />
são Brad Pitt e<br />
Sean Penn<br />
No cinema americano não há outro<br />
“bissexto” como ele: Terrence Malick,<br />
que em 38 anos estreou quatro longas-metragens.<br />
Mas que quatro longas-metragens:<br />
“Badlands” e “Days<br />
of Heaven”, nos anos 70, ainda cheias<br />
<strong>de</strong> “febre no sangue”, e vinte anos<br />
<strong>de</strong>pois, “The Thin Red Line” e “The<br />
New World”, um par <strong>de</strong> “épicos” contemplativos<br />
e interiores. Não se erra<br />
por se prever que a estreia <strong>de</strong> “The<br />
Tree of Life”, a sua quinta longa-metragem<br />
(seis anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “New<br />
World”), agendada para Maio <strong>de</strong> 2011<br />
nos EUA, motivará algumas parangonas.<br />
Ainda ninguém sabe o que o filme<br />
é, e se alguém sabe mantém-se<br />
calado – o que se vai ouvindo e lendo<br />
são as pequenas coisas <strong>de</strong> que o<br />
“hype” precisa para se alimentar: que<br />
é “radical”, que “não se parece com<br />
nada”. Em todo o caso será conveniente,<br />
como dizia o velho slogan,<br />
esperar o inesperado. Aparentemente,<br />
“The Tree of Life” move-se num<br />
registo “fantástico” (um “Tio Boonmee”<br />
americano?...), e os protagonistas<br />
masculinos são Brad Pitt e Sean<br />
Penn. L.M.O.<br />
Terrence Malick: esperar<br />
o inesperado<br />
O que se vai lendo são as pequenas coisas <strong>de</strong> que<br />
o “hype” precisa para se alimentar: que “The Tree<br />
of Life” é “radical”, que “não se parece com nada”.<br />
Apichatpong Weerasethakul:<br />
<strong>de</strong>corem todas as sílabas<br />
É um nome na ponta da língua <strong>de</strong> muita gente,<br />
e o passo que faltava dar para consagrar essa<br />
familiarida<strong>de</strong> aconteceu em Cannes <strong>de</strong> 2010, com<br />
a Palma a “Uncle Boonmee Who Can Recall his<br />
Past Lives”. Luís Miguel Oliveira<br />
Ao lado <strong>de</strong><br />
artigos<br />
extasiados<br />
outros<br />
queixam-se <strong>de</strong><br />
o filme ser<br />
“muito<br />
parado”.<br />
Não houve outro remédio que não<br />
<strong>de</strong>corar todas as sílabas que compõem<br />
o nome <strong>de</strong>ste cineasta tailandês. Hoje,<br />
nove anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Blissfully Yours”,<br />
sete anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Tropical Malady”,<br />
Apichatpong Weerasethakul é um<br />
nome na ponta da língua <strong>de</strong> muita<br />
gente, e o passo que faltava dar para<br />
consagrar a sua familiarida<strong>de</strong> aconteceu<br />
em Cannes <strong>de</strong> 2010, quando “Uncle<br />
Boonmee Who Can Recall his Past<br />
Lives” conquistou a Palma <strong>de</strong> Ouro.<br />
Circularam SMS a dizer que se tratava<br />
do “maior filme da história”, escreveram-se<br />
artigos extasiados, e agora, no<br />
final <strong>de</strong> 2010, “Uncle Boonmee” encabeçou<br />
um sem-número <strong>de</strong> listas <strong>de</strong><br />
“melhores do ano”. O acréscimo <strong>de</strong><br />
exposição que a Palma trouxe também<br />
ofereceu a Apichatpong, até então<br />
quase um exclusivo dos nichos<br />
cinéfilos “hardcore”, as primeiras bastonadas<br />
públicas: ao lado dos artigos<br />
extasiados encontram-se outros que<br />
se queixam <strong>de</strong> o filme ser “muito parado”.<br />
Com polémicas <strong>de</strong>stas ou não,<br />
é seguro que também em Portugal será<br />
nome muito dito em 2011: “Uncle<br />
Boonmee...” tem estreia nacional marcada<br />
para os próximos meses.<br />
Edgar Ramírez<br />
ao espelho<br />
A estratégia <strong>de</strong> Carlos como estratégia<br />
<strong>de</strong> sensualida<strong>de</strong>, a História inscrita no corpo<br />
do terrorista. Assayas encontrou um actor<br />
para esse narcisismo que se consome.<br />
Vasco Câmara<br />
De um Ramírez, Ilich Ramí-<br />
rez Sánchez, venezuelano,<br />
a outro, Edgar Ramírez, ve-<br />
nezuelano: “Porque é que te<br />
prestas a [servir <strong>de</strong> veículo] a uma<br />
obra <strong>de</strong> propaganda contra-revolu-<br />
cionária difamando o mais conhecido<br />
dos Ramírez? Mantenho-me firme,<br />
intransigente em<br />
relação aos princí-<br />
pios transmitidos pelo meu pai, recusando<br />
ven<strong>de</strong>r-me ao império <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte.<br />
Edgar, não <strong>de</strong>ixes que a glória<br />
efémera, a soldo <strong>de</strong> Hollywood, te dê<br />
a volta à cabeça. A fama mediática é<br />
passageira. Ela não po<strong>de</strong> substituir o<br />
respeito, a honra, a realida<strong>de</strong>. Viva a<br />
nossa Venezuela bolivariana! Viva a<br />
nossa Terra santa da Palestina! Deus<br />
é o maior. Carlos, Poissy, 14 <strong>de</strong> Maio<br />
<strong>de</strong> 2010”.<br />
Foi no jornal francês “Figaro” que<br />
o primeiro Ramírez – nome <strong>de</strong> guerra<br />
“Carlos, o Chacal”, terrorista, a cumprir<br />
pena perpétua em estabelecimento<br />
<strong>de</strong> alta segurança –, invocando<br />
um antepassado comum <strong>de</strong> há 500<br />
anos, “um conquistador”, publicou<br />
uma carta ao outro Ramírez, o actor<br />
que o interpreta em “Carlos”, filme<br />
<strong>de</strong> Olivier Assayas.<br />
Edgar<br />
Ramírez como<br />
Carlos, o<br />
Chacal
JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS<br />
Jean-Luc Godard “lives”<br />
Um dos ícones vivos da outrora<br />
chamada arte cinematográfica: a<br />
estreia <strong>de</strong> “Film Socialisme” será um<br />
dos pontos altos do ano.<br />
“Exit Through<br />
the Gift Shop”<br />
O retrato do<br />
vazio da fama<br />
que La<br />
Coppola<br />
propõe em<br />
“Somewhere”<br />
é autobiográfico<br />
ou<br />
satírico?<br />
JEAN-PAUL PELISSIER/REUTERS<br />
Banksy, o gran<strong>de</strong><br />
manipulador<br />
Um filme que cai em<br />
pleno <strong>de</strong>bate do que é e<br />
po<strong>de</strong> ser hoje o cinema.<br />
Acabou <strong>de</strong> se tornar octogenário (em<br />
Dezembro), sobreviveu a duas biografias<br />
(uma do americano Richard<br />
Brody, crítico da “New Yorker”, outra<br />
do francês Antoine <strong>de</strong> Baecque),<br />
e uma estapafúrdia campanha (suscitada<br />
pelo livro <strong>de</strong> Brody) que pretendia<br />
fazer <strong>de</strong>le um perigoso antisemita.<br />
Também sobreviveu a um<br />
muito publicitado “Óscar especial”<br />
e, tudo indica, à agressivida<strong>de</strong> (nalguns<br />
casos inimaginável) com que a<br />
crítica mais generalista recebeu<br />
“Film Socialisme”. Longe vão os<br />
tempos em que a estreia <strong>de</strong> um filme<br />
<strong>de</strong> Godard fazia parar as máquinas<br />
– mas, c’os diabos, trata-se <strong>de</strong> um<br />
dos dois ou três ícones vivos da outrora<br />
chamada arte cinematográfica,<br />
e a estreia em Portugal será um dos<br />
pontos altos do ano. Majestoso e labiríntico,<br />
encantador e exasperante<br />
– é tudo menos uma abstracção: viaja<br />
pelo Mediterrâneo, “mar fundador”,<br />
e fala <strong>de</strong> nós, europeus, no<br />
ponto da história em que estamos,<br />
prevendo o momento em que se ia<br />
conseguir convencer os gregos <strong>de</strong><br />
que são eles quem está em dívida<br />
para com a Europa. L.M.O.<br />
Lugares-comuns: “uma imagem vale<br />
mais do que mil palavras”, “um velling é uma questão <strong>de</strong> moral”, “a<br />
tra-<br />
câmara nunca mente”. A era do “falso<br />
documentário” como laboratório<br />
formal e criativo do cinema mo<strong>de</strong>rno<br />
tem <strong>de</strong>svalorizado ou revalorizado<br />
esses lugares-comuns, <strong>de</strong> “O Projecto<br />
Blair Witch” a “I’m Not Here”. Mas<br />
quando o “falso documentário” é um<br />
“documentário verda<strong>de</strong>iro”, como<br />
“Exit Through the Gift Shop”, que<br />
pega em imagens reais mas nos<br />
leva a perguntar a qualquer momento<br />
o que é verda<strong>de</strong> e o que<br />
é mentira? O filme do provocaem<br />
Abril) é um exercício <strong>de</strong> manipulação<br />
<strong>de</strong> materiais e da própria<br />
forma do documentário que toma<br />
dor Banksy (nas nossas salas<br />
como tema a manipulação, mas também<br />
o modo como um ponto o <strong>de</strong> vista<br />
ou um olhar muda as coor<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong><br />
compreensão e recepção <strong>de</strong> qualquer<br />
objecto. Se quisermos, um cumentário sobre si mesmo – e um<br />
meta-do-<br />
filme que cai em pleno <strong>de</strong>bate do que<br />
é e po<strong>de</strong> ser hoje o cinema. J. M.<br />
ALESSANDRO BIANCHI/REUTERS<br />
Sofia<br />
ou o<br />
regresso<br />
da filha<br />
pródiga<br />
Sofia já per<strong>de</strong>u<br />
o prazo <strong>de</strong><br />
valida<strong>de</strong> ou<br />
acaba <strong>de</strong> se<br />
reinventar?<br />
“Somewhere”<br />
promete ser um<br />
dos assuntos da<br />
temporada.<br />
É o seu cinema, ou é só o seu apelido?<br />
Sempre que Sofia Coppola reaparece,<br />
os holofotes assestam-se nela. Depois<br />
da controvérsia “Marie Antoinette”,<br />
“Somewhere” tem polarizado a<br />
crítica e o público <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia<br />
em Setembro no Festival <strong>de</strong> Veneza,<br />
on<strong>de</strong> ganhou o Leão <strong>de</strong> Ouro por<br />
entre acusações <strong>de</strong> compadrio (Quentin<br />
Tarantino, presi<strong>de</strong>nte do júri, foi<br />
seu namorado) e aclamações <strong>de</strong> genialida<strong>de</strong>.<br />
O retrato do vazio da fama<br />
que La Coppola propõe em “Somewhere”<br />
é autobiográfico ou satírico?<br />
Um retorno ao estado <strong>de</strong> graça <strong>de</strong><br />
“Lost in Translation” ou a sua confirmação<br />
como frau<strong>de</strong> empolada? Sofia<br />
já per<strong>de</strong>u o prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> ou acaba<br />
<strong>de</strong> se reinventar? “Somewhere”<br />
promete ser um dos assuntos <strong>de</strong> conversa<br />
da temporada. Respostas, ou<br />
<strong>de</strong>bates, quando por cá estrear (17 <strong>de</strong><br />
Fevereiro). J. M.<br />
Cinco horas e meia para televisão<br />
reduzidas a duas horas e meia para<br />
cinema, versão anunciada entre nós<br />
para Fevereiro - é verda<strong>de</strong> que algo<br />
se per<strong>de</strong>... –, “Carlos” é várias coisas:<br />
um “puzzle” ou miniatura que <strong>de</strong>senha<br />
as movimentações e figuras do<br />
terrorismo das décadas <strong>de</strong> 70 e 80 do<br />
século XX; uma tragédia sobre a pureza<br />
revolucionária que é <strong>de</strong>vorada;<br />
um retrato da ambição em movimento,<br />
retrato em aberto, esse, <strong>de</strong> um<br />
sedutor nato que gostava <strong>de</strong> armas e<br />
<strong>de</strong> mulheres. A estratégia <strong>de</strong> Carlos<br />
como estratégia <strong>de</strong> sensualida<strong>de</strong>, a<br />
História no corpo do terrorista. Assayas<br />
encontra uma figura para esse<br />
narcisismo que se consome: o plano<br />
<strong>de</strong> Ramírez nu, <strong>de</strong>spudoradamente<br />
embeiçado por si próprio, momento<br />
que se repete, ao som <strong>de</strong> “Dreams<br />
never end”, dos New Or<strong>de</strong>r, quando<br />
Carlos é já corpo inchado pelo excesso<br />
e pelo ego, mas ainda capaz <strong>de</strong> um<br />
último “hurrah” ao espelho. No centro<br />
das atenções, Edgar Ramírez, 33<br />
anos, actor secundário em “Che”, <strong>de</strong><br />
So<strong>de</strong>rbergh, ou em “The Borne Ultimatum”,<br />
tem agora o seu momento.<br />
Frente ao espelho.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 11
O que fazer<br />
com este disco?<br />
Quando finalmente<br />
aparecer, o oitavo disco<br />
dos Radiohead será<br />
inevitavelmente o assunto<br />
do momento: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “In<br />
Rainbows” que eles sabem<br />
como fazer as coisas em<br />
estilo. João Bonifácio<br />
Parece certo<br />
que os<br />
Radiohead só<br />
editarão o<br />
novo álbum<br />
quando<br />
souberem<br />
como editá-lo:<br />
a experiência<br />
“In Rainbows”<br />
terá uma<br />
sequela<br />
Tudo o que os Radiohead fazem é notícia<br />
e não apenas pela avi<strong>de</strong>z dos<br />
media – é que os fãs seguem-lhes o<br />
rasto até ao mais ínfimo passo. Mas<br />
da última vez que os Radiohead foram<br />
capa <strong>de</strong> jornais, bem, parecia que o<br />
mundo tinha acabado. Bastou lançarem<br />
disco novo, “In Rainbows”, <strong>de</strong><br />
uma forma que nada tinha <strong>de</strong> original<br />
no un<strong>de</strong>rground mas que nunca fora<br />
vista na alta indústria: cada ouvinte<br />
pagava o que achava correcto pela<br />
edição em mp3 e se quisesse até podia<br />
conseguir o disco, no formato digital,<br />
<strong>de</strong> graça. Falou-se em fim da industria,<br />
mas o que ficou claro é que o<br />
mo<strong>de</strong>lo só é válido para quem tiver,<br />
no universo pop, um grupo <strong>de</strong> fiéis<br />
vastíssimo – o que é o caso. Este pormenor<br />
<strong>de</strong> como editar um disco tem<br />
mais relevância do que parece <strong>de</strong>ntro<br />
da banda <strong>de</strong> Thom Yorke. Des<strong>de</strong> a saída<br />
<strong>de</strong> “In Rainbows” e respectiva<br />
digressão, os membros do quinteto já<br />
fizeram todo o tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações:<br />
Thom Yorke disse que os Radiohead<br />
enquanto grupo que edita discos tinham<br />
acabado e que se iam <strong>de</strong>dicar<br />
a fazer canções que colocariam na<br />
net; Ed O’Brien, guitarrista, afirmou<br />
que a banda não lançaria nenhum<br />
disco enquanto não soubesse o mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> edição a usar. Por tudo isto e<br />
mais alguma coisinha, o oitavo disco<br />
<strong>de</strong> originais dos Radiohead, que <strong>de</strong><br />
acordo com Phil Selway, baterista, é<br />
“a melhor coisa” que alguma vez fizeram,<br />
é dos discos mais ansiados do<br />
ano. Se sair este ano. Porque primeiro,<br />
em Fevereiro do ano passado, um<br />
colaborador do “L.A. Times” colocou<br />
no seu blogue um “post” em que dava<br />
conta <strong>de</strong> uma festa oferecida pelos<br />
Radiohead na casa do habitual produtor<br />
Nigel Godrich – supostamente<br />
para comemorar o fim das gravações<br />
do novo disco. O “post” foi imediatamente<br />
apagado. Depois, em Julho, Ed<br />
O’Brien dizia que o disco estaria resolvido<br />
numa “questão <strong>de</strong> semanas”.<br />
Em Novembro, Johny Greenwood dizia<br />
que finalmente o álbum estava<br />
acabado e tinha <strong>de</strong>z faixas, talvez um<br />
pouco mais, e que não só estaria prestes<br />
a sair como seria seguido <strong>de</strong> uma<br />
digressão mundial, o que supostamente<br />
ia contra os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> Thom<br />
Yorke, para quem ter <strong>de</strong> dar 200 concertos<br />
num ano é uma espécie <strong>de</strong> tortura.<br />
Mas uns dias <strong>de</strong>pois o guitarrista<br />
veio a público explicar que o tinham<br />
citado mal e que “o único<br />
plano” dos Radiohead era “não ter<br />
qualquer plano até o disco estar acabado”.<br />
Pelo meio ainda houve faixas<br />
falsas do disco a passarem para a imprensa.<br />
O que po<strong>de</strong>mos retirar <strong>de</strong> tudo isto?<br />
É certo, por múltiplas <strong>de</strong>clarações dos<br />
rapazes, que eles têm consciência <strong>de</strong><br />
ser impossível voltar a ter êxito com<br />
um truque igual ao usado em “In<br />
Rainbows”. Também parece pouco<br />
provável que os Radiohead se transformem<br />
numa banda que só muito<br />
ocasionalmente lance um par <strong>de</strong> canções<br />
na net. Mas que tipo <strong>de</strong> som sairá<br />
dali é impossível dizer. A única<br />
coisa certa é que O’Brien estava a falar<br />
a sério quando disse que não haveria<br />
novo disco enquanto a banda<br />
não soubesse como editá-lo. Resta<br />
saber se será mais falado pelo simples<br />
facto <strong>de</strong> ser parido ou pela qualida<strong>de</strong><br />
da música.<br />
música<br />
Peter Evans,<br />
trompete, século XXI<br />
Pelo que Evans fez em 2010,<br />
não po<strong>de</strong>mos perdê-lo <strong>de</strong><br />
vista em 2011.<br />
Outro dos registos que se repetiu e<br />
multiplicou nas listas dos melhores<br />
do ano foi “Scenes in the House of Music”,<br />
gravação ao vivo na Casa da Música<br />
em que o celebrado trio <strong>de</strong> Evan<br />
Parker, Barry Guy e Paul Lytton surge<br />
acompanhado <strong>de</strong> um quarto músico,<br />
o jovem trompetista Peter Evans. Ponto<br />
comum nos comentários ao disco<br />
é o espanto perante a forma absolutamente<br />
natural como Evans se integrou<br />
no xadrez complexo e exigente<br />
formado por três dos mais importantes<br />
veteranos da improvisação europeia.<br />
Com lugar cativo nos Mostly<br />
Other People Do The Killing, a nova<br />
banda coqueluche do action jazz, e<br />
um outro registo, “Live in Lisbon”, a<br />
marcar o ano discográfico que passou,<br />
Peter Evans é outro dos nomes a seguir<br />
com atenção em 2011. R.A.<br />
MIGUEL MANSO<br />
Agora é<br />
que vamos<br />
mesmo<br />
ouvir<br />
“Tomboy”<br />
Há dois anos<br />
que andamos<br />
a ouvir falar do<br />
novo álbum <strong>de</strong><br />
Panda Bear. Agora<br />
é a sério: será,<br />
corações ao alto,<br />
um acontecimento<br />
<strong>de</strong> 2011.<br />
“Person Pitch” foi um álbum milagroso.<br />
Noah Lennox (Panda Bear) criou<br />
uma sinfonia digital on<strong>de</strong> as harmonias<br />
vocais guiavam a viagem por um<br />
disco que, em pleno século XXI, ofereceu<br />
uma nova leitura do ambicioso<br />
plano <strong>de</strong> Brian Wilson na década <strong>de</strong><br />
60: criar uma elegia adolescente a<br />
<strong>de</strong>us. Talvez seja o peso <strong>de</strong>sse antecessor<br />
que recai agora sobre o mais<br />
<strong>de</strong>stacado dos Animal Collective. Porque<br />
“Tomboy”, o álbum que editará<br />
este ano, já no final <strong>de</strong> 2009 foi anunciado<br />
como um dos mais aguardados<br />
<strong>de</strong> 2010. Inicialmente <strong>de</strong>scrito como<br />
“negro” e menos “baseado em samples”,<br />
foi sendo antecipado nos últimos<br />
12 meses em vários singles <strong>de</strong><br />
numeração limitadíssima.<br />
Ouvimos agora um Panda Bear<br />
mais físico na cadência rítmica e menos<br />
contemplativo. Ouvimos pedaços<br />
<strong>de</strong> dub e drone <strong>de</strong> origem incerta, a<br />
guitarra a surgir como presença assídua<br />
e a voz ainda como centro <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
emana toda a música.<br />
Em 2011 é certo que conheceremos<br />
finalmente “Tomboy”: “Está quase,<br />
quase perto da mistura final”, anun-<br />
ciou há uns dias ao “Wall Street Jour-<br />
nal”. “Passei os últimos três anos<br />
nele. Demorou-me uma eternida-<br />
<strong>de</strong>”. Quando sair, será um aconteci-<br />
mento. E até<br />
po<strong>de</strong>rá ter companhia:<br />
Lennox vai para os EUA trabalhar<br />
no novo<br />
álbum dos Animal Collective.<br />
Mário Lopes<br />
A<strong>de</strong>us, <strong>Lisboa</strong>: Panda Bear<br />
a caminho dos EUA<br />
12 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
O mais português<br />
dos artistas<br />
portugueses<br />
JP Simões tem um disco<br />
novo, outro pronto a sair<br />
e anda num entra-e-sai <strong>de</strong><br />
palcos, sozinho ou com os<br />
Belle Chase Hotel.<br />
“On<strong>de</strong> Mora o<br />
Mundo” é o<br />
contributo <strong>de</strong><br />
JP Simões<br />
para 2011<br />
JP Simões é um bocado como o tio<br />
preferido da família: não vai aos almoços<br />
<strong>de</strong> Domingo durante meio ano,<br />
e um dia, sem aviso, lá aparece para<br />
alegria da miudagem, cheio <strong>de</strong> histórias<br />
para contar. Agora volta com o<br />
primeiro disco “a sério” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “1970”,<br />
obra-prima <strong>de</strong> análise geracional e<br />
social estruturada em samba-canção.<br />
Como não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, Simões<br />
não facilita a vida aos fãs e o disco,<br />
“On<strong>de</strong> Mora o Mundo”, não será um<br />
Jason Moran em potência<br />
Para muitos, o pianista concretizou em “Ten”,<br />
disco <strong>de</strong> 2010, todo o seu potencial da sua<br />
extraordinária exuberância instrumental.<br />
Nós preferimos pensar que isso vai<br />
acontecer em 2011. Rodrigo Amado<br />
Jason Moran<br />
é inquestionavelmente<br />
o mais<br />
exuberante<br />
músico jazz<br />
do momento<br />
JOAQUIM MENDES<br />
A aventura d’Os<br />
Golpes continua<br />
Enquanto o single “Vá lá<br />
senhora” toca em bom ritmo<br />
em rádios, aparelhagens e<br />
i-Pods país fora, Os Golpes<br />
preparam-se para 2011<br />
Em 2000, nas “liner notes” <strong>de</strong> “Facing<br />
Left”, o seu segundo registo como<br />
lí<strong>de</strong>r, Jason Moran queixava-se<br />
que “na casa do jazz, o velho testamento<br />
ten<strong>de</strong> a eclipsar o que é novo”,<br />
referindo-se ao enorme po<strong>de</strong>r da facção<br />
mais conservadora do jazz, nessa<br />
altura encabeçada por Wynton Marsalis.<br />
Na verda<strong>de</strong>, músicos como Moran<br />
têm sido <strong>de</strong>terminantes para passar<br />
a mensagem <strong>de</strong> que é necessário<br />
um equilíbrio permanente entre o<br />
legado da tradição e as novas i<strong>de</strong>ias<br />
musicais.<br />
2010 foi um ano <strong>de</strong> consagração<br />
para Jason Moran. Embora não tivéssemos<br />
encontrado em “Ten”, o seu<br />
mais recente disco, a vitalida<strong>de</strong> criativa<br />
e sobretudo a consistência que<br />
lhe garantiram um lugar em gran<strong>de</strong><br />
parte das listas dos melhores do ano,<br />
é certo que ali há suficientes sinais <strong>de</strong><br />
arrojo estético e personalida<strong>de</strong> instrumental<br />
para que lhe seja atribuído<br />
o título do mais exuberante e talentoso<br />
músico <strong>de</strong> jazz do momento. É,<br />
para nós, a gran<strong>de</strong> figura do jazz a<br />
seguir em 2011.<br />
Possuindo um estilo absolutamente<br />
contemporâneo, que recolhe impulsos<br />
das mais diversas áreas, do<br />
hip-hop ao blues, da pop à clássica<br />
contemporânea, Moran <strong>de</strong>stila todas<br />
essas influências numa música acessível<br />
e elegante como poucas, essencialmente<br />
pós-bop, com um toque<br />
MIGUEL MADEIRA<br />
“Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco”,<br />
o álbum <strong>de</strong> estreia, foi um manifesto<br />
<strong>de</strong> intenções que traduziu em<br />
disco o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> reinventar uma tradição<br />
pop para Portugal, com inspiração<br />
iconográfica nos Heróis do Mar<br />
e musicalmente consciente da história<br />
rock das últimas três décadas. Foi<br />
mais, claro: uma inatacável colecção<br />
<strong>de</strong> canções em que o romantismo, a<br />
nostalgia e o sonho das letras nos<br />
eram oferecidos em embalagem pop<br />
certeira e entusiasmante.<br />
Manifesto lançado, os Golpes <strong>de</strong>itaram<br />
mãos à sua concretização. 2010<br />
foi o ano em que a editora a que pertencem,<br />
a Amor Fúria, co-fundada<br />
pelo vocalista Manuel Fúria, se solidificou<br />
com nomes como Feromona,<br />
Verão Azul ou Capitães <strong>de</strong> Areia. Foi<br />
também o ano em que os Golpes editaram<br />
o curta duração <strong>de</strong> edição limitada<br />
“G”, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi extraído “Vá<br />
lá Senhora”, single com a participação<br />
<strong>de</strong> Rui Pregal da Cunha que lhes<br />
vem garantindo crescente protagonismo.<br />
inspirado <strong>de</strong> um jazz mais vanguardista.<br />
É precisamente este equilíbrio,<br />
uma espécie <strong>de</strong> santo graal que muitos<br />
músicos perseguem, aliado a uma<br />
técnica pianística fora do vulgar, que<br />
o tornou um dos mais influentes e<br />
transversais músicos em activida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>ixando no ar as maiores expectativas<br />
para o futuro.<br />
Com apenas 35 anos e uma aprendizagem<br />
que teve como heróis e mentores<br />
Jaki Byard e Andrew Hill, Moran<br />
