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VIVENDO E ENVELHECENDO - Ministério do Esporte

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<strong>VIVENDO</strong> E <strong>ENVELHECENDO</strong>Recortes de práticas sociais nosNúcleos de Vida SaudávelOrganizaçãoSuzana Hübner WolffEDITORA UNISINOS2009


© <strong>do</strong>s autores 2009____________________2009 Direitos de publicação e comercialização daEditora da Universidade <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Rio <strong>do</strong>s SinosEDITORA UNISINOSISBN 978-85-7431-315-3FICHA CATALOGRÁFICA...EditorCarlos Alberto GianottiRevisãoRenato DeitosRui BenderEditoraçãoDécio Ely/Mariana RamosCapaIsabel CarballoImpressão, primavera de 2009_________________________A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio, das páginas quecompõem este livro, para uso não individual, mesmo para fins didáticos,sem autorização escrita <strong>do</strong> editor, é ilícita e constitui umacontrafação danosa à cultura.Foi feito o depósito legal.


SUMÁRIOPREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9PARTE IENVELHECIMENTO BEM-SUCEDIDO E POLÍTICAS PÚBLICASSuzana Hübner Wolff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13ENVELHECER COM ESPORTE E LAZER: DIREITOS DE UMASOCIEDADE PARA TODAS AS IDADESEdnal<strong>do</strong> Pereira Filho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31CONCEBENDO A VIDA SAUDÁVEL DESDE O ESPORTE E OLAZERCláudio Augusto Silva Gutierrez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45EDUCAR, APRENDER E VIVER COM QUALIDADESonia M. L. Bredemeier. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSAMaria Regina Morales . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79REVENDO UMA TRAJETÓRIA E PROCURANDO CAMINHOS NABUSCA DA GARANTIA DOS DIREITOS DOS IDOSOSAloísio Ruscheinsky e Sonia M. L. Bredemeier. . . . . . . . . . . . . . . 95O SOL REFULGE AO ENTARDECER DA VIDAJosé Ivo Follmann, SJ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1055


6 SumárioPARTE IICAPOEIRA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO POPULARPOR TODA A VIDAAnselmo da Silva Accurso e Ariane Silveira Dias . . . . . . . . . . . . 119ALONGAMENTO, FLEXIBILIDADE E QUALIDADE DO ENVE-LHECERÁderson Loureiro e Roberta Gigliola Ribas Silva Oliveira . . . . . . 125GINÁSTICA COREOGRAFADASilvana Bianchi e Suzana Hübner Wolff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135JOGOS DESPORTIVOS PARA A TERCEIRA IDADEAlmerinda Alcante Pacheco <strong>do</strong>s Santos, Ana Paula Jaques Flores eSuzana Hübner Wolff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149CAMINHADA ORIENTADA: passos firmes e olhar para frenteDaniela Martins e Suzana Hübner Wolff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165GRUPO DE REFLEXÃO: espaço de acolhida, escuta e transformaçãoMaria Regina Morales . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171


PREFÁCIONa atualidade, as políticas públicas que atendem à populaçãoi<strong>do</strong>sa não crescem na mesma proporção que a expectativa devida das pessoas. Estamos viven<strong>do</strong> mais e, em consequência, o envelhecimentopopulacional é hoje uma realidade mundial. Comisso, um desafio persiste para a maioria <strong>do</strong>s países e também parao Brasil: o “viver melhor” até as fases mais avançadas da vida.O Brasil é o sétimo país <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em número de i<strong>do</strong>sos edevemos chegar à sexta posição antes <strong>do</strong> ano 2025. Outro da<strong>do</strong> interessanteé que por volta de 2050 em cada três indivíduos um terámais de sessenta anos. Para termos uma ideia <strong>do</strong> que isso representa,a idade média de vida de um cidadão <strong>do</strong> império romanoera de 22 anos e no início <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong> havia chega<strong>do</strong> a 45anos, principalmente pelas melhorias de condições de vida socialda população. Hoje a expectativa de vida ao nascer é de 79 a 83anos de um cidadão que viva em países desenvolvi<strong>do</strong>s e cinco a 10anos a menos dessa expectativa para a maioria <strong>do</strong>s países em desenvolvimento.Acrescentamos mais anos à vida em um século <strong>do</strong> queconseguimos acrescentar desde a criação <strong>do</strong> homem. Este fato édecorrente de uma série de ações, especialmente articuladas à melhoriadas condições sociais, <strong>do</strong> saneamento básico, da invençãoda penicilina e da medicina preventiva e assistencial.Ao mesmo tempo, o aumento da expectativa de vidacresce com a vivência lúdica de hábitos saudáveis e de lazer, manten<strong>do</strong>o sujeito ativo e integra<strong>do</strong> na família e nos grupos sociais.Vivências prazerosas que gerem oportunidades de encontros, novosdesafios, de valorização da autoestima e <strong>do</strong> sujeito-corpo porinteiro. Assim, um viver mais e melhor depende da nossa alegria,competência e autonomia.7


8 PrefácioNo entanto, as políticas públicas têm encontra<strong>do</strong> dificuldadesem acompanhar esse processo, uma vez que a maioria daspreocupações sempre foi e ainda é voltada para as crianças e os jovens.Além disso, os i<strong>do</strong>sos de uma determinada classe econômicasão duplamente prejudica<strong>do</strong>s, uma vez que, como jovens e adultosque vivem numa sociedade que valoriza a produção, tiveramsuas vidas voltadas quase que totalmente para o trabalho e agora,na velhice, não encontram o suporte social adequa<strong>do</strong> para atenderàs suas necessidades especiais.É bem verdade que estamos num perío<strong>do</strong> de transição,com muitas entidades e grupos preocupa<strong>do</strong>s com a qualidade devida <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos, mas a maioria das iniciativas públicas ainda temmuito que avançar.Neste contexto, cresce o número de universidades quenão só se preocupam em formar profissionais para atender a essaparcela da população como também desenvolvem programas queatendem diretamente a este público. Este é o caso da UNISINOS,nossa parceira gaúcha que organizou a presente obra, reunin<strong>do</strong> reflexõese experiências com i<strong>do</strong>sos, ten<strong>do</strong> como protagonistas dessasações professores e alunos <strong>do</strong> Curso de Educação Física destaUniversidade.Este é o livro que convi<strong>do</strong> você, leitor ou leitora, a discutirconosco, conhecen<strong>do</strong> e refletin<strong>do</strong> sobre as ricas experiências construídaspela UNISINOS, que também são socializadas pelo vídeoque acompanha esta obra. Uma boa leitura a to<strong>do</strong>s!Rejane Penna RodriguesSecretaria Nacional de Desenvolvimento de<strong>Esporte</strong> e de Lazer <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>


APRESENTAÇÃOAssim como as pessoas os livros têm histórias. Este queaqui apresentamos também tem a sua, visto que ele emerge da experiência<strong>do</strong>s Núcleos PELC/Vida Saudável sob a responsabilidadeda Universidade <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Rio <strong>do</strong>s Sinos – UNISINOS/RS, quepor sua vez atua há mais de dez anos com Programas de Extensãoe de Ação Social na área <strong>do</strong> envelhecimento humano.O PELC – Programa <strong>Esporte</strong> e Lazer da Cidade –, é umapolítica <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> que proporciona acesso às atividadesfísicas, jogos e lazer para todas as pessoas, sen<strong>do</strong> que oPELC/Vida Saudável atende preferencialmente pessoas a partir de45 anos. O programa tem como objetivos estimular a convivênciasocial, com a formação de gestores e lideranças comunitárias, alémde fomentar as pesquisas e publicações sobre esta faixa etária.As atividades que serviram de suporte para esta publicaçãovêm sen<strong>do</strong> desenvolvidas nos três Núcleos de Vida Saudável,localiza<strong>do</strong>s no município de São Leopol<strong>do</strong>, região metropolitanade Porto Alegre, Rio Grande <strong>do</strong> Sul. São em torno de 300 pessoasque semanalmente participam <strong>do</strong> programa, que inclui, além deatividades físicas e recreativas, espaços de convivência e de promoçãosocial. Esta experiência tem provoca<strong>do</strong> reflexões permanentesno nosso fazer acadêmico, manifestadas em grupos depesquisas, trabalhos de conclusão de curso, relatórios de estágios,disciplinas em cursos de graduação e em cursos de pós-graduação.Quan<strong>do</strong> aceitamos o desafio da Secretaria Nacional de<strong>Esporte</strong> e Lazer/ME para que organizássemos uma produçãoque abordasse as dimensões <strong>do</strong> envelhecimento humano e suasmanifestações sociais, dentre elas o esporte e o lazer, reunimoseste grupo de colabora<strong>do</strong>res, que tem atua<strong>do</strong> diretamente na universidade,a fim de corresponder ao desafio lança<strong>do</strong>. Porém, esta9


10 Apresentaçãodemanda nos veio com um reca<strong>do</strong> especial, ou seja, deveria ser umlivro de cunho didático, destina<strong>do</strong> aos forma<strong>do</strong>res, coordena<strong>do</strong>res,agentes sociais e lideranças comunitárias que atuam nos Núcleos<strong>do</strong> PELC/Vida Saudável. Que fosse uma obra orientada pelomun<strong>do</strong> da prática social retoman<strong>do</strong> as reflexões acadêmicas daárea <strong>do</strong> envelhecimento a partir da realidade <strong>do</strong>s Programas de<strong>Esporte</strong> e Lazer <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. E mais: que este livrofosse acompanha<strong>do</strong> de um DVD que ilustrasse as práticas de nossosnúcleos e que servisse de inspiração e orientação para aquelesque trabalham nos programas e projetos socioeducativos desseMinistério.Destacamos que, ao decidir refletir sobre o universo davelhice, não pretendemos com isso fazer uma alusão ao isolamento<strong>do</strong>s mais velhos ou transformar os Núcleos de Vida Saudávelem “Núcleos de I<strong>do</strong>sos”. Pelo contrário! Acreditamos que, ao conhecero curso de vida, da infância à velhice, e suas repercussõessociais, tornamo-nos mais prepara<strong>do</strong>s para desenvolver práticastransforma<strong>do</strong>ras que sejam significativas, capazes de tornar homense mulheres cada vez mais humanos, respeitan<strong>do</strong> as suas especificidades.Escrever e refletir sobre temáticas que se referem àvida <strong>do</strong>s mais velhos é, portanto, uma forma de contribuir na consolidaçãodas políticas de direito e, em especial, das <strong>do</strong> esporte e<strong>do</strong> lazer.O livro aqui apresenta<strong>do</strong>, Viven<strong>do</strong> e envelhecen<strong>do</strong>: práticassociais nos Núcleos de Vida Saudável, é fruto de anos de investigação,ação e questionamentos nesta área. Está organiza<strong>do</strong> em duas grandespartes, sen<strong>do</strong> que a primeira, denominada de “Refletin<strong>do</strong> eagin<strong>do</strong> na área <strong>do</strong> envelhecimento humano”, constitui-se de textosque discorrem sobre várias dimensões <strong>do</strong> envelhecimento, entreelas a social, a biológica, a espiritual, a psicológica e a política, estimulan<strong>do</strong>o desenvolvimento de ações reflexivas. Já a segundaparte <strong>do</strong> livro, “Agin<strong>do</strong> e refletin<strong>do</strong> na área <strong>do</strong> envelhecimentohumano”, registra nossas experiências cotidianas <strong>do</strong>s Núcleos deVida Saudável, sugerin<strong>do</strong>, a partir dessas vivências, a reflexão daação. E, para estimular o leitor ainda mais a um exercício reflexivo,


Stela Nazareth Meneghel 11lançamos, ao final de cada capítulo da Parte I, questionamentos referentesaos principais temas aborda<strong>do</strong>s.Já o DVD que acompanha o livro reproduz, em seis pequenosvídeos, sugestões de intervenções nas seguintes áreas: esporteadapta<strong>do</strong> (câmbio e basquete), caminhada orientada, alongamento,ginástica coreografada, capoeira e grupos de reflexão. To<strong>do</strong>soriun<strong>do</strong>s da realidade <strong>do</strong> PELC/Vida Saudável <strong>do</strong> município deSão Leopol<strong>do</strong>, Rio Grande <strong>do</strong> Sul.Queremos agradecer à equipe <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>pelo convite e confiança deposita<strong>do</strong>s, e pelo apoio manifesta<strong>do</strong>desde a elaboração, sistematização e aprovação <strong>do</strong> material, oportunizan<strong>do</strong>uma experiência compartilhada e prazerosa. Assim,com alegria, apresentamos este livro, na perspectiva de oportunizara crítica, o debate e o novo conhecimento.Os colabora<strong>do</strong>res


PARTE IREFLETINDO E AGINDO NA ÁREA DOENVELHECIMENTO HUMANO


ENVELHECIMENTO BEM-SUCEDIDO EPOLÍTICAS PÚBLICASSuzana Hübner Wolff 1Discorre sobre o processo de envelhecimento humano, suas dimensões biopsicossociaise os impactos gera<strong>do</strong>s em uma sociedade que envelhece. A autora considera que o envelhecimentocom qualidade é um direito de to<strong>do</strong> cidadão e lança um desafio para que aspolíticas públicas contemplem esse tema, visto que os avanços da ciência têm garanti<strong>do</strong>o aumento <strong>do</strong> ciclo vital. Sugere como alternativa a participação <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos nesseprocesso, justifican<strong>do</strong> que, com a sabe<strong>do</strong>ria e experiência de vida que possuem, tornam-seagentes indispensáveis na busca dessas soluções.<strong>ENVELHECENDO</strong>– Está ven<strong>do</strong> aquela senhora? Ela tem 70 anos!– Nossa, nem parece... É tão jovem e bonita...É sabi<strong>do</strong> que as transformações físicas associadas ao envelhecimentosão facilmente observadas pelas pessoas. Ou seja, oscabelos brancos, a pele enrugada e manchada, a postura e o andarmais lento identificam uma diminuição visível das funções biológicase funcionais. Essa imagem de aparente fragilidade e de questionávelfeiura tem leva<strong>do</strong> a uma possível relação entre velhice e1 Doutora em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria/RS, conselheira<strong>do</strong> Conselho Estadual <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so/RS. Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> curso de Especializaçãoem Gerontologia Interventiva da UNISINOS, coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Programa deAção Social – Pró-Maior da UNISINOS e coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Programa PELC/VidaSaudável: Unisinos e Ministério <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>.15


