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O legado do PAN: uma nova fase para o Rio? - Tribunal de Contas ...

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nossa auto-estima anda baixa e comoprecisamos recuperar a vida produtiva<strong>de</strong> nossa cida<strong>de</strong>. Não há <strong>do</strong> que discordar– mas analisemos um pouco maisprofundamente tais afirmativas.Vamos partir <strong>do</strong> pressuposto que aeleição <strong>do</strong> Cristo e também a realização<strong>do</strong>s Jogos Pan-americanos, em muitomelhoraram a auto-estima <strong>do</strong> carioca.Mas <strong>para</strong>mos por aqui! Com relaçãoà nossa sociabilida<strong>de</strong> citadina nadamu<strong>do</strong>u. Talvez este seja um <strong>de</strong> nossosgran<strong>de</strong>s problemas.Criamos ilhas da fantasia, acreditan<strong>do</strong>que um símbolo ou <strong>uma</strong> maravilhapossam resolver nossos problemasestruturais. Vivemos, por um perío<strong>do</strong>,sob a égi<strong>de</strong> <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> prazer – maso princípio da realida<strong>de</strong> nos convoca <strong>para</strong>a vida real, inexoravelmente.O <strong>Rio</strong> <strong>do</strong> Pan mostrou-nos como<strong>uma</strong> cida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ser. Sentimos estegostinho <strong>de</strong> segurança e civilida<strong>de</strong>, mas,infelizmente, como já cantava o poeta:– “tristeza não nem fim, felicida<strong>de</strong>, sim.E tu<strong>do</strong> se acaba na 4ª. Feira”. Mais graveainda – nos adaptamos a isto!Chegamos a um estágio on<strong>de</strong> o crime,a insegurança, as falcatruas, a sujeira, ogenocídio <strong>de</strong> crianças e o <strong>de</strong>scaso coma coisa pública foram naturaliza<strong>do</strong>s –exemplo disto é a cínica frase – “este paísnão presta” ou “o <strong>Rio</strong> não tem jeito”.Mas como nos conformamos comisto? É espantosa a plasticida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cariocaem se habituar às maiores infâmias sem seindignar <strong>de</strong> forma efetiva. Retornemos umpouco ao que afirmamos anteriormente.A eleição <strong>do</strong> Cristo melhorou aauto-estima <strong>do</strong> carioca (apenas <strong>uma</strong>suposição nossa, já que não estamosnos basean<strong>do</strong> em <strong>uma</strong> estatística), masem nada modificou nossa sociabilida<strong>de</strong>.Ou seja, nossa vida associativa e a formacomo vivemos em nossa cida<strong>de</strong> em nadase modificou – por isto dissemos queelegemos <strong>uma</strong> paisagem – a paisagemda cida<strong>de</strong> que queremos, a cida<strong>de</strong> quesonhamos, enfim a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cartãopostal – a cida<strong>de</strong> virtual.Mas que cida<strong>de</strong> é esta? Esta é a cida<strong>de</strong>sem cheiros, sem pobreza próxima (asfavelas quan<strong>do</strong> são vistas estão distantes),sem violência, sem ruí<strong>do</strong>s e sem contrastes<strong>de</strong>sagradáveis. A cida<strong>de</strong> que <strong>do</strong> alto nosA eleição<strong>do</strong> Cristomelhorou aauto-estima<strong>do</strong> carioca (...)mas em nadamodificounossasociabilida<strong>de</strong>.“”oferece a ilusão <strong>de</strong> que a paz é possívelem meio a tantas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s. Faz-nosacreditar que Belo é o que elimina tu<strong>do</strong>que <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagradável existe em nossacida<strong>de</strong>. Possibilita-nos esquecer nossadívida social e acreditar que to<strong>do</strong>s fazemparte <strong>de</strong>ste belo cenário.Como no filme “O Show <strong>de</strong> Tr<strong>uma</strong>n”ou, se quisermos ir mais além, como nacultura <strong>do</strong>s shopping centers, a paisagemque dali se <strong>de</strong>scortina nos faz esquecerda cida<strong>de</strong> real. A cida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s mendigos,<strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s pivetes que nosassaltam, <strong>do</strong>s meninos que cheiramcola, <strong>do</strong>s policiais que nos achacam,<strong>do</strong>s políticos que nos roubam e