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Um encontro com G - Feevale

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UM ENCONTRO COM G<br />

Cristiane Wagner Muller 1<br />

Tatiana Fruscalso dos Santos 2<br />

Monica Pagel Eidelwein 3<br />

RESUMO<br />

O presente artigo aborda uma temática advinda de inquietações vivenciadas ao longo do<br />

estágio clinico realizado pelas acadêmicas do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia,<br />

na Universidade <strong>Feevale</strong>. Neste estágio clínico foram realizados atendimentos<br />

psicopedagógicos que tinham o intuito de diagnosticar/intervir nas questões de dificuldade<br />

de aprendizagem. Ao realizar os atendimentos a crianças <strong>com</strong> dificuldade de aprendizagem<br />

que foram encaminhadas pelas escolas da rede Municipal de Novo Hamburgo, tendo em<br />

vista as informações trazidas pelas mães e pelos pacientes atendidos, foi necessário se<br />

pesquisar sobre a função paterna e materna, sendo esta temática escolhida para discussão<br />

neste artigo. Apresenta-se, então, um estudo de caso, no qual essas funções podem ser<br />

reconhecidas, <strong>com</strong>o fundamentais para o desenvolvimento do sujeito. Balizam esse<br />

trabalho, <strong>com</strong>o principais autores: Zimerman (1999), Winnicot(1982) e Juritsch (1970) que<br />

tratam da temática em estudo.<br />

Palavras-chave: Função Paterna. Função materna. Aprendizagem.<br />

ABSTRACT<br />

This article discusses a topic arising from concerns experienced during the clinical stage<br />

conducted by academic course Graduate in Psychology at the University <strong>Feevale</strong>. At this<br />

stage clinical visits were performed psychopedagogical who had the intention to diagnose /<br />

intervene in matters of learning difficulty. When performing the assisted children with<br />

learning disabilities who were referred by schools in the City of New Hamburg, in view of<br />

1 Pós-graduanda do Curso de Pós-Graduação – Especialização em Psicopedagogia: Abordagem Clinica e Institucional<br />

pela Universidade <strong>Feevale</strong>; Licenciada em Pedagogia Habilitação em Administração e Supervisão Escolar pela<br />

Universidade <strong>Feevale</strong> (2009); Diretora da Escola de Educação Infantil Pedacinho do Céu desde 2007; Email:<br />

criswm@feevale.br<br />

2 Pós-graduanda do Cursos de Pós-Graduação - Especialização em Psicopedagogia Abordagem: Abordagem Clinica e<br />

Institucional; Licenciada em Pedagogia Habilitação em Administração e Supervisão Escolar pela Universidade <strong>Feevale</strong><br />

(2009). Supervisora Escolar da Escola de Educação Básica <strong>Feevale</strong> – Escola de Aplicação e Analista Administrativa da<br />

Pró-reitoria de Ensino também da Universidade <strong>Feevale</strong>; E-mail: tatyfsantos@gmail.<strong>com</strong><br />

3 Graduada em Pedagogia: Habilitação Matérias Pedagógicas do 2º Grau pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos<br />

(1989), Especialista em Psicopedagogia pela <strong>Feevale</strong> e Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio<br />

Grande do Sul (2006/2011); Coordenadora do Polo de Apoio Presencial da Universidade Aberta do Brasil em Novo<br />

Hamburgo pela Secretaria Municipal de Educação e Desporto e professora titular da Universidade <strong>Feevale</strong>. E-mail:<br />

monicapagel@yahoo.<strong>com</strong>.br


the information brought by the mothers and the patients seen, it was necessary to research<br />

the paternal and maternal function, which is chosen theme for discussion in this article.<br />

Presents itself, then, a case study in which these functions can be recognized as<br />

fundamental to the development of the subject. Guiding this work as main authors:<br />