16 Envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> e políticas públicasperdas, ou velhice e diminuição da vitalidade, ou ainda velhice e<strong>do</strong>enças. Porém isso não é necessariamente uma verdade, pois asfunções cognitivas e emocionais não seguem necessariamente adeterioração <strong>do</strong> corpo físico.A saúde mental <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so não segue o mesmo caminhodas limitações físicas. Os especialistas relatam que, de uma formageral, o inevitável enfraquecimento <strong>do</strong> corpo com a velhice remetea uma perda progressiva de autonomia e que apenas entre as pessoasmuito velhas o envelhecimento psicológico causa mudançasde uma importância que pode ser percebida ou funcionalmentesignificativa.Essa relação entre velhice e declínio pode ser justificadapelo fato de que o corpo é uma realidade imediata a que os outrostêm acesso sem restrições. Ao contrário da interioridade, que só setorna acessível mediante a autorização <strong>do</strong> próprio sujeito.Ao constatar que o envelhecimento não é um processoexclusivo da biologia humana, torna-se fundamental partir <strong>do</strong>princípio de que ele não é algo estático, estável, equilibra<strong>do</strong> e eminentementegenético. Ele se apresenta, tanto em suas estruturas ouem suas funções como um processo individual e também coletivo,contínuo, cíclico, fundamentalmente pessoal, manifestan<strong>do</strong>-sedentro de contextos de inter-relações variadas, físicas, químicas ebiológicas, como também com outras que são de caráter psíquico ecultural (Neri, 1995). Portanto, não há um processo único de envelhecimento;ele necessita ser identifica<strong>do</strong> em suas particularidades,como um processo natural e não como uma <strong>do</strong>ença terminal.Estu<strong>do</strong>s na vertente da Psicologia <strong>do</strong> Envelhecimentoapresentam um conceito que supõe, além das condições biológicasdeterminantes <strong>do</strong> processo de envelhecimento, a realidade <strong>do</strong> ambientefísico e social, denomina<strong>do</strong> por Neri (1995) de “tempo intrínseco”.Dessa maneira, o envelhecimento pode ser encara<strong>do</strong>como um processo com determinantes não apenas biológicas, massobretu<strong>do</strong> uma composição múltipla de elementos socioculturaisque, muitas vezes, independem da idade cronológica.Para Beauvoir (1990), a velhice remete à ideia de mudançasdissociadas <strong>do</strong> rumo da morte lenta, mas essas se aproximam<strong>do</strong> essencial da verdade da vida. Para a autora, existe uma interde-


Suzana Hübner Wolff 17pendência entre o físico e o moral, que, em regra, não seguem umaevolução rigorosamente paralela. Em termos morais, um indivíduopode ter sofri<strong>do</strong> perdas consideráveis antes que se esboce suadegradação física; por outro la<strong>do</strong>, ele também pode, ao longo dessadecadência física, realizar ganhos intelectuais importantes. Dependen<strong>do</strong><strong>do</strong>s aspectos que são mais valoriza<strong>do</strong>s, os indivíduosou as sociedades estabelecem uma hierarquia das idades. Esseexemplo de Beauvoir reforça a definição de que a velhice, para sercompreendida em sua totalidade, precisa ser refletida em várias eprofundas dimensões.Para Both (2003), mais <strong>do</strong> que em outras fases da vida, namaturidade é que a dimensão existencial se destaca pela necessidadeem encontrar os significa<strong>do</strong>s e senti<strong>do</strong>s das coisas. É evidenteque a construção de uma identidade, como processo dinâmico,perpassa toda a vida, como resulta<strong>do</strong> das condições apreendidasem diálogo permanente com as funções biopsicossociais. Assim,as limitações físicas provenientes <strong>do</strong> processo de envelhecimentopodem ser compensadas pelo desempenho psicológico e destepelo social e o social pelo físico, modifican<strong>do</strong> a relação <strong>do</strong> indivíduocom o tempo e, por conseguinte, sua relação com o mun<strong>do</strong> ecom sua própria história. Porém é evidente que esse processo nãoé tão simples assim, especialmente para os mais velhos, que buscama concretização de uma identidade referendada na cidadaniae na ética social. Sensações experimentadas na juventude, associadasà beleza física, independência e força, vão se perden<strong>do</strong> e nãose sustentam mais. A lógica social da produção, reprodução, acúmulode riquezas e <strong>do</strong> consumo descartam aqueles que são maisvelhos, assim como as privações sociais (atuais e passadas) e umbaixo nível de desenvolvimento cognitivo e afetivo podem dificultara percepção pessoal, interferin<strong>do</strong> no mo<strong>do</strong> de constituir a identidade.Esse contexto remete ao sujeito que envelhece desafiar acomplexidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> atual, que lhe proporcionou maior longevidadee pouca qualidade de vida (Py, 2004).Outra significativa dimensão <strong>do</strong> processo de envelhecimentohumano, referendada por autores atuais, é a dimensão espiritual.Teóricos como Junges (2003), Guela (2002) e Py (1999) defendemque, na velhice, homens e mulheres deparam-se mais intensamen-


18 Envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> e políticas públicaste com a espiritualidade <strong>do</strong> ser humano, pois se, ao longo de toda avida, a espiritualidade é uma necessidade para qualquer ser humano,para o i<strong>do</strong>so ela se torna essencial. Para Guela (2002), elapossui a capacidade de tirar o i<strong>do</strong>so da solidão e torná-lo mais feliz,já que a felicidade depende mais de atitudes subjetivas <strong>do</strong> quede fatores objetivos. Tanto as experiências negativas como as positivasencontram, na espiritualidade, um catalisa<strong>do</strong>r para se transformarem dinâmicas de realização. Assim sen<strong>do</strong>, é preciso que elaseja cultivada, assim como as demais qualidades e <strong>do</strong>ns. Mesmose, na juventude, ela foi negligenciada ou soterrada pelos preconceitossociais, nunca é tarde para um cultivo suficiente que permitaà pessoa uma vida com qualidade humana, to<strong>do</strong>s os dias.Uma das manifestações da espiritualidade se dá por meioda religiosidade. Segun<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> Os i<strong>do</strong>sos <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul(1997), o percentual de i<strong>do</strong>sos pesquisa<strong>do</strong>s que declararam professaruma religião foi de 98,12%, enquanto apenas 1,48% afirmounão ter nenhuma religião. É expressiva também a afirmação de38,92% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s que confirmaram ter se torna<strong>do</strong> mais religiososcom o passar <strong>do</strong>s anos.As referidas reflexões sobre espiritualidade apontam desafiosque perpassam to<strong>do</strong> o desenvolvimento da vida humana.I<strong>do</strong>sos com vivência espiritual conseguem elaborar mais facilmenteas perdas e os ganhos da idade, proporcionan<strong>do</strong> uma existênciatranquila, voltada para seu bem-estar, e ao mesmo tempo tornan<strong>do</strong>-osdisponíveis para lutar pelo bem de seus semelhantes (Guela,2002). Para<strong>do</strong>xalmente, diante <strong>do</strong> progresso das ciências ligadas aocampo da Geriatria e Gerontologia, essa ainda é uma das áreasmais esquecidas pelos pensa<strong>do</strong>res, embora apresente as expressõesmais profundas <strong>do</strong> envelhecimento.No processo de envelhecimento, assim como as dimensõesbiológica, psicológica e espiritual, também a dimensão socialse modifica, já que ela é um fator de permanente ressignificação <strong>do</strong>sujeito consigo e com o seu ambiente. O comportamento <strong>do</strong>s sujeitosfrente às relações sociais é resultante das percepções estruturadasno decorrer da vida por uma intrincada rede de interações,não desvinculadas <strong>do</strong> ambiente, na busca da satisfação das necessidadeshumanas.


Suzana Hübner Wolff 19Com o envelhecimento ocorre a menor interação de contatossociais; entretanto, essa não deve ser confundida com ainexistência de relações. Este fenômeno pode ser explica<strong>do</strong> identifican<strong>do</strong>que a vida é marcada por situações de perda, que, por suavez, acentuam-se na fase adulta: perda da juventude, aposenta<strong>do</strong>ria,afastamento <strong>do</strong>s filhos, perda de amigos, <strong>do</strong> companheiro, todaselas agravadas pelo rechaço da sociedade em que vivem, quevaloriza o novo, o consumo e a produção econômica. Os sujeitos ficam,muitas vezes, sem encontrar papéis que os gratificam, quelhes possibilitem pertencimento social, como havia, por exemplo,no perío<strong>do</strong> em que trabalhavam.Outra percepção natural da vida humana, também evidenciadadurante o processo de envelhecimento, é quan<strong>do</strong> a pessoase dá conta de sua vulnerabilidade, tanto física como biológica.Segun<strong>do</strong> Jungues (2004), o processo de envelhecimento é inexorável,e viver humanamente é viver em vulnerabilidade. Mesmocom o avanço das ciências da saúde diminuin<strong>do</strong> seus efeitos somáticos,ela se manifesta na face psíquica, social e espiritual, exigin<strong>do</strong>um novo equilíbrio vital e psicológico, condizente com umanova situação existencial. Nesse senti<strong>do</strong>, a sociedade atual nãotem contribuí<strong>do</strong> para isso, visto que se sustenta na onipotência daforça, representada pela juventude, ten<strong>do</strong> no velho a representaçãoda vulnerabilidade e da fragilidade que pretende ser superada.Stano (2001), por sua vez, traz a possibilidade de rupturas,ponderan<strong>do</strong> que o sujeito com a velhice pode avançar e estabeleceroutras redes de identidade e outras possibilidades de ser nomun<strong>do</strong>, contradizen<strong>do</strong> o instituí<strong>do</strong> e instituin<strong>do</strong> o novo. Pode surgirum perío<strong>do</strong> de retomada de relacionamentos, um resgate afetivofamiliar, com novas metas, novos projetos de vida e novossenti<strong>do</strong>s de viver. Pode realizar-se com novos grupos sociais, vistoque o ser humano não se basta a si mesmo; por ser inter-relacional,necessita <strong>do</strong>s outros e da realidade que o circunda, para ressignificara si e aos outros, diminuin<strong>do</strong> o vazio de senti<strong>do</strong> que pre<strong>do</strong>minana mentalidade atual.


20 Envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> e políticas públicasUMA SOCIEDADE QUE BUSCA ENVELHECER BEMA discussão sobre o envelhecimento com qualidade devida tem ocupa<strong>do</strong> espaços significativos em publicações recentes,já que, de um mo<strong>do</strong> geral, é visível a transformação qualitativa noprocesso de envelhecimento em determina<strong>do</strong>s grupos de i<strong>do</strong>sos. Eisso ainda se fortalece se for considerada a aproximação entre essetema e as questões que envolvem a área <strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer.Sem dúvida, esse novo fenômeno é atraente e reflete-seem um novo otimismo no campo da Gerontologia, que avança deum discurso tradicional brasileiro que apresentava a imagem <strong>do</strong>smais velhos como vítimas de sofrimento, isolamento, crises depós-aposenta<strong>do</strong>ria, perda de status, alcoolismo, entre outras característicasnegativas. É sabi<strong>do</strong> que essa perspectiva gerou por muitotempo políticas voltadas para os i<strong>do</strong>sos como seres aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>spela família e de responsabilidade exclusiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Isso, poroutro la<strong>do</strong>, é contrasta<strong>do</strong> pelas imagens da mídia, que atualmentemostram os i<strong>do</strong>sos como fonte de recursos, fonte de saúde, alémde uma imagem de velhice muitíssimo gratificante. Nesse senti<strong>do</strong>Debert (1999, p. 229) alerta que a “perspectiva da miséria” foi significativana estruturação <strong>do</strong>s programas destina<strong>do</strong>s às pessoas i<strong>do</strong>sase na construção de estereótipos sobre a velhice, associa<strong>do</strong>s a<strong>do</strong>ença, dependência e passividade. Destaca ainda a autora: “Aolouvar as pessoas saudáveis e bem-sucedidas que aderiram aos estilosde vida e à parafernália de técnicas de manutenção corporalveiculadas pela mídia, assistimos à emergência de novos estereótipos”(Debert, 1999, p. 229). Observa-se, portanto, com muitapreocupação, a entrada em ação, de forma hegemônica, de novastecnologias de saber e poder de alguns grupos, em que as pessoassão novamente classificadas, divididas, <strong>do</strong>minadas e o direito deescolha não tem espaço, só obrigações. To<strong>do</strong>s, por exemplo, devemdançar, fazer ginástica, cantar, passear e ser felizes.Simone de Beauvoir, em um de seus raros enfoques sobreos aspectos positivos <strong>do</strong> envelhecimento, contribui com o seguintecomentário, que soa quase como uma utopia:


Suzana Hübner Wolff 21Na sociedade ideal que acabo de evocar, pode-se imaginarque a velhice por assim dizer não existiria... A última idadeseria realmente conforme a definição que dela dão certosideólogos burgueses: um momento da existência diferenteda juventude e da maturidade, mas possuin<strong>do</strong> seu próprioequilíbrio e deixan<strong>do</strong> aberto ao indivíduo um grande lequede possibilidades (Beauvoir, 1990, p. 664).Não são apenas o mun<strong>do</strong> acadêmico ou a mídia, porém,que vêm trazen<strong>do</strong> ao debate questões que envolvem o bem-envelhecer.Na Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, realizadaem abril de 2002 na cidade de Madri, Espanha, representantes oficiaisde 160 países e 700 representantes de organizações não governamentais(ONGs) aprovaram <strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos importantesque podem servir de guia estratégico para orientar a escolha demedidas normativas e a implantação de políticas públicas relacionadascom o envelhecimento no século XXI. Trata-se <strong>do</strong> “Plano deAção Internacional para o Envelhecimento” e uma “DeclaraçãoPolítica”, que contêm os compromissos assumi<strong>do</strong>s pelos governospara executar esse plano nos próximos 25 anos. O Plano de Açãoaponta para três prioridades extremamente pertinentes às questõesque envolvem o envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong>. Pessini (2002)resume o <strong>do</strong>cumento, destacan<strong>do</strong>:a) os i<strong>do</strong>sos e o processo de envelhecimento: necessidade de associedades ajustarem suas políticas e instituições para que a populaçãoi<strong>do</strong>sa se torne uma força produtiva, em benefício da sociedade;b) a promoção da saúde e <strong>do</strong> bem-estar para to<strong>do</strong> o ciclo da vida:necessidade de implantar políticas que garantam a saúde, duranteto<strong>do</strong> o desenvolvimento das etapas da vida, para alcançar uma velhicecom bom esta<strong>do</strong> de saúde;c) a criação de contextos propícios e favoráveis que fomentempolíticas orientadas para a família e a comunidade como base parao envelhecimento seguro: necessidade de aprimorar as condiçõesde moradia, promover uma visão positiva de envelhecimento enecessidade de conscientização pública de que os i<strong>do</strong>sos têm importantescontribuições para dar à sociedade.