construiu um percurso brilhante cuja<br />
soli<strong>de</strong>z é bem visível na série <strong>de</strong> nove<br />
discos que gravou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999, para<br />
a Blue Note (feito raro nos dias que<br />
correm), e mais particularmente no<br />
trio que mantém <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000 com o<br />
contrabaixista Tarus Mateen e o baterista<br />
Nasheet Waits - The Bandwagon<br />
- precisamente o mesmo <strong>de</strong><br />
“Ten”. Quando gravou em 2001 o superior<br />
“Black Stars”, registo em que<br />
o trio partilha o estúdio com o lendário<br />
saxofonista Sam Rivers, dificilmente<br />
se po<strong>de</strong>ria imaginar o consenso que<br />
ro<strong>de</strong>ia hoje a sua música. A verda<strong>de</strong><br />
é que Moran não realizou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aí,<br />
um disco com a urgência e a absoluta<br />
EP, digressão<br />
nacional e o<br />
segundo<br />
álbum: eis o<br />
2011 d’Os<br />
Golpes<br />
prolongamento <strong>de</strong> “1970”. É, sim, um<br />
retorno às parcerias, que com ele costumam<br />
ser proveitosas. Neste caso, o<br />
companheiro <strong>de</strong> armas foi o guitarrista<br />
Afonso Pais. “Acho que quem<br />
nos apresentou foi o Sérgio Costa”,<br />
explica o compositor, “porque sabia<br />
que apesar <strong>de</strong> o Afonso vir do jazz<br />
temos imensos gostos em comum”.<br />
Entenda-se: a bossa, particularmente<br />
“Jobim e Edu Lobo, que aliás já gravou<br />
com o Afonso”. Segundo Simões,<br />
Alexandre “andava com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
fazer canções”, pelo que fizeram um<br />
simples acordo: “Ele compunha e eu<br />
escrevia. Mas acabou por ser um disco<br />
<strong>de</strong> parceria: eu compus um tema,<br />
ele fez um instrumental, eu <strong>de</strong>i umas<br />
i<strong>de</strong>ias nuns arranjos”. A assegurar a<br />
secção rítmica estão dois monstrinhos<br />
da música portuguesa, Alexandre Frazão<br />
e Carlos Barreto. “É engraçado<br />
porque com eles as coisas nunca são<br />
fixas”, reflecte Simões. “Um samba<br />
nunca é um samba, um rock nunca é<br />
um rock, criam ritmos muito <strong>de</strong>les”,<br />
o que, aventa, acaba por ser uma boa<br />
<strong>de</strong>finição para o disco: “Não tem muito<br />
<strong>de</strong> brasileiro, tirando uma marcha<br />
que eu compus”.<br />
Com o seu habitual optimismo, Simões<br />
prenuncia já um gran<strong>de</strong> êxito<br />
comercial (como aliás acontece com<br />
todos os seus discos): “O disco é <strong>de</strong><br />
tal modo um híbrido <strong>de</strong> tantas coisas<br />
que eu temo que vá passar ao lado<br />
das pessoas”. Por via das dúvidas, já<br />
tem outro pronto, que quer lançar<br />
este ano – como <strong>de</strong> costume, as probabilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> isto acontecer são ínfimas<br />
e o mais certo é só surgir no ano<br />
que vem. Funcionará como sequela<br />
<strong>de</strong> “1970” e inclui temas que vêm da<br />
abortada “Ópera do Falhado” que,<br />
criminosamente, continua por editar.<br />
Pelo meio ainda haverá “cinco ou seis<br />
concertos” dos Belle Chase Hotel, que<br />
resolveram inaugurar um novo tipo<br />
<strong>de</strong> nostalgia: “o auto-revivalismo”.<br />
Hoje Simões actua na Galeria Zé dos<br />
Bois, mas não se esperem canções <strong>de</strong><br />
“On<strong>de</strong> Mora o Mundo”. Em compensação,<br />
esperem canções do próximo<br />
disco, o que ainda está na gaveta.<br />
Confusos? É o mais português dos<br />
artistas portugueses. J.B.<br />
criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Black Stars”, concentrando-se<br />
antes numa maturação artística<br />
<strong>de</strong> conceitos musicais e da sua<br />
própria linguagem como pianista. Se<br />
os seus registos mais recentes revelam<br />
uma produção que oculta parte da<br />
sua extraordinária exuberância instrumental,<br />
já ao vivo, nos seus próprios<br />
projectos, integrado no trio <strong>de</strong><br />
Paul Motian ou no quarteto do saxofonista<br />
Charles Lloyd, a experiência<br />
<strong>de</strong> observar Moran em acção é inesquecível.<br />
Em palco, possui um magnetismo<br />
musical difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver.<br />
Mesmo ao lado <strong>de</strong> um gigante como<br />
Charles Lloyd, quando Moran se coloca<br />
em <strong>de</strong>staque, toda a atenção se<br />
foca no seu piano.<br />
Moran, que irá ocupar este ano um<br />
cargo no prestigiado New England<br />
Conservatory, um dos mais importantes<br />
centros mundiais para o estudo<br />
<strong>de</strong>sta música, tornou-se um “caso”<br />
do jazz actual, esperando-se a qualquer<br />
momento uma concretização em<br />
disco ao nível <strong>de</strong> todo este potencial.<br />
Para muitos isso aconteceu em “Ten”.<br />
Nós preferimos pensar que isso está<br />
ainda por acontecer.<br />
No primeiro trimestre <strong>de</strong> 2011, “G”<br />
será editado em loja, acrescido <strong>de</strong><br />
duas canções, e está prevista uma<br />
digressão “no maior número possível<br />
<strong>de</strong> salas e terras” do país. Mais próximo<br />
do final do ano, chegará o segundo<br />
longa-duração em que a banda<br />
começa a trabalhar neste momento.<br />
Continua a aventura. M.L.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 13
PJ Harvey<br />
que se cui<strong>de</strong><br />
com Anna<br />
Calvi<br />
Um disco e tanto,<br />
já no dia 24.<br />
SIMON FOWLER<br />
Uma presença<br />
em palco<br />
insinuante,<br />
um disco que<br />
tem tudo para<br />
dar certo<br />
Tem uma presença em palco insinuante.<br />
Pratica rock, mas esquelético,<br />
sem banhas. Podia ser PJ Harvey. Mas<br />
é Anna Calvi, inglesa, há muitos meses<br />
i<strong>de</strong>ntificada como um dos nomes que<br />
po<strong>de</strong>rá dar que falar em 2011. Até agora<br />
tem sido em palco que tem exposto<br />
argumentos. Mas no próximo dia<br />
24 será editado na Europa o seu álbum<br />
<strong>de</strong> estreia. Já o ouvimos. Não irá<br />
revolucionar nada, mas tem tudo para<br />
dar certo: uma voz apaixonada, um<br />
som nocturno eléctrico, um rock carnal.<br />
Depois <strong>de</strong> a ver pela primeira vez,<br />
Brian Eno disse que não sentia um<br />
choque assim <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Patti Smith. Exagero?<br />
Talvez sim, talvez não. V.B.<br />
O novo disco é<br />
uma ruptura<br />
com as<br />
versões<br />
anteriores <strong>de</strong><br />
Destroyer<br />
Mudar é<br />
possível com<br />
Destroyer<br />
“Kaputt”<br />
é o disco-surpresa<br />
<strong>de</strong> Dan Bejar.<br />
O americano Dan Bejar, ou seja Destroyer,<br />
não é um ilustre <strong>de</strong>sconhecido.<br />
Quer dizer, é e não é. Não é porque<br />
já leva mais <strong>de</strong> meia dúzia <strong>de</strong> álbuns<br />
editados. Mas acaba por sê-lo,<br />
porque apenas nos círculos mais afectos<br />
ao rock alternativo lhe têm dado<br />
a atenção <strong>de</strong>vida. Seja por essa ou por<br />
outra razão, a verda<strong>de</strong> é que <strong>de</strong>cidiu<br />
mudar. “Kaputt”, o seu novo álbum,<br />
a editar a 25 <strong>de</strong> Janeiro, é surpreen<strong>de</strong>nte.<br />
Em 2009 ele já tinha avisado,<br />
com o lançamento do single “Bay of<br />
pigs”, magnífica canção <strong>de</strong> nove minutos,<br />
incluída no álbum, que dava<br />
conta <strong>de</strong> uma sonorida<strong>de</strong> pop electrónica<br />
ambiental, capaz <strong>de</strong> agradar<br />
aos admiradores <strong>de</strong> Pet Shop Boys,<br />
New Or<strong>de</strong>r ou Prefab Sprout. “Kaputt”,<br />
o novo álbum, é isso: poemas<br />
existencialistas que se dissolvem numa<br />
manta <strong>de</strong> elementos pop, alguns<br />
electrónicos, outros eléctricos, expondo<br />
uma música sonhadora e transcen<strong>de</strong>nte.<br />
V.B.<br />
O pianista<br />
do momento<br />
O virtuoso Simon<br />
Trpceski no Porto.<br />
O macedónio Simon Trpceski foi um<br />
dos artistas galardoados em Dezembro<br />
com um Diapason d’Or pela gravação<br />
dos Concertos para Piano nºs<br />
2 e 3, <strong>de</strong> Rachmaninov, com a Royal<br />
Liverpool Philharmonic Orchestra.<br />
Tendo em conta a vastíssima discografia<br />
<strong>de</strong>stas obras, é um feito marcante<br />
impor uma nova leitura, na qual<br />
o pianista procurou <strong>de</strong>sviar-se do sentimentalismo<br />
evasivo e centrar-se no<br />
texto musical e nas indicações do<br />
Um dos<br />
mais entu<br />
siasmantes<br />
intérpretes na<br />
nova geração,<br />
Trpceski vai<br />
passar duas<br />
vezes pela<br />
Casa da<br />
Música<br />
em 2011<br />
compositor. Uma técnica extraordinária<br />
aliada a uma aguda inteligência<br />
musical e a um conhecimento profundo<br />
das obras faz <strong>de</strong> Trpceski um dos<br />
mais entusiasmantes intérpretes da<br />
nova geração. Os seus discos têm recebido<br />
vários prémios (com <strong>de</strong>staque<br />
para os CD a solo na EMI) e promete<br />
continuar a dar que falar em 2011, ano<br />
em que voltará a correr o mundo com<br />
os mais virtuosísticos concertos do<br />
repertório (incluindo a série <strong>de</strong> Concertos<br />
<strong>de</strong> Rachmaninov, Liszt e Tchaikovsky)<br />
e prestigiadas orquestras. No<br />
próximo dia 14 toca o Concerto nº4,<br />
<strong>de</strong> Rachmaninov, com a Sinfónica do<br />
Porto na Casa da Música, aon<strong>de</strong> regressa<br />
a 27 <strong>de</strong> Novembro para um<br />
recital a solo que presta homenagem<br />
a Liszt, no bicentenário do seu nascimento.<br />
C.F.<br />
O futurismo<br />
abstracto <strong>de</strong> Steve<br />
Lehman<br />
Para percebermos para on<strong>de</strong><br />
vai o jazz, temos <strong>de</strong> olhar<br />
para este saxofonista.<br />
O saxofonista Steve Lehman é um dos<br />
nomes que tem vindo a <strong>de</strong>finir um<br />
mapa para o futuro do jazz. São muitos<br />
os que vêem no jovem músico uma<br />
espécie <strong>de</strong> messias do jazz mo<strong>de</strong>rno.<br />
Nomeado “rising star”, quatro anos<br />
consecutivos, pela revista “Down Beat”,<br />
Lehman <strong>de</strong>u um enorme salto na<br />
sua música e na sua carreira a com a<br />
edição <strong>de</strong> “Travail, Transformation<br />
and Flow”, aclamado <strong>de</strong> imediato iato co-<br />
mo um dos melhores <strong>de</strong> 2009. quieto e em permanente evolução,<br />
editou em 2010 “Dual I<strong>de</strong>ntity”, ty”, coli<strong>de</strong>rado<br />
com Rudresh Mahanthappa,<br />
e novamente conquistou o aplauso<br />
unânime da crítica internacional, integrando<br />
a nossa escolha para a os melhores<br />
do ano. Virtuoso, futurista urista e<br />
genuíno inovador, Lehman é um dos<br />
faróis para o jazz em 2011. R.A.<br />
Irre-<br />
Há quem veja<br />
em Lehman<br />
uma espécie<br />
<strong>de</strong> messias do<br />
jazz mo<strong>de</strong>rno<br />
14 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
Rye Rye,<br />
uma<br />
granada que<br />
nunca mais<br />
explo<strong>de</strong><br />
A protegida<br />
<strong>de</strong> M.I.A. é um<br />
prodígio. Falta o<br />
primeiro álbum<br />
para dizermos se<br />
é tudo o que nos<br />
tinham prometido.<br />
O disco <strong>de</strong> estreia da rapper Rye Rye<br />
não é um dos mais aguardados <strong>de</strong> 2011<br />
– é um dos mais aguardados <strong>de</strong> 2010.<br />
Porque há mais <strong>de</strong> um ano que a menina<br />
anda a adiar o <strong>de</strong>bute, um <strong>de</strong>bute<br />
ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> expectativas mesmo<br />
antes <strong>de</strong> se ouvir um pedaço <strong>de</strong> música<br />
que fosse por uma simples razão:<br />
Rye Rue foi a primeira aposta <strong>de</strong> M.I.A.<br />
na sua editora N.E.E.T. recordings, e<br />
é a protegida <strong>de</strong> M.I.A., que não se<br />
cansa <strong>de</strong> elogiar o talento da sua <strong>de</strong>scoberta.<br />
E, diga-se, do pouco que há<br />
para ouvir, M.I.A. não está a mentir-<br />
nos. Por exemplo, o single “Bang”, em<br />
que M.I.A. faz coros é uma maravilha<br />
– <strong>de</strong> brutalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> suor, <strong>de</strong> vertigem.<br />
Toda a canção se sustenta num<br />
beat tremendo, complexo, mas tão<br />
eficaz que o corpo respon<strong>de</strong> <strong>de</strong> diato. Depois o beat é <strong>de</strong>smontado e<br />
ime-<br />
Rye Rye aguenta quase sozinha a canção.<br />
“Sunshine”, o novo single, mantém<br />
a fasquia bem alta (e<br />
mantém M.I.A.), mas muda<br />
<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas – e dános<br />
a conhecer uma rapper<br />
menos áspera e capaz<br />
<strong>de</strong> ser doce. Se estiver<br />
tudo a este nível terá valido<br />
a pena a espera. J.B.<br />
Rye Rye<br />
O alemão<br />
caleidoscópico<br />
Wolfgang Rihm<br />
é o comporitor<br />
resi<strong>de</strong>nte da<br />
Casa da Música.<br />
Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
Num total <strong>de</strong><br />
11 concertos,<br />
peças <strong>de</strong> Rihm<br />
irão fazer<br />
parte dos<br />
programas da<br />
Orquestra<br />
Sinfónica do<br />
Porto, do<br />
Remix<br />
Ensemble, do<br />
Coro Casa da<br />
Música e <strong>de</strong><br />
agrupamentos<br />
convidados<br />
como o<br />
Quarteto<br />
Arditti<br />
Ainda vamos querer<br />
saber dos Strokes?<br />
O último álbum foi há muito e 2001, o ano <strong>de</strong> “Is This<br />
It?”, há mais ainda. Este ano, os Strokes regressam e<br />
a questão a que terão <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r é muito simples:<br />
ainda vamos querer saber? Está tudo nas mãos <strong>de</strong>les<br />
(e no álbum que acabaram em Dezembro). Mário Lopes<br />
Admitamos: aguardar ansiosamente<br />
pelo regresso dos Strokes, quatro<br />
anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Last Impressions On<br />
Earth” e com o gran<strong>de</strong> impacto <strong>de</strong> “Is<br />
This It?” lá longe em 2001, parecerá<br />
anacrónico. Não tanto quanto, hipótese<br />
académica, anunciar que 2011<br />
po<strong>de</strong>rá ser o ano <strong>de</strong> Chris <strong>de</strong> Burgh,<br />
mas o leitor percebe a i<strong>de</strong>ia.<br />
Algures em blogue americano, escrevia-se<br />
recentemente que, das reuniões<br />
<strong>de</strong> gabarito do ano passado, a<br />
dos Strokes foi a mais discreta. A afirmação<br />
levantava uma questão: mas os<br />
Strokes acabaram? Não se limitavam,<br />
como qualquer banda que origina algo<br />
que a ultrapassa, a viver felizes longe<br />
uns dos outros e a espalhar fel pela imprensa<br />
enquanto anunciavam um álbum<br />
a solo ou um projecto paralelo?<br />
Oficialmente, a banda <strong>de</strong> Julian Ca-<br />
Muitas<br />
reviravoltas<br />
<strong>de</strong>pois, os<br />
Strokes ainda<br />
andam aí: em<br />
Março<br />
veremos em<br />
que estado<br />
sablancas e Albert Hammond Jr não<br />
acabou, mas o próximo álbum, cujo<br />
parto tormentoso parece aproximarse<br />
finalmente do fim, po<strong>de</strong> ser, paradoxalmente,<br />
a morte da banda. Ou o<br />
contrário. Po<strong>de</strong> salvá-la e <strong>de</strong>volver-lhe<br />
alguma da relevância perdida ao longo<br />
da década passada. Não parece<br />
haver meio-termo – continuar em formato<br />
low-profile, a exemplo <strong>de</strong> companheiros<br />
<strong>de</strong> geração como os Interpol<br />
ou os Rapture, terá a dignida<strong>de</strong><br />
do operariado bom trabalhador, mas<br />
não servirá para manter a aura <strong>de</strong><br />
aristocracia rock’n’roll (o que, para<br />
os Strokes, será uma outra forma <strong>de</strong><br />
morte). Espera-nos portanto um regresso<br />
com uma carga dramática, no<br />
mínimo, interessante. Aguar<strong>de</strong>mo-lo,<br />
tacteando a escuridão.<br />
Por ora, nada sabemos do álbum,<br />
a não ser que sai em Março. Mas conhecemos<br />
o processo que conduziu<br />
até ele. Envolve lutas <strong>de</strong> egos, frustrações,<br />
<strong>de</strong>spedimento <strong>de</strong> produtores,<br />
ironia bem doseada e, para toque mo<strong>de</strong>rno<br />
num clássico quadro<br />
rock’n’roll, revelações via twitter ou<br />
Facebook. E um Julian Casablancas<br />
que, em 2009, quando promovia o<br />
lançamento do seu álbum a solo,<br />
“Phrazes Of The Young”, explicava<br />
ao “Guardian” o que mudara na “química”<br />
da banda: “Em breve todas as<br />
preocupações serão conseguir algo<br />
óptimo, mas, neste preciso momento,<br />
o que interessa é que todos estejam<br />
felizes. Se conseguirmos isso, o resto<br />
encaixará no lugar <strong>de</strong>vido”. Seis meses<br />
<strong>de</strong>pois, em Janeiro, adiantava um<br />
pouco mais. “Dividíamos o dinheiro,<br />
mas não dividíamos o trabalho. Era<br />
muito, muito difícil” – como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>,<br />
o vocalista trabalhava, os restantes<br />
acompanhavam. No novo álbum,<br />
tudo mudará: “Penso que estamos<br />
a cumprir aquilo que dizíamos<br />
ser: um verda<strong>de</strong>iro conjunto que trabalha<br />
em todos os aspectos”. Em Janeiro<br />
<strong>de</strong> 2010, estavam portanto felizes.<br />
Casablancas ouviria os restantes,<br />
os restantes contribuiriam com mais<br />
i<strong>de</strong>ias, Casablancas trabalharia menos<br />
e receberia o mesmo. Tudo perfeito<br />
no mundo dos Strokes.<br />
Pondo <strong>de</strong> lado os vários projectos<br />
paralelos (os Little Joy do baterista Fabrizio<br />
Moretti, a carreira a solo <strong>de</strong> Casablancas<br />
e Albert Hammond Jr., os<br />
Nickel Eye do baixista Nikolai Fraiture),<br />
juntaram-se em Março ao produtor<br />
Joe Chicarelli, que trabalhara no<br />
UNIVERSAL EDITION/ERIC MARINITSCH<br />
“A minha música é sempre diferente<br />
daquilo que as pessoas pensam que<br />
é”, disse Wolfgang Rihm em Março<br />
do ano passado ao “Guardian” por<br />
ocasião <strong>de</strong> um fim-<strong>de</strong>-semana consagrado<br />
à sua música pela Orquestra<br />
Sinfónica da BBC. Rótulos como “representante<br />
do movimento da Nova<br />
Simplicida<strong>de</strong>”, “neoromantismo” e<br />
“neoexpressionismo” têm sido várias<br />
vezes aplicados à sua obra, mas resultam<br />
extremamente redutores, pois a<br />
sua vasta produção (mais <strong>de</strong> 400 peças)<br />
percorre inúmeros caminhos. É<br />
uma obra caleidoscópica, por vezes<br />
com gran<strong>de</strong>s contrastes, e portanto<br />
sempre susceptível <strong>de</strong> surpresas.<br />
A música <strong>de</strong> Rihm tem sido objecto<br />
<strong>de</strong> ciclos e retrospectivas em vários<br />
festivais e salas <strong>de</strong> concerto internacionais,<br />
e em 2010 o compositor viu<br />
a sua ópera “Dionysos” estreada no<br />
Festival <strong>de</strong> Salzburgo. Em 2011 o público<br />
português terá a oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> acompanhar <strong>de</strong> perto uma parte<br />
substancial da sua obra, já que Rihm<br />
será o compositor em residência na<br />
Casa da Música.<br />
Num total <strong>de</strong> 11 concertos, peças <strong>de</strong><br />
Rihm irão fazer parte dos programas<br />
da Orquestra Sinfónica do Porto, do<br />
Remix Ensemble, do Coro Casa da Música<br />
e <strong>de</strong> agrupamentos convidados<br />
como o Quarteto Arditti. No dia 25 <strong>de</strong><br />
Outubro será estreada uma obra encomendada<br />
pela Casa da Música e, já<br />
no próximo dia 18, o Remix toca “Jag<strong>de</strong>n<br />
und Formen”, uma tarantela dançante<br />
e motórica que integra as pesquisas<br />
do compositor sobre a i<strong>de</strong>ia da<br />
forma musical e lhe valeu o prémio da<br />
Royal Philharmonic Society em 2001.<br />
Dois dias <strong>de</strong>pois, o Quareto Arditti toca<br />
os Quartetos nºs 3 e 5; a 22, o agrupamento<br />
junta-se à Sinfónica do Porto<br />
para interpretar o “Concerto Dithyrambe”.<br />
Destacam-se também os<br />
“Quatro Poemas <strong>de</strong> Rilke” na voz <strong>de</strong><br />
Christoph Prégardien (22 <strong>de</strong> Outubro)<br />
e obras como “Homenagem a Max Beckmann”<br />
e “Der Maler träumt”.<br />
Nascido em 1952 em Karlsruhe,<br />
Rihm começou a compor aos 11 anos.<br />
A sua família não tinha tradições musicais<br />
e os seus interesses iniciais foram<br />
o <strong>de</strong>senho, a pintura e a escrita<br />
literária, mas assim que começou a<br />
tocar flauta <strong>de</strong> bisel, órgão e piano<br />
rapidamente passou também a compor<br />
pequenas peças. Prosseguiu a sua<br />
formação com Stockhausen, Klaus<br />
Huber e Hans Heinrich Eggebrecht,<br />
tendo frequentado os Cursos <strong>de</strong> Darmstadt<br />
nos ano 70. Nessa ocasião Stockhausen<br />
(que nunca discutia a música<br />
dos alunos, apenas a sua) envioulhe<br />
uma nota com estas únicas<br />
palavras: “Caro Wolfgang Rihm, por<br />
favor escute apenas a sua voz interior.<br />
Com os melhores cumprimentos, Karlheinz<br />
Stockhausen.” Rihm manteve<br />
o recado muitos anos na sua secretária;<br />
foi <strong>de</strong>cisivo para a sua liberda<strong>de</strong><br />
criativa, que passa pela assimilação<br />
<strong>de</strong>scomplexada da herança do passado<br />
ou pelo uso <strong>de</strong> outras artes, da literatura<br />
e da filosofia como inspiração.<br />
Numa entrevista publicada no<br />
site do Ensemble Sospeso, o compositor<br />
reconhece que apren<strong>de</strong> muito<br />
com os não-músicos. “Sou um apaixonado<br />
pelas artes plásticas e é libertador<br />
falar com pintores sobre os segredos<br />
que ro<strong>de</strong>iam o nascimento das<br />
suas obras <strong>de</strong> arte e sobre o processo<br />
<strong>de</strong> criação em geral.”<br />
A música <strong>de</strong> Webern, Morton Feldman<br />
e Stockhausen marcou bastante<br />
as suas primeiras obras e posteriormente<br />
foi <strong>de</strong>cisivo o contacto com<br />
Wilhelm Killmayer, Helmut Lachenmann<br />
e Luigi Nono. A ópera <strong>de</strong> câmara<br />
“Jakob Lenz” (1978), baseada na<br />
novela <strong>de</strong> Büchner, converteu-se na<br />
peça <strong>de</strong> teatro musical contemporâneo<br />
mais interpretada na Alemanha<br />
e em 1983 surgiu “Die Hamletmaschine”,<br />
em colaboração com o dramaturgo<br />
Heiner Müller. A lista é necessariamente<br />
muito incompleta: Rihm<br />
é compositor compulsivo, <strong>de</strong>ixando<br />
o ouvinte num labirinto <strong>de</strong> escolhas.<br />
Em 2011 a Casa da Música indica-nos<br />
o caminho. C.F.<br />
passado com Frank Zappa, My Morning<br />
Jacket ou White Stripes. No Verão,<br />
<strong>de</strong>ram alguns concertos, actuando no<br />
festival Lollapalooza ou na Metropolitan<br />
Opera, em Nova Iorque, no 25º<br />
aniversário da linha <strong>de</strong> moda Tommy<br />
Hilfiger. Entre um e outro, Casablancas<br />
saía das sessões <strong>de</strong> gravação para confessar<br />
à “Spin” que “uma banda é uma<br />
gran<strong>de</strong> forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir uma amiza<strong>de</strong>”.<br />
Afinal, não estava tudo perfeito<br />
no mundo dos Strokes, mas os objectivos<br />
mantinham-se intactos. Casablancas<br />
novamente: “Atingimos o topo<br />
do ‘un<strong>de</strong>rground’, mas nunca ficámos<br />
tão gran<strong>de</strong>s como os Green Day, os<br />
Creed ou qualquer uma das bandas a<br />
quem se supunha tomarmos o lugar<br />
em 2001. Portanto, na minha cabeça,<br />
está aí o passo a dar”.<br />
“<strong>Flash</strong>-forward” para Novembro.<br />
Afinal, Joe Chicarella não será creditado<br />
no novo álbum. Albert Hammond<br />
Jr informa que a banda pôs <strong>de</strong> parte há<br />
alguns meses o material gravado com<br />
o produtor. O disco será produzido<br />
pela banda, terá <strong>de</strong>z canções e Albert<br />
está “para lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>liciado”: “Confio que<br />
ficarão tão entusiasmados quanto eu”.<br />
Dezembro. Julian Casablancas anuncia<br />
no seu twitter: “Não sairá nos próximos<br />
meses – misturar, etc, mas ficou<br />
finalmente pronto ontem!”. Nikolai<br />
Fraiture confirma, também no twitter:<br />
“Ei, e esta? Está a acontecer. São gran<strong>de</strong>s<br />
notícias, pessoal!”.<br />
O futuro dos Strokes segue em Março<br />