Zimerman (1999), Winnicott (1982) and Juritsch (1970) which deal with the subject under<br />

study.<br />

Palavras-chave: Paternal function. Maternal function. Learning.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A família, na maioria das vezes, é o primeiro grupo dos sujeitos. Ela é responsável<br />

pelo a<strong>com</strong>panhamento do desenvolvimento da criança desde a gestação, passando por<br />

todas as etapas, até a vida adulta.<br />

Existem funções na família que, habitualmente, são exercidas pelo pai e pela mãe,<br />

mas que também podem ser realizadas por outras pessoas e que auxiliam na constituição<br />

psíquica da criança, e, também na sua aprendizagem. Essas funções são: a função materna<br />

e a função paterna.<br />

A importância dessas funções será apresentada, bem <strong>com</strong>o, o relato de um caso<br />

que elucidará <strong>com</strong>o a falta de uma dessas funções poderá acarretar em uma dificuldade de<br />

aprendizagem do sujeito, um sintoma.<br />

O grupo familiar, as primeiras aprendizagens...<br />

O grupo familiar tradicionalmente era constituído por um casal, homem e mulher,<br />

e sua prole que residiam juntos. Entretanto, nos dias atuais essa constituição familiar pode<br />

ter inúmeros formatos diferentes do descrito acima.<br />

Se buscarmos na história a definição de família encontraremos diferentes<br />

formações. Para os romanos, família é tudo o que estava sob o poder do pai e dividiam em<br />

três grupos: os animais falantes, os mudos ou semifalantes e as coisas. Ou seja, o pai<br />

possuía esposa, filhos, escravos, animais. (Funari, 2006, p. 98 e 99)<br />

Nos dias atuais, a família pode ser constituída de diferentes formas, independe de<br />

gêneros ou de laços consanguíneos, hoje a família agrega-se pelos laços de afeto entre os<br />

seus integrantes, não seguindo necessariamente, formações convencionais.


Com o passar dos anos, a família sofreu muitas transformações, essas em<br />

consequência de mudança nos hábitos, costumes e práticas religiosas, sexuais e sociais.<br />

Não é difícil encontrar famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo, formações <strong>com</strong><br />

apenas um provedor, homem ou mulher e casais separados que dividem as<br />

responsabilidades de criação dos filhos após o divórcio.<br />

Considerando-se os fatores socioculturais, cabe acrescentar ainda que as estruturas<br />

destes grupos familiares estão em transformações reais <strong>com</strong> as sucessivas gerações,<br />

significando novos valores e papéis, sendo que, neste contexto pode-se citar: a<br />

emancipação da mulher, o perfil do homem na participação doméstica e nos cuidados aos<br />

filhos, avós <strong>com</strong> tempos diferenciados aos netos, mães adolescentes e solteiras.<br />

Independente da formação familiar, a qual, o sujeito está inserido, esse grupo tem<br />

responsabilidades e funções fundamentais para a criança. Zimerman declara que o “grupo<br />

familiar exerce uma profunda e decisiva importância na estruturação do psiquismo da<br />

criança, logo na formação do adulto”. (1999, p. 104).<br />

É responsabilidade da família ainda, suprir as necessidades básicas do sujeito,<br />

previstas até mesmo por legislação específica<br />

Art. 4º É dever da família, da <strong>com</strong>unidade, da sociedade em geral e do poder<br />

público assegurar, <strong>com</strong> absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à<br />

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à<br />

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à<br />

convivência familiar e <strong>com</strong>unitária. (LDB 9394/96).<br />

Além de suprir as necessidades básicas estabelecidas por Lei, existem funções<br />

específicas exercidas por quem interage diretamente <strong>com</strong> a criança, juntamente <strong>com</strong> os<br />

fatores socioculturais que interferem no desenvolvimento.<br />

Na dinâmica do grupo familiar as questões que perpassam a ordem do consciente<br />

e do inconsciente, são de responsabilidade da família existente, sendo que independente da<br />

constituição familiar, em uma família na qual a função paterna e materna se efetiva, estará<br />

se corroborando para que o sujeito tenha um ambiente favorável para que as aprendizagens<br />

aconteçam.<br />

Cabe ressaltar que, tanto a função paterna <strong>com</strong>o a função materna precisam<br />

acontecer, entretanto, os sujeitos que a desempenham, necessariamente, não precisam ser a<br />

mãe ou o pai, outras pessoas poderão exercer essas funções.