22 Envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> e políticas públicasNo Brasil, o direito a um envelhecimento com qualidadepode ser identifica<strong>do</strong> na Lei nº 10741/2003, o Estatuto <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so, queapresenta: “É obrigação da família, da comunidade, da sociedadee <strong>do</strong> Poder Público assegurar ao i<strong>do</strong>so, com absoluta prioridade, aefetivação <strong>do</strong> direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, àcultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade,à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”(Título I, Artigo 3).ENVELHECER BEM É POSSÍVEL?Embora ainda não exista um consenso sobre a definiçãode envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong>, alguns indica<strong>do</strong>res remetem acomposições que podem auxiliar na sua compreensão. Goldstein(1995) afirma que existe um consenso <strong>do</strong>s autores em torno <strong>do</strong> fatode que o envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> pode ser medi<strong>do</strong> por umnível relativamente alto de saúde física, funcionamento social ebem-estar psicológico. Relaciona-se a eles a capacidade de adaptaçãoàs mudanças ocorridas na pessoa e no mun<strong>do</strong> que a cerca.Consenso também existe na ideia de Neri (1995), que o identificacomo a capacidade de “plasticidade comportamental”, que envolvevalores e aspectos objetivos e subjetivos. Defende a autora que,para envelhecer com sucesso, muitos fatores deverão interagirentre si, pois, para a autora, o envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> depende<strong>do</strong> equilíbrio entre os limites e potenciais individuais, paralidar com as perdas inevitáveis desse processo, entendidas aquicomo de aspectos psicológicos, biológicos, sociais, econômicos efamiliares. Freire (2000, p. 24) afirma que, para um envelhecimentobem-sucedi<strong>do</strong>, é necessário possuir uma “competência adaptativa”<strong>do</strong> indivíduo i<strong>do</strong>so, que vem a ser “a capacidade generalizadapara responder com flexibilidade aos desafios resultantes <strong>do</strong> corpo,da mente e <strong>do</strong> ambiente”.Neri (1994), ao analisar o envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong>frente às transformações comportamentais que se organizam demo<strong>do</strong> singular, define a velhice bem-sucedida como:


Suzana Hübner Wolff 23uma condição individual e grupal de bem-estar físico e social,referenda<strong>do</strong>s aos ideais da sociedade, às condições e aosvalores existentes no ambiente em que o indivíduo envelhece,e às circunstâncias de sua história pessoal e de seu grupoetário. Finalmente, uma velhice bem-sucedida preserva o potencialindividual para o desenvolvimento, respeita<strong>do</strong>s os limitesda plasticidade de cada um (Neri, 1994, p. 34).Os pesquisa<strong>do</strong>r Moriguchi (2006) reforça o conceito deNeri quan<strong>do</strong> apresenta os principais indica<strong>do</strong>res de envelhecimentobem-sucedi<strong>do</strong>, que são:– longevidade,– boa saúde física e mental,– boa saúde física percebida,– satisfação,– controle cognitivo,– competência social,– produtividade,– eficácia cognitiva,– status social,– continuidade de papéis familiares e ocupacionais,– continuidade das redes de relações informais.Rubem Alves (2002), ao refletir sobre o processo de envelhecimento,afirma que as pessoas relacionam o bem-envelhecercom a satisfação de várias necessidades, muitas vezes sem senti<strong>do</strong>.Segun<strong>do</strong> o escritor, isso dificulta em grande parte uma velhicemais tranquila, defenden<strong>do</strong> que é na simplicidade das coisas queestá o caminho. Na mesma ideia, Grams (2000, p. 74) pondera quea velhice bem-sucedida “depende da rede de relações sociais quepermite apoio e confidência, são laços íntimos e de afeto mais <strong>do</strong>que rede de relações, constituin<strong>do</strong>-se segurança <strong>do</strong> ambiente acolhe<strong>do</strong>re na autonomia permitida pelo ambiente estimula<strong>do</strong>r”.Por outro la<strong>do</strong>, não bastam o <strong>do</strong>mínio e a compreensão determos e indicativos de um envelhecer bem-sucedi<strong>do</strong>, sem o entendimentode como as pessoas reagem frente aos desafios de seupróprio envelhecimento, viven<strong>do</strong> em um determina<strong>do</strong> contexto eressignifican<strong>do</strong> a sua dimensão humana. Nesse senti<strong>do</strong>, reforça-sea importância de que as pessoas aprendam a conviver e refletir


24 Envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> e políticas públicaspermanentemente sobre a trajetória humana da vida <strong>do</strong> nascer aomorrer, incluin<strong>do</strong> aí a não contornável, mas também potencialmenteagradável, fase <strong>do</strong> envelhecimento.ENVELHECIMENTO BEM-SUCEDIDO E POLÍTICAS PÚBLICASÉ diante desta sociedade, que, por um la<strong>do</strong>, oportunizauma maior longevidade humana e, por outro, negligencia os maisvelhos, que estão os principais desafios para as políticas públicas.Consideran<strong>do</strong> o aspecto demográfico, sabe-se que o grupo de pessoasmais velhas é o que mais cresce na população brasileira e queas proporções estabelecidas para o Brasil são de que passarão de8% de i<strong>do</strong>sos, em 2000, para cerca de 15%, em 2025. Tal aumento colocaráo país como a sexta população de i<strong>do</strong>sos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, corresponden<strong>do</strong>a cerca de 32 milhões de pessoas com mais de 60 anosde idade (IBGE, 2000). É importante destacar que esse envelhecimentoda população se deu de forma abrupta, principalmente nasegunda metade <strong>do</strong> século XX, haven<strong>do</strong>, por parte da sociedade,pouco conhecimento sobre a percepção desse processo. Segun<strong>do</strong>Grams (2000), o Brasil preparou-se para ser um país de jovens, masas projeções demográficas não se confirmaram, o que comprometeua construção de políticas e programas eficazes na área <strong>do</strong> envelhecimento.Portanto, é na velhice feliz e bem-sucedida que moram osnovos desafios das políticas, pois as <strong>do</strong>enças não são mais os principaisobstáculos a vencer, já que os avanços da medicina estãocontribuin<strong>do</strong>, cada vez mais, para a qualidade e manutenção daestrutura física e emocional <strong>do</strong>s sujeitos. Os olhares atuais devemobservar também questões qualitativas, de formação de novasoportunidades e de políticas que promovam e proporcionem o envelhecercom qualidade.Buscan<strong>do</strong> contribuir objetivamente para as questões queenvolvem o envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> e as políticas públicas,alguns indicativos estão sen<strong>do</strong> sinaliza<strong>do</strong>s abaixo, não como regrasou verdades, mas como contribuições gerais. Sen<strong>do</strong> assim, sugere-se:


Suzana Hübner Wolff 25• que as conquistas legais e as experiências e ações desenvolvidasaté o momento possam servir de suporte para o desenvolvimentode novas conquistas em um processo contínuo de ação/reflexão/ação;• que as experiências locais e regionais sejam socializadas e ressignificadas,favorecen<strong>do</strong> novas oportunidades a outros contextos;• que em todas as trajetórias sejam leva<strong>do</strong>s em consideração osprincípios da “continuidade vital”, “particularidade” e “participação”das pessoas i<strong>do</strong>sas. Isso os estimulará a exercer sua autonomia,promoven<strong>do</strong> a construção de projetos individuais e coletivosque vão ao encontro de seus interesses. Nesse caso, os Conselhosde Direitos poderão apresentar-se como facilita<strong>do</strong>res;• que a participação de especialistas da área da Gerontologia sejaoportunizada, garantin<strong>do</strong> a referência científica e/ou técnica queas propostas possam vir a apresentar;• que a educação, o esporte e o lazer sejam oportuniza<strong>do</strong>s portoda a vida, tanto em espaços formais como não formais, com condiçõesde escolhas e de oportunidades, incluin<strong>do</strong> aí a qualificação<strong>do</strong>s programas existentes.FINALIZANDOBuscar um envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> no contextoatual, que revela diferentes velhices em uma sociedade em permanentetransformação, gera uma insegurança no enfrentamentodesses novos desafios. Com isso torna-se essencial ir além <strong>do</strong>s <strong>do</strong>míniosoperacionais, jurídicos e administrativos que as políticas eos programas exigem. É preciso <strong>do</strong>minar conceitos, conhecer avida humana, incluin<strong>do</strong> aí a velhice, suas dimensões e manifestaçõessociais.Nesse senti<strong>do</strong>, a participação <strong>do</strong>s mais velhos pode serfundamental na defesa e construção de seus direitos e na elaboraçãode novas políticas. Com a sabe<strong>do</strong>ria e experiência de vida,esses velhos possuem competências e habilidades sustentadas narealidade e em valores essencialmente humanos. Podem contri-


26 Envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong> e políticas públicasbuir na organização de programas, ocupar espaços de liderança,obter representatividade e muito mais. Já passou o momento datutela, da passividade, da vitimização, da obediência e <strong>do</strong> silêncio.São eles que, ao conhecer seus direitos, tornam-se mais fortaleci<strong>do</strong>spara contribuir na construção de novos projetos sociais, garantin<strong>do</strong>a continuidade das ações e ressignifican<strong>do</strong> o processo deenvelhecer.------------------------------QUESTÕES PARA REFLEXÃO1. Reflita sobre o processo de envelhecimento, suas diferentes dimensõesbiopsicossociais e o contexto em que vive.2. Construa indicativos para a promoção de um envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong>no Programa Pelc/Vida Saudável de sua comunidade.3. Reflita sobre a possibilidade de os i<strong>do</strong>sos de sua comunidade promoveremespaços de discussão sobre a construção de políticas públicas de esporte elazer.------------------------------REFERÊNCIASALVES, Rubem. “Entrevista.” In: SESC. A terceira Idade. Ano XIII, n. 24. SãoPaulo, mai 2002. p. 89-106.BALTES, P.; SMITH, J. “Psicologia da sabe<strong>do</strong>ria: origem e desenvolvimento.A dinâmica da dependência: autonomia no curso da vida.” In: NERI, A. L.Psicologia <strong>do</strong> envelhecimento. São Paulo: Papirus, 1995, p. 41-72.BARROS, Myriam Moraes Lins de (Org.). Velhice ou terceira idade? Estu<strong>do</strong>s antropológicossobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: FundaçãoGetúlio Vargas, 1998.BEAUVOIR, Simone. A velhice. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.BOTH, Agostinho; BARBOSA, Márcia Helena; BENINCÁ, Ciomara Ribeiro(Orgs.). Envelhecimento humano: múltiplos olhares. Passo Fun<strong>do</strong>: UPF, 2003.BRASIL. Lei N° 10741/2003, Estatuto <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so. Brasília, 1° de outubro de2003.


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ENVELHECER COM ESPORTE E LAZER:DIREITOS DE UMA SOCIEDADE PARA TODASAS IDADESEdnal<strong>do</strong> Pereira Filho 1Este ensaio visa tecer alguns apontamentos sobre as gerações <strong>do</strong>s direitos humanos,contextualizan<strong>do</strong>, em especial, os artefatos culturais <strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer e o processo<strong>do</strong> envelhecimento humano como elementos históricos que se tornaram direitos sociaisapesar da difícil tarefa de serem reconheci<strong>do</strong>s. Mescla trechos musicais, conceitos fundamentaise da<strong>do</strong>s empíricos <strong>do</strong> cotidiano para ilustrar que envelhecer com direito aoesporte e ao lazer numa sociedade para todas as idades depende da nossa capacidade decriarmos conscientemente novas necessidades e de que constituamos novas questõessociais.Decálogo <strong>do</strong>s direitos de cidadania:1. Um parto com assistência profissional2. Um espaço vital seguro e garanti<strong>do</strong>3. Uma dieta adequada4. Assistência médica acessível5. Uma educação prática de boa qualidade6. Participação política7. Uma vida economicamente produtiva8. Proteção contra o desemprego9. Uma velhice digna10. Um funeral decenteFriedmann (1996), grifo meu.1 Mestre em Educação e <strong>do</strong>utoran<strong>do</strong> em Ciências Sociais. Professor e coordena<strong>do</strong>r<strong>do</strong> Curso de Educação Física da UNISINOS. Pesquisa<strong>do</strong>r associa<strong>do</strong> <strong>do</strong> NUPE daCidade e da Rede CEDES.31


32 Envelhecer com esporte e lazer: direitos de uma sociedade...A moda começou com Moisés quan<strong>do</strong> desceu o MonteSinai portan<strong>do</strong> nas mãos duas tábuas de pedra e anunciou aosisraelitas os dez mandamentos de Deus. A partir daí, ficaram osdecálogos muito associa<strong>do</strong>s a este feito bíblico, mesmo ten<strong>do</strong> assumi<strong>do</strong>em outras circunstâncias conotações não religiosas. Nesteensaio preten<strong>do</strong> tecer alguns apontamentos sobre as gerações <strong>do</strong>sdireitos humanos, contextualizan<strong>do</strong>, em especial, os artefatos culturais<strong>do</strong> esporte e <strong>do</strong> lazer e o processo <strong>do</strong> envelhecimento humanocomo elementos históricos que se tornaram direitos sociaisapesar da difícil tarefa de serem reconheci<strong>do</strong>s.O título deste trabalho ao mesmo tempo resgata o temacentral (uma sociedade para todas as idades) <strong>do</strong> Ano Internacional<strong>do</strong> I<strong>do</strong>so 2 , instituí<strong>do</strong> pela ONU, em 1999, e remete a algumas reflexões:é possível acreditarmos numa sociedade para todas as idades?O que é necessário para que isso aconteça? Ou melhor, porque isso não acontece?Nos <strong>do</strong>is últimos séculos, temos aprendi<strong>do</strong> a racionalizarsobremaneira as coisas <strong>do</strong>s nossos arre<strong>do</strong>res com uma lógicaprodutiva e utilitária (pensamento que hipervaloriza o trabalhosubmeti<strong>do</strong> às leis <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>), onde o que pesa mais e tem valorpertence ao mun<strong>do</strong> das coisas sérias <strong>do</strong>s adultos que produzemeconomicamente. Desta forma, tu<strong>do</strong> e to<strong>do</strong>s que estão à margemdeste reduto são excluí<strong>do</strong>s ou tendem a ser incluí<strong>do</strong>s – desde quetraduzam estas marcas.Não fica difícil entender por que as crianças, os jovens e osvelhos precisam de um Estatuto que lhes (re)assegurem os direitosde to<strong>do</strong>s os seres humanos, como se não os fossem. Mesmo osadultos não estão totalmente seguros, pois se não produzirem economicamente– aliás, este cobertor está cada vez mais curto, emtempos de elevada taxa de desemprego mundial – ficam à mercê daexclusão social. Os direitos humanos servem para lembrarmosque o teci<strong>do</strong> da humanidade é frágil quan<strong>do</strong> esgarça<strong>do</strong>, mas se tornaresistente e forte quan<strong>do</strong> se reconhece nas diferenças o seuto<strong>do</strong>. Lembremos da música de Chico Buarque:2 Ver site http://www.un.org/esa/socdev/ageing/iyop.html.