– po<strong>de</strong> ser até que já esteja <strong>de</strong>finido<br />
quando chegarem ao Super Bock<br />
Super Rock, no Meco, on<strong>de</strong> serão os<br />
cabeças <strong>de</strong> cartaz <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Julho.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 15
A Nova Iorque<br />
elegante dos Cults<br />
Como a maior parte dos projectos que<br />
dão que falar na actualida<strong>de</strong>, os Cults<br />
surgiram do dia para a noite, em Abril<br />
do ano passado, no espaço virtual,<br />
com três magníficas canções (“Go outsi<strong>de</strong>”,<br />
“Most wanted” e “The curse”,<br />
a que se seguiria, meses mais tar<strong>de</strong>,<br />
“Oh my god”) e <strong>de</strong> imediato <strong>de</strong>ram<br />
nas vistas.<br />
São <strong>de</strong> Nova Iorque, são dois, Brian<br />
Oblivion (guitarra, teclas) e Ma<strong>de</strong>line<br />
Follin (voz, baixo) e têm ambos 21<br />
anos. Até Abril do ano passado, nem<br />
página no MySpace tinham, mas rapidamente<br />
saltaram <strong>de</strong> boca em boca.<br />
Não custa perceber porquê, ouvindoos.<br />
Possuem aquela dose <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong><br />
(uma vivacida<strong>de</strong> pop controlada,<br />
muito anos 60, uma voz feminina<br />
doce, um envolvimento electrónico<br />
melancólico) e <strong>de</strong> estranheza, temperada<br />
com muita elegância, que costuma<br />
conquistar. Esta semana ficou a<br />
saber-se que assinaram pela editora<br />
Columbia, para a edição do álbum <strong>de</strong><br />
estreia, em Maio. Não custa nada perceber<br />
que iremos ouvir falar muito<br />
<strong>de</strong>les nessa altura. V.B.<br />
A sujida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Brooklyn já era.<br />
Os Cults<br />
apareceram<br />
do dia para a<br />
noite no<br />
espaço<br />
virtual, mas já<br />
assinaram<br />
pela Columbia<br />
O regresso dos<br />
barbudos<br />
O segundo dos Fleet Foxes<br />
<strong>de</strong>ve chegar na Primavera.<br />
Folk “freak” à vista.<br />
Foram o sucesso mais improvável <strong>de</strong><br />
2008. Uma trupe <strong>de</strong> barbudos saídos<br />
<strong>de</strong> uma floresta habitada por folkrockers<br />
<strong>de</strong> 1970, a insuflar nova vida<br />
ao legado dos Crosby, Stills & Nash. A<br />
verda<strong>de</strong> porém, é que as canções <strong>de</strong><br />
“Fleet Foxes” tinham essa qualida<strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>finível que as tornava graciosas e<br />
empolgantes por si, não pela linhagem<br />
distinta que as originara.<br />
Há cerca <strong>de</strong> um ano, o vocalista e<br />
principal compositor, Robin Pecknold,<br />
dizia entre digressões que achava<br />
inconcebível estar dois anos sem<br />
compor. Depois disso, andou em digressões<br />
(por duas vezes) com Joanna<br />
Newsom e lá foi apresentando<br />
algumas novas canções, sem<br />
especificar se seriam ou<br />
não do novo álbum<br />
dos Fleet Foxes. Em<br />
Outubro, um post<br />
no Facebook da<br />
banda informava<br />
que o disco estava<br />
pronto e que faltaria<br />
misturá-lo e<br />
masterizá-lo. Semanas<br />
<strong>de</strong>pois, um “mea<br />
culpa”: “Acho que falei<br />
cedo <strong>de</strong> mais”. O álbum<br />
estava quase pronto,<br />
é certo, mas ainda necessitava<br />
<strong>de</strong> algumas sessões no estúdio.<br />
Especula-se agora que sairá na Primavera.<br />
Po<strong>de</strong>rá ter como título “Deepwater<br />
Horizon”, o que até se a<strong>de</strong>qua<br />
bem ao imaginário Fleet Foxes,<br />
ou, informa a Wikipedia, seguindo o<br />
twitter da banda, “Slaughternalia”, o<br />
que, mais do que uma hipótese <strong>de</strong><br />
título, nos parece uma boa piada <strong>de</strong><br />
“freakzinhos” do rock. M.L.<br />
James Blake,<br />
fenómeno <strong>de</strong><br />
culto à vista<br />
“Deepwater<br />
Horizon” ou<br />
“Slaughternalia”:<br />
o título<br />
do novo dos<br />
Fleet Foxes<br />
ainda está em<br />
construção<br />
O barítono<br />
americano<br />
interpreta<br />
Mahler como<br />
ninguém<br />
Odisseia<br />
mahleriana<br />
Thomas Hampson<br />
traz o seu<br />
compositor <strong>de</strong><br />
eleição a <strong>Lisboa</strong>.<br />
Uma visita ao site <strong>de</strong> Thomas Hampson<br />
ou à sua página no Facebook<br />
coloca-nos <strong>de</strong> imediato em contacto<br />
com um artista dinâmico que é também<br />
um homem do seu tempo e tira<br />
partido das novas tecnologias para<br />
interagir com a socieda<strong>de</strong> e divulgar<br />
os seus projectos. Estes não se limitam<br />
à interpretação musical, mas<br />
passam também por conferências,<br />
masterclasses, concertos pedagógicos<br />
e pelas activida<strong>de</strong>s da Hampsong<br />
Fundation, <strong>de</strong>dicada à promoção<br />
da música na América.<br />
Tendo em conta a sua extraordinária<br />
estatura artística, Hampson<br />
seria sempre uma figura a seguir<br />
com atenção, mas suce<strong>de</strong> que 2011 é<br />
também o ano do centenário da te <strong>de</strong> Mahler, compositor que o barítono<br />
americano interpreta como<br />
ninguém. Ao longo <strong>de</strong>ste ano, irá<br />
prosseguir a sua “Odisseia Mahleriana”,<br />
que inclui 50 concer-<br />
mortos<br />
e recitais, bem como sessões<br />
em que discute com o<br />
público a sua visão das obras.<br />
Em <strong>Lisboa</strong> será possível ouvir<br />
Hampson na Gulbenkian (16 e<br />
17 <strong>de</strong> Abril) com a Orquestra <strong>de</strong><br />
Câmara da Europa. C.F.<br />
Há muitos regressos confirmados que<br />
suscitam natural curiosida<strong>de</strong> (Lykke<br />
Li, PJ Harvey, The Strokes, Kanye West<br />
& Jay-Z, Villalobos, Aphex twin, Buraka<br />
Som Sistema, Panda Bear ou Portishead)<br />
e algumas estreias em formato<br />
álbum, para além daquelas referidas<br />
nestas páginas, que irão dar que<br />
falar sem gran<strong>de</strong> risco (Theophilus<br />
London, Jamie Woon, Rainbow Arabia,<br />
Yuck, Jai Paul, Wu Lyf, Julianna<br />
Barwick ou Memoryhouse), mas nenhum<br />
nome reúne o consenso <strong>de</strong> James<br />
Blake, inglês, 22 anos, com álbum<br />
<strong>de</strong> estreia homónimo previsto para 7<br />
<strong>de</strong> Fevereiro.<br />
Contra ele, a expectativa excessiva<br />
que existe em seu torno, pelo facto <strong>de</strong><br />
ter lançado em 2010 três magníficos<br />
EP (“The bells sketch”, “CMYK” e “Klavierwerke”).<br />
Dificilmente o seu álbum<br />
cairá nas boas graças do gran<strong>de</strong> público,<br />
mas possui todas as características<br />
para se transformar num caso<br />
singular <strong>de</strong> culto. Inclui uma canção<br />
já conhecida (“Limit to your love”, um<br />
original <strong>de</strong> Feist) e <strong>de</strong>z temas originais,<br />
sendo composto, produzido e gravado<br />
inteiramente pelo próprio. Há canções<br />
próximas das convenções pop, baladas<br />
para piano e ruídos electrónicos<br />
e outras <strong>de</strong> arquitectura sónica bem<br />
mais in<strong>de</strong>finível.<br />
Como acontece com uma série <strong>de</strong><br />
outros jovens músicos e produtores<br />
que se revelaram em 2010 (Balam<br />
Acab, Forest Swords, How To Dress<br />
Well, Mount Kimbie ou Jamie Woon),<br />
existe um disco que parece ter sido<br />
fulcral no seu <strong>de</strong>senvolvimento. Falamos<br />
do álbum homónimo <strong>de</strong> estreia<br />
do inglês Burial, lançado há cinco<br />
anos, disco <strong>de</strong> sombras electrónicas,<br />
que acabou por ser filiado na corrente<br />
dubstep, mas que já prenunciava<br />
um outro universo.<br />
Pusha T<br />
quer ser um<br />
clássico<br />
Pharrell e Kanye<br />
West por trás do<br />
disco <strong>de</strong> estreia.<br />
As coisas no mundo dos Clipse, quando<br />
mudam, mudam radicalmente. Em<br />
2006 foram parar ao topo do mundo<br />
graças a “Hell Halth No Fury”, tremendo<br />
disco com produção <strong>de</strong> Pharrell<br />
Williams. Mas no início do ano<br />
passado, ainda sem disco novo e com<br />
as coisas encalhadas, o céu caiu-lhes<br />
um pouco em cima da cabeça quando<br />
o seu manager <strong>de</strong> sempre foi con<strong>de</strong>nado<br />
a meros 32 <strong>de</strong> prisão por tráfico<br />
<strong>de</strong> droga. Talvez tenha sido esse o clique<br />
<strong>de</strong> que eles precisavam. Pelo menos<br />
Pusha T, o mais duro do duo –<br />
Malice é o mais melódico. T tem disco<br />
<strong>de</strong> estreia a solo prestes a lançar no<br />
ano que vem e não brinca em serviço:<br />
a produzir as canções estão Bangla<strong>de</strong>sh,<br />
Pharrell e Kanye West. Aliás,<br />
participou em “Runaway”, a principal<br />
faixa do mais recente disco <strong>de</strong> West,<br />
o que lhe trouxe uma exposição mediática<br />
que garante que o seu disco a<br />
solo não vai ser esquecido. Num ano<br />
que também terá direito a novo disco<br />
<strong>de</strong> Lupe Fiasco e à<br />
muito aguardada es-<br />
treia <strong>de</strong> Jay Electroni-<br />
ca, há muita gente a<br />
pôr as fichas todas em<br />
Pusha T – quanto<br />
mais não seja, ele<br />
próprio, que<br />
garante que<br />
cada faixa é<br />
um clássico.<br />
J.B.<br />
Octa Push garante<br />
que cada faixa do álbum<br />
é um clássico<br />
Tão longe e tão perto<br />
<strong>de</strong> James Blake<br />
Depois <strong>de</strong> três magníficos EP<br />
em 2010, o álbum <strong>de</strong> estreia será<br />
uma confirmação. Vítor Belanciano<br />
DARIO ACOSTA<br />
A diferença, uma enorme disparida<strong>de</strong><br />
apesar <strong>de</strong> tudo, é que James<br />
Blake canta <strong>de</strong> forma vulnerável e revela<br />
uma enorme capacida<strong>de</strong> para<br />
compor ambientes melódicos. Em todas<br />
as suas canções existe qualquer<br />
coisa <strong>de</strong> precário, um mundo mutante<br />
em composição, que rumina consigo<br />
próprio, acolhendo qualquer<br />
coisa <strong>de</strong> longínquo e etéreo, com ligeiras<br />
reverberações electrónicas e<br />
sons <strong>de</strong> piano.<br />
A diferença é que o lugar pós-industrial<br />
que Burial erguia era negro e sombrio,<br />
<strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> calor. Em James<br />
Blake o dia a seguir ao juízo final é<br />
errante também, mas mais imersivo<br />
e emotivo. Os temas são também menos<br />
abstractos do ponto <strong>de</strong> vista sónico,<br />
circulando elementos digitais mínimos<br />
à volta da sua voz quase sempre<br />
lânguida.<br />
Nas últimas semanas soube-se que<br />
começou a actuar ao vivo, na companhia<br />
<strong>de</strong> dois músicos, existindo inúmeros<br />
registos na Internet <strong>de</strong>ssas prestações.<br />
Esse será provavelmente o seu<br />
próximo <strong>de</strong>safio. Procurar formas <strong>de</strong>,<br />
em palco, expor uma música tão preciosa<br />
e singular como aquela que tem<br />
vindo a criar no seu estúdio caseiro.<br />
16 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
À DESCOBERTA DO<br />
MEDITERRÂNEO<br />
ROSSINI | SAINT-SAËNS | SAYGUN<br />
Terça-feira, 11 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2011, 21h00<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório do CCB<br />
Orquestra Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
António Rosado piano Işın Metin direcção musical<br />
REMIX ENSEMBLE<br />
18 JAN 19:30<br />
SALA SUGGIA<br />
WOLFGANG RIHM<br />
JAGDEN UND FORMEN<br />
PARA GRANDE ENSEMBLE<br />
PETER RUNDEL direcção musical<br />
18:00, CIBERMÚSICA<br />
PALESTRA PRÉ-CONCERTO POR PAULO<br />
DE ASSIS<br />
As últimas décadas trouxeram ao<br />
alemão Wolfgang Rihm, Compositor<br />
e m Res i dên ci a n a Ca s a da M ús i ca e m<br />
2011, os mais prestigiados prémios<br />
atribuídos no âmbito das artes e<br />
da música. Entre 1995 e 2002, Rihm<br />
escreveu obras que giram à volta<br />
da mesma pesquisa sobre a i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> forma musical. A este conjunto<br />
pertence Jag<strong>de</strong>n und Formen, uma<br />
tarantela dançante e motórica. Escutaremos,<br />
em estreia nacional, a<br />
nova versão <strong>de</strong> 2008.<br />
www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />
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O maravilhoso<br />
mundo<br />
<strong>de</strong> Trisha Brown<br />
Uma das pioneiras da<br />
dança contemporânea<br />
traz 13 peças a Serralves:<br />
é todo um programa <strong>de</strong><br />
resgate <strong>de</strong> uma história em<br />
contínua construção.<br />
Tiago Bartolomeu Costa<br />
O programa<br />
Trisha Brown<br />
em Serralves<br />
celebra 40<br />
anos <strong>de</strong><br />
trabalho<br />
contínuo<br />
sobre a dança<br />
“Floor of the<br />
Forest”, obra<br />
seminal <strong>de</strong><br />
1970, é uma<br />
das 13 peças<br />
que vêm ao<br />
Porto<br />
Em Serralves, Trisha Brown é a cabeça<br />
<strong>de</strong> cartaz do programa “Improvisações<br />
/ Colaborações”. A coreógrafa<br />
norte-americana abre, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> Abril<br />
a 1 <strong>de</strong> Maio, um conjunto <strong>de</strong> manifestações<br />
que se prolongam em Maio e<br />
Junho, em torno não apenas da dança<br />
enquanto prática, mas enquanto reflexão<br />
sobre os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> organização<br />
social. A oportunida<strong>de</strong> é rara e<br />
inscreve, pertinentemente, o Serviço<br />
<strong>de</strong> Artes Performativas do Museu <strong>de</strong><br />
Serralves no circuito <strong>de</strong> programação<br />
internacional menos preocupado com<br />
a novida<strong>de</strong> e mais consciente da memória<br />
enquanto matéria ra do presente.<br />
regenerado-<br />
O programa Trisha Brown inclui a<br />
apresentação <strong>de</strong> 13 peças, cobrindo<br />
um período que vai <strong>de</strong> 1968 a 1974,<br />
Entre esses “Early Works”, estão três<br />
– “Sticks” (1973), “Spanish Dance”<br />
(1973), “Figure Eight” (1974) – que já<br />
foram apresentadas as em 2008, quando<br />
Serralves, no âmbito da exposição<br />
<strong>de</strong> Robert Rauschenberg “Em viagem<br />
70-76”, mostrou trabalhos da coreógrafa,<br />
que durante anos trabalhou<br />
com o pintor.<br />
São 40 anos <strong>de</strong> dança que aqui se<br />
celebram, mas é também a singularida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> um olhar on<strong>de</strong> a dança foi<br />
sempre um ponto o <strong>de</strong> partida para<br />
uma investigação acerca dos<br />
modos <strong>de</strong> construção do<br />
movimento na sua relação<br />
com o corpo do intérprete<br />
e o olhar do espectador.<br />
“Trisha é o acordar da feição”, disse uma das bailarinas<br />
da sua companhia,<br />
referindo-se ao modo intuitivo,<br />
e não estratégico, como Brown<br />
<strong>de</strong>senvolve o seu trabalho.<br />
per-<br />
A coreógrafa norte-americana,<br />
nascida em 1936, é pioneira,<br />
com um conjunto nto <strong>de</strong><br />
outros nomes como<br />
Yvonne Rainer, Deborah<br />
Hay ou Steve<br />
Paxton, <strong>de</strong> uma dança que só é contemporânea<br />
porque se inscreve num<br />
presente que é o somatório <strong>de</strong> experiências<br />
e projecções. Como o seu<br />
movimento. “O movimento browniano<br />
não é linear. É um encontro <strong>de</strong><br />
rupturas, por vezes mesmo uma colagem<br />
belicista em que os elementos<br />
se afrontam”, escreveu Jean-Marc<br />
Adolphe na revista “Mouvement”.<br />
Foram artistas, explica o programa,<br />
que, “cruzando a arte e a vida quotidiana<br />
e <strong>de</strong>finindo os primórdios daquilo<br />
que mais tar<strong>de</strong> se viria a chamar<br />
a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>ram novo<br />
sentido à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong>.<br />
“A sua obra nunca se resumiria a<br />
uma técnica ou a um vocabulário. A<br />
sua dança, <strong>de</strong> uma musicalida<strong>de</strong> louca,<br />
é um fluir insaciável <strong>de</strong> caminhos<br />
suspensos, <strong>de</strong> quedas inesperadas,<br />
<strong>de</strong> balanços enganadores, <strong>de</strong> golpes<br />
esquivados”, continua Adolphe.<br />
Brown é autora <strong>de</strong> um movimento<br />
que inscrevia o corpo em contínuo<br />
equilíbrio com o espaço e o tempo <strong>de</strong><br />
produção – são famosas as suas expe-<br />
riências nos telhados <strong>de</strong> Nova Iorque,<br />
na floresta ou, se no palco,<br />
alterando a escala <strong>de</strong> valores<br />
entre público e<br />
intérprete. “Interessame<br />
muito o paradoxo<br />
<strong>de</strong> uma acção que<br />
trabalha na busca <strong>de</strong><br />
um encontro com<br />
uma outra”, diz. O<br />
que vamos ver em Serralves<br />
é exactamente<br />
isso: um ponto <strong>de</strong> partida.<br />
ISABEL WINARSCH<br />
LOURDES DELGADO<br />
teatro/dança<br />
Eternamente<br />
Pina<br />
Duas peças<br />
em estreia em<br />
Portugal, numa<br />
cida<strong>de</strong>, o Porto,<br />
que nunca viu<br />
Pina Bausch<br />
quando ela ainda<br />
estava viva.<br />
A<br />
companhia<br />
<strong>de</strong> Pina<br />
Baush traz<br />
“Bamboo<br />
Blues” e<br />
“Sweet<br />
Mambo”<br />
ao S. João<br />
No ano em que se estreia “Tanz”, o<br />
filme, em 3D, que Wim Wen<strong>de</strong>rs preparava<br />
sobre a coreógrafa quando ela<br />
morreu (antestreia mundial dia 24 <strong>de</strong><br />
Fevereiro no Festival <strong>de</strong> Cinema <strong>de</strong><br />
Berlim, distribuição para Portugal ainda<br />
sem data prevista), Pina Bausch – na<br />
verda<strong>de</strong> o seu trabalho - apresenta-se<br />
pela primeira vez no Porto. Em Maio,<br />
“Bamboo Blues” (6 e 7), que fez em<br />
2007 inspirada na Índia, em mais uma<br />
das suas peças sobre regiões, e “Sweet<br />
Mambo” (11 a 13), criação estreada em<br />
2008 que pouco circula, chegam ao<br />
Teatro Nacional S. João, integrando o<br />
programa transdisciplinar “Odisseia”.<br />
As duas resgatam a obra <strong>de</strong> Bausch do<br />
pessimismo em que vinham caindo,<br />
explorando a diversida<strong>de</strong> cromática,<br />
sensitiva e simbólica do movimento e,<br />
muito em particular, dos corpos que,<br />
conhecendo tão bem as estruturas<br />
bauschianas, se reinventam <strong>de</strong>ntro da<br />
própria fórmula. São, por isso mesmo,<br />
peças atípicas. Primeiro porque se<br />
afastam, <strong>de</strong>terminantemente (e <strong>de</strong>terminadamente)<br />
<strong>de</strong> uma narrativa figurativa<br />
e enca<strong>de</strong>ada. Em segundo lugar<br />
porque exploram ecos <strong>de</strong> outras peças,<br />
numa reestruturação <strong>de</strong> códigos<br />
i<strong>de</strong>ntificáveis. Por fim, porque fixam<br />
estratégias <strong>de</strong> conceptualização do<br />
movimento, <strong>de</strong>finindo e limitando o<br />
seu alcance, mais apostado em servir<br />
a coreografia do que em exercer impacto<br />
fora <strong>de</strong>la. T.B.C.<br />
GONÇALO SANTOS<br />
18 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
FERAN MC ROPE<br />
A dança segundo<br />
Jérôme Bel<br />
Ele já não acredita na<br />
dança, mas o que faz é um<br />
refinamento da própria<br />
disciplina.<br />
Imenso actor, vai ter um início <strong>de</strong> 2011<br />
em gran<strong>de</strong>. Nada que nos espante,<br />
na verda<strong>de</strong>: no ano passado, já vimos<br />
do que ele é capaz.<br />
Ele foi o rosto atordoado que po<strong>de</strong>ria<br />
ser o <strong>de</strong> qualquer um <strong>de</strong> nós em “Filme<br />
do Desassossego”, <strong>de</strong> João Botelho<br />
(que retoma a partir <strong>de</strong> amanhã a sua<br />
digressão nacional), e o corpo em<br />
queda <strong>de</strong> “A Morte do Caixeiro Viajante”,<br />
peça que marcou o regresso<br />
do Teatro Experimental do Porto ao<br />
primeiro plano do teatro nacional (e<br />
que dias 19 e 20 <strong>de</strong> Fevereiro chega<br />
ao São Luiz, em <strong>Lisboa</strong>). 2010 teve<br />
Cláudio da Silva por todo o lado, como<br />
se estivéssemos perante alguém<br />
que não conhecíamos, ele que já cá<br />
anda há pelo menos 15 anos e tem um<br />
dos mais dinâmicos percursos das<br />
artes performativas nacionais: do teatro<br />
à dança, <strong>de</strong> Jorge Silva Melo a Ana<br />
Borralho & João Galante, <strong>de</strong> Miguel<br />
Loureiro a João Fia<strong>de</strong>iro.<br />
2011 vai ser o ano da confirmação<br />
do seu nome como um dos mais seguros<br />
valores do teatro português da<br />
última década. Ele, que diz não pensar<br />
em carreira, que diz que quando lhe<br />
custar muito vai fazer outras coisas,<br />
que diz precisar <strong>de</strong> outras leituras pa-<br />
Jérôme Bel, o<br />
“enfantterrible”<br />
da<br />
dança contemporânea,<br />
está<br />
<strong>de</strong> volta com<br />
“Cédric<br />
Andrieux”<br />
O rosto múltiplo<br />
<strong>de</strong> Cláudio da Silva<br />
Em 2011,<br />
Cláudio da<br />
Silva vai<br />
continuar à<br />
procura<br />
Chamamonos,<br />
todos,<br />
Angélica<br />
Lid<strong>de</strong>ll?<br />
O teatro-catástrofe<br />
a uma só voz<br />
da encenadora<br />
espanhola vem a<br />
<strong>Lisboa</strong> assombrar<br />
as nossas utopias.<br />
No último<br />
ano, Lid<strong>de</strong>ll<br />
tornou-se<br />
figura<br />
obrigatória<br />
do teatro<br />
europeu<br />
Há alguns Verões que a temos visto a<br />
ocupar diferentes espaços <strong>de</strong> Montemor-o-Velho,<br />
a convite do Citemor,<br />
PEDRO ELIAS<br />
rata (7 Fevereiro a 24 Maio), reforçando<br />
o carácter inquiridor <strong>de</strong> um objecto<br />
marcante. Mas o Jérôme Bel coreógrafo<br />
também estará por cá, com<br />
“Cédric Andrieux” (26 Março, no Teatro<br />
Viriato, em Viseu; 30 e 31 Março,<br />
no Teatro Maria Matos, em <strong>Lisboa</strong>; 3<br />
Abril, em Serralves, no Porto), peça<br />
<strong>de</strong> joalharia e o melhor “espectáculo<br />
<strong>de</strong> intérprete” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Bel inventou<br />
o conceito com “Veronique Doisneau”.<br />
O ex-bailarino da companhia <strong>de</strong><br />
Merce Cunningham dá-nos um retrato<br />
emotivo das relações <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />
entre o amor e a dança, entre a noção<br />
<strong>de</strong> casa-palco e casa-país, e, sobretudo<br />
uma reflexão profundíssima sobre<br />
a diferença que existe entre homens<br />
e mulheres na dança contemporânea,<br />
área em que sempre se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u uma<br />
igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> géneros. T.B.C.<br />
ra po<strong>de</strong>r chegar às escolhas que faz –<br />
ainda agora acabou Lord Byron e um<br />
texto sobre a segregação racial. Ele,<br />
que vai dizendo que sim ao que vai<br />
aparecendo. Por isso, a partir <strong>de</strong> dia<br />
20, e por <strong>de</strong>z dias, protagoniza “O<br />
Homem-elefante”, encenação <strong>de</strong> Sandra<br />
Faleiro que vai ser reposta no Teatro<br />
Carlos Alberto, no Porto. Três dias<br />
<strong>de</strong>pois, estreia, em Vila Nova <strong>de</strong> Gaia,<br />
a encenação <strong>de</strong> um clássico inusitado:<br />
“Felizmente há luar”, <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Sttau<br />
Monteiro, peça-farol <strong>de</strong> um teatro que<br />
a censura salazarista proibiu.<br />
“Um actor é uma pessoa curiosa”,<br />
reconhece. Cláudio da Silva diz que o<br />
seu dia-a-dia lhe vai alimentando os<br />
processos e que recolhe material <strong>de</strong><br />
todos os lados, muitas vezes sem<br />
consciência. “A lógica é maior do que<br />
isto tudo”, não é a ela que obe<strong>de</strong>ce,<br />
garante: “As coisas são muito mais<br />
abertas. Eu antes <strong>de</strong> ser actor sou uma<br />
pessoa”. Sublinha a in<strong>de</strong>pendência<br />
da escolha e o trabalho <strong>de</strong> experimentação<br />
que resulta da permanente troca<br />
<strong>de</strong> papéis, ou da sua acumulação.<br />
“Vou fazendo um percurso, seja ele<br />
qual for. Amanhã posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser<br />
actor. Isso não significa que o meu<br />
percurso como ser humano <strong>de</strong>ixe ser<br />
<strong>de</strong> importante. Estou num processo<br />
<strong>de</strong> aprendizagem. E isso é o mais importante.”<br />