COMO TUDO COMEÇOU<br />

Diante disso, apresentamos o caso G. Será chamado assim, o menino de 9 anos<br />

que realizou atendimentos no Atendimento e Extensão em Psicopedagogia – AEP, durante<br />

o ano de 2012.<br />

Para iniciar o caso G, destaca-se que esse é um menino que cursa o 3º ano do<br />

Ensino Fundamental em uma escola da rede pública da região.<br />

G surgiu em nossas vidas [das estagiárias do Curso de Especialização em<br />

Psicopedagogia] através da ficha de encaminhamento da Escola enviada pela professora e<br />

coordenadora pedagógica da escola.<br />

O documento apresentava <strong>com</strong>o queixa que era o primeiro ano do aluno na escola<br />

e, que ele chegou <strong>com</strong> muitas dificuldades de aprendizagem. De acordo <strong>com</strong> o exposto no<br />

documento não sabia ler nem escrever, mas <strong>com</strong> teste da coordenadora percebeu-se que<br />

estava silábico-alfabético. Foi trabalhada <strong>com</strong> o menino a sua autoestima e ele colocado no<br />

reforço escolar, no contraturno. Tem dificuldades na interpretação, <strong>com</strong>preensão,<br />

atividades matemáticas, lê <strong>com</strong> medo de errar. Apontam (equipe diretiva), querer saber a<br />

real dificuldade dele, pois pensam que boa parte da não aprendizagem possa estar num<br />

problema de “ensinagem”.<br />

O primeiro passo após o recebimento desta ficha foi o contato telefônico <strong>com</strong> a<br />

família, marcando um <strong>encontro</strong> para se conversar sobre o G e assim, saber sua história e<br />

contexto <strong>com</strong> as questões de não aprendizagem. Logo no primeiro contato, a receptividade<br />

da mãe foi algo marcante, sinalizava tamanha felicidade em poder receber este<br />

atendimento, a fim de ajudar seu filho, <strong>com</strong>prometendo-se em estar presente na data<br />

estipulada.<br />

O <strong>encontro</strong> então aconteceu, assim <strong>com</strong>o numa novela, uma vida foi relatada <strong>com</strong><br />

riqueza de detalhes, de fatos e <strong>com</strong> suas mazelas. A história vital de G é registrada por<br />

<strong>encontro</strong>s e des<strong>encontro</strong>s familiares, rupturas, descaso do pai e por consequência, nesse<br />

caso, por falta da função paterna.<br />

A mãe de G, que a partir de agora nomearemos <strong>com</strong>o Maria 4 relatou no <strong>encontro</strong><br />

que possui dois filhos do primeiro casamento, dos quais atualmente <strong>com</strong>partilha a guarda<br />

<strong>com</strong> o pai. G é fruto de um segundo casamento de Maria e o pai de G também já teve um<br />

casamento anterior, no qual não teve filhos.<br />

4 Maria será o nome fictício dado a mãe de G, <strong>com</strong> o intuito de preservar sua identidade.


Os filhos de Maria, na época em que ela <strong>com</strong>eçou a se relacionar <strong>com</strong> o pai de G,<br />

ficaram mais <strong>com</strong> o pai deles. Ela então engravidou, e foi um “paparico só”, teve tudo o<br />

que queria, até um carro de presente ela recebeu.<br />

Na época em que descobriu a gravidez, conta que foi obrigada a pedir demissão<br />

do escritório que trabalhava para ficar em casa, ter uma vida de “madame” regada a<br />

mimos. Por um tempo foi bom, mas depois era muita vigilância sobre tudo, um controle e<br />

cuidado demasiadamente exagerado.<br />

Então o filho dessa relação nasceu, o G. Segundo Maria o menino era a cara do<br />

pai, que aliás é até hoje. O pai do G. assistiu e filmou o parto, foi tudo muito lindo, um<br />

nascimento <strong>com</strong> a participação efetiva do pai, bem diferente dos outros dois filhos do<br />

relacionamento anterior. Eram muitos presentes da família dele, flores e mimos.<br />