Ednal<strong>do</strong> Pereira Filho 33To<strong>do</strong>s juntos somos fortesSomos flecha e somos arcoTo<strong>do</strong>s nós no mesmo barcoNão há nada pra temerAo meu la<strong>do</strong> há um amigoQue é preciso protegerTo<strong>do</strong>s juntos somos fortesNão há nada pra temerE no mun<strong>do</strong> dizem que são tantosSaltimbancos como somos nósOs Saltimbancos (1977)Acredito que uma sociedade para todas as idades se fazreconhecen<strong>do</strong> direitos e forjan<strong>do</strong>, historicamente, outros direitos.Mas para isso é preciso de luta, pois nenhum direito foi concedi<strong>do</strong>sem conflitos de concepções e/ou interesses, e, sen<strong>do</strong> assim, sepreconiza que as pessoas são movidas por necessidades de algoque lhes falta. Segun<strong>do</strong> Heller e Fehér (1998), necessidades são sentimentosconscientes de carecimentos socialmente relativos, osquais expressam desejos que se diferenciam de grupo para grupo.E que também podem ser uma motivação em busca <strong>do</strong> preenchimentoda falta de alguma coisa ou da eliminação dessa falta ou, atémesmo, <strong>do</strong> surgimento de novas necessidades. Considero que estaseja uma possível justificativa para entendermos que uma sociedadepara todas as idades depende da nossa capacidade de criarmosconscientemente novas necessidades e de que constituamos novasquestões sociais 3 .No caso <strong>do</strong> processo de envelhecimento, exige que reinventemosnossas racionalidades, valores e atitudes, desde a tenraidade, pois o velho e o novo, assim como o belo e o feio, o beme o mal, o trabalho e o lazer e outras tantas oposições (sic!), nãoprecisam continuar perpetuadas nas nossas mentes como coisasconflituosas e excludentes entre si. Aliás, é mais uma herança da3 Retomo mais adiante no texto esta abordagem.


34 Envelhecer com esporte e lazer: direitos de uma sociedade...racionalidade moderna que bebe em Descartes 4 as inspiraçõespara pensar as coisas de maneira empírico-analítica, onde o resulta<strong>do</strong>final redunda na linearidade <strong>do</strong> falso ou verdadeiro. Rompero dualismo cartesiano é preciso para melhor entender e reconheceros direitos e as belezas das diferentes idades.Quan<strong>do</strong> começamos a envelhecer? O processo <strong>do</strong> envelhecimentocomeça desde quan<strong>do</strong> somos concebi<strong>do</strong>s em vida.Aliás, vida e morte são irmãs gêmeas, to<strong>do</strong> momento nascem emorrem células em nosso corpo, e com isso não seria exagero dizerque estamos, constantemente, nascen<strong>do</strong> e morren<strong>do</strong>, portanto envelhecemoscotidianamente. Tecnicamente, a nossa curva de crescimentoé simultânea à nossa curva de envelhecimento, o que fazcom que levemos mais em conta nosso envelhecimento quan<strong>do</strong>cessa o nosso crescimento. Segun<strong>do</strong> Haywood e Getchell (2004),isso acontece por volta <strong>do</strong> final “...da segunda década de vida ouno início da terceira...”(p. 67), isto é, entre os 20 e 30 anos de idade.O bebê, desde o nascimento, envelhece, portanto uma sociedadede todas as idades reconhece que to<strong>do</strong>s nós temos o nosso toquede velhice, aliás, o nosso processo de envelhecimento deveria servaloriza<strong>do</strong> como marcas de nossas histórias de vida. Negar estestraços é perder o rastro de nossas memórias, nossa história e nossasidentidades.De maneira análoga, passo a discorrer sobre as gerações<strong>do</strong>s direitos humanos a fim de melhor entendermos como se enquadramo esporte, o lazer e a velhice enquanto direitos que foramincorpora<strong>do</strong>s no patrimônio histórico da humanidade.1ª Geração – os direitos individuais e civis – são eles: osdireitos de ir e vir, o de propriedade, de segurança, de justiça, deopinião, de crença religiosa e de integridade física. Esta geração dedireitos remonta aos i<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVIII, onde a opressão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>absolutista e as perseguições religiosas marcavam acintosamenteas arbitrariedades de determina<strong>do</strong>s segmentos sociais – a4 René Descartes (1596-1650), filósofo, físico e matemático francês considera<strong>do</strong> ofunda<strong>do</strong>r tanto da Filosofia Moderna quanto da Matemática Moderna. Desenvolveuo méto<strong>do</strong> cartesiano e tem entre tantas obras o seu clássico: Discurso sobre oMéto<strong>do</strong> (1636).


Ednal<strong>do</strong> Pereira Filho 35nobreza e a igreja – sobre os demais, configuran<strong>do</strong> com que asinjustiças beirassem o absur<strong>do</strong>. Em oposição a tu<strong>do</strong> isso e sob aégide <strong>do</strong>s princípios liberais da Revolução Francesa e das novasrelações econômicas – o capitalismo – forjadas, sobretu<strong>do</strong>, pela RevoluçãoIndustrial, na Inglaterra, são instituí<strong>do</strong>s estes primeirosdireitos humanos.2ª Geração – os direitos sociais – são eles: de salário, dejornada de trabalho, seguridade e previdência sociais, férias e tambémeducação, saúde, moradia e outros. A geração destes direitosé decorrente <strong>do</strong> conflito estabeleci<strong>do</strong> entre os liberais e os socialistas,principalmente, no campo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho, nos i<strong>do</strong>s dasegunda metade <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> século XX, onde as desumanasjornadas de atividades laborais, sem quaisquer condiçõesdignas, sobrepujavam trabalha<strong>do</strong>res, crianças e mulheres.3ª Geração – os direitos coletivos da humanidade – sãoeles: em defesa <strong>do</strong> meio ambiente, da paz, <strong>do</strong> desenvolvimentosustentável e também da família, da etnia, <strong>do</strong> gênero, <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so, dacriança, <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r e outros. A geração destes direitos é motivadaapós o risco de extermínio da humanidade no planeta Terra,quan<strong>do</strong>, lançan<strong>do</strong> mão de aparatos nucleares, passou a existir apossibilidade real de nos autodestruirmos. Os grandes batalha<strong>do</strong>rese precursores destes direitos foram as feministas e ambientalistas,principalmente, fazen<strong>do</strong> com que esta geração de direitos sejatambém conhecida de solidariedade planetária e traz como grandemote a preocupação por nossas gerações futuras.Para Bobbio (1992), já existe em voga uma 4ª Geração –os direitos da vida –, são eles: por preservação <strong>do</strong> patrimônio genético,regulação da transgenia, livre acesso à informação, não privatizaçãode plantas e organismos vivos e outros. Esta geração dedireitos decorre das novas descobertas das ciências, principalmenteoriundas das nanotecnologias, informática e genética.Como vimos acima, os direitos ao esporte, ao lazer e à velhicepertencem à 2ª geração de direitos e são considera<strong>do</strong>s direitossociais. Curiosamente, o direito ao lazer está completan<strong>do</strong>,neste ano, sessenta anos de idade – diria brincan<strong>do</strong>: é um direitoi<strong>do</strong>so. A Declaração <strong>do</strong>s Direitos Humanos, promulgada em 10 de


36 Envelhecer com esporte e lazer: direitos de uma sociedade...dezembro de 1948 pela ONU – Organização das Nações Unidas,apresenta o seguinte:Art. 24 – To<strong>do</strong> homem tem direito a repouso e lazer, inclusiveà limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradasperiódicas. (grifo meu)E aqui no Brasil faz parte <strong>do</strong> elenco <strong>do</strong>s direitos sociaispromulga<strong>do</strong>s na jovem Constituição Federal de 1989, apesar deser o único entre estes que até hoje não mereceu qualquer regulamentaçãocomplementar para a sua efetivação enquanto políticapública.Artº. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho,o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidadee à infância, a assistência aos desampara<strong>do</strong>s, na formadesta Constituição. Brasil (1989). (grifo meu)Quan<strong>do</strong> saliento a falta de regulamentação é porque, diferenteda educação, da saúde, da assistência e outros direitos previstosno artigo constitucional acima, o lazer é o único que, alémde não ter uma estrutura administrativa consolidada (não se encontraem qualquer Ministério ou Secretaria especial de Governo),também não tem qualquer normatização ou diretrizes orienta<strong>do</strong>rasde elaborações de políticas setoriais específicas. É muito comumatribuir ao lazer o seu caráter intersetorial, pois se consideraque ele deva estar integra<strong>do</strong> às políticas de educação, saúde, trabalho,juventude, i<strong>do</strong>sos e outras. Entretanto, isso tem se mostra<strong>do</strong>muito relativo e dificulta<strong>do</strong>, sobremaneira a tematização deste direitosocial e o seu devi<strong>do</strong> reconhecimento entre as pessoas no usufrutodireto da prática social.Segun<strong>do</strong> Honneth (2003), os sujeitos só alcançam a autorrelaçãono convívio social, portanto um reconhecimento recíproco, apartir <strong>do</strong> momento em que se concebem no plano normativo, integra<strong>do</strong>scom os demais entes sociais. Ora, isso mostra o quanto éimportante na constituição de identidades das pessoas termoscircunscritos legalmente nossos direitos historicamente conquista<strong>do</strong>se que estes sejam constantemente renova<strong>do</strong>s em seus senti<strong>do</strong>s/significa<strong>do</strong>s pelas relações entre as pessoas no tempo presente.


Ednal<strong>do</strong> Pereira Filho 37Este mesmo autor vai dizer que: “...só poderemos chegar a umacompreensão de nós mesmos como porta<strong>do</strong>res de direitos quan<strong>do</strong>possuímos, inversamente, um saber sobre quais obrigações temosde observar em face <strong>do</strong> respectivo Outro: ...um outro generaliza<strong>do</strong>”(p. 179).Esta perspectiva <strong>do</strong> Outro é importante para constituir acompreensão <strong>do</strong> reconhecimento jurídico que pressupõe um respeitomútuo entre as pessoas, por elas conceberem em comum asregras sociais expressas nos direitos e deveres que se legitimam edifundem em comunidade, não admitin<strong>do</strong> exceções e privilégiosdiferencia<strong>do</strong>s. Não obstante, Honneth (2003, p. 182) destaca que“...obedecen<strong>do</strong> à mesma lei, os sujeitos de direito se reconhecemreciprocamente como pessoas capazes de decidir com autonomiaindividual sobre as normas morais”.Em se tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong> direito de envelhecer com esporte e lazer,é fundamental que as pessoas desfrutem com outras – desdesempre e sem nenhum pu<strong>do</strong>r moral – das atividades artístico-culturaismais formais como os espetáculos esportivos, teatrais, cinematográficos,circenses, de danças, e das outras diferentes artes.Bem como, e principalmente, compartilhem de brincadeiras, de jogos,de exercícios ginásticos, de esportes, de simples conversaçõescom os amigos e de muitas e muitas festas, que celebrem datas, fatose acontecimentos, e criem mais motivos para outras tantas festase celebrações.Nunca é demais dizer que, mesmo sen<strong>do</strong> o esporte e o lazer,em nível de reconhecimento jurídico, direitos universais e,portanto, concernentes de maneira indistinta a todas as pessoas,no entanto em nível de respeito social, ou melhor, estima social, oesporte e o lazer passam a ser intersubjetivamente atribuí<strong>do</strong>s, commaior ou menor relevância social, para determinadas pessoas ougrupos sociais.Esta diferenciação entre reconhecimento jurídico e estimasocial abre um bom espaço para discussão da questão social, poisreside na estima social de determinadas comunidades e sociedadeso grau em que são conheci<strong>do</strong>s e concebi<strong>do</strong>s determina<strong>do</strong>s atributossociais como realmente relevantes. Em suma, o esporte e olazer são, verdadeiramente, reclama<strong>do</strong>s por quem e em quais cir-


38 Envelhecer com esporte e lazer: direitos de uma sociedade...cunstâncias? Pensar nisso é abordar o reconhecimento <strong>do</strong> esportee <strong>do</strong> lazer como uma questão social. Segun<strong>do</strong> Castell apud Wanderley(2004, p. 55), que diz:Questão social é uma aporia fundamental sobre a qual umasociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjuraro risco de sua fratura. Ela é um desafio que interroga, põeem questão a capacidade de uma sociedade (o que em termospolíticos se chama de uma nação) de existir como um conjuntoliga<strong>do</strong> por relações de interdependência.É, nesta perspectiva, de luta por reconhecimento <strong>do</strong> esportee <strong>do</strong> lazer, que considero importante resgatá-los, primeiramente,como direitos sociais de todas as idades. Pois assim estaremoscircunscreven<strong>do</strong> o território onde os sujeitos se reconhecem e serespeitam mutuamente, se apoderan<strong>do</strong> das condições normativasnão somente para usufruto desta posse, mas, principalmente, parao exercício da decisão racional e autônoma sobre as questões morais.Honneth (2003) nos chama atenção para o caráter público <strong>do</strong>sdireitos, pois autorizam seus porta<strong>do</strong>res a atuarem de maneiraaltiva junto aos seus interlocutores, lhes conferin<strong>do</strong> força e autorrespeitopara reclamar seus direitos e reformular suas condiçõesexistenciais.Chamo atenção mais uma vez para a importância de percebermosque o direito social <strong>do</strong> esporte, <strong>do</strong> lazer e <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so só édireito se for conjuga<strong>do</strong> em sociedade. E que para isso a esfera públicaé o espaço privilegia<strong>do</strong> para mensurarmos o grau de justiçaou não com que pautamos os nossos projetos de desenvolvimentohumano. A esfera pública, segun<strong>do</strong> Souza Neto (1997), é um espaçono conflito para o diálogo, a negociação e o entendimentoque qualificam as políticas públicas e sociais. Nesta concepção éimportante conceber os ingredientes da participação e da descentralização– esta numa perspectiva das demandas sociais – paraestabelecermos mudanças na forma de compreendermos a elaboraçãode políticas, em que para além <strong>do</strong>s favores se reconhecem oshistoricamente construí<strong>do</strong>s direitos de cidadania.É no cotidiano da esfera pública que as coisas aconteceme, neste senti<strong>do</strong>, Jovchelovitch (2000) destaca que o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> senso