T.B.C<br />
No Museu Berardo, Jérôme Bel, que<br />
cada vez mais acredita menos em peças,<br />
transforma-se em vi<strong>de</strong>asta. Uma<br />
das suas principais peças, “The show<br />
must go on” (2001), vista há uns anos<br />
no Porto, é apresentada em ví<strong>de</strong>o no<br />
âmbito da exposição “Observadores<br />
- Revelações, Trânsitos e Distâncias”,<br />
comissariada por Ana Rito e Hugo Baque<br />
a foi buscar a Espanha e a tem,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, protegido. A ela cujo<br />
discurso feminista radicalizado separa<br />
águas e extrema posições. A ela que<br />
se expõe, e ao seu corpo, que ela violenta<br />
e manipula como se não lhe<br />
pertencesse e carregasse, em si, todos<br />
os pecados do mundo. Por ser mulher,<br />
por ser política, por ser artista.<br />
“La casa <strong>de</strong> la fuerza” (Culturgest, 11<br />
e 12 Fevereiro) reorganiza o seu material<br />
<strong>de</strong> trabalho e força uma nova<br />
or<strong>de</strong>m para compreen<strong>de</strong>r a origem<br />
do mal. A peça vem coroada <strong>de</strong> um<br />
entusiasmo que só os franceses sabem<br />
coser, como se a validação surgisse<br />
apenas e só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> os artistas passarem<br />
pelo olímpico Festival<br />
d’Avignon. Escreveu o “Libération”<br />
que é “como uma cerimónia aos mortos,<br />
um ritual cuidadosamente orquestrado<br />
para arcar com a infelicida<strong>de</strong><br />
do mundo, um modo <strong>de</strong> reabrir<br />
as feridas antes <strong>de</strong> eventualmente<br />
voltar a fechá-las.” Já não falamos apenas<br />
do modo unívoco como Lid<strong>de</strong>ll<br />
pensa o mal e eleva a um outro nível<br />
o teatro-catástrofe, individualizando<br />
e pagando por isso; estamos num outro<br />
patamar: o da expiação colectiva.<br />
T.B.C.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 19
O Philip<br />
Roth inglês<br />
O prémio Man<br />
Booker 2010 sobre<br />
o que é ser ju<strong>de</strong>u.<br />
“Já <strong>de</strong>via estar à espera disto. A sua<br />
vida tinha sido uma sucessão <strong>de</strong> infelicida<strong>de</strong>s,<br />
umas a seguir às outras. De<br />
forma que já <strong>de</strong>via estar a contar com<br />
esta.” É este o registo <strong>de</strong> “A Questão<br />
Finkler”, <strong>de</strong> Howard Jacobson, o romance<br />
vencedor do Man Booker Prize<br />
2010 que será publicado pela Porto<br />
Editora.<br />
A personagem Julian Treslove tem<br />
quase 50 anos e está em crise <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />
Quando uma mulher lhe chama<br />
Ju<strong>de</strong>u – ele não é ju<strong>de</strong>u – começa<br />
a viver obcecado com o judaísmo apesar<br />
<strong>de</strong> não ter uma opinião concreta<br />
sobre a circuncisão, o conflito entre<br />
Israel e a Palestina, ou os monumentos<br />
ao Holocausto – na verda<strong>de</strong>, sobre<br />
todo e qualquer aspecto da cultura<br />
judaica dos nossos dias. Howard Jacobson,<br />
escritor britânico <strong>de</strong> origem<br />
judaica, é consi<strong>de</strong>rado “o Philip Roth<br />
inglês”, ,por causa dos seus romances<br />
centrarem-se nas relações e<br />
nos comportamentos da socieda<strong>de</strong><br />
judaica britânica.<br />
Ele, <strong>de</strong> forma irónica e<br />
polémica, prefere que<br />
lhe chamem “o Jane<br />
Austen ju<strong>de</strong>u”. I.C.<br />
Howard<br />
Jacobson,<br />
escritor<br />
britânico <strong>de</strong><br />
origem<br />
judaica, é<br />
consi<strong>de</strong>rado<br />
“o Philip Roth<br />
inglês”<br />
O escritor<br />
na<br />
berlinda<br />
“Liberda<strong>de</strong>” foi o livro<br />
do ano 2010 nos EUA.<br />
Jonathan Franzen o<br />
escritor da década. Isabel<br />
Coutinho<br />
LUKE MACGREGOR/REUTERS<br />
À terceira foi <strong>de</strong> vez. O escritor Michel<br />
Houellebecq recebeu o Prémio Goncourt,<br />
no dia 8 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 2010,<br />
pelo romance “La Carte et le territoire”.<br />
Venceu à primeira volta com sete<br />
votos contra dois. O livro, ainda sem<br />
título em português, vai ser editado<br />
pela Objectiva.<br />
O escritor já tinha sido finalista <strong>de</strong>ste<br />
prémio, em 1988, com “As Partículas<br />
Elementares” (editado em Portugal<br />
pela Temas e Debates), e em 2005<br />
com “A Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma Ilha”<br />
(Dom Quixote). Talvez este seja, <strong>de</strong><br />
todos os seus livros, o mais fácil <strong>de</strong> ler<br />
– diz ele. Mas é também o mais complicado<br />
em termos <strong>de</strong> estrutura.<br />
Há cinco anos que o autor francês<br />
contemporâneo mais conhecido e<br />
vendido no mundo não publicava um<br />
romance. Frédéric Beigbe<strong>de</strong>r, seu<br />
amigo <strong>de</strong> longa data, escreveu no “Le<br />
Fígaro” que “La Carte et le territoire”<br />
é um livro sobre “o <strong>de</strong>saparecimento<br />
da arte e a transformação da França<br />
em objecto <strong>de</strong> museu” para o turismo<br />
mundial.<br />
É também uma obra sobre a solidão<br />
e a velhice. Nela, Houellebecq leva<br />
mais longe a sua paródia: o escritor e<br />
o seu cão, personagens do romance,<br />
são violentamente assassinados. Mas<br />
antes disso, Jed Martin, a personagem<br />
principal, um fotógrafo, vai à Irlanda<br />
pedir ao famoso escritor que escreva<br />
um texto para o catálogo <strong>de</strong> uma das<br />
suas exposições. Ao longo <strong>de</strong> todo o<br />
livro surgem personagens com nomes<br />
<strong>de</strong> pessoas que existem na realida<strong>de</strong>.<br />
Logo no primeiro capítulo encontramos<br />
Jeff Koons e Damien Hirst, artistas<br />
plásticos. A revista “Les Inrockuptibles”<br />
escreveu que as personagens<br />
masculinas – o fotógrafo, o pai arquitecto<br />
e o escritor famoso – são todas<br />
Houellebecq, que neste livro faz o seu<br />
melhor auto-retrato.<br />
Livro lançado, Houellebecq foi acusado<br />
<strong>de</strong> plágio por ter usado citações<br />
da wikipédia e <strong>de</strong> “sites” oficiais da<br />
net que <strong>de</strong>pois modificou numa técnica<br />
que se aproxima do patchwork.<br />
O PDF do livro foi disponibilizado na<br />
Internet com a mensagem: “ La carte<br />
et le territoire’ é uma obra <strong>de</strong> Michel<br />
Houellebecq sob licença da Creative<br />
Commons”.<br />
O mais famoso escritor francês contemporâneo,<br />
que era o inimigo público<br />
que passou a ser amado pelos média,<br />
afirmou que talvez este fosse o<br />
seu último livro. Mas como não controla<br />
nada agora já não sabe se isso<br />
será verda<strong>de</strong>. I.C.<br />
Finalmente, o Goncourt<br />
2010 foi o ano em que Michel<br />
Houellebecq passou <strong>de</strong> inimigo<br />
público a escritor adorado.<br />
O mais<br />
famoso<br />
escritor<br />
francês<br />
contemporâneo<br />
afirmou que<br />
talvez este<br />
fosse o seu<br />
último livro<br />
Aconteceu o improvável. No dia 6 <strong>de</strong><br />
Dezembro <strong>de</strong> 2010, o escritor norteamericano<br />
<strong>de</strong> que mais se falou o ano<br />
passado, Jonathan Franzen, sentou-se<br />
em frente à apresentadora mais famosa<br />
da América: Oprah Winfrey. Os<br />
dois tiveram uma <strong>de</strong>savença há anos,<br />
era o momento <strong>de</strong> fazerem as pazes.<br />
O <strong>de</strong>sentendimento aconteceu quando<br />
Oprah escolheu “Correcções”, em<br />
2001, para o Clube do Livro do seu<br />
programa. Em vez <strong>de</strong> se mostrar satisfeito<br />
por ter sido escolhido, Franzen<br />
disse que temia que os leitores<br />
masculinos se afastassem do romance.<br />
Comportou-se como um snobe.<br />
Oprah não gostou das consi<strong>de</strong>rações,<br />
<strong>de</strong>sconvidou-o e Franzen não chegou<br />
a ir ao programa. Nessa altura apren<strong>de</strong>u<br />
uma lição: tem que se ter respeito<br />
pela TV e pelo seu po<strong>de</strong>r.<br />
Nove anos <strong>de</strong>pois, Oprah voltou a<br />
escolher um romance <strong>de</strong> Franzen para<br />
o seu Clube do Livro mas pediu-lhe<br />
permissão. Ele ficou feliz. E ela anunciou<br />
o livro como “uma obra-prima que<br />
abrange três décadas”, “uma saga familiar<br />
épica” que tem <strong>de</strong> tudo: sexo e<br />
amor, rock and roll, enfim, tudo aquilo<br />
que se quer num livro, disse. O romance<br />
chama-se “Freedom” e vai ser<br />
publicado pela Dom Quixote, em Fevereiro,<br />
com o título “Liberda<strong>de</strong>”.<br />
Conta-nos a história da família Berglunds<br />
e ao longo do livro tudo se<br />
<strong>de</strong>smorona ou tudo se compõe. Walter<br />
Berglund é um pai em crise <strong>de</strong><br />
meia-ida<strong>de</strong>, um advogado <strong>de</strong>fensor<br />
do meio ambiente que faz algumas<br />
escolhas erradas. Patty é a sua mulher<br />
e parece perfeita à volta dos filhos,<br />
Jessica e Joey. Nos tempos <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>,<br />
Patty era basquetebolista e apaixonada<br />
pelo músico Richard Katz,<br />
companheiro <strong>de</strong> quarto <strong>de</strong> Walter. Foi<br />
a partir <strong>de</strong>la que Franzen começou a<br />
construir o romance e os leitores vão<br />
seguindo a sua vida através dos anos<br />
Bush até ao início da governação <strong>de</strong><br />
Barack Obama. “‘Liberda<strong>de</strong>’ <strong>de</strong>screve<br />
e disseca os fracassos e hipocrisias <strong>de</strong><br />
uma vulgar família da classe média<br />
do Midwest <strong>de</strong>nunciando através <strong>de</strong>la<br />
as tentações e os pesa<strong>de</strong>los conse-<br />
PIERRE VERDY<br />
O regresso <strong>de</strong> Lídia<br />
Jorge<br />
Um romance sobre o êxito e<br />
a perda. E a fama.<br />
“Combateremos a Sombra”, o último<br />
romance <strong>de</strong> Lídia Jorge, foi publicado<br />
em 2007. Quatro anos <strong>de</strong>pois, em Mar-<br />
livros<br />
DANIEL ROCHA<br />
20 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
ço, a escritora lança “A noite das mulheres<br />
cantoras” na Dom Quixote.“É<br />
um romance passado nos anos 80 do<br />
século XX, com um tema <strong>de</strong> inesperada<br />
audácia: a idolatria e a construção<br />
do êxito. Trata-se <strong>de</strong> um livro que se<br />
constrói em torno da questão da fama”,<br />
conta a sua editora Cecília Andra<strong>de</strong>. É<br />
um romance sobre “o êxito e a perda,<br />
sobre um equívoco e a passagem do<br />
tempo. Um monólogo, uma escrita na<br />
primeira pessoa, a reconstrução <strong>de</strong><br />
uma memória e <strong>de</strong> um<br />
segredo”, acrescenta, explicando<br />
que o livro, tal<br />
como acontece na obra<br />
da autora, é sobre uma<br />
questão social, sobre a força<br />
do grupo e a aniquilação<br />
do indivíduo perante o<br />
colectivo. “A pergunta que<br />
fica é: Quantas vítimas <strong>de</strong>ixamos<br />
pelo caminho para perseguir<br />
um objectivo?” I.C.<br />
PEDRO CUNHA<br />
“O Cemitério<br />
<strong>de</strong> Praga”<br />
sairá em<br />
Março<br />
JOHN MACDOUGALL/AFP<br />
Eco, 30 anos <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> “O Nome da Rosa”<br />
A história do século XIX passa<br />
por aqui.<br />
Umberto Eco chega este ano a<br />
Portugal em dose dupla. O seu<br />
novo romance “O Cemitério <strong>de</strong><br />
Praga” sairá na Gradiva em Março<br />
e surge trinta anos <strong>de</strong>pois do<br />
best-seller “O Nome da Rosa”.<br />
Através da personagem Simonini,<br />
um falsificador <strong>de</strong> documentos<br />
que vive em Paris, em<br />
1897, se <strong>de</strong>dica também<br />
à venda<br />
<strong>de</strong> hóstias<br />
sagra-<br />
das para missas satânicas, o escritor<br />
italiano revê toda a história do século<br />
XIX. Simonini, a personagem mais<br />
cínica e<br />
antipática <strong>de</strong> toda a história<br />
da literatura que o<strong>de</strong>ia ju<strong>de</strong>us e mu-<br />
lheres, é inventado mas tudo o resto<br />
aconteceu, pelo romance passam personagens<br />
históricas como Dreyfuss,<br />
Freud e<br />
Garibaldi. Em Itália o roman-<br />
ce ven<strong>de</strong>u 650 mil exemplares num<br />
mês. Lá para o final do ano, sairá na<br />
Dom Quixote não ficção o primeiro<br />
volume dos quatro que constituem a<br />
“História da Ida<strong>de</strong> Média” <strong>de</strong> Umber-<br />
to Eco. I.C.<br />
DANIEL ROCHA<br />
Os inéditos <strong>de</strong> José Saramago<br />
“Clarabóia” e inédito inacabado.<br />
2011 voltará a ser ano José Saramago.<br />
O manuscrito inacabado em que o<br />
escritor estava a trabalhar quando<br />
morreu o ano passado, “Alabardas,<br />
alabardas, espingardas, espingardas”,<br />
será publicado este ano pela Companhia<br />
das Letras no Brasil e há também<br />
a possibilida<strong>de</strong> do inédito sair em Portugal<br />
na Caminho, segundo o editor<br />
Zeferino Coelho. A editora portuguesa<br />
publicará “Clarabóia”, o romance<br />
que Saramago terminou no dia 5 <strong>de</strong><br />
Janeiro <strong>de</strong> 1953, assinado com o pseudónimo<br />
Honorato, mas nunca foi publicado<br />
tendo ficado perdido nos arquivos<br />
da antiga Editorial Notícias. É<br />
a história <strong>de</strong> um edifício com seis inquilinos.<br />
Saramago dizia que o livro<br />
era ingénuo mas não estava mal construído.<br />
I.C.<br />
Jonathan<br />
Franzen<br />
tornou-se<br />
o tipo <strong>de</strong><br />
escritor que<br />
não queria<br />
ser: os fãs<br />
aproximamse<br />
não para<br />
terem o seu<br />
livro assinado<br />
mas para que<br />
ele autografe<br />
a “Time” que<br />
lhe <strong>de</strong>dicou<br />
uma capa<br />
FERNANDO BAPTISTA / FRANKFURTER BUCHMESSE<br />
quentes do excesso <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da<br />
socieda<strong>de</strong> americana contemporânea”,<br />
explica a editora da Dom Quixote,<br />
Cecília Andra<strong>de</strong>.<br />
O livro teve toda a atenção que po<strong>de</strong>ria<br />
ter. Há uma década que a “Time”<br />
não colocava a fotografia <strong>de</strong> um<br />
escritor norte-americano na capa (a<br />
última vez tinha acontecido em 2000,<br />
com Stephen King) e lá estava a cara<br />
<strong>de</strong> Franzen ao lado da frase: “Great<br />
American Novelist”. Para ajudar à festa,<br />
Barack Obama levou “Liberda<strong>de</strong>”<br />
para ler nas férias.<br />
Depois do estrondoso sucesso <strong>de</strong><br />
“Correcções”, Franzen ficou bloqueado.<br />
Só conseguiu voltar a escrever<br />
<strong>de</strong>pois do suicídio do escritor David<br />
Foster Wallace, um dos seus melhores<br />
amigos, em 2008.<br />
Elizabeth Wurtzel ( autora <strong>de</strong> “Nação<br />
Prozac”) tem uma teoria sobre<br />
isto. Quando Wallace se suicidou foi<br />
consi<strong>de</strong>rado o maior escritor da sua<br />
geração. Isso, contou ela à revista<br />
“GQ”, terá abalado Franzen. “Ele não<br />
po<strong>de</strong> suportar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Wallace ser<br />
o melhor escritor <strong>de</strong> sua geração, por<br />
isso escreveu um novo livro. Agora<br />
dizem a mesma coisa <strong>de</strong>le”.<br />
Franzen não lê o que escrevem sobre<br />
ele. “Aprendi a minha lição <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> passar noventa minutos infrutíferos<br />
a pesquisar-me no Google em<br />
2001. Acho que a i<strong>de</strong>ia ‘Franzen é um<br />
elitista mimado’ é falsa, apesar <strong>de</strong> ter<br />
na sua essência algo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro.<br />
Tenho uma vida privilegiada. Acredito<br />
que alguns livros são melhores do<br />
que outros. Acho que a popularida<strong>de</strong><br />
não indica magnitu<strong>de</strong>. Nesse aspecto,<br />
suponho que sou elitista. Mas penso<br />
que o termo ‘elitista’ é uma antítese<br />
do que eu tentava fazer como escritor:<br />
chegar à maior audiência possível.<br />
Trabalhei tanto – e <strong>de</strong> uma maneira<br />
consciente – para não excluir pessoas”,<br />
disse também à “GC”.<br />
O absurdo é que Jonathan Franzen<br />
se tornou num tipo <strong>de</strong> escritor que<br />
não queria ser. Tem fãs que se aproximam<br />
<strong>de</strong>le e não querem ter o seu<br />
livro assinado: pe<strong>de</strong>m-lhe autógrafos<br />
na capa da revista “Time”.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 21
expos<br />
Margarida<br />
Men<strong>de</strong>s<br />
reabre<br />
a barbearia<br />
Depois <strong>de</strong> Pablo<br />
León la Barra ou<br />
Karen di Franco,<br />
esperam-se outras<br />
epifanias a partir<br />
<strong>de</strong> Fevereiro.<br />
É um dos regressos mais aguardados. ados.<br />
A jovem comissária, que durante um<br />
ano agitou o panorama nacional da<br />
arte contemporânea, está <strong>de</strong> volta,<br />
ao que tudo indica, a partir <strong>de</strong><br />
Fevereiro. E <strong>de</strong> novo com o seu<br />
The Barber Shop, junto ao Marquês<br />
<strong>de</strong> Pombal, no numero cinco<br />
da Rua Rosa Araújo. Ou seja,<br />
esperam-se mais momentos intensos<br />
<strong>de</strong> discussão e conhecimento,<br />
como os que, em 2010,<br />
trouxeram a <strong>Lisboa</strong> Pablo León<br />
la Barra ou Karen di Franco. Numa<br />
só noite ou num só dia, num<br />
antiga barbearia. J.M.<br />
22 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
A comissária<br />
está <strong>de</strong> volta<br />
RAQUEL ESPERANÇA<br />
O mundo <strong>de</strong> Gonçalo<br />
Pena está a chegar<br />
O ano da pintura transbordante <strong>de</strong> Gonçalo<br />
Pena. Encontro imediato com um universo até<br />
aqui quase secreto. José Marmeleira<br />
Pintura<br />
excessiva,<br />
cheia,<br />
colorida,<br />
untuosa,<br />
redonda. On<strong>de</strong><br />
as<br />
personagens,<br />
as figuras,<br />
posam<br />
“orgulhosas”,<br />
necessárias<br />
LUÍS RAMOS<br />
Um vislumbre sobre o que 2011 vai<br />
<strong>de</strong>stapando e eis que a pintura e o <strong>de</strong>senho<br />
se revolvem em várias exposições.<br />
Não se trata <strong>de</strong> um regresso.<br />
Antes <strong>de</strong> um acordar, que permitirá<br />
testemunhar a vitalida<strong>de</strong> dos meios<br />
ao dispor das duas linguagens. Comece-se<br />
pela pintura <strong>de</strong> Cabrita Reis, a<br />
partir <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> Julho, na primeira gran<strong>de</strong><br />
retrospectiva do artista em <strong>Lisboa</strong>,<br />
organizada pelo Museu Colecção Berardo<br />
(a versão lisboeta <strong>de</strong> “One after<br />
another: a few silent steps” apresentada<br />
em Hamburgo, Nîmes e Lovaina<br />
e em cujo catálogo será possível ler o<br />
contributo do António Lobo Antunes).<br />
E o <strong>de</strong>senho na exposição que <strong>de</strong>svenda,<br />
em Outubro, o trabalho <strong>de</strong> José<br />
Loureiro com a disciplina, na Culturgest<br />
<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Encontros parecidos<br />
Eduardo Batarda<br />
“watching us” em Serralves<br />
Um dos mais sólidos corpos<br />
<strong>de</strong> trabalho da arte contemporânea<br />
portuguesa em revisão.<br />
Autor <strong>de</strong> uma das exposições do ano<br />
para o Ípsilon, distinguido há pouco<br />
tempo com o Gran<strong>de</strong> Prémio EDP,<br />
Eduardo Batarda dispensa apresentações,<br />
revisões ou consagrações. Mas<br />
como é (sempre) bom voltar a ver (ou<br />
ver pela primeira vez) a sua obra solitária,<br />
irónica, <strong>de</strong>snorteante, bela. Política<br />
e anti-política. É assim, com todo<br />
estes adjectivos, que ela estará à nossa<br />
espera no Museu <strong>de</strong> Serralves, em<br />
Outubro. Com o comissariado <strong>de</strong> João<br />
Fernan<strong>de</strong>s e do próprio Eduardo Batarda.<br />
Com ou sem crise. J.M.<br />
Os Von<br />
Calhau!<br />
(Marta e<br />
Alves) são o<br />
ovni da arte<br />
contemporânea<br />
portuguesa<br />
FRED LOBO<br />
DANIEL ROCHA<br />
estão guardados para duas exposições<br />
que resgatam Nikias Skapinakis e Luísa<br />
Correia Pereira: o primeiro será<br />
objecto <strong>de</strong> uma mostra também no<br />
Berardo; a segunda, falecida em 2009,<br />
po<strong>de</strong>rá ser justamente relembrada,<br />
através <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />
inéditos, na Culturgest do Porto, entre<br />
Maio e Julho.<br />
Mas apetece dizer que este será o<br />
ano da pintura. Acrescentamos: da<br />
pintura <strong>de</strong> Gonçalo Pena. Da sua pintura<br />
excessiva, cheia, colorida, untuosa,<br />
redonda. On<strong>de</strong> as personagens,<br />
as figuras, posam “orgulhosas”, necessárias.<br />
On<strong>de</strong> os planos compõem<br />
narrativas, histórias. On<strong>de</strong> a tela respiga<br />
vorazmente imaginários (republicano,<br />
contemporâneo, pictórico,<br />
surrealista), para os <strong>de</strong>volver ao es-<br />
Batarda: uma<br />
obra solitária,<br />
irónica,<br />
<strong>de</strong>snorteante<br />
pectador. Pintura a óleo, plena <strong>de</strong> iconografias,<br />
símbolos, arquétipos, mitos<br />
e História. Construída sob o farto<br />
aconchego da pintura dos séculos<br />
XVIII e XIX (<strong>de</strong> toda a pintura!), mas<br />
também com o traço docemente musculado<br />
da ilustração e <strong>de</strong> outras artes<br />
visuais. Uma obra pictórica que é uma<br />
enorme janela para um mundo.<br />
Algumas notas biográficas: formado<br />
em Pintura, Gonçalo Pena <strong>de</strong>ixou em<br />
2005 a Escola Superior <strong>de</strong> Arte e Desenho<br />
das Caldas da Rainha, on<strong>de</strong><br />
ensinava, para se <strong>de</strong>dicar à carreira<br />
artística, iniciando a partir daí um percurso<br />
que se tornou num dos mais<br />
“misteriosos” da arte contemporânea<br />
portuguesa. Nos anos 90 fez ilustração<br />
para jornais e revistas portuguesas (da<br />
“Ler” ao “In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, passando<br />
pelo “Público” e a “Egoísta”) e expôs<br />
na Galeria Graça Brandão (em <strong>Lisboa</strong><br />
e no Porto), tendo em 2007 realizado<br />
a sua primeira individual na Galeria<br />
Fucares, em Madrid. Acrescentam-se<br />
várias colectivas e recentemente um<br />
momento alto: a individual “Musée<br />
<strong>de</strong> l’Armée: Le Retour <strong>de</strong>s Botées”,<br />
ainda patente na Galeria <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong><br />
Torres Vedras (até 12 <strong>de</strong> Janeiro). On<strong>de</strong><br />
explora o imaginário napoleónico e a<br />
iconografia associada, com <strong>de</strong>rivas<br />
temáticas pelos conceitos <strong>de</strong> herói, o<br />
liberalismo, a sexualida<strong>de</strong>. Sem se restringir<br />
à pintura: inclui também fotografias,<br />
colagens, jogos.<br />
E agora a razão pela qual Pena marcará<br />
2011. Porque em Junho inaugura<br />
na Galeria Zé dos Bois em <strong>Lisboa</strong> uma<br />
exposição <strong>de</strong> trabalhos novos e antigos,<br />
em co-autoria com Natxo Checa.<br />
Desenvolve a abordagem apresentada<br />
em Torres Vedras: às telas juntam-se<br />
outras coisas. “Objects trouvés”, artefactos<br />
romanos, animais vivos, pinturas<br />
<strong>de</strong> outros pintores, documentos,<br />
imagens. Um arquivo on<strong>de</strong> cabem referências<br />
à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ruína, ao tropicalismo.<br />
Um arquivo imenso nascido<br />
com e da pintura. O mundo <strong>de</strong> Gonçalo<br />
Pena. Está a chegar.<br />
O ovni Von<br />
Calhau!<br />
Um disco, uma<br />
exposição<br />
e uma digressão<br />
europeia: eles<br />
po<strong>de</strong>m partir tudo<br />
em 2011.<br />
Performance, som, música, arte, concertos,<br />
exposições e workshops. Filmes<br />
<strong>de</strong> 16mm, psica<strong>de</strong>lismo, transe.<br />
Os Von Calhau! (Marta e Alves) são o<br />
ovni – sem exagero – da arte contemporânea<br />
portuguesa. São o duo “party-crasher”<br />
da 10ª edição do Prémio<br />
União Latina – foram seleccionados<br />
com os “favoritos” Pedro Barateiro,<br />
Renato Ferrão,<br />
Mauro Cerqueira.<br />
E 2011 po<strong>de</strong> ser o<br />
ano <strong>de</strong>les. Vão ter<br />
um disco (“Quadrologia<br />
Pentacónica”),<br />
uma exposição<br />
(Cascais) e<br />
uma digressão por<br />
várias cida<strong>de</strong>s europeias.<br />
J.M.
