<strong>Rio</strong>Um caso <strong>de</strong> amor com oO encanto <strong>do</strong> <strong>Rio</strong>Marcos Vinicios VilaçaPresi<strong>de</strong>nte da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> LetrasO<strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro possui <strong>uma</strong> conjugação ímpar <strong>de</strong> fatores naturais ehistóricos que dão origem à sua especificida<strong>de</strong>, ao que ele tem <strong>de</strong> úniconum país imenso e da maior varieda<strong>de</strong> física e cultural como é o Brasil.Surgi<strong>do</strong> num <strong>do</strong>s recantos, sem qualquer favor, mais belos <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o planeta,po<strong>de</strong>mos dizer que poucos eram, como ele, tão pouco aptos <strong>para</strong> abrigar <strong>uma</strong>cida<strong>de</strong>. Apesar da baía <strong>de</strong> valor extraordinário <strong>para</strong> os navegantes, o <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeirose ergueu quase priva<strong>do</strong> <strong>de</strong> terreno plano, entre o mar e as montanhas, à sombra<strong>de</strong> suas incomparáveis formações graníticas, e pobremente forneci<strong>do</strong> <strong>de</strong> água,inicialmente oriunda <strong>do</strong> pequeno rio Carioca, que <strong>de</strong>u nome a seus habitantes, oque gerou quatro séculos <strong>de</strong> insolúvel falta <strong>de</strong> água, até a meritória obra <strong>de</strong> CarlosLacerda na bacia <strong>do</strong> Guandu. O <strong>Rio</strong>, portanto, nasceu em luta contra a sua magníficanatureza, em conseqüência <strong>do</strong> fabuloso ponto estratégico que representava a suabaía, disputa<strong>do</strong> a ferro e fogo por franceses e lusitanos até a vitória <strong>de</strong> Estácio <strong>de</strong>Sá, paga com a própria vida.Com o <strong>de</strong>slocamento da área <strong>de</strong> maior importância econômica da Colônia<strong>do</strong> Nor<strong>de</strong>ste <strong>para</strong> Minas Gerais, com as minerações, era mais <strong>do</strong> que natural atransferência <strong>do</strong> governo <strong>para</strong> esse porto tão bem situa<strong>do</strong>, e daí nasce outro <strong>do</strong>sfascínios da cida<strong>de</strong>. Capital da Colônia, <strong>do</strong> Reino Uni<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Império e da Repúblicadurante quase duzentos anos, <strong>de</strong> 1763 a 1960, o <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro foi o palco <strong>de</strong>muitos <strong>do</strong>s mais transcen<strong>de</strong>ntes momentos da história brasileira, da execução<strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, da sagração <strong>de</strong> D. João VI e <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is impera<strong>do</strong>res, da abolição daescravatura, da Proclamação da República, <strong>do</strong>s mais varia<strong>do</strong>s momentos da vidarepublicana. Traduzin<strong>do</strong>-se materialmente, essa sucessão <strong>de</strong> fatos faz da cida<strong>de</strong> umgran<strong>de</strong> museu da história e da arte brasileiras, com alg<strong>uma</strong>s das mais belas igrejas,fortalezas e palácios <strong>do</strong> país, com museus e bibliotecas sem <strong>para</strong>lelo, um patrimôniohistórico <strong>de</strong> valor inapreciável e tantas vezes pouco lembra<strong>do</strong> perante as atraçõesnaturais e h<strong>uma</strong>nas da urbe.E é justamente o contingente h<strong>uma</strong>no que forma o terceiro elemento <strong>do</strong> encantoúnico <strong>do</strong> <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro. A própria condição <strong>de</strong> capital, que vigorou até há poucomais <strong>de</strong> quarenta anos, reuniu na cida<strong>de</strong> habitantes <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os quadrantes da pátria,<strong>do</strong> Oiapoque ao Chuí, <strong>do</strong> litoral à mais longínqua fronteira oeste. Esse amálgama <strong>de</strong>to<strong>do</strong>s os brasileiros, uni<strong>do</strong> a um forte contingente lusitano, <strong>de</strong>u ao carioca a sua feição<strong>de</strong> síntese h<strong>uma</strong>na das características que se imaginam brasileiras, ao mesmo tempoque fez <strong>do</strong> seu habitante o menos regional, o menos bairrista, o menos provinciano<strong>de</strong> to<strong>do</strong> o território nacional. O humor carioca, po<strong>de</strong>-se dizer, elevou-se a <strong>uma</strong> formanacional <strong>de</strong> humor, <strong>uma</strong> instituição mista <strong>de</strong> crítica, irreverência e in<strong>de</strong>pendência<strong>de</strong> espírito da qual mesmo os brasileiros mais afasta<strong>do</strong>s geograficamente da capitalfluminense sentem um secreto orgulho.Com to<strong>do</strong>s os seus numerosos e graves problemas, que preocupam to<strong>do</strong> o paísna mesma dimensão da sua importância simbólica <strong>para</strong> ele, o <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro – <strong>de</strong>longe o lugar mais conheci<strong>do</strong> internacionalmente <strong>de</strong> nosso inteiro território – meparece cada vez mais se resumir nessa palavra aqui já lembrada: síntese, e sínteseàs vezes profética, <strong>do</strong> que há <strong>de</strong> melhor e pior em nossa pátria. Mas pairan<strong>do</strong> acima<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os problemas, <strong>de</strong> todas as carências, vige o encanto único <strong>de</strong> caminharpor suas ruas, admirar as suas paisagens inigualadas, e conviver com o seu povo,esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> graça que pertence a to<strong>do</strong>s os brasileiros – e não só eles – aqui recebi<strong>do</strong>scom a cordialida<strong>de</strong> que se imaginaria reservada apenas aos seus mais tradicionaishabitantes.66 setembro 2007 - n. 36 Revista TCMRJ
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