Ednal<strong>do</strong> Pereira Filho 39comum sobre a vida pública é fundamental para entendermoscomo a cidadania é pensada, praticada e socializada. Portanto éum estu<strong>do</strong> que pode possibilitar o entendimento da forma comoos saberes tácitos <strong>do</strong> cotidiano dão senti<strong>do</strong> e configuram a tramasimbólica sobre os espaços públicos. Em suma, é perceber na vidacotidiana como a vida pública é apropriada por sujeitos sociais atransforman<strong>do</strong> em sua realidade. Lefebvre (1991) considera quenossas subjetividades são significativamente marcadas pelo tempoque habitamos, pois apesar de não ter estrutura definida elecarrega marcas e contornos históricos que influenciam sobremaneiranossas leituras e interpretações <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Estas leituras sãoplurais, assim como os senti<strong>do</strong>s/significa<strong>do</strong>s destas que coexistemna mesma unidade de tempo.Berger e Luckmann (1985) vão chamar atenção para a importânciada temporalidade como propriedade da consciência,pois esta é ordenada temporalmente, e na vida cotidiana o tempo,por ser contínuo e finito – é um episódio na corrente <strong>do</strong> tempo –, etambém por sua facticidade, passa a exercer função coercitiva,levan<strong>do</strong> o indivíduo a ter que, necessariamente, “fazer opções”diante das coisas. Isso faz com que nos deparemos com a questão<strong>do</strong> ter ou não tempo para fazer as coisas; neste tocante, corriqueiramente,o esporte e o lazer no atual tempo histórico da modernidadesão quase sempre preteri<strong>do</strong>s por outras coisas consideradasmais importantes. Não podemos desconsiderar alguns fatores dascondições objetivas que concorrem neste momento das tomadasde decisões.Condições objetivas que muitas vezes rotulamos como situaçõesfixas de exclusão social. A exclusão social precisa ser repensadacomo um fenômeno dinâmico e relacional. ConformeMartins (1997, p. 16), “...o rótulo acaba se sobrepon<strong>do</strong> ao movimentoque parece empurrar as pessoas, os pobres, os fracos, parafora da sociedade, para fora de suas melhores e mais justas e corretasrelações sociais, privan<strong>do</strong>-as <strong>do</strong>s direitos que dão senti<strong>do</strong> a essasrelações”. Complementa o autor: “nessa prática equivocada, aexclusão deixa de ser concebida como expressão de contradição nodesenvolvimento da sociedade capitalista para ser vista como um


40 Envelhecer com esporte e lazer: direitos de uma sociedade...esta<strong>do</strong>, uma coisa fixa, como se fosse uma fixação irremediável efatal” (p. 17).É muito interessante a assertiva que faz Martins (1997)quan<strong>do</strong> anuncia, grosso mo<strong>do</strong>, que não existe exclusão, e sim contradiçõese vítimas de processos sociais, políticos e econômicosexcludentes, e que o conflito estabeleci<strong>do</strong> na esfera pública é marca<strong>do</strong>por reações diversas <strong>do</strong>s sujeitos que expressam sua inconformidade,mal-estar, revolta, mas também esperança, força eoutras tantas capacidades reativas. Desta forma, o entendimentode que não existe exclusão é porque toda esta reação <strong>do</strong> sujeito nãose faz fora <strong>do</strong> sistema social, aliás, muito pelo contrário, é uma respostaa ele que produziu o problema social. Quan<strong>do</strong> admitimos aexclusão social, dificultamos o reconhecimento da composição deum espaço onde as pessoas como atores sociais – pois fora de cena,não mais atuam – possam formular questões sociais, conceber novosdireitos e reinventar outras cidadanias.Um excelente exemplo de espaço cria<strong>do</strong> para forjar questõessociais e para expressar publicamente sentimentos, ideias,propostas e aspirações ocorreu, em 2005, no Encontro Nacional deI<strong>do</strong>sos, onde por via de uma Carta <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos à nação brasileira ficouregistrada e publicizada uma avaliação sobre a aplicação efetiva<strong>do</strong> Estatuto <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so, e entre os diferentes títulos aborda<strong>do</strong>s, destaco:Dos direitos fundamentais – da Educação, cultura, esporte elazer (artigos 20 a 25), em que curiosamente é declara<strong>do</strong> que:...numa visão global, a situação <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos, no que serefere ao lazer, à cultura e ao esporte, é menos dramática <strong>do</strong> que emoutras áreas [...] nas grandes cidades, em geral, respeita-se odireito ao ingresso com desconto e já há um merca<strong>do</strong> de turismo,espetáculos e outras atividades posicionadas para osi<strong>do</strong>sos. Mas é preciso destacar que a maioria, viven<strong>do</strong> com osparcos recursos de suas aposenta<strong>do</strong>rias e pensões, não temacesso à maior parte dessas atividades. (grifo meu)O mais curioso é que nesta mesma carta são feitas emnome <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos brasileiros as seguintes considerações sobre osdireitos <strong>do</strong> transporte (artigos 39 a 42):


Ednal<strong>do</strong> Pereira Filho 41Apesar da gratuidade <strong>do</strong>s transportes coletivos urbanos para osi<strong>do</strong>sos ter si<strong>do</strong> instituída ainda na década de 1980, muito antes<strong>do</strong> Estatuto, esta é uma das áreas mais sensíveis no dia a dia <strong>do</strong>si<strong>do</strong>sos e ainda há muito a ser feito para garantir os direitos quelhes são assegura<strong>do</strong>s em lei. (grifo meu)Estas duas premissas associadas contêm uma contradiçãoem si, pois a dificuldade de transporte repercute diretamente nolazer, pois qualquer restrição de locomoção implica no não acessoaos locais específicos de espetáculos e atividades culturais e esportivas,bem como às casas de parentes e amigos.Aliás, isso está fartamente demonstra<strong>do</strong> na literatura específicae também aparece claramente em Brasil (2007) – na ColeçãoCadernos de Políticas Culturais –, onde o IPEA (Instituto dePesquisa e Economia Aplicada), em parceria com o Ministério daCultura, realizou um belo mapeamento e estu<strong>do</strong> sobre os equipamentos,práticas de consumo e atividades da esfera cultural noBrasil. Neste <strong>do</strong>cumento ficam expressas, entre tantas outras informações,que a atual dinâmica das cidades urbanas, onde os deslocamentossão desorganiza<strong>do</strong>s, confusos e caros, dificulta e atéimpede que os escassos e pouco acessíveis espaços públicos sejamutiliza<strong>do</strong>s para entretenimentos, lazer e práticas culturais, em geral.E como possível alternativa de solução é aventada a necessidadede formulação de políticas e ações intersetoriais sistemáticasque tanto levem em consideração as condições <strong>do</strong> consumo (transporte,segurança, localização <strong>do</strong>s equipamentos de cultura e lazer,bem como as logísticas específicas destes) quanto as condições <strong>do</strong>spúblicos-alvo no que diz respeito à educação, renda e acesso a outrosserviços.Ora, com isso quero finalizar dizen<strong>do</strong> da necessidade dequalificarmos nossas compreensões sobre os direitos sociais <strong>do</strong> esporte,<strong>do</strong> lazer e de ser i<strong>do</strong>so, pois só assim poderemos legitimá-losem nossa vida cotidiana, pois, como vimos anteriormente,as coisas, de fato, se realizam no tempo presente, que é carrega<strong>do</strong>de marcas e contornos históricos e é onde fazemos as nossas opções.


42 Envelhecer com esporte e lazer: direitos de uma sociedade...Fazer opções é se permitir 5 . Permito-me dizer que envelhecercom direito ao esporte e ao lazer é se permitir fazer opçõesdiante das coisas no cotidiano de nossas vidas.------------------------------QUESTÕES PARA REFLEXÃO1. O que é envelhecer com direito ao esporte e ao lazer?2. Quais as gerações de direitos humanos? E quais delas se enquadram no esportee no lazer?3. Para os i<strong>do</strong>sos o esporte e o lazer são questões sociais?4. É possível pensar em direitos humanos a partir das premissas da inclusão/exclusãosocial?------------------------------REFERÊNCIASBERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: trata<strong>do</strong>de sociologia <strong>do</strong> conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.BOBBIO, Norberto. A era <strong>do</strong>s direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.BRASIL. Constituição da República Federativa <strong>do</strong> Brasil. 1989.BRASIL. Ministério da Cultura. Economia e Política Cultural: acesso, emprego e financiamento.Frederico A. Barbosa da Silva, autor – Brasília: Ministério daCultura, 2007.Carta <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos à nação brasileira. Encontro Nacional de I<strong>do</strong>sos. São Paulo,2005. Disponível em . Acessa<strong>do</strong> em 13 de outubro de 2008.FRIEDMANN, John. “Repensan<strong>do</strong> a pobreza: delegação de poderes e direitosde cidadania.” ISSJ – Internacional Social Science Journal 148/1996, Unesco,Paris, p. 161-172.5 Alusão à etimologia da palavra Lazer que vem da expressão latina Licere e significa“se permitir a algo”.


Ednal<strong>do</strong> Pereira Filho 43HAYWOOD, Kathleen M.; GETCHELL, Nancy. Desenvolvimento motor ao longoda vida. Porto Alegre: Artmed Editora, 2004.HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. A condição política pós-moderna. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1998.HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral <strong>do</strong>s conflitos sociais.São Paulo: Ed. 34, 2003.JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações sociais e esfera pública: a construçãosimbólica <strong>do</strong>s espaços públicos no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000.LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mun<strong>do</strong> moderno. São Paulo: Ática, 1991.MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus,1997.SOUZA NETO, João Clemente de. “Mutações da esfera pública.” In: BAPTIS-TA, Dulce (Org.). Cidadania e subjetividade: novos contornos e múltiplos sujeitos.São Paulo: Imaginário, 1997.WANDERLEY, Luiz Eduar<strong>do</strong> e outros. Desigualdade e a questão social. São Paulo:EDUC, 2004.


CONCEBENDO A VIDA SAUDÁVEL DESDE OESPORTE & LAZERCláudio Augusto Silva Gutierrez 1Analisa as concepções de saúde que podem orientar o trabalho <strong>do</strong>s grupos de esporte elazer em favor da Vida Saudável. Traz os resulta<strong>do</strong>s de <strong>do</strong>is anos de pesquisas sobre asconcepções de saúde que emergiram de três grupos de lazer investiga<strong>do</strong>s. Em vez deum conceito de saúde basea<strong>do</strong> na <strong>do</strong>ença, a proposta desenvolvida aqui aponta para aimportância <strong>do</strong> lazer e <strong>do</strong> esporte na promoção de uma concepção vitalista de saúde,em que o importante é fortalecer a pessoa e a coletividade tanto para o enfrentamentodas enfermidades como para a ampliação da capacidade de fruir da vida.Este texto quer convidar o leitor a refletir sobre a atençãoà saúde nos projetos de esporte e lazer. Como conteú<strong>do</strong> desta reflexãoapresentam-se os resulta<strong>do</strong>s de uma investigação que tevepor finalidade identificar e analisar as concepções de saúde presentesnos grupos de esporte e lazer frequenta<strong>do</strong>s por pessoas demaior idade. A investigação orientou-se pela seguinte questão depesquisa: Que concepções de saúde emergem <strong>do</strong> lazer? A ideia eraaproximar-se <strong>do</strong>s grupos de lazer, ouvir as pessoas, observar suaspráticas, para analisar que concepções de saúde daí emergem. Ouseja, para além <strong>do</strong>s discursos acadêmicos e científicos sobre otema, lá nos espaços de prática, nos contextos reais de esporte e lazer,junto às pessoas de maior idade que participam desses grupos,que concepções de saúde estão presentes?1 Cláudio Augusto Silva Gutierrez é <strong>do</strong>utor em Ócio e Potencial Humano pela Universidadde Deusto (ES). Atua como coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Complexo de Desporto e Lazere <strong>do</strong> Bacharela<strong>do</strong> em Educação Física da UNISINOS. Pesquisa<strong>do</strong>r da RedeCEDES.45


46 Conceben<strong>do</strong> a vida saudável desde o esporte & lazerA importância deste estu<strong>do</strong> se justifica na medida em quea partir dele podemos, em primeiro lugar, analisar em que proporçãoessas concepções de saúde fortalecem os participantes <strong>do</strong>sgrupos frente ao processo saúde-<strong>do</strong>ença-cuida<strong>do</strong>, aos direitos dacidadania e aos desafios da própria vida. Em segun<strong>do</strong> lugar, a partirda análise das concepções de saúde presentes nos grupos de esportee lazer, podemos orientar melhor suas atividades e práticas,de mo<strong>do</strong> a corresponder às demandas e aos desejos de vida saudáveldas pessoas que acorrem a esses projetos sociais.A meto<strong>do</strong>logia utilizada na investigação foi o estu<strong>do</strong> decasos (Stake, 1998) em que, a partir da questão de pesquisa, realizaram-seentrevistas e observações junto aos três grupos eleitoscomo campo de investigação. Esses grupos, oriun<strong>do</strong>s de regiõesurbanas <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul 2 , apresentam características semelhantes:desenvolvem prioritariamente atividades físicas e delazer, fortalecem vínculos comunitários e promovem laços de amizadeentre seus membros, e são forma<strong>do</strong>s majoritariamente pormulheres, a maioria na faixa etária <strong>do</strong>s 50 aos 70 anos.Os resulta<strong>do</strong>s da investigação apontam para a emergênciade três concepções de saúde nesses grupos de lazer: saúdecomo harmonia; saúde como energia; e saúde como ausência de<strong>do</strong>enças.SAÚDE COMO HARMONIASaúde é viver de bem com a vida.(Vera 3 , costureira aposentada, 65 anos)Uma das concepções de saúde identificada nos grupos investiga<strong>do</strong>sé a saúde como expressão de um esta<strong>do</strong> de harmonia e2 Dois grupos da cidade de São Leopol<strong>do</strong> e um da cidade de Ivoti, cidades situadasna região metropolitana de Porto Alegre.3 Os nomes aqui utiliza<strong>do</strong>s são fictícios. Com a finalidade de permitir uma melhorfamiliarização <strong>do</strong> leitor com o contexto <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, junto ao nome são ofereci<strong>do</strong>salguns da<strong>do</strong>s de identificação da pessoa entrevistada.


