112panorama <strong>do</strong> cinema baianose dele para que peça esmola já que a idade forçosamentedenuncia, nos outros, maior sentimentode piedade. As meninas sofrem a labuta diária namiséria, mas, mesmo nela, não deixam de demonstraruma certa alegria de viver, ainda que com osassédios, o perigo que as rondam. Mas quem seriaeste homem, perdi<strong>do</strong> pelas ruas e becos da CidadeBaixa soteropolitana? Viajan<strong>do</strong> de trem, cujo acessose dá pela antiga estação da Calçada, os três acabamin<strong>do</strong> parar na casa suburbana <strong>do</strong> filho <strong>do</strong> velho, queé casa<strong>do</strong>, desemprega<strong>do</strong>. Há, na localidade, um casali<strong>do</strong>so, amigo, que recebe a trinca. Sabe-se, então,que o homem de óculos escuros, que se finge decego, está acomoda<strong>do</strong> no Abrigo Dom Pedro II, perto<strong>do</strong> Largo de Roma. Levan<strong>do</strong>-o de volta para o lar <strong>do</strong>si<strong>do</strong>sos, acontece neste uma cerimônia de casamentode gente velha. Na despedida, ele não quer ficar, eas meninas são levadas para o subúrbio pelo casal.Mas não tarda de ele ir atrás. O plano final mostra-osenta<strong>do</strong> num vagão <strong>do</strong> trem suburbano e uma imagemem preto e branco, fotografia antiga, denunciaque fora, na sua mocidade, um músico de orquestrada banda <strong>do</strong>s ferroviários. Esses moços termina comtravellings que descortinam, ten<strong>do</strong> ao fun<strong>do</strong> a bonitamelodia de Lupicínio Rodrigues cantada por GilbertoGil, o cenário suburbano de Salva<strong>do</strong>r.Vê-se problemas estruturais na contemplação deEsses moços, e, neles, uma certa ausência de timing,agilidade narrativa, mas o poder de verdade queemana <strong>do</strong>s personagens é capaz de anular uma críticamais intensa <strong>do</strong> ponto de vista de estrutura narrativa.O que importa, na verdade, em Esses moços, é queo filme se impõe mais pela sua fábula, pelos seuspersonagens, pelo cinema, aqui, em Araripe, comoinstrumento <strong>do</strong> humanismo, tão antípoda <strong>do</strong> lixocultural que <strong>do</strong>mina o circuito na sociedade contemporânea.O humanismo <strong>do</strong> autor, sua delicadezafabular, a extraordinária luz de Hamilton Oliveira, quedá um banho de beleza no feio cenário suburbanodecadente, credenciam Esses moços como uma obraque se estabiliza pela humanidade no equilíbrio entreas vigas de imperfeições porventura observadas.O que se deve exigir de um filme é que ele possa forneceralgum fomento para o imaginário <strong>do</strong> especta<strong>do</strong>r.Se falta a Esses moços uma reinvenção <strong>do</strong> cinemae, mesmo, podem ser notadas, com fartura, algunstropeços na estrutura de sua narrativa, desprovida,como se disse, de um timing mais envolvente, o quefica é a beleza de pequenos gestos e a coragem deincursionar por um mun<strong>do</strong> de marginais, mas marginais,diga-se de passagem, que possuem uma vervepoética. Diomedes não seria uma variação <strong>do</strong> mágicovivi<strong>do</strong> por Jofre Soares em Mister Abrakadabra?Araripe pilota um tipo de cinema que dá preferênciaaos temas simples, varian<strong>do</strong> entre a realidade e amagia. Há, sempre, em seus personagens, um sonho,um desejo de sair de uma realidade para entrar emoutra. Esses moços é um filme neorrealista, que desceàs ruas para contar uma fábula que se situa entre‘moços’ e em plena parte sofrida – mas não desprovidade beleza em sua fealdade, por para<strong>do</strong>xal quepossa parecer – da cidade de Salva<strong>do</strong>r.Eu Me Lembro,2005
EU ME LEMBRO, de Edgard Navarro113Evocação de um pretérito, que se consubstancia, naverdade, no próprio passa<strong>do</strong> <strong>do</strong> autor, retrato de umageração e <strong>do</strong> espírito de uma época, Eu me lembro,de Edgard Navarro, cujo roteiro venceu, por unanimidade,o Prêmio Carlos Vasconcelos Domingues,primeiro de uma série de editais patrocina<strong>do</strong>s pelaSecretaria da Cultura e Turismo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahiacomo incentivo à produção de filmes, obra de estreiadesse realiza<strong>do</strong>r no longametragismo, é surpreendentepelo seu vigor poético, que se caracteriza pelaatipicidade em relação à costumeira abordagemtemática daqueles que fazem cinema nestas plagas.panorama <strong>do</strong> cinema baianoA sua singularidade vem, em primeiro lugar, da maneirapela qual Navarro trata o seu tema, mas, também,pelo que diz. Retrato de sua geração, a mesma,aliás, que se angustia e se exaspera em MeteorangoKid, o herói intergalático (1970), de André Luiz deOliveira, Eu me lembro, trinta e quatro anos depoisdeste filme, vem, por assim dizer, fazer um balançoda trajetória tumultuada de uma rebeldia anárquicaque pontificou a partir de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos 60 como chama<strong>do</strong> <strong>Cinema</strong> Marginal. E que tem, na Bahia, oseu apogeu na iconoclastia <strong>do</strong> boom superoitista <strong>do</strong>qual Edgard Navarro é, talvez, o seu mais emblemáticorepresentante, com as dilacerações fílmicas de Orei <strong>do</strong> cagaço, Lyn e Katazan, Exposed, entre outros,e, particularmente, O Superoutro (1980), este ummédia-metragem já anuncia<strong>do</strong>r de um cineasta febrile extremamente agita<strong>do</strong> que, com o passar <strong>do</strong>s anos,
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