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<strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> João Jacinto<br />
curadoria: Paulo Pires do Vale<br />
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APRESENTAM CARLOS AZEREDO MESQUITA, EDUARDO GUERRA,<br />
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Exposição: 5 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2010 até 26 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2011<br />
Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, das 15h00 às 20h00<br />
Ciclo <strong>de</strong> conversas «Auto-retrato e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>»<br />
(na literatura, na filosofia e na arte):<br />
João Barrento – «Do Eu ao Há: Pessoa, Celan, Llansol»<br />
22 <strong>de</strong> Janeiro (sábado) às 17h00<br />
Maria João Branco – «Imagens monológicas. A pele e a voz»<br />
29 <strong>de</strong> Janeiro (sábado) às 17h00<br />
Bruno Marchand – «Auto-retrato, Auto-representação e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>»<br />
5 <strong>de</strong> Fevereiro (sábado) às 17h00<br />
«Relatório Confi<strong>de</strong>ncial», Orson Welles (1955) – projecção do filme<br />
com introdução <strong>de</strong> João Jacinto e Paulo Pires do Vale<br />
26 <strong>de</strong> Fevereiro (sábado) às 17h00<br />
APOIO<br />
CONFEDERAÇÃO<br />
fundação carmona e costa<br />
Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>)<br />
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A minha peça <strong>de</strong> te<br />
é melhor do qu<br />
“Internal”: cinco performers<br />
para cinco espectadores<br />
VIRGINIE SCHREYEN<br />
Em “The Smile Off Your Face”,<br />
o espectador não sabe<br />
<strong>de</strong> que terra é<br />
A partir <strong>de</strong> amanhã, os Ontroerend Goed fazem teatro <strong>de</strong> um para um na Culturgest. “Personal T<br />
Your Face” e “A Game of You”, é uma tareia em três “rounds” que <strong>de</strong>ixa o espectador KO: perdido, m<br />
Alexan<strong>de</strong>r Devriendt morre <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> contar o que <strong>de</strong> facto se passa<br />
em cada uma das três peças da “Personal<br />
Trilogy” que os Ontroerend<br />
Goed apresentam, a partir <strong>de</strong> amanhã,<br />
na Culturgest, em <strong>Lisboa</strong> (ou<br />
então morre <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> acabar<br />
rapidamente a conversa, porque isto<br />
que acabámos <strong>de</strong> interromper é a sua<br />
festa <strong>de</strong> aniversário), mas isso seria<br />
estragar tudo. “Internal” (2007), “The<br />
Smile Off Your Face” (2003) e “A Game<br />
of You” (2010) são o tipo <strong>de</strong> teatro<br />
a que se sobrevive para não contar,<br />
porque o contrário seria a morte não<br />
do artista, mas do espectáculo e até<br />
do espectador, que sai <strong>de</strong> cada um<br />
<strong>de</strong>stes três “rounds” KO <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
uma luta extenuante contra aquilo<br />
que nem nos seus sonhos mais in<strong>de</strong>cifráveis<br />
imaginaria encontrar pela<br />
frente: a sua própria imagem, projectada<br />
num espelho assustadoramente<br />
esclarecedor (e entretanto, como Devriendt<br />
morre <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar<br />
tudo mas não conta nada, aqui estamos<br />
nós a escrever um texto sobre<br />
não sabemos exactamente o quê:<br />
“Força!”, diz ele, antes <strong>de</strong> ir outra vez<br />
fazer 34 anos).<br />
Parece sinistro, isto <strong>de</strong> o teatro po<strong>de</strong>r<br />
tornar-se tão pessoal que sabe<br />
mais sobre nós do que nós sobre ele,<br />
“As pessoas sabem<br />
os limites que<br />
separam a ficção<br />
da realida<strong>de</strong>.<br />
Mas claro que um em<br />
cada mil espectadores<br />
passa os limites, e<br />
quando isso acontece<br />
temos <strong>de</strong> mudar o<br />
espectáculo todo”<br />
Alexan<strong>de</strong>r Devriendt<br />
mas para muitas das centenas <strong>de</strong> pessoas<br />
que já passaram por estes umpara-um<br />
dos Ontroerend Goed (na<br />
Bélgica, on<strong>de</strong> as três peças se estrearam,<br />
ou em Edimburgo, on<strong>de</strong> os dois<br />
primeiros capítulos da trilogia fizeram<br />
história, talvez com H gran<strong>de</strong>) não foi<br />
sinistro, foi uma epifania. “As pessoas<br />
apren<strong>de</strong>ram coisas sobre si próprias<br />
<strong>de</strong> que nem suspeitavam: muita gente<br />
veio agra<strong>de</strong>cer-nos por lhe termos<br />
mostrado isto ou aquilo. É claro que<br />
isso po<strong>de</strong> acontecer em qualquer espectáculo;<br />
a diferença é que aqui o<br />
que fazemos é verda<strong>de</strong>iramente personalizado,<br />
e isso po<strong>de</strong> mudar o mundo.<br />
Não acredito em revoluções colectivas,<br />
mas acredito em revoluções<br />
individuais, e ao longo <strong>de</strong>sta trilogia<br />
vi-as a acontecer. Até comigo: aconteceram-me<br />
coisas com alguns espectadores<br />
que nunca me tinham acontecido<br />
na vida, e isso é muito po<strong>de</strong>roso”,<br />
explica o actor e encenador do<br />
grupo. Houve alturas em que teve medo<br />
disso: “Na noite em que estreámos<br />
‘Internal’, houve uma rapariga que<br />
acabou com o namorado no fim da<br />
peça. Veio ter comigo e eu, angustiadíssimo:<br />
‘Não é isto, eu não quero<br />
fazer peças que façam acontecer coisas<br />
<strong>de</strong>ssas’. Ela garantiu-me que não<br />
foi a peça: podia ter sido um livro, um<br />
filme, um passeio no parque. Para<br />
mim isso foi o mais extraordinário:<br />
perceber quão profundamente os espectadores<br />
conhecem os mecanismos<br />
do teatro. As pessoas sabem os limites<br />
que separam a ficção da realida<strong>de</strong>.<br />
Mas claro que um em cada mil espectadores<br />
passa os limites, e quando<br />
isso acontece temos <strong>de</strong> mudar o espectáculo<br />
todo”.<br />
Não será tão grave como ter <strong>de</strong> mudar<br />
a vida toda, o que como vimos às<br />
vezes também acontece, mas diz muito<br />
sobre o papel que sucessivas vagas<br />
<strong>de</strong> espectadores tiveram na construção<br />
<strong>de</strong>stes espectáculos. “No fundo”,<br />
sublinha Devriendt, “esta trilogia é<br />
uma investigação do espectador, uma<br />
espécie <strong>de</strong> ‘quem és tu?’. Ficámos tão<br />
fascinados pelo contacto um-a-um<br />
que nos <strong>de</strong>ixámos levar. Mas só ao fim<br />
<strong>de</strong> sete anos é que percebemos que<br />
os três espectáculos podiam funcionar<br />
como uma trilogia”. Funcionam.<br />
E on<strong>de</strong> os Ontroerend Goed <strong>de</strong>scobriram<br />
o sentido do teatro houve<br />
quem <strong>de</strong>scobrisse o sentido da vida.<br />
Os limites do controlo<br />
“Smile Off Your Face” (dias 11, 12 e 13),<br />
a primeira pedra <strong>de</strong>ste empreendimento,<br />
começou por ser um exercício<br />
formal <strong>de</strong> inversão das regras <strong>de</strong> comportamento<br />
numa sala <strong>de</strong> espectáculos,<br />
o tipo <strong>de</strong> sítio on<strong>de</strong> em princípio<br />
o espectador nunca está sozinho e é<br />
obrigado a permanecer sentado no<br />
seu lugar, a não ser para bater palmas<br />
no fim. “Quisemos que o espectador<br />
estivesse sozinho, numa ca<strong>de</strong>ira que<br />
se mexe, vendado e impedido <strong>de</strong> bater<br />
palmas”, esclarece Devriendt, e<br />
mais não diz. O que acontece a seguir<br />
(<strong>de</strong>scobrir os segredos dos Ontroerend<br />
Goed po<strong>de</strong> ser um trabalho sujo,<br />
mas tivemos <strong>de</strong> o fazer) é um assalto<br />
<strong>de</strong> 20 minutos - um assalto que<br />
a crítica britânica <strong>de</strong>screveu como<br />
próximo da epifania, coisa capaz <strong>de</strong><br />
mover montanhas, ou pelo menos<br />
gente empe<strong>de</strong>rnida por décadas <strong>de</strong><br />
teatro que não quer saber dos espectadores<br />
para nada. Des<strong>de</strong> a estreia,<br />
em Gent, a companhia teve todo o<br />
tipo <strong>de</strong> reacções, algumas “extremas”,<br />
e foi preciso readaptar constantemente<br />
a peça. Mas os Ontroerend<br />
Goed apren<strong>de</strong>ram a confiar nos<br />
espectadores, e os espectadores<br />
apren<strong>de</strong>ram a confiar neles: “Devo<br />
admitir que vendar e amarrar pessoas,<br />
a seguir pô-las numa ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
rodas e arranjar maneira <strong>de</strong> mesmo<br />
assim elas se sentirem confortáveis é<br />
um feito. Mas quando isso acontece<br />
as pessoas estão dispostas a <strong>de</strong>ixar-se<br />
24 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
eatro<br />
e a tua<br />
“A Game of You”: aquilo que vemos<br />
ao espelho é o nosso avatar<br />
VIRGINIE SCHREYEN<br />
ELIES VAN RENTERGHEM<br />
l Trilogy”, compacto que reúne “Internal”, “The Smile Off<br />
, mas às vezes reencontrado, no seu labirinto. Inês Nadais<br />
ir seja para on<strong>de</strong> for”, diz Devriendt.<br />
“Internal” (amanhã e <strong>de</strong>pois), a<br />
peça que veio a seguir, continua a<br />
po<strong>de</strong>r ir parar a lugares imprevisíveis:<br />
ao contrário <strong>de</strong> “The Smile Off<br />
Your Face”, praticamente não há<br />
guião, e os actores constroem o espectáculo<br />
à medida que entram no<br />
labirinto do seu espectador (à entrada,<br />
cada um dos cinco actores escolhe<br />
o seu “acompanhante”, que <strong>de</strong>pois<br />
leva para um privado: “Internal”<br />
está entre o “speed-dating” e a<br />
terapia <strong>de</strong> grupo). O céu só não é o<br />
limite porque os Ontroerend Goed<br />
não estão dispostos a tudo (e sobretudo<br />
não estão dispostos a ultrapassar<br />
os limites <strong>de</strong> cada espectador),<br />
mas esta é a peça <strong>de</strong>pois da qual,<br />
algures num quarto belga, não ficou<br />
pedra sobre pedra. Eis portanto a<br />
razão pela qual Alexan<strong>de</strong>r Devriendt<br />
não nos conta tudo o que sabe:<br />
“Os espectadores sabem que o que<br />
acontece nas nossas peças fica nas<br />
nossas peças. Isso é <strong>de</strong>terminante.<br />
Mas há histórias, pá, tivemos pessoas<br />
a fazerem as coisas mais estranhas...<br />
O que é incrível é que as pessoas sejam<br />
cúmplices <strong>de</strong>ste mistério: nós<br />
nunca pedimos segredo aos espectadores,<br />
mas eles não dizem a ninguém<br />
o que se passa aqui <strong>de</strong>ntro. É lindo. É<br />
“O que acontece<br />
nas nossas peças fica<br />
nas nossas peças (...).<br />
O que é incrível<br />
é que (...) nós nunca<br />
pedimos segredo aos<br />
espectadores, mas<br />
eles não dizem a<br />
ninguém o que se<br />
passa aqui <strong>de</strong>ntro.<br />
É lindo. É como<br />
se a peça fosse só<br />
nossa e <strong>de</strong>las”<br />
Alexan<strong>de</strong>r Devriendt<br />
como se a peça fosse só nossa e <strong>de</strong>las”.<br />
Continua a parecer assustador: um<br />
buraco negro, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> pelos vistos se<br />
sai melhor mas sabemos lá a que preço.<br />
Mas é tão assustador para nós como<br />
para eles: “Aqui os actores não são<br />
servos do texto, como costuma acontecer<br />
no teatro, mas são servos do<br />
público. Po<strong>de</strong> parecer que estamos<br />
sempre em controlo, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mos<br />
completamente do espectador.<br />
Estamos lá para ele. Ele po<strong>de</strong> continuar<br />
a viver a sua vida <strong>de</strong>ntro das<br />
nossas peças, nós é que não. Mesmo<br />
que ele venha e não faça nada, nós<br />
temos qualquer coisa para lhe mostrar”,<br />
continua.<br />
Também é esse o jogo em “A Game<br />
of You” (dias 15 e 16), em que os Ontroerend<br />
Goed criam um avatar para<br />
cada espectador. Parece uma oferta<br />
generosa - e é. “Quando estávamos a<br />
fazer a peça na Bélgica, houve um dia<br />
em que uma crítica flamenga apareceu<br />
para ver e nos atirou com um ‘Então,<br />
é esta a peça em que vou ficar a<br />
saber tudo sobre mim?’. Ficámos em<br />
pânico. Mas acho que sim, que ela ficou<br />
a saber uma ou outra coisa sobre<br />
ela”, conclui Devriendt.<br />
Venha daí a nossa peça <strong>de</strong> teatro:<br />
também queremos ter qualquer coisa<br />
que não seja <strong>de</strong> mais ninguém.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 25
“No Oci<strong>de</strong>nte<br />
po<strong>de</strong>mos mudar<br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a toda<br />
a hora. Po<strong>de</strong>mos<br />
tocar reggae num dia<br />
e música indiana<br />
no dia seguinte.<br />
No Congo, a tua<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é o padrão<br />
rítmico específico que<br />
tocas no chocalho,<br />
uma dança específica,<br />
e é complicado<br />
perceber uma cultura<br />
em que não estamos<br />
ligados a algo”<br />
Vincent Kenis<br />
Há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos que Vincent Kenis<br />
<strong>de</strong>sembarcava regularmente no<br />
Aeroporto Internacional <strong>de</strong> N’Djili em<br />
Kinshasa. Nas mãos, carregava a bagagem<br />
para uma estada <strong>de</strong> duração<br />
incerta; no estômago amarrotado, a<br />
ansieda<strong>de</strong> electrizante <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r finalmente<br />
<strong>de</strong>scobrir o rasto <strong>de</strong> um grupo<br />
chamado Konono Nº1, <strong>de</strong>saparecido<br />
<strong>de</strong> circulação há 20 anos. Mas a esperança<br />
começava a ruir. De cada vez,<br />
os resultados das suas investigações<br />
eram-lhe sempre lembrados num familiar<br />
número redondo (que parecia<br />
piscar a um ritmo <strong>de</strong>smaiado na sua<br />
<strong>de</strong>spedida <strong>de</strong> N’Djili): zero. Numa nova<br />
investida, Vincent <strong>de</strong>ixou-se conduzir<br />
pela mão da filha <strong>de</strong> Dr. Nico –<br />
um dos gran<strong>de</strong>s heróis da guitarra no<br />
Congo, sendo o outro Franco – a todos<br />
os sítios que, na cabeça <strong>de</strong>la, po<strong>de</strong>riam<br />
sugerir quaisquer pistas. Uma<br />
vez mais, zero. Até que o acaso tratou<br />
<strong>de</strong> produzir os resultados que o planeamento<br />
falhara. Ao passearem calmamente<br />
por uma <strong>de</strong>ssas gran<strong>de</strong>s<br />
avenidas da capital da República Democrática<br />
do Congo, a janela aberta<br />
<strong>de</strong> uma qualquer associação <strong>de</strong>ixou<br />
escapar para a rua o som dos Konono<br />
e a imagem <strong>de</strong> gente a dançar uma<br />
música perdida no tempo como se<br />
fosse o sucesso do momento. Vincent<br />
tinha <strong>de</strong>scoberto uma espécie <strong>de</strong> clube<br />
<strong>de</strong> fãs do grupo e jogou a sua cartada<br />
<strong>de</strong>sesperada.<br />
O contacto ali estabelecido assegurou-lhe<br />
que conseguiria chegar à fala<br />
com os Konono. Vincent esperou um<br />
telefonema durante o resto da sua<br />
estada em Kinshasa, mas foi só <strong>de</strong>pois<br />
do regresso a Bruxelas que soube que<br />
pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter apanhado o avião<br />
<strong>de</strong> volta o grupo voltara a juntar-se.<br />
E que, afinal, nunca tinham parado<br />
<strong>de</strong> tocar, simplesmente tinham sido<br />
escorraçados para a teia <strong>de</strong> uma periferia<br />
pantanosa e insondável, on<strong>de</strong><br />
viviam muitos dos praticantes originais<br />
do som tradi-mo<strong>de</strong>rne <strong>de</strong> que os<br />
Konono eram o diamante mais visível.<br />
Diz Vincent que se tratou <strong>de</strong> uma manobra<br />
do autoritarismo <strong>de</strong> Mobutu,<br />
presi<strong>de</strong>nte entre 1965 e 1997, <strong>de</strong>rrubado<br />
apenas pela morte, invenção <strong>de</strong><br />
um cancro na próstata. Quando em<br />
71 Mobutu iniciou a sua Campanha<br />
pela Autenticida<strong>de</strong>, recusando todas<br />
as referências exteriores e promovendo<br />
a supremacia cultural africana,<br />
obrigando todos os congoleses a substituírem<br />
os nomes europeus por nomes<br />
africanos, fazendo do Congo um<br />
outro país chamado Zaire, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u<br />
o aparecimento e a sobrevivência <strong>de</strong><br />
grupos como os Konono Nº1 e os Kasai<br />
Allstars. “Diziam às pessoas para<br />
não ouvirem música estrangeira, para<br />
que ficassem mais próximas da sua<br />
cultura”, lembra Kenis. “O que parece<br />
uma excelente i<strong>de</strong>ia para um país<br />
muito musical e tão gran<strong>de</strong> quanto<br />
um continente”.<br />
Em 1974, quando se <strong>de</strong>u o lendário<br />
combate <strong>de</strong> boxe entre George Foreman<br />
e Muhammad Ali em Kinshasa,<br />
o tradi-mo<strong>de</strong>rne era um movimento<br />
imenso na capital, com grupos a povoarem<br />
cada esquina, como prostitutas<br />
numa cida<strong>de</strong> europeia. Foi esse<br />
cenário que o músico sul-africano Hugh<br />
Masekela encontrou quando se<br />
<strong>de</strong>slocou para testemunhar o gancho<br />
<strong>de</strong> direita com que Ali <strong>de</strong>itou Foreman<br />
ao tapete. O KO que <strong>de</strong>volveu Ali<br />
ao trono mundial, ao <strong>de</strong>rrotar um adversário<br />
mais novo, teria um correspon<strong>de</strong>nte<br />
inverso na música congolesa.<br />
Mobutu <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ver nestes<br />
grupos <strong>de</strong> expressão mais tribal um<br />
meio para chegar às massas, e o Estado<br />
fechou a torneira, escorraçando-os<br />
para fora do centro, abrindo caminho<br />
para a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos trans-étnicos,<br />
para a rumba, para o jazz africano,<br />
“mais fáceis <strong>de</strong> usar como meio<br />
político, porque se dirigiam ao país<br />
como um todo”. Estes géneros seriam<br />
<strong>de</strong>pois engolidos pela proliferação <strong>de</strong><br />
música religiosa inspirada pelo gospel<br />
americano que tomou conta das ruas<br />
Kasai Allstars<br />
e Konono<br />
Nº1 elevam a<br />
música tribal<br />
congolesa a<br />
fenómeno da<br />
world music<br />
até hoje e que a juventu<strong>de</strong> se habituou<br />
a encarar como a face da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
congolesa. Daí que a sonorida<strong>de</strong><br />
tradi-mo<strong>de</strong>rne dos Congotronics, se<br />
mostrada agora aos locais, é <strong>de</strong>scartada<br />
com uma sentença: “Ah, isto é<br />
música dos anos 70”. É música <strong>de</strong>masiado<br />
associada ao passado, a Mobutu<br />
e à propaganda para que possa gozar<br />
do mesmo sucesso com que chega ao<br />
exterior.<br />
Quando Vincent voltou ao Congo<br />
em 2002 para gravar os Konono Nº1,<br />
estava prestes a dar origem a um dos<br />
mais marcantes fenómenos na world<br />
music: a série Congotronics. O “tronics”,<br />
entenda-se, não é tanto alusivo<br />
à electrónica quanto à electricida<strong>de</strong>,<br />
uma vez que a força propulsora <strong>de</strong>sta<br />
música é o som dos três likembés passados<br />
por amplificadores que, por sua<br />
vez, me<strong>de</strong>iam servem <strong>de</strong> canais <strong>de</strong><br />
distribuição <strong>de</strong> energia para os corpos<br />
<strong>de</strong> quem ouve. Segundo se conta,<br />
Mingiedi, o fundador do grupo, terse-á<br />
interessado pela electrificação<br />
dos instrumentos para que a música<br />
não morresse sob o tráfego incessante<br />
<strong>de</strong> Kinshasa. E, portanto, quando<br />
Kenis se encontrou com o grupo em<br />
2002, <strong>de</strong>u <strong>de</strong> caras com a mesma música<br />
por que se tinha apaixonado 20<br />
anos antes ao ouvir os Konono num<br />
programa da rádio France Culture,<br />
miraculosamente abrigada <strong>de</strong> qualquer<br />
tentação mo<strong>de</strong>rnizadora. Afinal,<br />
conta o homem que produziu a série<br />
Congotronics, Mingiedi pretendia<br />
apenas “reproduzir a música tradicional<br />
que o seu pai tocara enquanto<br />
músico na corte do rei da sua tribo, a<br />
200 quilómetros <strong>de</strong> Kinshasa”.<br />
Problema quase filosófico<br />
A relação <strong>de</strong> Vincent Kenis com a música<br />
congolesa começou no final dos<br />
Electricida<strong>de</strong> a céu<br />
A série Congotronics, sinónimo <strong>de</strong> electrificação <strong>de</strong> instrumentos precários para se<br />
sobreporem ao tráfego <strong>de</strong> Kinshasa, é-nos explicada pelo seu produtor Vincent Kenis,<br />
numa altura em que duas compilações revisitam a matéria dada. Gonçalo Frota<br />
26 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
O TNSJ É MEMBRO DA<br />
MECENAS TNSJ<br />
anos 70, quando se envolveu na cena<br />
musical cubana em Bruxelas. Dada a<br />
escassez <strong>de</strong> instrumentistas cubanos,<br />
os congoleses da ex-colónia belga<br />
eram convocados para levar ao palco<br />
a sua experiência com rumbas e ritmos<br />
latinos. “Eles eram falsos cubanos,<br />
tal como eu, e quando nos conhecemos<br />
mostraram-me a música<br />
<strong>de</strong>les. Mas a cena da Congotronics é<br />
muito diferente da rumba”, realça<br />
Kenis. Depois da epifania ao ouvir a<br />
France Culture servida pelo radialista<br />
Bernardo Preton, o mesmo foi ainda<br />
responsável pela edição, anos mais<br />
tar<strong>de</strong>, em 1987, da compilação “Zaire:<br />
Musiques Urbaines a Kinshasa”. “Gostei<br />
muito <strong>de</strong> ele ter lançado a música<br />
no formato <strong>de</strong> cassete e não <strong>de</strong> LP. A<br />
razão era que a maioria das canções<br />
era <strong>de</strong>masiado longa para caber num<br />
lado <strong>de</strong> LP e ele não quis cortar”. Pouco<br />
<strong>de</strong>pois, seria Vincent a lançar a sua<br />
primeira lança em África: a produção<br />
aberto<br />
<strong>de</strong> “Toleki Bango”, dos Classic Swe<strong>de</strong><br />
Swe<strong>de</strong>, editado em 1994 e que o próprio<br />
consi<strong>de</strong>ra uma espécie <strong>de</strong> “Congotronics<br />
nº0”.<br />
A existência <strong>de</strong> um único estúdio<br />
em Kinshasa, pago a peso <strong>de</strong> ouro e<br />
sem capacida<strong>de</strong> para gravar 12 músicos<br />
em simultâneo, e a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> gravar com um baixíssimo orçamento<br />
levaram a que Vincent optasse<br />
por efectuar as gravações para os quatro<br />
volumes da série Congotronics –<br />
dois álbuns dos Konono Nº1, um dos<br />
Kasai Allstars e uma compilação com<br />
mais uns quantos nomes menos conhecidos<br />
– ao ar livre. Além disso, a<br />
estranheza da situação artificial do<br />
estúdio para músicos habituados a<br />
tocar a céu aberto não prometia os<br />
melhores resultados. “Penso que é<br />
melhor eles tocarem num sítio que<br />
conhecem, em que dominam a acústica<br />
e se sentem mais confortáveis. E<br />
os instrumentos <strong>de</strong> percussão soam<br />
sempre melhor ao ar livre”. Com os<br />
Staff Benda Bilili – grupo que gravita<br />
em torno dos Congotronics mas que<br />
não integra oficialmente a série –, as<br />
gravações foram no jardim zoológico<br />
da cida<strong>de</strong>, sítio on<strong>de</strong> ensaiavam, tirando<br />
proveito da autorização especial<br />
conseguida pelo baixista, ex-militar<br />
que tratava dos cavalos do Presi<strong>de</strong>nte<br />
e os levava para ali a pastar.<br />
Actualmente a preparar um encontro<br />
em palco entre os músicos congoleses<br />
e os oci<strong>de</strong>ntais da música indie<br />
oci<strong>de</strong>ntal que os homenageiam no<br />
disco “Tradi-Mods vs. Rockers”, Vincent<br />
Kenis tem “um problema quase<br />
filosófico” relativamente à i<strong>de</strong>ia: “No<br />
Oci<strong>de</strong>nte vivemos num mundo <strong>de</strong> informação,<br />
em que po<strong>de</strong>mos mudar<br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a toda a hora. Po<strong>de</strong>mos<br />
tocar reggae num dia e música indiana<br />
no dia seguinte. I<strong>de</strong>ntificamo-nos<br />
cada vez menos com um certo tipo<br />
<strong>de</strong> música. Enquanto no Congo, nas<br />
cida<strong>de</strong>s, a tua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é a tua música,<br />
a tua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é o padrão rítmico<br />
específico que tocas no chocalho,<br />
uma dança específica, e é complicado<br />
para eles perceber uma<br />
cultura em que não estamos ligados<br />
a algo. Por isso, a música <strong>de</strong>les com<br />
outras pessoas à partida é impossível.<br />
A música está ligada tão intimamente<br />
à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que querem estimar este<br />
vínculo, não querem <strong>de</strong>sbaratá-lo.<br />
Quando tens 50, 60 ou 70 anos e nunca<br />
tentaste fazer algo diferente, não<br />
sentes essa necessida<strong>de</strong> e não queres<br />
fazer figura <strong>de</strong> tolo. Muitos <strong>de</strong>les, os<br />
Konono em particular, têm tocado em<br />
todos os gran<strong>de</strong>s festivais, gravaram<br />
com a Björk e com o Herbie Hancock,<br />
mas continuam a tocar o mesmo estilo<br />
que tocavam antes e não querem<br />
mudá-lo. E por que haviam <strong>de</strong> querer?”.<br />
Até porque o objectivo, repetese,<br />
é apenas o <strong>de</strong> imitar as cornetas<br />
<strong>de</strong> marfim que tocavam para o rei <strong>de</strong><br />
uma tribo <strong>de</strong> que continuamos a não<br />
saber o nome.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 38 e segs<br />
www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv<br />
T 220 120 220<br />
criação<br />
TEATRO MERIDIONAL<br />
encenação<br />
MIGUEL SEABRA<br />
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saxofone alto · trompete · saxofone tenor<br />
trombone · tuba · vibrafone · contrabaixo<br />
bateria<br />
APOIO<br />
INSTITUCIONAL<br />
PATROCINADOR OFICIAL<br />
PAÍS TEMA<br />
PATROCINADOR PRINCIPAL<br />
PAÍS TEMA<br />
Teatro<br />
Nacional<br />
São João<br />
assistência artística<br />
Jean Paul Bucchieri<br />
dramaturgia<br />
Francisco Luís Parreira<br />
espaço cénico<br />
e figurinos<br />
Marta Carreiras<br />
<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> luz<br />
Miguel Seabra<br />
música original<br />
e sonoplastia<br />
José Mário Branco<br />
coor<strong>de</strong>nação geral<br />
Natália Luiza<br />
13-23<br />
Jan<br />
2011<br />
interpretação<br />
Carla Galvão<br />
Cláudia Andra<strong>de</strong><br />
David Pereira Bastos<br />
Emanuel Arada<br />
Filipe Costa<br />
Inês Lua<br />
Inês Mariana Moitas<br />
João Melo<br />
Miguel Damião<br />
Rui M. Silva<br />
Susana Ma<strong>de</strong>ira<br />
co-produção<br />
TNDM II<br />
Teatro Meridional<br />
qua-sáb 21:30<br />
dom 16:00<br />
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fotografia Susana Paiva, <strong>de</strong>sign Margarida Kol, adaptação Joana Monteiro<br />
Vincent Kenis<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 27
Rússia, estrada p<br />
Nos filmes do bielorusso Sergei Loznitsa, a Rússia confronta-se com os fantasmas da sua história. A<br />
abanão. Retrospectiva integral na Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>, a partir <strong>de</strong> quinta-feira, com a presença d<br />
“Revue” e<br />
“Blocka<strong>de</strong>”: a<br />
propaganda<br />
comunista e o<br />
cerco a<br />
Leninegrado<br />
em imagens<br />
<strong>de</strong> arquivo<br />
Não é uma estrada, é uma direcção...<br />
e em direcção a sítio nenhum.<br />
Tal como o camionista <strong>de</strong> “My Joy”,<br />
o espectador está metido nisto: num<br />
mundo impregnado do terror das fábulas,<br />
<strong>de</strong> que ele não conhece regras,<br />
on<strong>de</strong> a brutalida<strong>de</strong> é ancestral, como<br />
a noite, como a neve. On<strong>de</strong> não existe<br />
passado nem presente, porque o<br />
passado sempre ali esteve, a ser reiterado<br />
no presente, como uma face<br />
<strong>de</strong>moníaca que a espaços rasga uma<br />
construção, uma ficção: URSS.<br />
O camionista que tomou a direcção<br />
errada per<strong>de</strong> a memória, violentado,<br />
con<strong>de</strong>nado a errar pelas profun<strong>de</strong>zas<br />
<strong>de</strong> uma estrutura mental. O espectador<br />
também é traumatizado, obrigado<br />
a progredir <strong>de</strong> abanão em abanão<br />
“A Rússia é um gran<strong>de</strong><br />
país com uma<br />
história trágica. Isso<br />
<strong>de</strong>ve-se ao facto<br />
<strong>de</strong> as pessoas não<br />
reflectirem sobre<br />
o seu passado e não<br />
apren<strong>de</strong>rem com<br />
a experiência<br />
passada”<br />
– um <strong>de</strong>les porque às tantas “My Joy”<br />
dá uma cambalhota da actualida<strong>de</strong><br />
para a II Guerra Mundial e ninguém<br />
esperaria isso (e mesmo agora que já<br />
se sabe, a sacudi<strong>de</strong>la continua a ser<br />
assinalável).<br />
É essa a experiência com os filmes<br />
do bielorrusso Sergei Loznitsa – um<br />
sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocação física, somos<br />
atirados para um “road movie”<br />
imprevisível –, como se testemunhará<br />
entre os dias 13 e 16, no Pequeno Auditório<br />
da Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>, na<br />
retrospectiva integral <strong>de</strong>dicada ao cineasta<br />
(organização da Associação<br />
Zero em Comportamento).<br />
Abre, dia 13, às 21h30, com “My<br />
Joy” (“Minha Alegria”, título que uma<br />
semana <strong>de</strong>pois chega às salas). Rodado<br />
na Ucrânia (por contingências <strong>de</strong><br />
produção), marca a passagem do documentarista<br />
para a ficção, um filme<br />
que sedimentou histórias que Loznitsa<br />
foi coleccionando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997,<br />
quando começou a documentar um<br />
país profundo <strong>de</strong> neve – daquelas histórias,<br />
<strong>de</strong> folclore popular sombrio,<br />
que alguém, sem razão aparente e<br />
aproximando-se não se sabe <strong>de</strong> on<strong>de</strong>,<br />
conta, antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer na escuridão<br />
também para um não se sabe<br />
on<strong>de</strong>.<br />
E para quem não sabe o que se passa<br />
realmente em “Minha Alegria”...<br />
A Rússia é um gran<strong>de</strong> país com uma<br />
história trágica. Isso <strong>de</strong>ve-se ao facto<br />
<strong>de</strong> as pessoas não reflectirem sobre<br />
28 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
“The Train<br />
Stop”:<br />
“documentário”<br />
ou<br />
experiência<br />
sensorial?<br />
o seu passado e não apren<strong>de</strong>rem com<br />
a experiência passada. Assim o país<br />
vive num círculo vicioso, assombrado<br />
pelos mesmos <strong>de</strong>mónios. A história<br />
<strong>de</strong> violência repete-se uma e outra vez<br />
e nunca apren<strong>de</strong>mos as lições. Até<br />
apren<strong>de</strong>rmos a enfrentar o nosso<br />
passado, a reconhecê-lo e a analisálo,<br />
os problemas na Rússia vão continuar.<br />
Quando mostro o filme em<br />
várias partes da Rússia, dou-me conta<br />
<strong>de</strong> que muitos espectadores se sentem<br />
chocados apenas porque ignoram<br />
a História do país. Mesmo se<br />
está historicamente documentado<br />
que milhões <strong>de</strong> soldados soviéticos se<br />
ren<strong>de</strong>ram aos alemães durante os<br />
primeiros meses da [II] guerra e uma<br />
parte da população civil da URSS<br />
ansiava pela mudança <strong>de</strong> regime,<br />
porque acreditava que os alemães<br />
seriam um mal menor face aos comunistas,<br />
quando o meu filme evoca<br />
isso, as pessoas perturbam-se. Durante<br />
décadas foram alimentadas<br />
por histórias <strong>de</strong> propaganda. E no<br />
entanto, como cineasta, não estou<br />
em posição <strong>de</strong> dar lições a ninguém<br />
ou <strong>de</strong> redimir. O meu papel é perguntar.<br />
Algumas <strong>de</strong>las perguntas incómodas,<br />
acho...<br />
Quando Loznitsa nos fala da passivida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> uma recusa <strong>de</strong> reflexão,<br />
vemos um colapso e impõem-se-nos<br />
as imagens <strong>de</strong> “The Train Stop”<br />
(2000, sexta-feira 14, 18h30). Diz-se<br />
que é um “documentário”. Nós perguntamos<br />
se não é mais uma experiência<br />
sensorial: o som – sempre trabalhado,<br />
construído e espesso nos<br />
filmes <strong>de</strong> Loznitsa – da respiração <strong>de</strong><br />
russos a dormir enquanto o comboio<br />
não passa na estação.<br />
No Verão <strong>de</strong> 1999, o realizador e o<br />
seu “cameraman” viajavam <strong>de</strong> Moscovo<br />
para São Petersburgo quando o<br />
comboio parou <strong>de</strong> repente no que parecia<br />
ser o fim do mundo. O próximo<br />
só passaria na manhã seguinte, o realizador<br />
e o operador tiveram <strong>de</strong> passar<br />
a noite na estação, minúscula...<br />
Um caminho estreito levava, por entre<br />
neve espessa, para uma pequena<br />
sala <strong>de</strong> espera. Entrámos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
um pequeno edifício <strong>de</strong>crépito e fiquei<br />
espantado por ver a sala cheia<br />
<strong>de</strong> pessoas a dormir, à espera <strong>de</strong> um<br />
comboio que ninguém sabia quando<br />
iria chegar... Foi esta experiência que<br />
me levou a ‘The Train Stop’. E assim,<br />
durante mais ou menos um ano, eu<br />
e o meu operador <strong>de</strong> câmara fizemos<br />
viagens até essa estação e filmámos.<br />
Filmámos com uma lente que <strong>de</strong>u<br />
uma característica especial à imagem:<br />
focada no centro e cheia <strong>de</strong> névoa<br />
nas margens. E sim, para respon<strong>de</strong>r<br />
à sua pergunta: ‘The Train Stop’<br />
é tanto um documentário como uma<br />
“Os dois géneros,<br />
ficção<br />
e documentário,<br />
apresentam valores<br />
‘realistas’:<br />
documentam<br />
primeiro que tudo<br />
a percepção que<br />
o artista tem<br />
do mundo e reflectem<br />
o seu ponto <strong>de</strong> vista”<br />
experiência sensorial. E quanto ao<br />
som, também é ‘documental’ e também<br />
é ‘fabricado’. Nunca se po<strong>de</strong>m<br />
separar esses dois aspectos<br />
Isto serve para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r também<br />
que se “My Joy” é “a primeira ficção”,<br />
como é anunciada, <strong>de</strong> um documentarista<br />
<strong>de</strong> 46 anos, para o espectador<br />
essa mudança nada muda. Os documentários<br />
<strong>de</strong>ste engenheiro e matemático<br />
<strong>de</strong> formação (entre 1987 e 1991<br />
esteve envolvido no <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> inteligência artificial;<br />
a partir do final dos anos 90, dá-se a<br />
passagem para o cinema; em 2001<br />
emigra com a família para a Alemanha,<br />
país que tem estado envolvido<br />
na produção da sua obra) já se testemunhavam<br />
como visões que o artista<br />
impunha à “realida<strong>de</strong>”. Falar em “realida<strong>de</strong>”,<br />
ou na documentação da<br />
realida<strong>de</strong>, é por isso tão nebuloso como<br />
a imagem <strong>de</strong> “The Train Stop”.<br />
Os dois géneros, a ficção e o documentário,<br />
apresentam valores ‘realistas’:<br />
no sentido <strong>de</strong> que documentam<br />
primeiro que tudo a percepção<br />
que o artista tem do mundo e reflectem<br />
o seu ponto <strong>de</strong> vista. O que é a<br />
‘realida<strong>de</strong>’? Qualquer obra <strong>de</strong> arte,<br />
seja um ‘documentário’ ou uma ‘ficção’,<br />
é uma manifestação das visões<br />
e das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> um artista, apenas<br />
apresentam o seu ponto <strong>de</strong> vista. O<br />
que vemos no ecrã são sombras. Como<br />
pinceladas numa tela ou letras<br />
numa página, as imagens <strong>de</strong> um filme<br />
apenas po<strong>de</strong>m ser olhadas como<br />
‘documentos’ <strong>de</strong> um processo criativo.<br />
Documentam a visão <strong>de</strong> um autor<br />
e reflectem as suas i<strong>de</strong>ias.<br />
Para a prova estão aí dois “documentos”<br />
espantosos, feitos com base<br />
em material <strong>de</strong> arquivo, a que Loznitsa<br />
acrescentou som: “Blocka<strong>de</strong>”<br />
(2005, sábado, 15, 18h30) e “Revue”<br />
(2008, domingo, 16, 18h30). O primeiro,<br />
parte <strong>de</strong> impressionantes imagens<br />
da vida e dos gestos <strong>de</strong> sobrevivência<br />
na Leninegrado cercada pelas tropas<br />
alemãs – o cerco começou em 1941,<br />
durou 872 dias, até Janeiro <strong>de</strong> 1944.<br />
O trabalho <strong>de</strong> reconstituição sonora<br />
– Loznitsa e o “sound <strong>de</strong>signer” Vladimir<br />
Golovnitsky acrescentaram o<br />
som dos passos na neve, <strong>de</strong> vozes na<br />
multidão, <strong>de</strong> edifícios a ar<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> eléctricos<br />
a circular nas ruas <strong>de</strong>struídas<br />
– é tanto um esforço no sentido <strong>de</strong><br />
aprofundar o “realismo”, a “autenticida<strong>de</strong>”<br />
– e o realizador diz-nos que<br />
sobreviventes do cerco se espantaram<br />
por se “lembrarem” do que ouviram<br />
no filme – como uma operação <strong>de</strong> reconstituição<br />
digna <strong>de</strong> um épico (<strong>de</strong><br />
ficção?) sobre uma odisseia humana.<br />
O “realismo” da coisa enfrenta sempre<br />
a sensação <strong>de</strong> espectros que existe<br />
nos filmes <strong>de</strong> Loznitsa: vemos gente<br />
morta.<br />
“Revue” é uma montagem <strong>de</strong> material<br />
<strong>de</strong> propaganda, do heroísmo<br />
fabricado nas al<strong>de</strong>ias, nos movimentos<br />
juvenis, na educação das crianças,<br />
nas fábricas, no planeamento económico...<br />
Como uma pastoral, uma utopia,<br />
arrancada às dificulda<strong>de</strong>s, está<br />
hoje ensopada em <strong>de</strong>scrença, como<br />
um sonho que correu mal, e, simultaneamente,<br />
em nostalgia: intrometese<br />
na montagem o olhar <strong>de</strong> Loznitsa,<br />
que se lembra das imagens que viu<br />
em criança.<br />
Ver toda a obra do cineasta, aliás,<br />
perdida<br />
. A brutalida<strong>de</strong> é ancestral. E o espectador experimenta o<br />
do cineasta. Com quem falámos Vasco Câmara<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 29
“Artel” e “My<br />
Joy”, que no<br />
dia 20 chega<br />
ao circuito<br />
comercial<br />
é estar no centro <strong>de</strong> um – traumático,<br />
começámos por dizer – processo<br />
<strong>de</strong> revelação: como se os filmes mostrassem,<br />
finalmente, o que estava por<br />
trás <strong>de</strong> uma fabricação, a URSS, e aquilo<br />
que irrompeu com o colapso da<br />
fabricação. Veja-se – sinta-se – a espessura<br />
do trabalho e do esforço humano<br />
em “Factory” (2004, sábado, 15,<br />
18h30) e “Artel” (2006, sábado, 15,<br />
21h30), e como essa espessura, tão<br />
humana, tão dramática, tão cruel e<br />
tão irredutível se opõe ao heroísmo<br />
<strong>de</strong> papelão dos filmes <strong>de</strong> propaganda.<br />
“My Joy”, finalmente, filme que começa<br />
com um cadáver a ser sepultado<br />
no cimento, beneficiou talvez da liberda<strong>de</strong><br />
da ficção para se po<strong>de</strong>r entregar<br />
<strong>de</strong> forma selvagem à <strong>de</strong>sagregação.<br />
“Estou sempre<br />
a ver filmes, às vezes<br />
vários filmes por dia.<br />
Não se po<strong>de</strong> viver sem<br />
filmes e sem livros...”<br />
Cresci na URSS e essas imagens <strong>de</strong><br />
propaganda são-me familiares, pertencem<br />
à minha infância. Na verda<strong>de</strong>,<br />
quando <strong>de</strong>scobri essas imagens<br />
no arquivo <strong>de</strong> cinema documental<br />
<strong>de</strong> S. Petersburgo, senti-me nostálgico...<br />
Lembrou-me a minha infância.<br />
Claro, tive que me livrar <strong>de</strong>ssa emoção<br />
e abeirar-me do material como<br />
se fosse outro qualquer, do ponto <strong>de</strong><br />
vista do seu significado e do objectivo<br />
que serviria no meu filme. Mas nho que qualquer pessoa que cresceu<br />
naquela parte do mundo e que esteve<br />
supo-<br />
submetida a este tipo <strong>de</strong> lavagem ao<br />
cérebro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong> e<br />
que sobreviveu a isso tornouse<br />
imune a qualquer tipo <strong>de</strong><br />
propaganda. E torna-se também<br />
muito sensível a esse tipo <strong>de</strong><br />
questão. Torna-se muito fácil brir on<strong>de</strong> está a propaganda e<br />
<strong>de</strong>sco-<br />
<strong>de</strong>scodificá-la.<br />
E David Lynch? Sente-se<br />
próximo? É que “My Joy”<br />
podia chamar-se também “Lost<br />
Highway”.<br />
Dou muito valor aos filmes <strong>de</strong> David<br />
Lynch. Aliás, há vários cineastas cujo<br />
trabalho me toca em termos artísticos<br />
e intelectuais: Bresson, Dovjenko,<br />
Dreyer, Buñuel – para nomear al-<br />
guns. Estou sempre a ver filmes, às<br />
vezes vários filmes por<br />
dia. Não se po<strong>de</strong> viver<br />
sem filmes e sem livros...<br />
Loznitsa<br />
acompanhará<br />
o ciclo na<br />
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30 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
Colum<br />
McCann<br />
O gran<strong>de</strong> mundo<br />
<strong>de</strong> Nova Iorque<br />
continua a girar<br />
no livro que ganhou<br />
o National Book<br />
Award em 2009.<br />
Pág. 32<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 31
Livros<br />
Colum<br />
McCann parte<br />
<strong>de</strong> uma manhã<br />
<strong>de</strong> Agosto<br />
<strong>de</strong> 1974 para<br />
compor uma<br />
narrativa que<br />
é Nova Iorque<br />
em todos os<br />
seus estados:<br />
passado,<br />
presente e<br />
futuro<br />
Ficção<br />
Na cida<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> se<br />
<strong>de</strong>safia o céu<br />
O gran<strong>de</strong> mundo <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque é uma epopeia<br />
neste livro com que Colum<br />
McCann ganhou o National<br />
Book Award em 2009.<br />
Rui Lagartinho<br />
Deixa o Gran<strong>de</strong> Mundo Girar<br />
Colum McCann<br />
(Trad. Helena Lopes)<br />
Civilização Editora<br />
mmmmm<br />
O National Book<br />
Award <strong>de</strong> 2009 é<br />
um retrato épico e<br />
intimista <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque. Das suas<br />
contradições e<br />
dos genes que a<br />
fazem girar.<br />
Para quem<br />
goste muito <strong>de</strong><br />
Nova Iorque, este é um livro<br />
indispensável. “Deixa o Gran<strong>de</strong><br />
Mundo Girar” faz um balanço <strong>de</strong><br />
algum passado com os olhos sempre<br />
no futuro: para o bem e para o mal.<br />
Funciona como um marco no meio<br />
do caminho. É tão útil como um<br />
bastão nas mãos <strong>de</strong> um peregrino.<br />
“Nunca me tinha ocorrido antes,<br />
mas tudo em Nova Iorque está<br />
construído sobre outra coisa, nada<br />
existe totalmente por si só,<br />
cada coisa é tão<br />
estranha como<br />
a anterior e<br />
relacionada<br />
com ela”<br />
(p. 380).<br />
Nova<br />
Iorque<br />
é,<br />
Encontros<br />
A obra <strong>de</strong> Agustina<br />
Bessa-Luís vai estar<br />
em cima da mesa no<br />
Centro Cultural Calouste<br />
Gulbenkian e na Sorbonne<br />
Nouvelle, em Paris, nos<br />
próximos dias 20, 21 e 22.<br />
nestas 430 páginas, metáfora do<br />
mundo.<br />
Colum McCann (Dublin, 1965)<br />
explica que este livro nasceu quando<br />
lhe veio parar às mãos uma<br />
fotografia tirada a 7 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />
1974. Nela vêem-se as duas torres do<br />
World Tra<strong>de</strong> Center acabadas <strong>de</strong><br />
construir. A ligá-las um enorme cabo<br />
<strong>de</strong> aço, que visto cá <strong>de</strong> baixo tem a<br />
espessura <strong>de</strong> um cabelo. Em cima<br />
<strong>de</strong>le, em equilíbrio precário mas<br />
<strong>de</strong>terminado a não cair, aquele que<br />
por causa <strong>de</strong>sta caminhada se<br />
tornaria uma lenda do<br />
funambulismo, Philippe Petit. Do<br />
lado esquerdo, a sair <strong>de</strong> campo, um<br />
avião que parece estar ali a mais e<br />
que <strong>de</strong> facto só não está porque<br />
projecta em nós uma sombra num<br />
futuro com 27 anos.<br />
“Deixa o Gran<strong>de</strong> Mundo Girar” é<br />
um retrato <strong>de</strong> Nova Iorque naquela<br />
manhã <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1974. Conta as<br />
vidas dos muitos que levantaram a<br />
cabeça do chão e viram, atónitos,<br />
um ponto negro em evolução lá no<br />
alto que <strong>de</strong>pressa <strong>de</strong>scobriram não<br />
ser um pássaro, e muito menos o<br />
Super-Homem.<br />
Nesse Verão, cá em baixo, a<br />
Guerra do Vietname estava mais do<br />
que perdida, Richard Nixon estava a<br />
ponto <strong>de</strong> se <strong>de</strong>mitir da Presidência<br />
dos Estados Unidos da América por<br />
causa do escândalo Watergate, o<br />
Bronx e o Harlem estavam<br />
dominados pela violência, pela<br />
prostituição e pela droga. Times<br />
Square, mais ou menos como se vê<br />
no filme “Taxi Driver” <strong>de</strong> Martin<br />
Scorsese, era um parque <strong>de</strong><br />
diversões da indústria do sexo, os<br />
negros ainda eram olhados com<br />
<strong>de</strong>sconfiança quando tentavam<br />
apanhar um táxi. As correntes <strong>de</strong><br />
vanguarda artística<br />
na literatura, nas<br />
artes plásticas e na música atolavam-<br />
se em novos ácidos fatais. Havia uma<br />
crise petrolífera mundial. Nova<br />
Iorque tinha tudo para paralisar e no<br />
entanto nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> girar.<br />
Este romance explica o milagre e é<br />
credível porque nele cabem todas as<br />
cida<strong>de</strong>s, que acabam por ser só uma<br />
à medida que Colum McCann as liga:<br />
padres irlan<strong>de</strong>ses que tentam salvar<br />
a alma das prostitutas dos bairros<br />
perigosos, ju<strong>de</strong>us ricos e po<strong>de</strong>rosos<br />
da Park Avenue que partilham com<br />
as mães dos bairros mais populares<br />
as fotografias dos filhos soldados<br />
mortos no Vietname numa<br />
miscigenação solidária.<br />
Dividido em quatro capítulos a<br />
que o autor chamou livros, a<br />
estrutura constrói-se que as histórias se<br />
cruzam. Depois<br />
em mosaico até<br />
há fragmentos <strong>de</strong> efeito coral, como<br />
quando uma longa sequência <strong>de</strong><br />
prostitutas se apresenta numa longa<br />
ladainha, e alguns<br />
mini-contos sobre<br />
o quotidiano e a observação da vida<br />
numa prisão: “O compartimento do<br />
chuveiro é o melhor lugar. Um<br />
elefante podia ficar suspenso dos<br />
tubos” (p. 267). Colum McCann<br />
volta a um<br />
estilo que já tinha<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
experimentado em “Deste Lado da<br />
Luz” (Difel, 2001), um romance<br />
sobre os homens-toupeira que<br />
construíram o metro <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque.<br />
No “Quarto Livro” <strong>de</strong> “Deixa o<br />
Gran<strong>de</strong> Mundo Girar”, o último,<br />
damos um salto no tempo até 2006.<br />
Em 30 páginas, as vidas que se<br />
contaram arrumam-se no percurso<br />
<strong>de</strong> uma personagem surpresa. Essa<br />
con<strong>de</strong>nsação <strong>de</strong>ixa-nos mais<br />
tranquilos. Na ficção é sempre fácil<br />
moldar a matéria dos sonhos<br />
fazendo-os <strong>de</strong>slizar para baixo <strong>de</strong><br />
uma nova realida<strong>de</strong>: aqui a guerra<br />
do Iraque, o furacão Katrina.<br />
O mundo aturdido parece que<br />
continua a querer girar.<br />
Ironia<br />
“highbrow”<br />
Divertido, irónico,<br />
mordaz, neurótico, culto,<br />
discretamente amargo. Tudo<br />
em doses homeopáticas.<br />
Eduardo Pitta<br />
O Acompanhante<br />
Jonathan Ames<br />
(Trad. André Chêdas)<br />
Contraponto<br />
mmmnn<br />
Três investigadoras da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris 3<br />
(Catherine Dumas, Agnès<br />
Levécot e Ilda Men<strong>de</strong>s dos<br />
Santos) e uma professora<br />
catedrática da Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong><br />
Entre nós,<br />
Jonathan Ames<br />
(Nova Iorque,<br />
1964) é<br />
praticamente<br />
<strong>de</strong>sconhecido.<br />
Autor <strong>de</strong> “Bored<br />
to Death”,<br />
popular série <strong>de</strong><br />
televisão feita a<br />
partir <strong>de</strong> um dos seus contos,<br />
publicou romances, ensaios, uma<br />
antologia <strong>de</strong> memórias transexuais<br />
(“Sexual Metamorphosis”, 2005) e<br />
até uma autobiografia gráfica, sobre<br />
a <strong>de</strong>pendência do álcool, ilustrada<br />
por Dean Haspie. Longe <strong>de</strong> reunir<br />
consenso, tem sido elogiado e<br />
execrado com igual fervor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
publicou “I Pass Like Night” (1989).<br />
Mesmo em Manhattan, attan, esta<br />
mistura <strong>de</strong> Iggy Pop com<br />
P. G. Wo<strong>de</strong>house soa<br />
<strong>de</strong>sconcertante.<br />
Decerto não por<br />
acaso, <strong>de</strong>fine-se a si<br />
mesmo como<br />
“probably the<br />
gayest straight<br />
writer in America”.<br />
Po<strong>de</strong>mos agora a<br />
ler a tradução que<br />
André Chêdas fez <strong>de</strong><br />
“O Acompanhante”,<br />
romance sobre as<br />
relações <strong>de</strong> Henry<br />
Harrison,<br />
dramaturgo<br />
do Porto, Fátima Marinho,<br />
propõem, a partir do<br />
slogan “Audaces et<br />
Défigurations”, uma<br />
leitura plural dos textos<br />
da escritora portuguesa.<br />
falhado que vive <strong>de</strong> acompanhar<br />
mulheres da alta socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque, e Louis Ives, docente <strong>de</strong> um<br />
colégio privado <strong>de</strong> Princeton que<br />
per<strong>de</strong> o emprego no dia em que é<br />
apanhado a vestir o sutiã <strong>de</strong> uma<br />
colega na sala dos professores. Fica<br />
por esclarecer se a punição é <strong>de</strong>vida<br />
ao arremedo <strong>de</strong> travestismo ou à<br />
erecção <strong>de</strong> Louis: “A protuberância<br />
conseguiu a proeza <strong>de</strong> confirmar a<br />
culpa dos meus actos, <strong>de</strong> forma mais<br />
contun<strong>de</strong>nte do que o próprio olhar,<br />
já <strong>de</strong> si claramente sexual...” Por<br />
momentos, julgamos estar a ler<br />
Augusten Burroughs. Com o fluir da<br />
intriga, a ilusão <strong>de</strong>sfaz-se. Burroughs<br />
é literal, lá on<strong>de</strong> Ames prolonga a<br />
“respiração” da narrativa clássica.<br />
“O Acompanhante” são duas vidas<br />
cruzadas: a <strong>de</strong> Henry, vergado ao<br />
peso das idiossincrasias; e a <strong>de</strong><br />
Louis, em trânsito entre os dois<br />
lados <strong>de</strong> um espelho. Concluído em<br />
1996, o livro andou em bolandas<br />
durante dois anos, <strong>de</strong> editor em<br />
editor, tendo, ao cabo <strong>de</strong> 20<br />
rejeições, sido publicado em 1998<br />
pela Scribner. Shari Springer<br />
Berman adaptou-o ao cinema, com<br />
Kevin Kline (Henry) e Paul Dano<br />
(Louis) nos protagonistas. Tarefa<br />
inglória, na medida em que a<br />
estrutura semântica resiste à<br />
transposição <strong>de</strong> suporte. Se, por um<br />
lado, o cortejo <strong>de</strong> reflexões auto<strong>de</strong>preciativas<br />
do narrador potencia<br />
o “overacting”, a trama dos envios<br />
(<strong>de</strong> Freud a Scott Fitzgerald, sem<br />
esquecer Bertie Wooster) apenas é<br />
perceptível na escrita precisa <strong>de</strong><br />
Ames.<br />
A história mistura elementos<br />
autobiográficos, <strong>de</strong>ixando adivinhar<br />
o futuro interesse <strong>de</strong> Ames pela<br />
problemática transexual: “Ao ver-me<br />
vestido <strong>de</strong> mulher em toda a minha<br />
fealda<strong>de</strong>, tinha aprendido a apreciar<br />
e valorizar a beleza <strong>de</strong>stas raparigas<br />
e o trabalho a que as obrigava. Só os<br />
homens po<strong>de</strong>riam ter uma presença<br />
<strong>de</strong> espírito tão obstinadamente<br />
direccionada para se quererem fazer<br />
passar por mulheres.”<br />
Por razões difíceis <strong>de</strong> explicar, não<br />
é comum associar Ames aos gran<strong>de</strong>s<br />
nomes da<br />
tradição<br />
literária<br />
judaica, como<br />
Ames,<br />
“o escritor<br />
heterossexual<br />
mais gay da<br />
América”,<br />
chega<br />
finalmente a<br />
Portugal com<br />
“O Acompanhante”<br />
TRAVIS ROOZÉE<br />
32 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
Asimov, Bellow, Roth e outros.<br />
Porém, poucos livros como este<br />
<strong>de</strong>screvem com tanta subtileza o<br />
carácter escorregadio e as<br />
ambiguida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa tradição.<br />
Profundamente americano (no<br />
sentido em que i<strong>de</strong>ntificamos Jerry<br />
Seinfeld como arquétipo), Ames<br />
calibra o discurso com secura e<br />
sabedoria: “Voltei à fotografia <strong>de</strong>le<br />
na bicicleta. Era perfeito. [...] Tentei<br />
olhar com profundida<strong>de</strong> para os<br />
belos olhos do rapaz da fotografia. A<br />
nossa ida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>via ser tão<br />
diferente quanto isso. Queria avisálo<br />
do que aí vinha e comecei a<br />
chorar. Chorava porque aquele<br />
rapaz não fazia i<strong>de</strong>ia daquilo em que<br />
se ia tornar, que cinquenta anos<br />
mais tar<strong>de</strong> estaria a dormir num<br />
<strong>de</strong>crépito sofá no meio <strong>de</strong> um<br />
quarto pouco menos que imundo.<br />
Chorei pelo que acontecera à vida<br />
daquele jovem e chorei porque o<br />
velho em que esse jovem se tornou<br />
me tinha abandonado.”<br />
Ames é divertido sem ser pateta,<br />
irónico, mordaz, discretamente<br />
amargo, neurótico, culto mas não<br />
pedante. Parece contraditório, mas<br />
consegue ser tudo isto ao mesmo<br />
tempo. A dosagem homeopática<br />
ajuda. Como alguém disse, o<br />
“entertainer” nato.<br />
Biografia<br />
Em <strong>de</strong>fesa<br />
do legado <strong>de</strong><br />
Egas Moniz<br />
O inventor da “lobotomia”<br />
reabilitado, numa biografia<br />
que explora a fascinante<br />
personalida<strong>de</strong> do único<br />
Prémio Nobel português até<br />
Saramago.<br />
José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />
Egas Moniz – Uma Biografia<br />
João Lobo Antunes<br />
Gradiva<br />
mmmmn<br />
Há décadas que<br />
paira uma sombra<br />
sobre a obra do<br />
único Prémio<br />
Nobel português<br />
numa área<br />
científica: a má<br />
fama da<br />
“lobotomia”. Com<br />
esta biografia,<br />
João Lobo Antunes, 66 anos, um dos<br />
mais conhecidos neurocirurgiões<br />
portugueses, trata não só <strong>de</strong> resgatar<br />
a sua reputação como <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver a<br />
Egas Moniz um lugar que por vezes<br />
lhe é negado, o <strong>de</strong> cientista <strong>de</strong><br />
Egas Moniz<br />
aventurouse<br />
tar<strong>de</strong> na<br />
investigação<br />
científica,<br />
mas não<br />
<strong>de</strong>scurou<br />
nenhum<br />
esforço para<br />
obter o Nobel<br />
excelência. “O lugar na História que<br />
Egas Moniz procurou com tanta<br />
persistência e perícia é seu <strong>de</strong> pleno<br />
direito”, argumenta Lobo Antunes.<br />
Isto apesar <strong>de</strong> Moniz ter seguido um<br />
percurso bastante heterodoxo, pelo<br />
menos se o julgarmos pelos critérios<br />
actuais ou se o virmos à luz da<br />
imagem mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> um cientista.<br />
Quem era realmente Egas Moniz?<br />
Talvez esta seja uma das melhores<br />
sínteses: “Político <strong>de</strong>siludido, clínico<br />
carismático, burguês rico,<br />
humanista amador, no fundo,<br />
cientista improvável”. Mais do que<br />
improvável: tardio. Quando iniciou<br />
as investigações que levariam ao<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da angiografia<br />
cerebral, já tinha mais <strong>de</strong> 50 anos;<br />
quando propôs a leucotomia préfrontal,<br />
já tinha dobrado a fronteira<br />
dos 60 anos. Até então praticamente<br />
não produzira nada a nível<br />
científico.<br />
Quase nada na carreira inicial <strong>de</strong><br />
Egas Moniz parecia dirigi-lo para os<br />
feitos científicos da sua vida tardia.<br />
Nascido em 1874 numa família<br />
abastada <strong>de</strong> Avanca (Estarreja,<br />
distrito <strong>de</strong> Aveiro), beneficia do<br />
apoio <strong>de</strong> um tio aba<strong>de</strong> para seguir os<br />
estudos, primeiro no Colégio <strong>de</strong> S.<br />
Fiel, dos jesuítas, conhecido pelo<br />
rigor e pela qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois na<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra. Quase<br />
sempre bom aluno, ingressa na<br />
carreira académica ao mesmo<br />
tempo que inicia a prática clínica e<br />
se começa a <strong>de</strong>dicar à política,<br />
sendo eleito para o Parlamento nas<br />
listas do Partido Progressista <strong>de</strong> José<br />
Luciano <strong>de</strong> Castro, ainda no tempo<br />
da Monarquia. Orador contun<strong>de</strong>nte,<br />
tornar-se-ia um republicano<br />
mo<strong>de</strong>rado que, após o 5 <strong>de</strong> Outubro,<br />
alinharia com os que se opunham ao<br />
radicalismo <strong>de</strong> Afonso Costa. Viria<br />
assim a ser um dos mais importantes<br />
colaboradores <strong>de</strong> Sidónio Pais, em<br />
cujo consulado chegou a ser<br />
ministro dos Negócios Estrangeiros,<br />
tendo sido o primeiro chefe da<br />
<strong>de</strong>legação portuguesa à Conferência<br />
<strong>de</strong> Versalhes. O assassinato do<br />
Presi<strong>de</strong>nte-Rei acabaria contudo por<br />
precipitar o seu afastamento da<br />
política activa, primeiro <strong>de</strong>siludido<br />
DAVID CLIFFORD/ ARQUIVO<br />
com a violência que marcou os anos<br />
finais da I República, <strong>de</strong>pois triste<br />
pela falta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> durante o<br />
Estado Novo (apesar <strong>de</strong> muito amigo<br />
do Presi<strong>de</strong>nte Carmona, <strong>de</strong>testava<br />
Salazar).<br />
O fim da aventura política<br />
permitiu-lhe <strong>de</strong>dicar mais tempo ao<br />
consultório (muito procurado e<br />