Cláudio Augusto Silva Gutierrez 47equilíbrio da pessoa para consigo mesma e para com seu entorno,um esta<strong>do</strong> de harmonia para com a própria vida. Trata-se de umaconcepção de saúde que não remete à ausência de <strong>do</strong>enças. As pessoasouvidas não falavam em <strong>do</strong>enças ou, mesmo trazen<strong>do</strong> a questãodas enfermidades, não colocavam em sua cura a expressão dasaúde. Saúde aqui seria estar em harmonia com as forças que animama vida.A vida não é só plenitude e êxito, assim como não podeser apenas privação e desconforto. Nesse senti<strong>do</strong>, saúde seria algocomo conseguir administrar as dificuldades e as oportunidadesque a vida oferece, manten<strong>do</strong>-se um certo equilíbrio no desenrolarda existência. Em meio à administração de perdas e ganhos inerentesao viver, saúde seria como a manutenção de uma certa harmoniaque promove um sentimento de estar de bem com a vida.Na análise das falas <strong>do</strong>s três grupos investiga<strong>do</strong>s, essaconcepção de saúde como harmonia, esse estar de bem com a vida,manifestou-se desde três diferentes perspectivas: estar de bemconsigo, estar de bem com o mun<strong>do</strong> e cuidar de equilibrar-se.Primeiramente, estar de bem consigo refere-se a um esta<strong>do</strong>de harmonia interior. A saúde nesse senti<strong>do</strong> é compreendidacomo um esta<strong>do</strong> de satisfação da pessoa em relação à sua própriaexistência. Por exemplo, quan<strong>do</strong> perguntada sobre o que é ser umapessoa saudável, Glória (<strong>do</strong>na de casa, 70 anos) respondeu: “Sersaudável é gostar de si mesmo e da vida”.Nessa fala podemos observar a saúde como um estar debem consigo, gostar de si mesmo, gostar da vida que se leva. Saúdeaqui pode ser vista também como um esta<strong>do</strong> de felicidade. Emoutros momentos de sua entrevista, Glória referiu que o grupo delazer ao qual pertence era bom porque, dançan<strong>do</strong> e cantan<strong>do</strong>, elaesquecia a <strong>do</strong>r e os problemas. Ou seja, a vida de Glória não é isentade <strong>do</strong>res e problemas. Como to<strong>do</strong>s nós, ela também enfrenta enfermidadese decepções, mas, mesmo assim, ela se considera feliz,em paz com sua vida, e por isso saudável. Esse sentimento de estarem paz consigo mesmo é fruto de um olhar positivo sobre suavida, da percepção de que, entre prazeres e dissabores, consegue-sedesfrutar de uma certa harmonia no viver.


48 Conceben<strong>do</strong> a vida saudável desde o esporte & lazerDe fato, em várias entrevistas pôde-se observar essa concepçãode pessoa saudável associada a um sentimento de gostarde si e da vida que se leva, de sentir-se em paz e de bem consigomesmo.Mas saúde como harmonia, nessa perspectiva de paz interior,de estar de bem consigo, também apareceu nas entrevistasrealizadas como ten<strong>do</strong> uma dimensão transcendental: “Ter saúdeé ser saudável de corpo e alma. Saúde global. É ter saúde física eespiritual. [...]. Saúde espiritual é estar de bem com a vida, com Deus, tera sua fé, independente de religião, é estar em paz consigo mesmo” (Marta,aposentada, 69 anos).Em nossas sociedades modernas, valorizamos muitoaquilo que é objetivo. De tal mo<strong>do</strong> que racional para nós é o quepode ser objetivamente demonstra<strong>do</strong>, quantifica<strong>do</strong>, repeti<strong>do</strong> evisto por to<strong>do</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>, queremos também compreender asaúde desde uma perspectiva objetiva e precisa. Para isso nadamelhor <strong>do</strong> que exames laboratoriais e a descrição matemática dapresença ou ausência de patologias para considerarmos uma pessoasaudável ou <strong>do</strong>ente. A ciência moderna trabalha bem com oconceito de saúde como ausência de <strong>do</strong>enças biologicamente observáveise quantitativamente descritas.A ciência moderna lida bem com da<strong>do</strong>s objetivos porquese dirige a objetos, mas a fala de Marta, apresentada acima, vemsubverter essa lógica. “Estar em paz com Deus, ter fé” não é umafala objetiva. E é assim exatamente porque Marta não se consideraum objeto, uma máquina que funciona bem ou mal. Marta considera-seum sujeito, por isso sua fala é subjetiva. É uma fala, como ade tantas outras pessoas de nossas comunidades, que reclamauma dimensão transcendental, e mesmo mística, para a saúde humana.Aqui se pode compreender essa dimensão transcendentalcomo um apelo a um senti<strong>do</strong> para a existência que supere os limitesda vida individual. Que para além de nossa finitude individual,de nossos anseios e projetos pessoais, a vida se desenvolvaem acor<strong>do</strong> com um projeto de humanidade que ofereça senti<strong>do</strong>para a existência humana. A fé que Marta reclama pode ser lida


Cláudio Augusto Silva Gutierrez 49como um estar de bem com uma determinada visão de mun<strong>do</strong> ede senti<strong>do</strong> para sua vida e a humanidade.Observe-se que, nesse caso, não se trata de um discursomoralizante, que se quer refém de determinada concepção religiosa.Marta nos diz que é importante ter sua fé, independente dereligião. O que parece estar em questão é um senti<strong>do</strong> para umaexistência que transcenda a simples soma das <strong>do</strong>res e sabores davida para avaliar se ela vale a pena. O que se coloca é a questão <strong>do</strong>senti<strong>do</strong>. Estar de bem consigo é também viver em conformidade aum senti<strong>do</strong> para a existência.Dessa concepção, pode-se retirar uma crítica às ciênciasda saúde que querem reduzir a saúde humana aos limites <strong>do</strong>s examesfisiológicos. Também pode-se extrair uma crítica às nossas sociedadesde merca<strong>do</strong> e consumo: onde está o senti<strong>do</strong> humano etranscendente de trocar a vida pelo consumo de merca<strong>do</strong>rias?De fato, a análise <strong>do</strong> discurso das pessoas entrevistadasem nossas investigações permitiu perceber uma concepção desaúde que se fundamenta em um sentimento de harmonia, umestar de bem consigo mesmo. Essa concepção é construída muitomais a partir de representações subjetivas <strong>do</strong> que de da<strong>do</strong>s fisiológicosou anatômicos objetivamente descritos. Essa concepção desaúde chama atenção para o fato de que, para além da dimensãobiológica, somos também constituí<strong>do</strong>s por um corpo subjetivo quenecessita, assim como o corpo físico, de sua parcela de atenção ecuida<strong>do</strong>.Para além desse sentimento interior de estar de bem consigo,outra expressão da saúde como harmonia que se pôde observarrefere-se a um esta<strong>do</strong> de estar de bem com o mun<strong>do</strong>. Veja-se<strong>do</strong>is exemplos dessa concepção:Ser saudável é viver bem. Alimentar-se bem, estar em paz comos seus, ter saúde mental, ou seja, estar feliz, não estar de malcom o mun<strong>do</strong>, estar de bem com a vida (Lúcia, aposentada, 59anos).Ser saudável para mim é cuidar da alimentação, fazer atividadefísica, estar de bom humor, estar de bem com a família, cuidarda saúde, fazer revisões médicas regularmente (Maria,aposentada, 65 anos).


50 Conceben<strong>do</strong> a vida saudável desde o esporte & lazerNessas falas, pode-se observar a saúde concebida comoum esta<strong>do</strong> de harmonia com as pessoas que fazem parte de nossavida. Aqui, novamente, a saúde não pode ser considerada o simplesresulta<strong>do</strong> de fatores que afetam a fisiologia de nosso corpo. Asaúde é vista deslocada da objetividade biológica de um corpo individuale lançada ao espaço das relações sociais. É como se nosconstituíssemos a partir de um outro corpo para além <strong>do</strong> biológico.Um corpo social composto por uma teia de relações humanas.Uma teia tecida nas relações com a família, com os amigos, com osvizinhos, enfim, com todas aquelas pessoas que emprestam umaface humana e próxima ao que chamamos de nosso mun<strong>do</strong>.Assim, a saúde de uma pessoa também foi concebida desde a perspectivadessa harmonia com esse corpo social que nos constitui,uma harmonia que se expressa por um estar de bem com o mun<strong>do</strong>.Por sua vez, essa harmonia com o mun<strong>do</strong> não é fruto deuma postura passiva ou contemplativa frente à existência. Pelocontrário, é uma harmonia que demanda uma construção diária.Esse aspecto ativo <strong>do</strong> estar de bem com o mun<strong>do</strong> pode ser exemplifica<strong>do</strong>pela fala de Carmem: “Sinto muita falta <strong>do</strong> meu faleci<strong>do</strong>mari<strong>do</strong>, mas, apesar disso, procuro ser uma pessoa alegre e fazer obem para as pessoas, porque quan<strong>do</strong> aju<strong>do</strong> outra pessoa me sinto bem”(professora aposentada, 70 anos).Carmem é mora<strong>do</strong>ra de uma pequena cidade gaúcha.Compartilhava a vida com seu mari<strong>do</strong>, até que um dia ficou só.Carmem reconhece a <strong>do</strong>r dessa perda. No entanto, conversan<strong>do</strong>sobre saúde, diz que se sente bem quan<strong>do</strong> ajuda os outros, quan<strong>do</strong>é capaz de vencer a solidão e tecer novamente uma relação de cuida<strong>do</strong>afetuoso com alguém.A <strong>do</strong>ença aqui seria, diante da perda irreparável da harmoniaque a relação com o mari<strong>do</strong> proporcionava, fechar-se emcasa e em si mesma. Por sua vez, a saúde está no restabelecimentodas relações sociais, no sair de casa em busca da reconstrução delaços. A saúde está em construir, apesar da <strong>do</strong>r, novos relacionamentos,que possibilitem um novo jeito de estar de bem com omun<strong>do</strong>.Uma terceira expressão da saúde como harmonia que sepôde analisar na investigação realizada é a concepção de que saú-


Cláudio Augusto Silva Gutierrez 51de é um cuidar de equilibrar-se. Aqui saúde não é somente umsentimento de estar em harmonia, estar de bem com a vida e com omun<strong>do</strong>, mas sim a atitude de zelar por essa harmonia, cuidar paraque não se rompa o fio de prata que nos mantém em equilíbrio nomun<strong>do</strong> e na vida.Em acor<strong>do</strong> com essa perspectiva, as pessoas entrevistadasdiziam-se saudáveis mesmo diante de enfermidades, refutan<strong>do</strong>assim qualquer concepção de saúde fundamentada no plenobem-estar e na ausência de <strong>do</strong>enças. Ser saudável não seria não ter<strong>do</strong>enças, mas ser capaz de manter-se integra<strong>do</strong> ao mun<strong>do</strong> e seusafazeres graças ao zelo para com um certo equilíbrio vital que nosmantém em harmonia com a vida. Essa concepção de saúde comoum cuidar de equilibrar-se diante das dificuldades da vida podeser observada na seguinte fala:Meu filho mais novo tem 35 anos, e a última vez que baixei nohospital foi quan<strong>do</strong> tive meus filhos. Tinha uma <strong>do</strong>r na coluna,mas passou. Tenho umas <strong>do</strong>rzinhas de vez em quan<strong>do</strong>, masisso não é <strong>do</strong>ença. Faço um chazinho e me acalmo. Pra nos sentirmosbem, temos que cultivar o corpo da gente. Tirar tempo pro eu(Marta, aposentada, 69 anos).Perguntada se se sente uma pessoa saudável, Marta afirmaque sim, justifican<strong>do</strong> sua afirmação pelo fato de há muito nãoser hospitalizada. Com isso expressa a concepção de que saudávelé quem não está interna<strong>do</strong> em um hospital, fora <strong>do</strong> convívio sociale priva<strong>do</strong> das suas atividades rotineiras. E diz mais: as <strong>do</strong>enças eenfermidades, umas <strong>do</strong>rzinhas de vez em quan<strong>do</strong>, não fazem delauma pessoa sem saúde. Ela toma as medidas necessárias paraequilibrar essas situações desagradáveis e seguir em frente. Aquicompreendemos a saúde como essa capacidade de tomar medidasque nos ajudam a enfrentar as <strong>do</strong>rzinhas da vida, neutralizá-las emanter uma certa harmonia no viver.As duas falas abaixo também são exemplos dessa concepçãode saúde como a capacidade de equilibrar-se:Eu me sinto uma pessoa saudável. Tenho problemas de saúde,mas, mesmo assim, me sinto uma pessoa saudável. Tivecâncer de mama e curei. Tenho problema nos ossos e hérnia


52 Conceben<strong>do</strong> a vida saudável desde o esporte & lazerno esôfago, mas estão controla<strong>do</strong>s porque eu me cui<strong>do</strong>, tomo osmeus remédios, tento ter uma boa alimentação e pratico exercícios”(Maria, aposentada, 69 anos).Tenho osteoporose, não posso fazer exercícios muito puxa<strong>do</strong>s,porque tenho um probleminha de arritmia, mas não tenho<strong>do</strong>res na coluna. Eu consigo fazer tu<strong>do</strong> o que quero. Eume acho saudável. Seria melhor se não tivesse os problemasde arritmia. Tomo meus remédios to<strong>do</strong>s os dias, colesterol,osteoporose, coração e um para controlar a diabete (Joana,aposentada, 76 anos).Nos casos de Maria e Joana, já não podemos falar de“<strong>do</strong>rzinhas”, como relata Marta. Aqui as pessoas defrontam-secom patologias mais graves, como câncer, osteoporose, diabetes ecardiopatias. No entanto, novamente se consideram pessoas saudáveispor sentirem-se capazes de cuidar de equilibrar-se frente aessas <strong>do</strong>enças. Conseguem empreender medidas que controlamesses males, de mo<strong>do</strong> que não se perturbe a harmonia que as mantémlevan<strong>do</strong> suas vidas de bem com seu mun<strong>do</strong> e consigo mesmas.Cabe destacar que esse cuidar de equilibrar-se é uma expressãoda concepção de saúde como harmonia que se relacionanão somente à nossa dimensão biológica, ao controle das enfermidadesque nos afetam fisicamente. É um cuidar de equilibrar-setambém frente aos males que nos afetam emocionalmente (ao nossocorpo subjetivo) e em nossas relações com o mun<strong>do</strong> (ao nosso corposocial)Em resumo, uma das concepções de saúde que se pôdeobservar nos grupos investiga<strong>do</strong>s é o que denominamos de saúdecomo harmonia. Desde essa concepção, saudável é a pessoa que sesente de bem com a vida por considerar-se de bem consigo mesma,de bem com seu mun<strong>do</strong> e sentin<strong>do</strong>-se capaz de cuidar de equilibrar-sefrente aos infortúnios e desafios da vida. Na expressãosincera e singela de Vera, “saúde é viver de bem com a vida” (costureiraaposentada, 65 anos).