Assim foi durante alguns meses, até que as coisas <strong>com</strong>eçaram a mudar, noites em<br />

claro, o G. doente e o desgaste na relação. O pai do G. não queria saber destas coisas,<br />

brigava <strong>com</strong> ela por que estava em casa e deveria dar conta de tudo isso e ele dormir de<br />

noite, <strong>com</strong>o gente normal faz, mas era <strong>com</strong>plicado.<br />

A família <strong>com</strong>eçou a não mais aparecer <strong>com</strong> tanta frequência para ver o G. e o pai<br />

do menino iniciou viagens de trabalho seguidamente. Quando o G. estava para <strong>com</strong>pletar<br />

seu primeiro aninho, a mãe relata que organizou uma mega festa para ele, tudo estava<br />

lindo, cheio de decoração, fotos, filmagens no salão de festas infantis, que estava no alto da<br />

moda, em que o pai de G. concordou <strong>com</strong> tudo, queria tudo do bom e do melhor, mas<br />

pouco ajudou na organização.<br />

Quando a festa acabou voltaram para a casa. Foi nesse momento que o pai do<br />

menino deu a notícia que iria embora, justificou que a relação assim <strong>com</strong>o estava não dava<br />

mais e que iria sair de casa. Arrumou as malas e disse que ficaria morando em outro local,<br />

que Maria e o menino ficariam <strong>com</strong> a casa.<br />

Desde aquele dia até os dois anos do G. Maria relata que ela e o ex-marido<br />

conversavam sobre o menino, o pai o buscava para passear, pagava uma pensão boa, mas<br />

depois que conheceu outra pessoa, tudo acabou.<br />

A mãe relata ainda, que foram despejados da casa onde moravam, e que o próprio<br />

pai do G. organizou toda a mudança. Ao chegar em casa perceberam que seus pertences<br />

não estavam mais lá, tudo havia sido entregue na casa da avó materna de G.<br />

Lembra que na época o G. dizia que queria ir para casa, chorava muito pedindo<br />

pelo pai, pelo quarto dele. Só então o pai do G. depois de muitas discussões deu um


apartamento pequeno em um condomínio popular, depois disso, nada mais, nem pensão,<br />

nem buscar o nosso filho, mais nada, sumiu...<br />

Frente a este caso, aqui apresentado de forma resumida, foi realizado um<br />

diagnóstico e uma intervenção psicopedagógica, no decorrer do estágio clínico, <strong>com</strong> o<br />

objetivo de auxiliar G quanto as suas dificuldades de aprendizagem.<br />

<strong>Um</strong>a das questões centrais do caso, entretanto, foi à relação da função materna e<br />

paterna na constituição das dificuldades de aprendizagem, a qual instigou um estudo sobre<br />

esta temática, que é apresentado a seguir.<br />

FUNÇÃO MATERNA<br />

A função materna é extremamente importante. Segundo Winnnicott, apud<br />

Zimerman (1999), a mãe precisa ser suficientemente boa, ou seja, precisa agir de forma<br />

que não frustra, nem gratifica, de forma excessiva possibilitando assim um sadio<br />

crescimento do self 5 do seu filho. Para isso deve preencher satisfatoriamente algumas<br />

condições que Zimerman (1999), aponta <strong>com</strong>o sendo algumas de suas funções: ser<br />

provedora das necessidades básicas, exercer a função de estímulos que o ego incipiente da<br />

criança não consegue processar, <strong>com</strong>preender e decodificar a linguagem do bebê, frustrar<br />

adequadamente, pois estas são essenciais ao crescimento emocional e cognitivo, permitir<br />

que a criança exercite devanear, imaginar e fantasiar, o reconhecimento das capacidades<br />

do filho, não só angustias.<br />

Além disso, uma adequada maternagem possibilita uma lenta e gradual<br />

dessimbiotização, o que seria a entrada da terceira pessoa – o pai na relação e/ou função<br />

paterna, desta forma, estruturam assim, o psiquismo da criança.<br />

No caso G podemos identificar conforme o relato de Maria que sua função<br />

materna está sendo exercida de maneira a permitir o relacionamento afetivo e emocional<br />