fonte <strong>de</strong> avultados proventos, que<br />
lhe permitiram reunir uma pequena<br />
fortuna) e à Universida<strong>de</strong>. Aí, com a<br />
colaboração <strong>de</strong> um finalista <strong>de</strong><br />
Medicina e futuro cirurgião, 29 anos<br />
mais novo, Pedro Almeida Lima,<br />
começa a tentar visualizar os vasos<br />
cerebrais. Nessa altura já Egas Moniz<br />
contava 51 anos, ida<strong>de</strong> pouco<br />
habitual para se lançar a uma<br />
investigação com esta ambição –<br />
basta recordar que os cientistas que<br />
ganharam o Nobel <strong>de</strong>senvolveram os<br />
seus trabalhos mais importantes<br />
com uma ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 36 anos,<br />
como recorda Lobo Antunes. Mesmo<br />
assim, começando por realizar<br />
testes em cães e, <strong>de</strong>pois, em<br />
doentes, Egas e os seus<br />
colaboradores <strong>de</strong>senvolveram a<br />
angiografia que, escreve Lobo<br />
Antunes, “se manteve viva durante<br />
décadas como técnica <strong>de</strong><br />
diagnóstico quase exclusiva das<br />
lesões tumorais, vasculares e<br />
traumáticas do sistema nervoso”.<br />
Gradualmente substituída para<br />
alguns diagnósticos pela tomografia<br />
axial e pela ressonância magnética<br />
(duas técnicas que justificaram a<br />
atribuição do Nobel aos seus<br />
criadores), a angiografia<br />
“<strong>de</strong>sempenha hoje um papel<br />
indispensável e previsivelmente<br />
perene como técnica <strong>de</strong> intervenção<br />
terapêutica, a única aplicação que<br />
Egas não terá previsto, que permite,<br />
por exemplo, tratar um aneurisma<br />
intracraniano sem cirurgia”.<br />
A angiografia teve uma rápida<br />
expansão na Europa, ao contrário da<br />
leucotomia pré-frontal, que seria<br />
pouco praticada no Velho<br />
Continente (à excepção do Reino<br />
Unido), mas que se tornaria uma<br />
terapia muito popular nos Estados<br />
Unidos. A intuição que esteve por<br />
trás do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta<br />
intervenção foi a <strong>de</strong> que<br />
“<strong>de</strong>sligando” alguns circuitos<br />
neuronais era possível tratar certos<br />
tipos <strong>de</strong> doenças neurológicas. Com<br />
Egas Moniz, a técnica seguida – a que<br />
chamou “psicocirurgia” e que ele<br />
mesmo consi<strong>de</strong>rara “ousada” ou<br />
mesmo “temerária” – consistia em<br />
cortar os feixes nervosos que<br />
ligavam os dois lóbulos frontais do<br />
cérebro. As primeiras cirurgias<br />
apontaram para resultados<br />
positivos, pelo que a técnica foi<br />
rapidamente adoptada em países<br />
on<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> doentes<br />
psiquiátricos era muito elevado.<br />
Nessa época, é importante recordar,<br />
não estavam ainda disponíveis<br />
outras terapias menos invasivas ou<br />
reversíveis, pelo que acabaram por<br />
ocorrer muitas intervenções sem um<br />
diagnóstico correcto ou mesmo<br />
motivadas por intenções menos<br />
nobres, abrindo campo a uma<br />
controvérsia que ainda hoje<br />
perdura.<br />
João Lobo Antunes faz a <strong>de</strong>fesa da<br />
intuição e do trabalho <strong>de</strong> Egas Moniz<br />
seguindo duas linhas <strong>de</strong><br />
argumentação. A primeira é a da<br />
correcção <strong>de</strong>ssa sua intuição. O<br />
neurocirurgião nota que assistimos<br />
hoje a uma recuperação da<br />
psicocirurgia, sendo que “à ablação<br />
<strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> extensão variável e<br />
limites imprecisos suce<strong>de</strong>u a<br />
inibição reversível <strong>de</strong> circuitos<br />
restritos através da estimulação<br />
cerebral profunda, que tem como<br />
consequência o silenciamento<br />
temporário dos neurónios e dos<br />
circuitos que integram”. Ou seja,<br />
passou o tempo da leucotomia,<br />
chegou um tempo em que “não há<br />
dúvida que a intuição <strong>de</strong> Egas e o<br />
seu <strong>de</strong>stemor abriram um caminho<br />
sem retorno na cirurgia funcional do<br />
sistema nervoso”.<br />
Em segundo lugar, João Lobo<br />
Antunes <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong><br />
avaliar Egas pelos critérios da ética<br />
médica contemporânea, que não<br />
existiam no tempo em que<br />
trabalhou, um tempo em que os<br />
primeiros neurocirurgiões<br />
portugueses registavam taxas <strong>de</strong><br />
mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 50 por cento.EG<br />
Isto leva a que o autor consi<strong>de</strong>re<br />
que a história que se propôs contar<br />
“<strong>de</strong>monstra sem rebuço a<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> do pensamento <strong>de</strong><br />
Egas, entendida aquela num sentido<br />
não infalivelmente positivo”. O que<br />
significa que esta biografia, sem ser<br />
hagiográfica, é a biografia <strong>de</strong> alguém<br />
que, sentindo-se <strong>de</strong> alguma forma<br />
ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEO<br />
JOÃO LOURENÇO<br />
MÚSICA<br />
MAZGANI<br />
CENÁRIO<br />
ANTÓNIO CASIMIRO<br />
JOÃO LOURENÇO<br />
BERTOLT BRECHT<br />
ESTRUTURA PATROCINADA PELO<br />
APOIO<br />
QUARTA A SÁBADO 21H30<br />
her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> uma escola médica <strong>de</strong><br />
que Egas Moniz foi mestre, não<br />
omite o seu fascínio por um<br />
personagem que, não duvi<strong>de</strong>mos,<br />
era mesmo fascinante. Nesta obra<br />
revela-se sobretudo o seu percurso<br />
médico e científico, se bem que<br />
Lobo Antunes dê também atenção à<br />
sua carreira política e, mais<br />
marginalmente, à sua vida<br />
mundana. É-nos reconstituído, com<br />
<strong>de</strong>talhe, todo o processo que leva às<br />
suas <strong>de</strong>scobertas científicas, mas, se<br />
ficamos a saber que viveu na<br />
moradia on<strong>de</strong> hoje está instalada a<br />
Nunciatura Apostólica e que<br />
utilizava um faqueiro que pertencera<br />
ao Marquês <strong>de</strong> Pombal, não ficamos<br />
a saber por que razão utilizava<br />
capachinho, um pormenor que só<br />
nos é revelado quando nos<br />
aproximamos do leito <strong>de</strong> morte do<br />
nosso prémio Nobel. Mais: se<br />
também nos são recordados muitos<br />
artigos que escreveu sobre pintura<br />
(era um apaixonado da pintura<br />
naturalista portuguesa), não<br />
chegamos a perceber os motivos das<br />
suas inimiza<strong>de</strong>s, ou mesmo guerras<br />
com outros vultos da medicina<br />
portuguesa, como Francisco Gentil<br />
ou Pulido Valente, seus eternos<br />
críticos.<br />
Em contrapartida, é notável a<br />
forma como nos <strong>de</strong>screve os seus<br />
esforços para conseguir o Nobel,<br />
mostrando como também nesta<br />
frente nada po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scurado e<br />
não contam as falsas modéstias.<br />
Como escreve João Lobo Antunes,<br />
Egas acreditava “na superiorida<strong>de</strong><br />
das vonta<strong>de</strong>s”, sendo que, no seu<br />
caso, “quis tudo e quase sempre o<br />
conseguiu”. O que não é pouco, se é<br />
que não é tudo.<br />
FIGURINOS<br />
BERNARDO MONTEIRO<br />
COREOGRAFIA<br />
CLÁUDIA NÓVOA<br />
SUPERVISÃO AUDIOVISUAL<br />
AURÉLIO VASQUES<br />
LUZ<br />
MELIM TEIXEIRA<br />
[ m/12 ]<br />
DOMINGO-MATINÉE 16H00<br />
VERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />
DRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />
COM<br />
ANTÓNIO PEDRO LIMA | CÁTIA RIBEIRO<br />
CARLOS MALVAREZ | CRISTÓVÃO CAMPOS<br />
FRANCISCO PESTANA | JOÃO FERNANDEZ<br />
LUIS BARROS | MAFALDA LENCASTRE<br />
MAFALDA LUÍS DE CASTRO | MARTA DIAS<br />
MIGUEL GUILHERME | MIGUEL TAPADAS<br />
PATRÍCIA ANDRÉ | RUI MORISSON<br />
SARA CIPRIANO | SÉRGIO PRAIA<br />
SOFIA DE PORTUGAL<br />
VASCO SOUSA<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 33
Cinema<br />
Retrospectiva Sergei<br />
Loznitsa <strong>Lisboa</strong> Culturgest<br />
quinta, 13<br />
My Joy<br />
Às 21h30<br />
sexta, 14<br />
Today We Are Going to Build a<br />
House, Life, Autumn<br />
Às 18h30<br />
The Train Stop<br />
Às 21h30: Settlement<br />
sábado, 15,<br />
Portrait e Landscape<br />
Às 16h<br />
Factory e Blocka<strong>de</strong><br />
Às 18h30<br />
Artel e Northern Light<br />
Às 21h30<br />
domingo, 16<br />
Revue<br />
Às 18h30<br />
Sexta,<br />
14 Janeiro,<br />
ALAIN<br />
RESNAIS<br />
por mais 1,95€.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
34 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
“Que Mais Quero Eu”:<br />
uma curiosa tensão<br />
dramática, feita<br />
<strong>de</strong> pequenas explosões<br />
<strong>de</strong> sentimento<br />
Estreiam<br />
Crónica <strong>de</strong><br />
um amor<br />
Uma curiosa tensão<br />
dramática, feita <strong>de</strong> pequenas<br />
explosões <strong>de</strong> sentimentos<br />
feridos e <strong>de</strong> frustrações<br />
contidas. Mário Jorge<br />
Torres<br />
Que Mais Quero Eu<br />
Cosa Voglio di Più<br />
De Silvio Soldini,<br />
com Alba Rohrwacher, Pierfrancesco<br />
Favino, Giuseppe Battiston, Teresa<br />
Saponangelo, Gisella Burinato. M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h15,<br />
16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />
Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h;<br />
Apesar <strong>de</strong> o cinema italiano<br />
atravessar um enorme crise, muito<br />
longe <strong>de</strong> antigos esplendores, vão<br />
chegando interessantes tentativas <strong>de</strong><br />
renovar um olhar esgotado, quantas<br />
vezes contaminado pelo<br />
<strong>de</strong>corativismo das séries televisivas<br />
<strong>de</strong> prestígio. “Que Mais Quero Eu”<br />
possui, pelo menos, um ponto <strong>de</strong><br />
vista e constrói com razoável perícia<br />
uma narrativa bem enca<strong>de</strong>ada, com<br />
reminiscências das crónicas do<br />
quotidiano <strong>de</strong> um certo neorealismo<br />
tardio, um uso da câmara<br />
que lembra algumas das estratégias<br />
<strong>de</strong> Nanni Moretti e, sobretudo, um<br />
olhar actuante sobre a Itália <strong>de</strong><br />
Berlusconi, sobre a crise, sobre o<br />
po<strong>de</strong>r do dinheiro, omnipresente <strong>de</strong><br />
forma subliminar nas relações entre<br />
as personagens.<br />
Dir-se-á que não há muito <strong>de</strong><br />
original nesta história <strong>de</strong> adultério<br />
entre as classes médias citadinas,<br />
com almoços <strong>de</strong> família, encontros<br />
furtivos em motéis ou fugas<br />
escapistas para um Norte <strong>de</strong> África<br />
estereotipado. E, no entanto, Sílvio<br />
Soldini, conhecido pelo seu “Pão e<br />
Túlipas” (2000), mas com obra<br />
importante no do documentário,<br />
consegue uma curiosa tensão<br />
dramática, feita <strong>de</strong> pequenas<br />
explosões <strong>de</strong> sentimentos feridos e<br />
<strong>de</strong> frustrações contidas, com uma<br />
atenção redobrada ao real cinzento<br />
do século XXI.<br />
Começando pelo nascimento do<br />
filho da irmã da protagonista e<br />
acabando em suspensão numa espécie<br />
<strong>de</strong> morte da esperança, o filme<br />
percorre uma galeria <strong>de</strong> personagens<br />
aprisionadas num mundo sem<br />
perspectivas <strong>de</strong> sobrevivência e<br />
acomodado aos instintos familiares:<br />
uma jovem contabilista casada com<br />
um marido “bricoleur” e sem chama,<br />
Anna (Alba Rohrbacher, que víramos<br />
em “Eu Sou o Amor”), apaixona-se por<br />
um homem também casado,<br />
Domenico (um carismático<br />
Pierfrancesco Favrino), e vive uma<br />
história <strong>de</strong> amor clan<strong>de</strong>stina, que<br />
esbarra na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar<br />
as convenções e <strong>de</strong> competir com os<br />
filhos <strong>de</strong>le. Tudo <strong>de</strong>corre num mundo<br />
sem gran<strong>de</strong>zas em que a mera<br />
hipótese do amor louco aparece<br />
reduzida ao anedótico das mensagens<br />
por telemóvel ou dos encontros<br />
ocasionais. É fundamental a sequência<br />
em que Anna aparece na bancada da<br />
piscina para observar <strong>de</strong> longe a<br />
família que impe<strong>de</strong> a realização dos<br />
seus (muito estranhos e mal<br />
<strong>de</strong>limitados) sonhos amorosos,<br />
porque reflecte a estratégia <strong>de</strong> “Que<br />
Mais Quero Eu”: mostrar sem tomar<br />
partido, apresentar o <strong>de</strong>sejo sem<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
juízos <strong>de</strong> valor, nem perturbações<br />
metafísicas.<br />
Em resumo, um pequeno filme<br />
simpático em que parece não se<br />
passar nada a não ser a projecção<br />
mísera das frustrações<br />
contemporâneas. Que mais<br />
queremos nós?<br />
Atracção<br />
fatal <strong>de</strong> luxo<br />
O potencial para o filme<br />
marcar um regresso <strong>de</strong><br />
Egoyan à melhor forma<br />
estava lá todo. Mas... Jorge<br />
Mourinha<br />
O Preço da Traição<br />
Chloe<br />
De Atom Egoyan,<br />
com Julianne Moore, Liam Neeson,<br />
Amanda Seyfried, Max Thieriot. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h30, 18h30,<br />
21h50, 00h15; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h,<br />
00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h25, 16h55, 19h20, 21h45, 00h10<br />
Domingo 11h30, 14h25, 16h55, 19h20, 21h45,<br />
00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h10, 21h20,<br />
00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h20, 18h, 21h20, 23h50; ZON<br />
Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 13h15, 15h45, 18h25, 21h10, 23h45; ZON<br />
Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 17h50, 21h, 23h30;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 14h20, 16h50, 19h20, 22h05, 00h40 3ª<br />
4ª 16h50, 19h20, 22h05, 00h40; ZON Lusomundo<br />
Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h, 16h20, 19h20, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h40, 16h10, 18h50, 21h40, 24h;<br />
Atom Egoyan a dirigir uma “remake”<br />
produzida por Ivan Reitman (ele dos<br />
“O Preço da Traição”:<br />
Julianne Moore vale<br />
o preço do bilhete<br />
“Caça-Fantasmas”)? O estimável<br />
autor canadiano <strong>de</strong> “Exotica” e “O<br />
Futuro Radioso” arriscou aqui,<br />
assumidamente, um filme <strong>de</strong><br />
encomenda, “remake” americana do<br />
filme francês <strong>de</strong> Anne Fontaine,<br />
“Nathalie...”, sobre uma esposa –<br />
uma Julianne Moore absolutamente<br />
soberba – que contrata uma<br />
prostituta <strong>de</strong> luxo para testar a<br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do marido. E, durante a<br />
primeira hora, Egoyan e Moore<br />
constroem, com infinita elegância e<br />
<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, uma teia equívoca <strong>de</strong><br />
ambiguida<strong>de</strong>s e sugestões que<br />
funciona, ao mesmo tempo, como<br />
manual básico <strong>de</strong> manipulação e<br />
metáfora da arte <strong>de</strong> contar histórias.<br />
Moore é magistral na modulação<br />
infinitesimal das emoções<br />
conturbadas que o papel lhe pe<strong>de</strong>;<br />
Egoyan guia-a com precisão e justeza<br />
sem nunca per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista as<br />
necessida<strong>de</strong>s da narrativa. Eis senão<br />
quando, à entrada do “terceiro acto”,<br />
“O Preço da Traição” <strong>de</strong>scamba para<br />
uma espécie <strong>de</strong> “Atracção Fatal” <strong>de</strong><br />
luxo, guinada que parece ser uma<br />
“traição” não só ao próprio filme<br />
como à inteligência do seu realizador<br />
e à entrega dos seus actores — o<br />
potencial para o filme marcar um<br />
regresso <strong>de</strong> Egoyan à melhor forma<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algumas obras menos<br />
felizes estava lá todo.<br />
Há muito tempo que não víamos<br />
Julianne Moore com papel tão forte<br />
para ferrar o <strong>de</strong>nte – e, mesmo que o<br />
filme não cumpra a promessa<br />
daquela primeira hora, é tão raro<br />
po<strong>de</strong>rmos ver uma actriz tão<br />
entrosada com a sua personagem que<br />
não nos <strong>de</strong>vemos dar ao luxo <strong>de</strong> o<br />
ignorar quando aparece. E só ela vale<br />
o preço do bilhete. J. M.<br />
O estilo<br />
dos outros<br />
Podia ser um espumante<br />
mas não passa <strong>de</strong> uma<br />
zurrapa. Luís Miguel<br />
Oliveira
As estrelas do público<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
Burlesque mnnnn nnnnn mnnnn A<br />
Cela 211 nnnnn mmnnn mmmnn mmnnn<br />
Katalin Varga mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />
O Mágico mmmmm nnnnn mmmmn nnnnn<br />
Mammuth mmmnn nnnnn mmmnn mnnnn<br />
O Preço da Traição mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Que mais quero eu nnnnn nnnnn mmmnn nnnnn<br />
O Turista mmnnn mnnnn nnnnn nnnnn<br />
Skyline mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Tulpan mmmnn mmmmn nnnnn nnnnn<br />
O Turista<br />
The Tourist<br />
De Florian Henckel von<br />
Donnersmarck,<br />
com Angelina Jolie, Johnny Depp, Paul<br />
Bettany, Timothy Dalton, Steven<br />
Berkoff, Rufus Sewell, Christian <strong>de</strong><br />
Sica. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h30; Castello Lopes -<br />
Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h50<br />
6ª 16h, 18h50, 21h50, 00h20 Sábado 13h30, 16h,<br />
18h50, 21h50, 00h20 Domingo 13h30, 16h, 18h50,<br />
21h50; Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h,<br />
16h30, 19h, 21h30, 24h; Castello Lopes - Loures<br />
Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h10; CinemaCity<br />
Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 21h55, 23h55; CinemaCity Alegro<br />
Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30,<br />
17h30, 19h30, 21h30, 23h30 Sábado Domingo 11h30,<br />
13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30,<br />
23h30; CinemaCity Beloura Shopping: Cinemax: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30,<br />
19h30, 21h30, 23h30; CinemaCity Campo Pequeno<br />
Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 21h30, 23h40; CinemaCity Campo<br />
Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />
13h40, 15h50, 17h50, 19h50, 21h50, 24h Sábado<br />
Domingo 11h40, 13h40, 15h50, 17h50, 19h50, 21h50,<br />
24h; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 2ª 3ª<br />
4ª 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40 6ª 13h40,<br />
15h40, 17h40, 19h40, 21h40, 23h50 Sábado 11h35,<br />
13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40, 23h50 Domingo<br />
11h35, 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40; Me<strong>de</strong>ia<br />
Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h; Me<strong>de</strong>ia<br />
Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50,<br />
22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9:<br />
5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h55,<br />
00h20 Domingo 11h30, 14h15, 16h40, 19h05, 21h55,<br />
00h20; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 10: 5ª Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 13h45, 16h10, 19h, 21h35 6ª Sábado 13h45,<br />
16h10, 19h, 21h35, 00h15; ZON Lusomundo<br />
Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35,<br />
16h, 18h30, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Amoreiras:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20,<br />
18h50, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo<br />
CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h, 15h40, 18h20, 21h10, 23h50; ZON Lusomundo<br />
Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,<br />
15h35 18h10, 21h15, 23h45; ZON Lusomundo Dolce<br />
Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />
18h30, 21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30,<br />
00h30; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª<br />
4ª 15h30, 18h20, 21h20 6ª 15h30, 18h20, 21h20, 24h<br />
Sábado 13h, 15h30, 18h20, 21h20, 24h Domingo 13h,<br />
15h30, 18h20, 21h20; ZON Lusomundo Oeiras<br />
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10,<br />
15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Torres<br />
Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30,<br />
16h, 18h30, 21h, 23h30; ZON Lusomundo Vasco da<br />
Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10,<br />
15h40, 18h20, 21h30, 00h20; Castello Lopes - C. C.<br />
Jumbo: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h30 6ª<br />
15h20, 18h20, 21h30, 24h Sábado 13h30, 15h20,<br />
18h20, 21h30, 24h Domingo 13h30, 15h20, 18h20,<br />
21h30; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 1: 5ª<br />
2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h30 6ª 15h40, 18h40,<br />
21h30, 24h Sábado 13h10, 15h40, 18h40, 21h30, 24h<br />
Domingo 13h10, 15h40, 18h40, 21h30; Castello Lopes<br />
- Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40,<br />
18h10, 21h30, 23h40 Sábado Domingo 13h, 15h40,<br />
18h10, 21h30, 23h40; ZON Lusomundo Almada<br />
Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />
15h30, 18h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Fórum<br />
Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,<br />
16h, 18h35, 21h30, 00h10; Zon Lusomundo Freeport:<br />
5ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h45, 21h30 6ª 16h10, 18h45,<br />
21h30, 00h10 Sábado 13h30, 16h10, 18h45, 21h30,<br />
00h10 Domingo 13h30, 16h10, 18h45, 21h30;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h05, 16h35, 19h10, 21h45, 00h25 3ª 4ª 16h35,<br />
19h10, 21h45, 00h25; Vivacine - Maia: Sala 3: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h20,<br />
21h20, 23h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h50,<br />
21h30, 00h05; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h, 21h30 6ª Sábado<br />
15h30, 18h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo<br />
GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h,<br />
18h35, 21h20 6ª Sábado 13h25, 16h, 18h35, 21h20,<br />
00h15; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h20, 21h20 6ª Sábado 13h10,<br />
15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h10, 16h, 19h, 21h50, 00h40; ZON Lusomundo<br />
Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h10, 15h40, 18h30, 21h30, 00h20; Castello Lopes - 8ª<br />
Avenida: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 17h30, 19h40,<br />
21h50 6ª 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 00h05 Sábado<br />
13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 00h05 Domingo<br />
13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50; ZON Lusomundo<br />
Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10,<br />
18h50, 21h30 6ª Sábado 13h30, 16h10, 18h50, 21h30,<br />
00h10; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h25, 19h10, 21h55, 00h40;<br />
O alemão Florian Henckel von<br />
Donnersmark foi o autor <strong>de</strong> um<br />
estimável filme, “As Vidas dos<br />
Outros”, visão pacificada, se não<br />
re<strong>de</strong>ntora pelo menos compassiva, do<br />
quotidiano na extinta RDA, com<br />
ênfase no que <strong>de</strong>sse quotidiano era<br />
marcado pela conspícua acção da<br />
STASI. Se bem se recordam – e foi um<br />
filme muito visto, Óscar para filme em<br />
língua estrangeira e tudo – havia um<br />
agente secreto que aprendia que “o<br />
mediador entre o cérebro e as mãos<br />
<strong>de</strong>ve ser o coração”, como se diz no<br />
“Metropolis” <strong>de</strong> Lang (nos filmes, os<br />
alemães têm esta estranha tendência<br />
para proporem a via sentimental<br />
como resolução <strong>de</strong> conflitos).<br />
Estimável, dissemos, porque bem ou<br />
mal, era um filme que tinha uma<br />
“raison d’être” para além das<br />
consagradas causas da “arte” ou do<br />
“comércio”: queria dizer qualquer<br />
coisa que parecia minimamente<br />
necessário dizer, e dizia-a.<br />
“O Turista” é exactamente o<br />
contrário: não tem nada para dizer, e<br />
não diz nada. O enraizamento <strong>de</strong> “As<br />
Vidas dos Outros” é substituído pelo<br />
superficial charme <strong>de</strong> uma<br />
“produção internacional”, com<br />
ve<strong>de</strong>tas <strong>de</strong> calibre mundial –<br />
Angelina Jolie, Johnny Depp, e<br />
Veneza – e uma história que podia<br />
ser contada mais ou menos da<br />
mesma maneira por um tarefeiro<br />
hollywoodiano anódino (que é aquilo<br />
que von Donnersmark se candidata a<br />
ser). Podia ser um espumante – como<br />
Cary Grant, Grace Kelly e a Riviera<br />
no “To Catch a Thief” <strong>de</strong> Hitchcock<br />
- mas não passa <strong>de</strong> uma zurrapa. A<br />
intriga mistura elementos <strong>de</strong><br />
histórias <strong>de</strong> gangsters com atmosfera<br />
<strong>de</strong> filme <strong>de</strong> espionagem “high tech”,<br />
e duas personagens (as <strong>de</strong> Jolie e<br />
Depp) que <strong>de</strong>viam ter uma<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> incerta – mas não há<br />
personagens, <strong>de</strong> facto, que resistam<br />
à quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças<br />
“ontológicas” a que o argumento as<br />
submete, pelo menos da maneira<br />
<strong>de</strong>sajeitada (ou, liminarmente,<br />
<strong>de</strong>sonesta) com que o filme as<br />
cumpre. Von Donnersmark filma<br />
como se estivesse a trabalhar para<br />
uma revista <strong>de</strong> “glamour” como<br />
aquelas que se folheiam nos aviões.<br />
Mas se há “estilo” é sempre o estilo<br />
dos outros – Jolie, o guarda-roupa, o<br />
Hotel Danieli, Tudo muito bonito,<br />
com certeza; mas o filme não tem<br />
uma única i<strong>de</strong>ia sobre o que fazer<br />
com esse estilo, nem como olhar<br />
para ele ou como torná-lo seu<br />
enquanto <strong>de</strong>spacha a fórmula que<br />
tem para <strong>de</strong>spachar. Sai-se a trautear<br />
o senhor Jarvis Cocker: “’cause<br />
everybody hates a tourist…”.<br />
Continuam<br />
Tulpan<br />
De Sergei Dvortsevoy,<br />
com Askhat Kuchinchirekov, Samal<br />
Eslyamova, Ondas Besikbasov,<br />
Tolepbergen Baisakalov. M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30 6ª Sábado 2ª<br />
13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 24h;<br />
Asa acaba <strong>de</strong> regressar da tropa e<br />
bem tenta convencer os pais <strong>de</strong><br />
Tulpan, a única rapariga solteira da<br />
região, a darem-lhe a sua mão para<br />
ele po<strong>de</strong>r começar família e vida. Mas<br />
a rapariga não gosta das orelhas <strong>de</strong>le<br />
e a mãe também não está pelos<br />
ajustes. Contado <strong>de</strong>sta maneira,<br />
“Tulpan” é uma comédia romântica<br />
sobre um rapaz que procura o seu<br />
lugar no mundo – só que ambientada<br />
nas estepes do Cazaquistão, com<br />
Sergei Dvortsevoy, documentarista<br />
em estreia na ficção, a encerrar nessa<br />
comédia um confronto surdo entre<br />
tradição e progresso, entre perpetuar<br />
um modo <strong>de</strong> vida e construir um<br />
novo. O resultado é um filme cuja<br />
vibração do real (muito evi<strong>de</strong>nte, por<br />
exemplo, na espantosa cena do<br />
porto), integrada com elegância mas<br />
não sem ingenuida<strong>de</strong> numa ficção<br />
assumidamente sonhadora, revela<br />
uma enorme inteligência formal e<br />
criativa a trabalhar. J. M.<br />
Burlesque<br />
De Steven Antin,<br />
com Cher, Christina Aguilera, Eric<br />
Dane, Cam Gigan<strong>de</strong>t, Julianne Hough,<br />
Alan Cumming, Peter Gallagher,<br />
Kristen Bell, Stanley Tucci. M/12<br />
a<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª 2ª<br />
3ª 4ª 13h55, 16h10, 18h30, 21h45, 24h Sábado Domingo<br />
11h40, 13h55, 16h10, 18h30, 21h45, 24h; CinemaCity<br />
Beloura Shopping: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 17h35,<br />
19h45, 22h05, 00h10 Sábado Domingo 19h45, 22h05,<br />
00h10; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h55, 16h15, 18h35, 21h20, 00h05; CinemaCity Classic<br />
Alvala<strong>de</strong>: Sala 4: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10,<br />
21h30 6ª Sábado 13h50, 16h10, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>ia<br />
Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 00h10; UCI<br />
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 6: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />
4ª 14h10, 16h45, 19h10, 21h45, 00h10 Domingo 11h30,<br />
14h10, 16h45, 19h10, 21h45, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30,<br />
16h10, 18h50, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo<br />
CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h10, 15h50, 18h30, 21h20, 24h; ZON Lusomundo<br />
Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15,<br />
16h, 18h40, 21h35, 00h25; ZON Lusomundo Oeiras<br />
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h,<br />
18h40, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Torres Vedras:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h,<br />
21h15, 23h50; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 4:<br />
5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h40, 21h20, 23h50 Sábado<br />
Domingo 12h40, 15h20, 18h40, 21h20, 23h50; Castello<br />
Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 5: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20,<br />
18h40, 21h20, 23h50 Sábado Domingo 12h40, 15h20,<br />
18h40, 21h20, 23h50; ZON Lusomundo Almada Fórum:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h45, 18h35,<br />
21h15, 23h55; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h35, 21h20,<br />