Cláudio Augusto Silva Gutierrez 53SAÚDE COMO ENERGIASaúde é ter disposição para as coisas, como caminharcom o cachorro, tomar chimarrão com a família,cuidar da casa e vir para os encontros <strong>do</strong> grupo(Glória, <strong>do</strong>na de casa, 70 anos).Outra concepção de saúde que se pôde observar nos gruposinvestiga<strong>do</strong>s é a de saúde como energia. Aqui não se trata deconservar um esta<strong>do</strong> de harmonia e equilíbrio, mas de ter disposiçãopara a vida, ser capaz de empreender ações no mun<strong>do</strong>. Essaconcepção de saúde remete à capacidade de manter-se ativo no enfrentamento<strong>do</strong>s problemas e, principalmente, na criação de novaspossibilidades de vida. Desde essa perspectiva, saudável é a pessoaque encontra em si energias suficientes para manter-se ativa edisposta a viver.Por um la<strong>do</strong>, essa concepção de saúde como energia manifesta-sena capacidade de fazer frente aos afazeres e desafios davida. Aqui saúde de mo<strong>do</strong> algum é percebida como ausência de<strong>do</strong>enças, mas exatamente como a capacidade de enfrentar as enfermidadese dissabores. “Ser saudável é ter força para vencer asdificuldades da vida” (Glória, <strong>do</strong>na de casa, 70 anos). CertamenteGlória enfrenta <strong>do</strong>res e dificuldades. Sabe que viver também éconviver com dissabores, por isso considera saúde não como umesta<strong>do</strong> de plenitude, que sempre será muito mais uma abstração<strong>do</strong> que uma realidade concreta. Na vida jamais poderemos tertu<strong>do</strong> sob controle; viver inevitavelmente é correr riscos. Por issosaúde não pode ser concebida como a impossível supressão de to<strong>do</strong>sos problemas. Pelo contrário, é concebida exatamente como acapacidade de enfrentar as dificuldades da vida.Além da capacidade de enfrentar as adversidades, a saúdecomo energia também foi manifestada como a capacidade demanter-se ativo frente às necessidades e aos afazeres comuns davida. As pessoas ouvidas nos grupos de lazer investiga<strong>do</strong>s consideravam-sesaudáveis à medida que conseguiam manter suas rotinas:“Tenho 76 anos e fazer o que eu faço, dirijo carro, venho aqui,faço tu<strong>do</strong> dentro de casa, deixo a casa limpa. Eu acho que sou sau-


54 Conceben<strong>do</strong> a vida saudável desde o esporte & lazerdável” (Joana, aposentada, 76 anos). Ou seja, na concepção <strong>do</strong>sparticipantes <strong>do</strong>s grupos de lazer investiga<strong>do</strong>s, sentir-se ativo, capazde resolver seus problemas, de manter a casa em ordem, comenergia suficiente para enfrentar as dificuldades e afazeres da vidaconstitui-se em uma expressão de vida saudável.Por outro la<strong>do</strong>, saúde como energia não se expressaapenas no enfrentamento de problemas ou na manutenção das atividadesrotineiras. Um <strong>do</strong>s aspectos mais encontra<strong>do</strong>s nas falasanalisadas, desde essa concepção de saúde, apontou na direção <strong>do</strong>que se poderia chamar força de expansão da vida. Aqui a saúde semanifesta pela capacidade de vivenciar experiências de felicidadeque ampliam as possibilidades de fruir da vida. Trata-se daquelasvivências que nos convocam a sair de nós mesmos e desfrutar <strong>do</strong>mun<strong>do</strong>, produzin<strong>do</strong> um encantamento da vida. Essa perspectivapode ser observada nas seguintes falas:Ser saudável é alimentar-se bem, divertir-se, dançar, passear.Eu me sinto saudável. Sou feliz. Sofri muito na minha vida,mas eu sou feliz. Vou passear to<strong>do</strong>s os sába<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>mingos[em cidades vizinhas] na casa <strong>do</strong>s meus irmãos (Ana, costureiraaposentada, 65 anos).Sinto-me uma pessoa muito saudável. Sou alegre, contente.Desde que comecei a fazer ginástica e ioga sou outra pessoa(Nair, representante comercial, 57 anos).Saudável é como eu sou. Gosto de tomar banho no mar, gostode caminhar, não fico parada um dia. Subo e desço a escadavárias vezes. A<strong>do</strong>ro conversar. Eu não tenho canseira. [...]Deixa eu agir enquanto eu posso. O maior castigo é não podersair, caminhar, fazer o que eu gosto (Olga, pensionista, 81anos).Como se pode observar, a saúde é concebida aqui como aenergia de dispor-se a viver. Dispor-se não só a enfrentar os problemasda vida, mas a enfrentá-los em favor da felicidade. Saúde éa capacidade de expandir a vida. Sair de casa, sair de si mesmo ecriar novos espaços e formas de viver a vida de uma forma bela.Desde essa perspectiva, a <strong>do</strong>ença é vista não necessariamentecomo uma disfunção fisiológica, mas como tu<strong>do</strong> aquilo que dimi-


Cláudio Augusto Silva Gutierrez 55nui e enfraquece a vitalidade. Como afirma Olga: “Eu acho que opessoal... não posso generalizar, mas as que ficam só em casa são<strong>do</strong>entes. As pessoas que mal saem de casa e só ficam em casa limpan<strong>do</strong>,achan<strong>do</strong> defeitos nos mari<strong>do</strong>s, essas pessoas são <strong>do</strong>entes.Elas não veem nada de bonito” (Olga, pensionista, 81 anos). ParaOlga, saúde é expandir a vida em direção ao belo que há para servisto.Em resumo, uma outra concepção de saúde que emergiu<strong>do</strong>s grupos de lazer investiga<strong>do</strong>s é a saúde como energia, comodisposição para a vida. Desde essa concepção a saúde é vista comoa capacidade de agir tanto no enfrentamento de problemas e rotinasinerentes à existência quanto na expansão da vida, por meio daatuação em favor da realização de experiências de felicidade quetornem a vida mais intensamente bela.SAÚDE COMO AUSÊNCIA DE DOENÇASPara mim ser saudável é ter uma vida normal, sempreocupação e sem <strong>do</strong>r(Joana, aposentada, 76).Até aqui as concepções de saúde apresentadas (como harmoniae energia) estavam orientadas pelo que Luz (2007) chamariade paradigma vitalista. Ou seja, concepções de saúde fundamentadasnão na presença ou ausência de <strong>do</strong>enças, mas na força que noscapacita a construir projetos de vida. Concepções de saúde fundamentadasnão em nossas fraquezas, mas em nossa vitalidade.No entanto, mesmo que concepções vitalistas de saúdetenham si<strong>do</strong> as mais observadas nos discursos das participantes<strong>do</strong>s grupos de lazer investiga<strong>do</strong>s, também se pôde encontrar,quase sempre articulada às concepções vitalistas, a ideia de quesaúde também é ausência de <strong>do</strong>enças. Aqui se acalenta a ideia deque a vida saudável é aquela isenta de <strong>do</strong>r e sofrimento, como sepode observar nas falas a seguir: “Saúde é não sentir <strong>do</strong>r nemdepressão” (Nara, <strong>do</strong>na de casa, 60 anos); “Me sinto uma pessoasaudável. Não apresento <strong>do</strong>enças físicas mais graves, não tenho


56 Conceben<strong>do</strong> a vida saudável desde o esporte & lazerrestrições a atividades físicas e alimentares, não tomo remédioscontínuos” (Lúcia, aposentada, 59 anos).Nessas falas, observa-se um conceito de saúde que remeteao ideal de uma vida sem <strong>do</strong>r. Essa concepção de saúde, além deaparecer junto às concepções vitalistas, também parece articular-sediretamente a essas concepções. Isso porque a ausência desofrimentos e o não estar acometi<strong>do</strong> de <strong>do</strong>enças relaciona-se à preservaçãode um estilo de vida ativo e à preservação da autonomia:“Se eu não pudesse caminhar e dependesse <strong>do</strong>s outros, eu não mesentiria saudável. Como eu não depen<strong>do</strong> de ninguém, eu me consideroalguém saudável” (Nélia, pensionista, 72 anos).Por outro la<strong>do</strong>, essa concepção de saúde como ausênciade <strong>do</strong>enças também se relaciona com o ideal de viver uma vidasem privações e mesmo sem limites, como se pode observar na seguinteafirmativa: “Saúde é poder comer de tu<strong>do</strong>” (Nara, <strong>do</strong>na decasa, 60 anos). Esse poder comer de tu<strong>do</strong>, assim como o “não terrestrições”, “não depender de ninguém”, certamente expressamuito mais um ideal <strong>do</strong> que uma realidade vivenciada. Nenhumser humano é capaz de viver totalmente independente <strong>do</strong>s outros,e to<strong>do</strong>s estamos submeti<strong>do</strong>s a uma infinidade de limitações emnossas vidas. No entanto, o conceito de saúde como ausência de<strong>do</strong>enças nos leva a crer em uma pretensa vida plena, sem <strong>do</strong>res oulimitações.Contu<strong>do</strong>, mesmo diante dessas contradições, o conceitode saúde como ausência de <strong>do</strong>enças também é uma realidade presentenos discursos <strong>do</strong>s participantes <strong>do</strong>s grupos de lazer investiga<strong>do</strong>s.Essa concepção de saúde expressa o ideal de viver uma“vida normal”, na qual não haveria <strong>do</strong>r, sofrimento ou limitações.CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUE FAZER FRENTE ÀS CONCEPÇÕES DESAÚDE IDENTIFICADAS?A partir <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s da investigação realizada, pretende-seagora submeter ao juízo <strong>do</strong> leitor deste texto, autor de suaspráticas no campo <strong>do</strong>s projetos sociais, algumas consideraçõesque talvez possam orientar as ações nos projetos de esporte e lazer


Cláudio Augusto Silva Gutierrez 57que pretendem promover a saúde e tornar-se, em suas comunidades,verdadeiros núcleos de vida saudável.Primeiramente, creio que deveríamos nos debruçar sobreo conceito de saúde como ausência de <strong>do</strong>enças, ainda hegemônicoem nossa sociedade e, como observamos, presente nos projetos deesporte e lazer investiga<strong>do</strong>s. O ideal de uma vida totalmente controlada,sem infortúnios e <strong>do</strong>enças, além de ilusório, é perverso,pois abre espaço para poderosos interesses mercantis, que pretendemvender para cada desconforto um medicamento.Pensar a saúde como ausência de <strong>do</strong>enças tem nos leva<strong>do</strong>a promover a medicalização da vida. Como se a solução para cadasofrimento estivesse em sua neutralização por meio de uma drogaque se pode comprar em qualquer esquina. Além <strong>do</strong> mais, quantasvezes a vida humana adquire maior qualidade e nos fortalecemoscomo pessoa graças ao enfrentamento de uma frustração ou à superaçãode alguma experiência <strong>do</strong>lorosa. Afinal, o a<strong>do</strong>ecer tambémé uma forma pela qual a vida se manifesta (Czeresnia, 2004).A saúde não pode ser considerada ausência de <strong>do</strong>enças,porque a vida em liberdade é cheia de riscos, desafios e infortúnios.Saúde é, isto sim, a capacidade de reagir frente às infidelidades<strong>do</strong> meio (Canguilhem, 1995). É a capacidade de sofrer e serecuperar.Nessa perspectiva, o papel da ciência e <strong>do</strong>s medicamentosdeve ser o de estar ao nosso alcance para nos apoiar no enfrentamento<strong>do</strong>s infortúnios. Não o de nos iludir venden<strong>do</strong> a promessade um paraíso sem <strong>do</strong>r, ou o de nos narcotizar e debilitar para oenfrentamento <strong>do</strong>s desafios da vida.Outro elemento a destacar é que, nesse processo de enfrentamentodas enfermidades e tu<strong>do</strong> o mais que constrange e diminuia vida, a saúde também deve ser concebida como resulta<strong>do</strong>de uma série de fatores que podem fortalecer ou debilitar as pessoasfrente às dificuldades. A saúde é o resulta<strong>do</strong> de fatores comoa alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, otrabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aosbens e serviços essenciais, de mo<strong>do</strong> que os níveis de saúde da populaçãoexpressem o nível de organização social e econômica <strong>do</strong>país (Brasil, 1990).