<strong>com</strong> o filho, proporcionando uma relação saudável.<br />

FUNÇÃO PATERNA<br />

Como podemos perceber no relato acima se faz necessário a função paterna nas<br />

questões emocionais e psíquicas do desenvolvimento da criança, sendo assim, esta função<br />

é muito importante para pontuar esta relação, Winnicott apud Zimerman (2006), destaca<br />

funções essências exercidas, <strong>com</strong>o: segurança e estabilidade, transgeracionalidade (<strong>com</strong>o<br />

5 Self - a consciência reflexiva, que é o conhecimento sobre si próprio e a capacidade de ter consciência de si


foi sua relação <strong>com</strong> seu pai), presença física e afetiva no processo de separação mãe/bebê,<br />

propiciando a passagem necessária de Narciso a Édipo, adequadas frustrações, limites,<br />

aceitação das diferenças.<br />

E por fim, promovem as funções do ego da criança, formando a capacidade para<br />

pensar. O pai auxilia, assim, que o bebê vá ultrapassando a ligação simbiótica (função<br />

castratória, mas necessária) e resolvendo o <strong>com</strong>plexo edípico, a criança mais assegurada<br />

em sua identidade vai renunciar a mãe <strong>com</strong>o seu interesse exclusivo e abrir-se para uma<br />

sociedade.<br />

A função paterna <strong>com</strong>preende os limites entre mãe e bebê, definindo a cada um<br />

seu espaço, e, assim, permitindo a constituição da criança <strong>com</strong>o um sujeito aprendente e<br />

capaz.<br />

A falta da função paterna no caso G nos faz refletir as lacunas que se apresentam<br />

<strong>com</strong>o dificuldades de aprendizagem e relacionamento.<br />

Aqui se somam a queixa vinda da escola de G <strong>com</strong> o relato de sua mãe, já que<br />

ambas apontam a esta falta da função paterna, possibilitando inferir que essa falta pode<br />

estar levando a dificuldade de aprendizagem de G.<br />

UM ENCONTRO, UMA VIDA, UMA APOSTA AO CASO G<br />

O primeiro <strong>encontro</strong> <strong>com</strong> G foi norteado por um misto de sentimento entre<br />

emoção e ansiedade de ambas as partes, em conhecer-se e descobrir quem realmente era o<br />

G. Foi realizada uma conversa a fim de conter tamanha emoção e assim conhecer o novo<br />

espaço que possibilita descobrir e aprender juntos. Apresentei a sala, os jogos, e ele<br />

encantou-se <strong>com</strong> tudo.<br />

No decorrer dos <strong>encontro</strong>s relacionaram-se as questões de baixa autoestima,<br />

desordem nas questões afetivas e familiares, dúvidas sobre assuntos relacionados às suas<br />

condutas, insegurança e medo em fazer e errar, dificuldade em cumprir as regras nas<br />

atividades e jogos, pouca tolerância a frustração, pouca iniciativa e prazer em buscar os<br />

jogos.<br />

Nas sessões de atendimento psicopedagógico mostrava muito claro suas<br />

inquietações, tentava burlar as regras em favorecimento próprio, e quando essa situação<br />

invertia-se o logo repreendia a psicopedagoga, apontando que adulto tem que seguir as<br />

regras do jogo e só ele poderia fazer diferente.