nos<strong>de</strong>silu<strong>de</strong>m. Enfim, a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homenscomuns e, lamentavelmente, a nossacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.Reduzi<strong>do</strong>s que estamos àmaterialida<strong>de</strong> da vida biológica – a vidanua, como Giorgio Agambém <strong>de</strong>finiu naintrodução <strong>de</strong> seu livro “Homo Sacer:o Po<strong>de</strong>r Soberano e a Vida Nua”–, nãodispomos mais <strong>de</strong> recursos <strong>para</strong> sequerimaginar outra vida, em <strong>uma</strong> cida<strong>de</strong>outra. Para Agambém a polis <strong>de</strong>ve serconsi<strong>de</strong>rada como o “lugar em que oviver <strong>de</strong>ve se transformar no viver bem”.E, no entanto, cada vez mais, a cida<strong>de</strong>tornou-se o lugar <strong>do</strong> perigo, das ameaças,<strong>de</strong> território conflagra<strong>do</strong>.Blindamos nossos carros, gra<strong>de</strong>amosnossos prédios, cercamos nossas praçasacreditan<strong>do</strong> saber <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem o mal.Fingimos também <strong>de</strong>sconhecer quegra<strong>de</strong>s, cercas e muros não são objetosinertes e sim discursos que produzemrespostas e agenciam subjetivida<strong>de</strong>s.Não sejamos ingênuos a ponto <strong>de</strong>pensar que a cerca ou <strong>uma</strong> gra<strong>de</strong> <strong>de</strong>ferro são apenas barreiras físicas. Elasinstauram um clima <strong>de</strong> guerra, poisrepresentam um discurso que convocao outro, barra<strong>do</strong>, a <strong>uma</strong> ultrapassagemforçada. Um <strong>de</strong>safio é coloca<strong>do</strong> faceàquele que proíbe a circulação livre entreos espaços.Cada vez mais vamos nos acost<strong>uma</strong>n<strong>do</strong>com o fechamento paulatino <strong>do</strong>s espaços<strong>de</strong> convivência pelas gra<strong>de</strong>s. Assistimos(certamente com repercussões clínicas) a<strong>uma</strong> inversão histórica em <strong>uma</strong> tradiçãomilenar da h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>. O que agoracausa pânico são os espaços abertos enão mais os fecha<strong>do</strong>s. Temos me<strong>do</strong> <strong>de</strong>andar pelas ruas, pelas praças, pelasavenidas, como se <strong>do</strong> aberto, <strong>do</strong> público,da ágora, pu<strong>de</strong>ssem surgir os <strong>de</strong>môniosdas “classes perigosas”. Não nos pareceao acaso o surgimento <strong>de</strong> tantos casosdiagnostica<strong>do</strong>s como síndrome <strong>do</strong> pânicoe <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> mudança na sociabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> nossas populações.Recente pesquisa da Revista <strong>Rio</strong> Showindica que o passatempo favorito <strong>do</strong>scariocas é o shopping – nele busca-seo cinema, o restaurante, o barzinho e apaquera, “longe <strong>do</strong>s perigos da rua”. Ouseja, em <strong>uma</strong> cida<strong>de</strong> ro<strong>de</strong>ada pelo mar epelas montanhas, <strong>de</strong> inegáveis belezasnaturais, optou-se por <strong>uma</strong> “duplicação”da cida<strong>de</strong> sem o que <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> há nela– a pobreza, a miséria, a violência e,sobretu<strong>do</strong>, o me<strong>do</strong>.Na <strong>para</strong>nóia da segurança há <strong>uma</strong>colonização <strong>de</strong> nosso imaginário que seren<strong>de</strong> à inexorabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fechamento,<strong>do</strong> distanciamento daquele que não maisreconheço como meu semelhante. Aprivatização <strong>do</strong> espaço público esvazia oque <strong>de</strong> político há nele – o espaço aberto<strong>para</strong> as discussões – a polis. O me<strong>do</strong>passa a ser assim um forte agencia<strong>do</strong>rda or<strong>de</strong>m instituída e, certamente, dassubjetivida<strong>de</strong>s produzidas.O que observamos então é que o lugar<strong>para</strong> os afetos, as amiza<strong>de</strong>s, o respeitomútuo, a confiança, vai fican<strong>do</strong> cadavez mais restrito; a circulação entre osRevista TCMRJ n. 36 - setembro 200763

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