24h;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 10: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 13h55, 16h30, 19h10, 21h50, 00h25 3ª 4ª 16h30,<br />
19h10, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h40, 15h30, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h25,<br />
21h 6ª Sábado 14h30, 17h25, 21h, 23h55;<br />
Falar, a propósito <strong>de</strong> “Burlesque”, do<br />
musical clássico é um automatismo <strong>de</strong><br />
ocasião. Quer dizer: em “Chicago”, <strong>de</strong><br />
Rob Marshall, ainda se avistava o<br />
género num horizonte longínquo (mas<br />
já era, sobretudo, miragem) - por<br />
exemplo naquela forma <strong>de</strong> escravizar<br />
os actores a uma tradição <strong>de</strong> pau para<br />
toda a obra (Renée Zellweger,<br />
Catherine Zeta-Jones e Richard Gere).<br />
Havia, pelo menos, uma memória. Em<br />
“Burlesque” a haver memória ela é a<br />
<strong>de</strong> números musicais em cerimónias<br />
televisivas. Ali - on<strong>de</strong> Alan Cumming<br />
faz a enésima versão <strong>de</strong> Joel Grey no<br />
“Cabaret” e on<strong>de</strong> Cher se afirma como<br />
a melhor “drag queen” <strong>de</strong> si própria -<br />
<strong>de</strong>saguam motivos e figuras sem<br />
passado nem filiação, reproduções <strong>de</strong><br />
originais <strong>de</strong> que se per<strong>de</strong>u a memória.<br />
Vasco Câmara<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 35
Concertos<br />
Nurse With Wound: música sombria e perturbadora<br />
Pop<br />
Arriscar,<br />
criar<br />
Os históricos Nurse With<br />
Wound amanhã no Maria<br />
Matos. Mário Lopes<br />
Nurse With Wound & Blind Cave<br />
Salaman<strong>de</strong>r<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />
Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Amanhã,<br />
às 22h. Tel.: 218438801. 6€ a 15€.<br />
O sentido <strong>de</strong> risco é basilar aos Nurse<br />
With Wound. Fundados pelo inglês<br />
Steven Stapleton no final da década<br />
<strong>de</strong> 70, inicialmente tomados como<br />
parte da então emergente música<br />
industrial (a classificação ficou,<br />
Stapleton aproveitou as poucas<br />
oportunida<strong>de</strong>s em que fala ao mundo<br />
para se afastar <strong>de</strong>la), passariam as<br />
décadas seguintes a criar música<br />
absolutamente livre: livre na<br />
composição, improvisada; livre na<br />
instrumentação, com instrumentos<br />
convencionais <strong>de</strong>slocados do seu<br />
ambiente natural, a conviver com<br />
objectos do quotidiano; livre nas<br />
fontes em que bebe inspiração, tendo<br />
o kraut <strong>de</strong> Cluster, Amon Düul ou<br />
Faust como referência primordial,<br />
lado a lado com o surrealismo e os<br />
dadaístas, com mecânicas free-jazz,<br />
música noise e concreta.<br />
Os Nurse With Wound são música<br />
sombria e perturbadora. São música<br />
ambiente que nunca preten<strong>de</strong><br />
oferecer simplesmente serenida<strong>de</strong> ao<br />
ouvinte. Atingiram um dos seus<br />
maiores momentos, no que diz<br />
respeito à concretização <strong>de</strong> uma<br />
visão artística, em “Soliloquy For<br />
Lillith”, triplo álbum editado em<br />
1988, criado por Stapleton e Diana<br />
Rogerson pela sobreposição <strong>de</strong><br />
camadas sonoras em loop: vários<br />
pedais ofereciam uma vasta gama <strong>de</strong><br />
ondas eléctricas que o duo<br />
manipulou e organizou livremente<br />
através <strong>de</strong> movimentos corporais,<br />
utilizando o método e o princípio<br />
aplicados ao theremin.<br />
Apesar <strong>de</strong> ser um criador que<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o isolamento, sem<br />
interferências <strong>de</strong> qualquer espécie,<br />
como força motriz da sua obra,<br />
Steven Stapleton, que vive <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
La Shica noTheatro Circo <strong>de</strong> Braga<br />
meados da década passada numa<br />
quinta na Irlanda, tem entre a sua<br />
extensa discografia (são <strong>de</strong>zenas e<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> edições) variadíssimas<br />
colaborações: com o melhor amigo<br />
David Tibet, com os Stereolab, Jim<br />
O’Rourke ou os Faust. É<br />
precisamente aqui que regressamos<br />
ao início do texto, ao risco. Porque os<br />
Nurse With Wound não vêm sozinhos<br />
ao Maria Matos.<br />
Amanhã, subirão a palco com os<br />
Blind Cave Salaman<strong>de</strong>r, duo formado<br />
por Fabrizio Modonese Palumbo e<br />
Paul Beauchamp. Objectivo: com<br />
Steve Stapleton (guitarra), Colin<br />
Potter (electrónica) e Julia Kent<br />
(violoncelo), com a guitarra <strong>de</strong><br />
Fabrizio Modonese e a electrónica <strong>de</strong><br />
Paul Beauchamp, dar corpo<br />
instrumental à música <strong>de</strong> “Soliloquy<br />
For Lilith”. Arriscar: Stapleton não<br />
sabe fazer <strong>de</strong> outra forma.<br />
Clássica<br />
O <strong>de</strong>safio<br />
<strong>de</strong> Mário<br />
Laginha<br />
Ao lado da Orquestra<br />
Sinfónica do Porto, o<br />
pianista interpreta no Porto<br />
e em <strong>Lisboa</strong> o Concerto que<br />
escreveu em 2009. Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
Mário Laginha e Orquestra<br />
Sinfónica do Porto Casa da<br />
Música<br />
Direcção Musical d Christoph Konig.<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque. Hoje, às 21h. Tel.: 220120220.<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. Império.<br />
Amanhã, às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a 25€.<br />
Obras <strong>de</strong> Dohnányi, nyi, Laginha e<br />
Strauss.<br />
Agenda<br />
Sexta 7<br />
JP Simões & Convidados<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59, às<br />
23h. Tel.: 213430205. 10€.<br />
Ver texto na pág. 12.<br />
André Fernan<strong>de</strong>s Quarteto &<br />
Bernardo Sassetti<br />
Braga. Espaço Cultural Pedro Remy. R. Dom<br />
Gualdim Pais, 36, às 22h. Tel.: 253610300.<br />
Da Casa dos Mortos<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Esa Pekka-<br />
Salonen. Encenação <strong>de</strong> Kristiina<br />
Helin. Coro e Orquestra Gulbenkian.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian<br />
- Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. <strong>de</strong> Berna, 45A, às 19h. Tel.:<br />
217823700. 15€ a 35€.<br />
Mês Janácek.<br />
Strauss Festival Orchestra e<br />
Strauss Ballet Ensemble<br />
Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:<br />
223394947. 15€ a 45€.<br />
Elena Rojas e Wei-Hsien Lien<br />
Monte Estoril. Museu da Música Portuguesa - Casa<br />
Verda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Faria. Av. Sabóia, 1146 - B., às 18h30.<br />
Tel.: 214815901. Entrada gratuita.<br />
9 Years of Sonic Culture<br />
Com Wolfgang Voigt + Jorg Burger,<br />
Magda, Expan<strong>de</strong>r, Manu, André,<br />
Dexter.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique -<br />
Armazém A, às 23h. Tel.: 218820890. Consumo<br />
mínimo.<br />
Paula Sousa Quinteto<br />
<strong>Lisboa</strong>. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7, às 22h30. Tel.:<br />
919184867. 8€.<br />
Sábado 8<br />
Kátia Kabanová<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional <strong>de</strong> São Carlos. Lg. S.<br />
Carlos, 17. 2ª, 3ª, 4ª, 6ª e Sáb. às 20h. Dom. às 16h.<br />
Tel.: 213253045. 30€ a 75€.<br />
Mês Janácek.<br />
9 Years of Sonic Culture<br />
Com Wolfgang Voigt + Jorg Burger,<br />
Expan<strong>de</strong>r.<br />
Laginha na interpretação do Concerto<br />
para Piano e Orquestra que o pianista<br />
e compositor escreveu em 2009, após<br />
vários anos <strong>de</strong> hesitação. O facto <strong>de</strong><br />
ser um género musical com um<br />
gran<strong>de</strong> peso da história e uma galeria<br />
<strong>de</strong> obras magníficas intimidava-o, mas<br />
a paixão pelo <strong>de</strong>safio foi mais forte.<br />
Laginha é um dos gran<strong>de</strong>s nomes do<br />
jazz, mas a sua sensibilida<strong>de</strong> foi<br />
formada também pela música<br />
clássica e por muitas outras<br />
músicas, as quais<br />
convoca<br />
sempre que tem<br />
necessida<strong>de</strong>. Um dos<br />
exemplos evi<strong>de</strong>ntes, com<br />
excelentes resultados, é o<br />
seu Chopin revisitado por<br />
arranjos jazzísticos,<br />
Hoje no Porto (às 21h, na Casa<br />
da Música) e amanhã em<br />
<strong>Lisboa</strong> (à mesma hora, no<br />
Centro Cultural <strong>de</strong><br />
Belém), a<br />
Orquestra<br />
projecto gravado<br />
recentemente<br />
em disco.<br />
No texto que<br />
escreveu sobre<br />
o seu<br />
Sinfónica do<br />
Porto vai<br />
Laginha é um dos gran<strong>de</strong>s<br />
nomes do jazz, mas a sua<br />
Concerto<br />
para Piano,<br />
partilhar o palco<br />
sensibilida<strong>de</strong> foi formada<br />
Laginha<br />
com Mário também pela música clássica<br />
recorda que<br />
Esa Pekka-Salonen dirige<br />
na Casa da Música e na Gulbenkian<br />
Porto. Gare Clube. Rua da Ma<strong>de</strong>ira, 182, às 0h. Tel.:<br />
912564343.<br />
Domingo 9<br />
Orquestra Barroca Casa da<br />
Música<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 11€.<br />
Obras <strong>de</strong> Hän<strong>de</strong>l, Marcello, Corelli,<br />
Telemann e Vivaldi.<br />
Terça 11<br />
Philharmonia Orchestra<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Esa-Pekka<br />
Salonen. Com Leila Josefowicz<br />
(violino).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. Berna, 45A, às 21h. Tel.:<br />
217823700. 25€ a 65€.<br />
António Rosado e Orquestra<br />
Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Isin Metin.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Pç. Império, às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a<br />
20€.<br />
À Descoberta do Mediterrâneo -<br />
obras <strong>de</strong> Rossini, Saint-Saëns e<br />
Saygun.<br />
Luís Figueiredo Trio<br />
Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€.<br />
Ciclo Jazz Galp.<br />
Quinta 13<br />
Philharmonia Orchestra e Coro<br />
Gulbenkian<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Esa-Pekka<br />
Salonen. Com Attila Fekete (tenor),<br />
Michele Kalmandi (baixo).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,<br />
96, às 21h. Tel.: 213240580. 20€ a 65€.<br />
Ciclo Gran<strong>de</strong>s Orquestras. Obras <strong>de</strong><br />
Bartók e Stravinsky.<br />
La Shica<br />
Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.<br />
Liberda<strong>de</strong>, 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 12€.<br />
MUSA - Ciclo no Feminino.<br />
“a linguagem do jazz se <strong>de</strong>senvolveu<br />
afastando-se do universo clássico” e<br />
que “a forma como se tocam os<br />
instrumentos, o som que se tira <strong>de</strong>les<br />
e as próprias formações” conferiram<br />
“uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> muito própria ao<br />
jazz”. Por essa razão, po<strong>de</strong>ria<br />
“parecer um contrasenso tentar<br />
reaproximar aquilo que<br />
naturalmente se separou”, só que a<br />
postura <strong>de</strong> Laginha é outra: a <strong>de</strong><br />
assumir a contaminação das músicas<br />
e dos estilos que o atraem. “Aquilo<br />
que eu pretendi fazer foi<br />
simplesmente tentar perceber o que<br />
posso utilizar, como <strong>de</strong>vo utilizar e<br />
quando utilizar essas características.<br />
É um terreno difícil, mas o <strong>de</strong>safio é<br />
<strong>de</strong>masiado atraente.”<br />
O programa, dirigido por<br />
Christoph Konig, inclui ainda a<br />
“Rapsódia Americana”, <strong>de</strong> Ernst von<br />
Dohnányi, compositor húngaro que<br />
se mudou para os Estados Unidos<br />
após a Segunda Guerra Mundial — o<br />
país-tema da nova temporada da<br />
Casa da Música são os EUA — e o<br />
poema sinfónico <strong>de</strong> Richard Strauss<br />
“Uma Vida <strong>de</strong> Herói.”<br />
36 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
19:30 SALA 2<br />
—<br />
PORTRAIT<br />
WOLFGANG<br />
RIHM II<br />
www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />
Wolfgang Rihm<br />
Quartetos nº 3<br />
e nº 5<br />
Olga Neuwirth<br />
In the realms<br />
of the unreal<br />
(estreia portuguesa;<br />
encomenda da Cité <strong>de</strong><br />
la Musique, Casa da<br />
Música, MaerzMusik/<br />
Berliner Fetspiele e<br />
ORF/musikprotokoll)<br />
MECENAS CASA DA MÚSICA<br />
APOIO INSTITUCIONAL<br />
MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />
DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 37
Discos<br />
Clássica<br />
O inesgotável<br />
fascínio <strong>de</strong><br />
Pergolesi<br />
A veterana Bernarda Fink e a<br />
jovem Anna Prohaska numa<br />
interpretação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
nobreza expressiva do mais<br />
célebre “Stabat Mater” da<br />
história da música. Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
Giovanni Battista Pergolesi<br />
Stabat Mater<br />
Anna Prohaska, Bernarda Fink<br />
Aka<strong>de</strong>mie für Alte Musik Berlin<br />
Harmonia Mundi<br />
mmmmn<br />
Bernarda Fink associou-se a uma cantora <strong>de</strong> uma<br />
geração mais jovem, a soprano Anna Prohaska<br />
A discografia do<br />
“Stabat Mater”, <strong>de</strong><br />
Giovanni Battista<br />
Pergolesi (1710-<br />
1736), é imensa,<br />
mas esta obra<br />
lendária terminada poucos dias antes<br />
da morte do compositor não cessa <strong>de</strong><br />
fascinar os intérpretes. O carácter<br />
teatral da música (que no Barroco era<br />
comum também a muitas obras do<br />
repertório sacro, à própria liturgia e<br />
às artes visuais), o seu intenso<br />
“pathos” expressivo e a sua<br />
inspiração melódica permanecem até<br />
hoje como um gran<strong>de</strong> atractivo. Com<br />
um brilhante percurso ligado à<br />
música barroca e ao mundo do Lied,<br />
é natural que a meio-soprano<br />
argentina Bernarda Fink também<br />
quisesse incluir esta obra-prima entre<br />
os seus registos discográficos. No ano<br />
em que passam três séculos do<br />
nascimento <strong>de</strong> Pergolesi,<br />
associou-se s a uma<br />
cantora a<br />
<strong>de</strong> uma<br />
geração mais jovem<br />
(a soprano Anna<br />
Prohaska) e à<br />
Aka<strong>de</strong>mie für Alte<br />
Musik Berlin numa<br />
interpretação<br />
envolvente vente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
nobreza<br />
expressiva,<br />
que evita<br />
os exageros<br />
operáticos dos<br />
intérpretes<br />
menos<br />
familiarizados<br />
com as<br />
práticas<br />
<strong>de</strong><br />
execução<br />
históricas<br />
e<br />
também<br />
os<br />
contrastes<br />
<strong>de</strong>masiado<br />
abruptos<br />
<strong>de</strong> algumas orquestras barrocas<br />
italianas. O timbre dourado e os<br />
graves redondos <strong>de</strong> Bernarda Fink,<br />
que nos oferece uma leitura <strong>de</strong><br />
intensa profundida<strong>de</strong> dramática,<br />
contrastam com a clareza cintilante<br />
da voz <strong>de</strong> Anna Prohaska (cujo<br />
timbre se torna por vezes um pouco<br />
estri<strong>de</strong>nte nos climaxes), mas as<br />
duas cantoras conseguem em geral<br />
uma boa sintonia nos duetos do<br />
“Stabat Mater” e na “Salve Regina”<br />
em Dó menor. As obras vocais são<br />
intercaladas por peças instrumentais<br />
que prolongam a atmosfera<br />
pungente do programa,<br />
nomeadamente a sombria Sinfonia<br />
Rv. 169 “Al Sancto Sepolcro”, <strong>de</strong><br />
Vivaldi, e o Concerto a 4 “Il Pianto<br />
d’Arianna”, <strong>de</strong> Locatelli. Nesta<br />
última obra, a Aka<strong>de</strong>mie für Alte<br />
Musik exibe o seu habitual rigor<br />
técnico e sonorida<strong>de</strong> polida, mas<br />
po<strong>de</strong>ria ter ido mais longe na<br />
liberda<strong>de</strong> “<strong>de</strong>clamatória” e na<br />
fluência rítmica, tendo em conta que<br />
se trata <strong>de</strong> uma evocação<br />
instrumental <strong>de</strong> um “Lamento”,<br />
peça <strong>de</strong> origem vocal, neste caso<br />
associada ao famoso episódio <strong>de</strong><br />
Ariana abandonada pelo seu amante<br />
Teseu na ilha <strong>de</strong> Naxos.<br />
Pop<br />
Até <strong>de</strong>saparecer<br />
completamente<br />
Syd Barrett<br />
An Introduction to Syd Barrett<br />
Harvest; distri. EMI Music<br />
mmmmn<br />
Ouvir <strong>de</strong> rajada<br />
estes três<br />
curtíssimos anos<br />
(<strong>de</strong> 1967 a 1970) não<br />
é um ponto <strong>de</strong><br />
partido, não é “uma<br />
introdução”, como anuncia o título.<br />
Syd Barrett, fundador e primeiro<br />
lí<strong>de</strong>r dos Pink Floyd, surge primeiro<br />
como talento pop fascinante, ante, capaz<br />
<strong>de</strong> canalizar o ambiente libertário<br />
da swinging London para a um<br />
imaginário único, <strong>de</strong> uma<br />
luminosida<strong>de</strong> sonhadora a que<br />
a produção inventiva reflecte<br />
como poucas outras bandas<br />
antes ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la.<br />
Barrett, habilíssimo com as<br />
palavras, fez do psica<strong>de</strong>lismo ismo<br />
recreio infantil, com a<br />
inocência da infância eivada<br />
<strong>de</strong> perversida<strong>de</strong> adulta<br />
(conferir “Arnold Layne”, o<br />
primeiro single), fez <strong>de</strong>le<br />
viagem tripada entre uma<br />
Inglaterra <strong>de</strong> contos<br />
fantásticos e o espaço lá<br />
em cima, por <strong>de</strong>scobrir.<br />
Fez isso, como nenhum<br />
outro, rápido como<br />
nenhum outro. E,<br />
tragicamente,<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
misteriosamente, <strong>de</strong>sapareceu pouco<br />
<strong>de</strong>pois (afogado em LSD, o que, diz<br />
uma das teorias – há muitas teorias<br />
sobre Syd Barrett -, terá provocado o<br />
seu colapso mental).<br />
Em “An Introduction to Syd<br />
Barrett”, colectânea supervisionada<br />
por David Gilmour, o amigo <strong>de</strong><br />
infância que o substituiu nos Pink<br />
Floyd, em 1968, e a primeira a juntar<br />
o trabalho do Barrett com os Floyd e<br />
a obra a solo, não é apenas uma<br />
colecção <strong>de</strong> música admirável, da<br />
melhor que o século XX pop<br />
produziu. É também a história da<br />
<strong>de</strong>sintegração <strong>de</strong> um artista e dos<br />
seus últimos momentos <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z<br />
antes da queda no abismo.<br />
A efervescência que empregara<br />
nos Pink Floyd, aqui representados<br />
por singles como “Arnold Layne” ou<br />
“See Emily Play” e por canções como<br />
“Chapter 24” ou “Matilda mother”<br />
(esta em versão alternativa, anterior à<br />
que seria incluída em “Pipper At The<br />
Gates of Dawn”, o álbum <strong>de</strong> estreia),<br />
<strong>de</strong>svanece-se no preciso momento<br />
em que passamos <strong>de</strong> “Bike”,<br />
psica<strong>de</strong>lismo em versão music-hall e<br />
a última canção <strong>de</strong> “Pipper”, para<br />
“Terrapin”, a primeira do primeiro<br />
álbum a solo <strong>de</strong> Barrett, editado em<br />
1969. A música <strong>de</strong>spe-se a voz e<br />
guitarra, a voz torna-se grave, quase<br />
perturbadora, e Barrett passa a<br />
habitar um espaço só seu. Não há<br />
“swinging London”, não existe nada<br />
mais que um homem, incrivelmente<br />
talentoso, refugiado em si mesmo, às<br />
voltas consigo mesmo. Mas, e isto é<br />
importante, alguém consciente do<br />
processo que atravessava – a<br />
“loucura”, arma fetiche para a<br />
valorização dos seus álbuns a solo,<br />
não é evi<strong>de</strong>nte nas canções que<br />
<strong>de</strong>ixou. O que se ouve aqui é uma<br />
instabilida<strong>de</strong> emocional que o leva da<br />
resignação - “cause we’re the fishes<br />
and all we do, is move about is all we<br />
do”, em “Terrapin” – à euforia<br />
romântica <strong>de</strong> “Love you”. Que o leva<br />
à <strong>de</strong>sistência nessa negríssima<br />
“Dominoes”, ao toque <strong>de</strong> Midas<br />
rock’n’roll, novamente, na<br />
excentricida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Gigolo<br />
aunt”, à tão neurótica<br />
quanto contagiante<br />
“Octupus”, u ao humor<br />
<strong>de</strong><br />
“Bob Dylan blues”,<br />
sátira e homenagem a<br />
um<br />
dos músicos que<br />
mais admirava,<br />
revelada pela<br />
primeira r vez numa<br />
colectânea<br />
anterior,<br />
editada em<br />
2001.<br />
Com a<br />
ajuda <strong>de</strong><br />
Syd Barrett: como foi<br />
possível tanto em tão<br />
pouco tempo – e<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparecer<br />
completamente?<br />
David<br />
Gilmour,<br />
Rick<br />
Wright e<br />
alguns Soft<br />
Machine,<br />
Syd Barrett<br />
ressurgiu<br />
em 1969 com “The Madcap Laughs”:<br />
o título, naturalmente, é todo um<br />
programa. No ano seguinte, lançou<br />
“Barrett”, o segundo e último álbum<br />
a solo (os dois, bem como “Opel”,<br />
criado a partir das sobras das sessões<br />
<strong>de</strong> ambos, foram reeditados em<br />
paralelo à compilação).<br />
Em três anos, Barrett passara <strong>de</strong><br />
estrela da contracultura britânica, a<br />
mais cintilante, a mais promissora, a<br />
trovador em queda, mistério<br />
insondável que nunca conseguiremos<br />
<strong>de</strong>svendar. A sua obra expõe todo<br />
esse percurso com uma nu<strong>de</strong>z ímpar<br />
e com uma perturbadora<br />
clarividência do ocaso que se<br />
aproximava.<br />
“An Introduction” apresenta cinco<br />
das suas <strong>de</strong>zoito canções em novas<br />
misturas, um baixo regravado por<br />
Gilmour, com a discrição que se<br />
impunha., para “Here I go”, e dá-nos<br />
a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r, através do<br />
site sydbarrett.com, ao inédito<br />
“Rhamadan” (mera curiosida<strong>de</strong>, uma<br />
jam <strong>de</strong> vinte minutos da primeira fase<br />
dos Pink Floyd).<br />
“An Introduction” não nos revela<br />
nada que não soubéssemos. Prolonga<br />
o fascínio e a admiração provocada<br />
por esta impressionante explosão<br />
criativa. E <strong>de</strong>ixa-nos, ainda, com uma<br />
sensação <strong>de</strong> angústia: como foi<br />
possível tanto em tão pouco tempo –<br />
e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparecer<br />
completamente? M.L.<br />
Vários<br />
Tradi-Mods vs.<br />
Rockers<br />
Crammed; distri.<br />
Megamúsica<br />
mmmmn<br />
Vários<br />
Congotronics: Box<br />
Set<br />
Crammed; distri.<br />
Megamúsica<br />
mmmmm<br />
Lamelas metálicas fixadas sobre uma<br />
caixa <strong>de</strong> ressonância, às quais se<br />
aplicam pick-ups <strong>de</strong> fabrico caseiro<br />
que imitam a captação <strong>de</strong> uma<br />
guitarra eléctrica. Likembés <strong>de</strong> uma<br />
fragilida<strong>de</strong> tremenda, tratados como<br />
se fossem as clássicas Les Paul.<br />
Electricida<strong>de</strong> lançara para a mesma<br />
rua que permite a sobrevivência da<br />
música não a matar com carros em<br />
aceleração. Este é o gran<strong>de</strong> segredo<br />
dos grupos que compõem a série<br />
Congotronics, o movimento tradimo<strong>de</strong>rne<br />
dado a conhecer ao mundo<br />
com o álbum igualmente baptizado<br />
como “Congotronics” e gravado<br />
pelos Konono Nº1 em 2002. O<br />
impacto <strong>de</strong>ste disco – e dos três que<br />
ampliaram a série – junto do público<br />
e dos músicos europeus e norteamericanos<br />
foi <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m que<br />
Björk e Herbie Hancock não<br />
resistiram a chamar os Konono para<br />
embelezarem os seus discos.<br />
38 • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • Ípsilon
Congotronics: se pensarmos que em tempos recentes se tornou<br />
especialmente bem visto resgatar e citar influências africanas num<br />
contexto rock<br />
Mas foi tal o fluxo contínuo <strong>de</strong><br />
entusiasmo por parte <strong>de</strong> músicos<br />
vários que continuava a chegar ao<br />
quartel-general da Crammed Discs<br />
em Bruxelas, que convenceu o seu<br />
director, Marc Hollan<strong>de</strong>r, a arriscar<br />
um convite: <strong>de</strong>safiar uma série <strong>de</strong><br />
nomes conotados com música mais<br />
alternativa, do rock dito indie a gente<br />
filiada na electrónica <strong>de</strong> ponta, ou até<br />
a folks <strong>de</strong> origem distinta, a pegar no<br />
imponente legado que a série<br />
constitui já e reinventá-lo sem<br />
respeitar quaisquer regras. Ou seja:<br />
era permitido remisturar (opção que,<br />
felizmente, não foi a privilegiada),<br />
compor novos temas inspirados pelos<br />
Congotronics, erguer canções <strong>de</strong> raiz<br />
com recurso a frases musicais tiradas<br />
dos originais, todas as variáveis<br />
possíveis <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o mote fosse<br />
dado pela música congolesa em<br />
questão.<br />
Se pensarmos que em tempos<br />
recentes se tornou especialmente<br />
bem visto resgatar e citar influências<br />
africanas num contexto rock –<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos resultados<br />
especialmente vibrantes <strong>de</strong> gente<br />
como Vampire Weekend ou Yeasayer<br />
e afins –, “Tradi-Mods vs. Rockers”<br />
parece abrir uma curiosa caixa <strong>de</strong><br />
Pandora, em que ao invés <strong>de</strong> soltar<br />
todos os males do mundo promete<br />
soltar a influência africana por todo o<br />
mundo criativo oci<strong>de</strong>ntal. Claro que<br />
antes <strong>de</strong> toda esta gente já Damon<br />
Albarn fora apren<strong>de</strong>r a tocar guitarra<br />
no Mali e o <strong>de</strong>ixara bem carimbado<br />
no disco “Think Tank” e no material<br />
dos Gorillaz – além do óbvio “Mali<br />
Music” –, mas a verda<strong>de</strong> é que ouvir<br />
esta compilação dupla, que apenas<br />
sofre do <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> chamar<br />
<strong>de</strong>masiados nomes ligados<br />
umbilicalmente à Crammed, é uma<br />
belíssima janela aberta para um<br />
futuro que apetece adoptar.<br />
Animal Collective e Andrew Bird<br />
eram daqueles casos em que<br />
facilmente os víamos a pousar as<br />
bagagens musicais no terreno<br />
africano e os resultados são<br />
excelentes confirmações <strong>de</strong>ssa<br />
suspeita. Mas há por aqui maravilhas<br />
imprevisíveis como a canção que<br />
Juana Molina constrói por cima dos<br />
Kasai Allstars ou o “aplique Kronos<br />
Quartet” dado pelo experimentalista<br />
Jherek Bischoff aos Konono Nº1. E se<br />
há quem construa, há igualmente<br />
quem <strong>de</strong>sconstrua, com notável<br />
mestria, as coor<strong>de</strong>nadas iniciais: as<br />
viagens musicais <strong>de</strong> Micachu & the<br />
Shapes e Oneida por terras do Congo<br />
são disso prodigioso exemplo. E<br />
assim por diante, com um par <strong>de</strong><br />
abordagens mais indiferentes, este<br />
“Tradi-Mods vs. Rockers” assume-se<br />
quase sempre como um olhar curioso<br />
e esforçado por pedir uma inspiração<br />
emprestada e <strong>de</strong>volvê-la não<br />
melhorada mas <strong>de</strong>vidamente<br />
transformada.<br />
Claro que passar daqui para os<br />
discos originais da série Congotronics<br />
– acrescido <strong>de</strong> “Très Très Fort” dos<br />
Staff Benda Bilili, <strong>de</strong> um single <strong>de</strong><br />
encontro entre os Kasai e os Akron/<br />
Family e <strong>de</strong> uma pen com todos os<br />
discos em mp3 mais uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong><br />
ví<strong>de</strong>os – é concorrência <strong>de</strong>sleal. A<br />
caixa <strong>de</strong> cinco LP e single em vinil<br />
com que a Crammed celebra a sua<br />
série é uma edição <strong>de</strong> luxo a todos os<br />
níveis. Mas, antes <strong>de</strong> mais, ao nível da<br />
música. Cada um dos volumes é um<br />
portento sonoro e um mergulho<br />
fundo em Kinshasa, através <strong>de</strong><br />
músicas circulares, em jeito <strong>de</strong> rituais<br />
hipnóticos com danças sensuais a<br />
levantar pé em terra batida, um<br />
convite a abandonarmo-nos num<br />
transe melodicamente riquíssimo e<br />
ritmicamente <strong>de</strong>sconcertante. Da<br />
totalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>staca-se naturalmente o<br />
“Congotronics” original pela sua<br />
reverberação urgente, ainda que os<br />
retratos mais amplos dados pelos<br />
Kasai Allstars (colectivo formado por<br />
membros <strong>de</strong> vários outros grupos) e a<br />
compilação “Congotronics 2” não lhe<br />
fiquem muito atrás. Os Staff Benda<br />
Bilili, habitualmente fora <strong>de</strong>stas<br />
contas, ganham aqui um natural<br />
contexto que faz todo o sentido –<br />
sendo igualmente uma banda <strong>de</strong> rua<br />
<strong>de</strong> Kinshasa, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada na sua<br />
terra e que vive também da passagem<br />
<strong>de</strong> instrumentos precários pela<br />
electricida<strong>de</strong>.<br />
São, em boa verda<strong>de</strong>, cinco obrasprimas.<br />
E juntá-las numa só edição é<br />
coisa que mexe com os nervos <strong>de</strong> tão<br />
imediatamente o vício se impõe.<br />
Prepare-se para comprar agulhas<br />
novas (para o gira-discos,<br />
obviamente). Gonçalo Frota<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 7 Janeiro 2011 • 39