Outra situação vivenciada seria as fantásticas histórias de ataque que gostava de<br />

vivenciar. Nesse jogo o toque e o carinho são usados para defender-se contra os inimigos<br />

imagináveis que estavam querendo destruí-lo. Suas condutas de confiança e proteção<br />

estavam se solidificando tornando uma grande parceria e amizade entre paciente e<br />

psicopedagoga.<br />

Todo o processo psicopedagógico, <strong>com</strong>o jogos e brincadeiras serviram de suporte à<br />

análise do contexto que se apresentava na vida escolar e familiar de G. O faz de conta <strong>com</strong><br />

as casinhas, animais e família terapêutica relatavam sua vida e seus sentimentos, de forma<br />

explicita, contando detalhes de <strong>com</strong>o eram as vivencias familiares e sua posição para a<br />

família, de acordo <strong>com</strong> os seus olhos, <strong>com</strong>o se sentia naquele contexto.<br />

Durante as sessões houve um processo no qual se buscou momentos que<br />

possibilitaram que G pudesse acreditar na sua capacidade. Discutiu-se sobre as vivências<br />

anteriores, que muitas vezes não podem ser alteradas, salientando-se, entretanto, ele tem o<br />

futuro pela frente e esse pode ser diferente, <strong>com</strong>o uma nova estrada a ser feita em busca da<br />

vitalidade e do prazer de ser, de fazer, de buscar, de aprender.<br />

Durante os <strong>encontro</strong>s e atendimentos, intervenções, brincadeiras e jogos<br />

realizados G pontua muito bem as suas faltas, suas in<strong>com</strong>preensões em sua história de<br />

vida, externando seus medos.<br />

<strong>Um</strong> fato que também cabe aqui relatar de um <strong>encontro</strong> sobre suas angustia<br />

relaciona-se a questionamentos <strong>com</strong>o: por que as pessoas somem? Por que os manos têm o<br />

pai deles e eu não? Por que a vida é assim? Por que eu não consigo aprender <strong>com</strong>o os<br />

outros meninos? Por que eu tenho que ficar sentado no canto da sala <strong>com</strong> os outros colegas<br />

do reforço? Enfim, são tantos porquês sem resposta, mas uma certeza: G. precisava saber<br />

que era um grande menino e precisava descobrir isso nele.<br />

Em meio aos <strong>encontro</strong>s, muitas conquistas foram solidificadas, laços de confiança<br />

e amizade, G. se achava querido e gostava de vir nos <strong>encontro</strong>s, porque sabia que havia<br />

diálogo e atenção.<br />

Muitas de suas angústias, medos e fúria, vinham de lacunas familiares de atenção<br />

ao G., de prover um ambiente seguro e acolhedor para que suas aprendizagens fossem<br />

significativas e que ele conseguisse encontrar o prazer em socializar estas conquistas.<br />

Ao longo dos atendimentos muitas foram as aprendizagens conquistadas, tanto<br />

que sua leitura, escrita e interpretações estão sendo vivenciadas <strong>com</strong> mais êxito e o medo<br />

de errar pouco aparece.


Despertou o desejo de aprender, gostou de brincar e ser desafiado nas inúmeras<br />

atividades, vibrou ao ganhar nos jogos, no entanto, vem controlando as derrotas para que<br />

não fique tão irritado, pois as leis e regras dos jogos precisam ser submetidas as mudanças<br />

em seu modo de ver quando está perdendo, pois ainda possui resistência as normatizações.<br />

Tudo o que se realizou, foi despertando em G. um olhar mais claro de si, sem ter<br />

culpas, mas precisa ainda aprender a lidar <strong>com</strong> frustrações e respeitar as leis/regras,<br />

desenvolvendo mais sua autoestima e um gostar-se. Mesmo <strong>com</strong> tudo que já viveu pode<br />

sim ser feliz, por ser único e não ser igual a ninguém.<br />

CONCLUSÃO<br />

Este artigo não busca apresentar verdades absolutas sobre o tema abordado,<br />

também não ousa ter o assunto <strong>com</strong>o encerrado nele mesmo. Procura, apenas, contribuir<br />

para a reflexão sobre um atendimento psicopedagógico a um sujeito <strong>com</strong> dificuldades de<br />

aprendizagem, permeada na ausência da função paterna.<br />

A partir do que foi escrito, nas leituras realizadas e no contexto de G. é possível se<br />

concluir que a função paterna contribui muito para o desenvolvimento infantil, para uma<br />

busca em aprender.<br />

A paternidade é um laço muito forte e intenso, sendo uma proteção e a orientação<br />

na vida infantil. Juritsch (1970) cita que o pai é o primeiro a levar a família a encontrar-se<br />

<strong>com</strong> a realidade. Pela própria condição de homem e pai, ele faz a família <strong>com</strong>unicar-se<br />

continuamente <strong>com</strong> os múltiplos setores da realidade.<br />

Mesmo a família, fundamentada na parceria, não pode suprimir as funções<br />

essenciais do pai, dá-lhe simplesmente uma nova acentuação. O pai e a mãe formam para<br />

o filho uma unidade estrutural, que não pode ser rompida sem grandes danos. É possível se<br />

verificar que essa parceria contribui de forma saudável para o crescimento e<br />

desenvolvimento da criança.<br />

Sabe-se que a função paterna e materna, é exercida, não necessariamente pelos<br />

pais biológicos, mas, por aqueles que estão junto à criança e podem fazer diferença para<br />

ela.<br />

Winnicott (1982) diz que certas qualidades de mãe que não fazem essencialmente<br />

parte dela reúnem-se gradualmente na mente infantil e essas qualidades atraem sobre si<br />

próprias os sentimentos que o bebê, <strong>com</strong> o tempo, acaba por dispor-se a alimentar em<br />

relação ao pai. Quando o pai, ou aquele que exerce a função paterna, entra na vida da


criança, ele assume sentimentos que ela já alimentava em relação a certas propriedades da<br />

mãe e para esta constitui um grande alívio verificar o pai <strong>com</strong>portando-se de maneira<br />

esperada.<br />

O pai é necessário para dar à mãe, apoio moral, ser um esteio para a sua<br />

autoridade, um ser humano que sustenta a lei e a ordem que a mãe implanta na vida da<br />

criança. Ele não precisa estar presente todo o tempo para cumprir essa missão, mas tem de<br />

aparecer <strong>com</strong> bastante frequência para que a criança sinta que o pai é um ser vivo e real.<br />

Quando pai e mãe aceitam facilmente a responsabilidade pela existência da<br />

criança, o cenário fica montado para um bom desenvolvimento afetivo, cognitivo e social.<br />

Portanto, tratar as famílias de hoje da mesma forma que as de antigamente,<br />

exigindo delas as mesmas responsabilidades e atribuições, não teria sentido <strong>com</strong> a<br />

realidade atual. Há de se considerar que existe, atualmente uma nova configuração de<br />

família.<br />

De certa forma, essa pesquisa apontou a possibilidade de se aprofundar essa<br />

discussão, buscando <strong>com</strong>preender a contribuição da função paterna para o<br />

desenvolvimento da criança nas questões da aprendizagem ou não aprendizagem.<br />

Se as famílias, independente de seu modelo de formação, assumirem seu papel<br />

diante da participação na vida dos filhos/as, estando presente nesta fase importante da vida<br />

criança, a infância será uma fase inesquecível, encantando e contribuindo <strong>com</strong> a formação<br />

de todos que dela participarem.<br />

Neste universo psicopedagógico clínico, perpassado por subjetividades, o<br />

psicopedagogo encontra um campo fértil para desenvolver um trabalho preventivo ou até<br />

mesmo terapêutico, atendendo pacientes e/ou famílias, resgatando o prazer em aprender ou<br />

realizando intervenções para minimizar dificuldades que se colocam no caminho da<br />

aprendizagem.<br />

REFERÊNCIA<br />

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 1996.<br />

FERNÁNDEZ, Alicia. Os Idiomas do Aprendente: Análise das modalidades ensinantes<br />

<strong>com</strong> famílias, escolas e meios de <strong>com</strong>unicação. Artmed Editora, Porto Alegre, 2001.<br />

FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. 4. Ed. São Paulo: contexto, 2006.


JURITSCH, Martin. Sociologia da paternidade: o pai na família e no mundo: uma análise<br />

antropológica. Petrópolis: Vozes, 1970.<br />

WINNICOTT, D. W. A Criança e o seu mundo. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982.<br />

ZIMERMAN, David E. Teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática do autor.<br />

Artmed, Porto Alegre, 1999.

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