58 Conceben<strong>do</strong> a vida saudável desde o esporte & lazerFrente à complexidade de to<strong>do</strong>s esses fatores que condicionama saúde humana, fica claro que a atenção à saúde precisaser concebida, desde uma perspectiva coletiva, como um direitode cidadania e um dever <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Aqui cabe um alerta a certosdiscursos que promovem a ideia de que, se cada indivíduo a<strong>do</strong>tarum estilo de vida saudável, estarão resolvi<strong>do</strong>s os problemas desaúde pública.Diante dessas questões, os projetos sociais de esporte e lazerpoderiam ser espaços de reflexão sobre a saúde humana. Poderiampromover debates e mediações pedagógicas no senti<strong>do</strong> deconceber a atenção à saúde não como oposição à <strong>do</strong>ença, mas desdea perspectiva de um processo saúde-<strong>do</strong>ença-cuida<strong>do</strong> (Buss,2003). Um processo no qual a pessoa se fortalece à medida que asaúde pública é tratada não como merca<strong>do</strong>ria, mas como direitode cidadania. Ou seja, promoven<strong>do</strong> a ideia de que somos mais fortesno enfrentamento das dificuldades da vida quan<strong>do</strong> os recursossociais que incidem sobre os fatores condicionantes da saúde públicaestão ao alcance de to<strong>do</strong>s.Debater e refletir sobre esses temas com os grupos de esportee lazer seria uma importante contribuição <strong>do</strong>s projetos sociaisno desenvolvimento de concepções de saúde que fortaleçampessoas e comunidades no enfrentamento de seus problemas nessaárea.Em segun<strong>do</strong> lugar, a partir <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s da investigaçãorealizada, poder-se-ia sugerir que os projetos sociais de esportee lazer na atenção à saúde humana contemplassem fortementeas concepções vitalistas de saúde que emergiram da investigaçãorealizada: saúde como energia e como harmonia.Nesse senti<strong>do</strong>, saúde como energia convoca-nos a projetarações na direção <strong>do</strong> que anima a expandir a vida e a buscar abeleza. De um la<strong>do</strong>, buscar a beleza, essa busca de uma estéticapara a vida, impõe valorizar e atuar sobre o que as pessoas têm depositivo, e não sobre suas limitações. Desde essa perspectiva, nãohá o menor senti<strong>do</strong> em formar-se, por exemplo, grupos de diabéticos,grupos de hipertensos. O que identifica os grupos de trabalhodeve ser a força que capacita as pessoas no enfrentamento deseus problemas, não os problemas. De outro la<strong>do</strong>, atuar sobre o


Cláudio Augusto Silva Gutierrez 59que anima a expandir a vida levaria a valorizar as atividades lúdicasque oferecem novas experiências de vida, novas formas dedesfrutar da existência. Aí estão os passeios, as excursões, osaprendiza<strong>do</strong>s nas artes, as vivências nos esportes. Ou seja, tu<strong>do</strong> oque convoca para viver, que inaugura novas experiências de fruiçãoda beleza e expande a vida. Tu<strong>do</strong> isso tem um importante papelna atenção à saúde, pois fortalece a pessoa e promove a saúdecomo vida.Por outro la<strong>do</strong>, desde a concepção de saúde como harmonia,pode-se propor que, em primeiro lugar, os grupos de esporte elazer se constituam em espaços de cuida<strong>do</strong> e acollhimento onde aspessoas sejam ajudadas e orientadas no enfrentamento das dificuldadesque perturbam sua harmonia em relação ao corpo biológico– e também ao corpo subjetivo e ao social. Aqui uma sugestão seriapropor oficinas e temas de trabalho <strong>do</strong> grupo a partir de um levantamentodas reais necessidades de atenção à saúde das pessoas.Antes de lançar um leque de atividades a partir <strong>do</strong> interesse <strong>do</strong>stécnicos ou professores, investigar as reais necessidades das pessoase da comunidade. Em segun<strong>do</strong> lugar, saúde como harmonia étambém um estar em paz consigo, que pressupõe conectar-se comuma visão de mun<strong>do</strong> e um senti<strong>do</strong> para a existência. Desde essaperspectiva, os grupos de esporte e lazer poderiam fomentar tantodebates sobre temas importantes para a humanidade como a questãoecológica; e debates políticos mais próximos <strong>do</strong> grupo, como asquestões <strong>do</strong> bairro e da cidade (saneamento, educação, trabalhosolidário...). Por coerência, o primeiro passo seria discutir o projetopolítico <strong>do</strong> próprio grupo: quais suas finalidades, quais os objetivose metas, que atividades serão desenvolvidas, quais os valorese normas que regulam o funcionamento <strong>do</strong> grupo... Em terceiro lugar,saúde como harmonia com o mun<strong>do</strong> estimula-nos a pensarque, na atenção à saúde humana, é imprescindível afrontar o individualismoe a exclusão, atuan<strong>do</strong> em favor da construção de laçosde amizade e solidariedade, capazes de fortalecer o corpo social ecada sujeito singular. Aqui se trata de estimular as atividades emgrupo que fortalecem os laços de cooperação e solidariedade, asidentificações coletivas e a capacidade de construir coletivamenteum patrimônio comum.


60 Conceben<strong>do</strong> a vida saudável desde o esporte & lazerPor fim, talvez uma das conclusões mais importantes aque se pôde chegar no final da investigação realizada é que <strong>do</strong>esporte e lazer emergem importantes concepções, que muito contribuempara a atenção à saúde humana. Os profissionais de educaçãofísica e os agentes de esporte e lazer não precisam importarconceitos e meto<strong>do</strong>logias estranhos a seu contexto, nem se esconderimpotentemente atrás de uma crítica inoperante aos modeloshegemônicos. Há uma grande, singular e imprescindível contribuiçãoa ser dada na atenção à saúde a partir das concepções desaúde que emergem <strong>do</strong>s grupos de lazer. Uma singular contribuiçãoem favor da democratização das oportunidades de cuida<strong>do</strong>,da produção de laços sociais e da expansão da vitalidade na construçãocriativa de projetos coletivos de felicidade.QUESTÕES PARA REFLEXÃO------------------------------A partir das concepções vitalistas de saúde apresentadas neste texto(saúde como harmonia e como energia), faça uma reflexão das questõesabaixo.1. Que visões de mun<strong>do</strong> e valores humanos orientam a oferta de atividades<strong>do</strong>s grupos de lazer em que você atua? E como se pode incrementar areflexão <strong>do</strong>s participantes <strong>do</strong> grupo sobre esses valores, de mo<strong>do</strong> que aspessoas sintam-se participan<strong>do</strong> de um projeto de vida saudável para a comunidade?2. Que espaços de participação democrática podem ser abertos na gestão <strong>do</strong>grupo e das atividades, de mo<strong>do</strong> que as pessoas sintam-se fortalecidas naconstrução de laços de fraternidade e cooperação?3. Que medidas de atenção à saúde (grupos, oficinas...) estão sen<strong>do</strong> oferecidaspara fortalecer as pessoas no enfrentamento das enfermidades e <strong>do</strong>sriscos à saúde? Na proposição dessas medidas foi identificada a demandade cuida<strong>do</strong> físico da comunidade?4. De que mo<strong>do</strong> o grupo de esporte e lazer onde você atua está desafian<strong>do</strong> osparticipantes a vivenciarem novas experiências lúdicas e a descobriremnovas formas de fruir a vida?------------------------------


Cláudio Augusto Silva Gutierrez 61REFERÊNCIASBRASIL. Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condiçõespara a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento<strong>do</strong>s serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília:Ministério da Saúde, 1990.BUSS, Paulo M. “Uma Introdução ao Conceito de Promoção da Saúde”. In:CZERESNIA, D.; MACHADO DE FREITAS, C. (Org.). Promoção da saúde:conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. Rio de janeiro: Forense Universitária,1995.CAPONI, Sandra. “A saúde como objeto de reflexão filosófica”. In: PALMA,A.; ESTÊVÃO, A. e BAGRICHEVSKY, M. (Org.). A saúde em debate na EducaçãoFísica. Blumenau: Edibes, 2003, p. 115-136.CZERESNIA, Dina e FREITAS, Carlos Macha<strong>do</strong> (Org.). Promoção da saúde:conceitos, definições e tendências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.LUZ, Madel. Novos saberes e práticas em saúde coletiva: estu<strong>do</strong>s sobre racionalidadesmédicas e atividades corporais. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2007.LUZ, Madel. “Educação Física e saúde coletiva: papel estratégico da área epossibilidades quanto ao ensino na graduação e integração na rede de serviçospúblicos de saúde”. In: FRAGA, Alex e WACHS, Felipe. Educação Físicae saúde coletiva: políticas de formação e perspectivas de intervenção. PortoAlegre: Editora UFRGS, 2007STAKE, Robert. Investigación con estudio de casos. Madrid: Ediciones Morata,1998.


EDUCAR, APRENDER E VIVER COMQUALIDADE 1 Sonia M. L. Bredemeier 2Este trabalho é o produto de um Grupo de Estu<strong>do</strong>s composto principalmente poragentes sociais que atuam no PELC, buscan<strong>do</strong> refletir à luz da teoria a sua prática cotidianaenquanto educa<strong>do</strong>res. A prática desenrola-se nos Núcleos de Vida Saudável.O referencial teórico utiliza<strong>do</strong> é de Delors et al. (1999), que propõem quatro pilarespara sustentar o ato educativo, quais sejam: o aprender a conhecer, o aprender a fazer,o aprender a viver juntos e o aprender a ser. As experiências vivenciadas ilustram essaelaboração e reforçam o papel <strong>do</strong>s agentes sociais como educa<strong>do</strong>res.A relação entre a educação, o aprendiza<strong>do</strong> e uma vidacom qualidade é a discussão que propomos através deste trabalho.Com base nas ações e reflexões desenvolvidas pelo GREG, o GREGUNISINOS – Grupo de Estu<strong>do</strong>s Gerontológicos <strong>do</strong> ProgramaPró-Maior 3 da Universidade <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Rio <strong>do</strong>s Sinos – é forma<strong>do</strong>por profissionais (professores, ex-professores e ex-bolsistas) e acadêmicosda Universidade nas áreas da Educação Física, Enferma-1 Participara da elaboração deste ensaio como colabora<strong>do</strong>es: Ana Paula Jaques Flores,Vera Liane Cesa, Almerinda Alcante Pacheco Santos, Launa Horn Ev, RobertaGivlioli Ribas Silva Oliveira,Daniela da Silva Afonso, Daniela Martins, FernandaMacha<strong>do</strong> Andrade, Alex Sandro Lourença, Eduar<strong>do</strong> Pontin de Medeiros e Janainade Mattos Rex.2 Graduada em Serviço Social, Especialista em Gerontologia Social e Coordena<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> GREG.3 O Programa de Ação Social na área <strong>do</strong> Envelhecimento Humano, Pró-Maior/UNISINOS, caracteriza-se como sen<strong>do</strong> um conjunto de atividades de ação continuada,organizadas em cinco projetos sociais.63


64 Educar, aprender e viver com qualidadegem, Psicologia e Serviço Social e tem como objetivo a produçãode conhecimento em gerontologia numa dinâmica de ação/reflexão/açãosobre a ação educativa. Consideran<strong>do</strong> que o PELC se propõea “suprir a carência de políticas públicas e sociais que atendamàs crescentes necessidades e demandas da população por esporterecreativo e lazer, sobretu<strong>do</strong> daquelas em situações de vulnerabilidadesocial e econômica, reforça<strong>do</strong>ras das condições de injustiçae exclusão social a que estão submetidas” (2008), procura-se mostrara importância <strong>do</strong>s agentes sociais <strong>do</strong> lazer como educa<strong>do</strong>resjunto às pessoas que frequentam os grupos de Vida Saudável. Desenvolve-seesse tema abordan<strong>do</strong> aspectos teóricos que paulatinamenteserão ilustra<strong>do</strong>s com as práticas que temos realiza<strong>do</strong> comoagentes sociais <strong>do</strong> PELC e estagiários e monitores que atuam juntoa projetos <strong>do</strong> Programa Pró-Maior.O conceito de educação permanente permeia essa discussão.Trata-se da educação ao longo de toda a vida. Segun<strong>do</strong> Delors(apud Palma; Cachioni, 2002), a educação é uma construção contínua<strong>do</strong>s conhecimentos e aptidões humanas, da capacidade dediscenir e de agir. A pessoa deve ser estimulada a descobrir, despertare aumentar suas possibilidades. Cabe à educação em suasmúltiplas facetas englobar to<strong>do</strong>s os processos que levam a pessoa,desde a infância até o fim da vida, a um conhecimento dinâmico<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s outros e de si mesma. Educar, conforme Costa(2000), é promover meios para que o educan<strong>do</strong> busque ele próprioempreender a construção <strong>do</strong> seu ser, descobrin<strong>do</strong> suas potencialidadesem termos pessoais e sociais.Partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> pressuposto de que ação profissional é umaação educativa e que o trabalho interdisciplinar enriquece as açõesprofissionais e que se complementam, optou-se por debruçar-sesobre os pilares da educação como sustentação teórica deste trabalho,pilares estes que são quatro conforme Delors et al. (1999). Sãoeles: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntose aprender a ser.


Sonia M. L. Bredemeier 65APRENDER A CONHECERO aprendiza<strong>do</strong> e o desenvolvimento são intrínsecos à naturezahumanaA capacidade de aprender a conhecer, o primeiro pilar,pressupõe condições de aprendiza<strong>do</strong> relativas a atenção, memóriae reflexão, entre outras. Sabe-se que fisiologicamente a perda damemória está relacionada ao processo físico de envelhecimento,mas também à falta de estímulo por inúmeros fatores, entre eles aredução das atividades <strong>do</strong> dia a dia, cada vez menos complexas erotineiras com o passar <strong>do</strong> tempo e que pouco exigem em termosde memorização. Consideran<strong>do</strong> igualmente que o nível socioculturaldefine o tipo de memória <strong>do</strong> indivíduo, atenção especial deveser dada a essa capacidade, uma vez que o público-alvo <strong>do</strong> projetono qual estamos inseri<strong>do</strong>s pertence a um segmento da populaçãomenos favorecida.Aprenden<strong>do</strong> novas coisas, as pessoas estão sujeitas a umdesequilíbrio, consideran<strong>do</strong> seu conhecimento já existente. A tendêncianatural é que se busque, como indivíduo, um novo equilíbrio,crian<strong>do</strong> novas estruturas de conhecimento e geran<strong>do</strong> umaadaptação que pressupõe novos aprendiza<strong>do</strong>s. Evidencia-se,assim, um processo de assimilação, resultante de novas experiências,que, por sua vez, criam condições para que haja novos avanços,permitin<strong>do</strong> um processo de aprendiza<strong>do</strong> contínuo.Como exemplo <strong>do</strong> primeiro pilar, aprender a conhecer,pode-se descrever as atividades da enfermagem no que se refere àeducação em saúde. Realizam-se palestras sobre diversos assuntoscom uma linguagem acessível a to<strong>do</strong>s os participantes, promoven<strong>do</strong>assim o conhecimento de algumas <strong>do</strong>enças, seus sinais esintomas e principalmente os cuida<strong>do</strong>s que se deve ter para nãoadquiri-las ou para diminuir seu agravamento. Com isso pode-seproporcionar aos alunos uma melhor qualidade de vida e maiorsegurança nas atividades que são realizadas. Desenvolvem-se aulasque permitem um fácil aprendiza<strong>do</strong>, com exemplos práticos decuida<strong>do</strong>s com hipertensão, constipação e diabetes etc.Aos grupos de i<strong>do</strong>sos com quem se tem trabalha<strong>do</strong> nãoforam oferecidas, em sua vida pregressa, situações que facilitas-


66 Educar, aprender e viver com qualidadesem esse aprendiza<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> geral. Nos exercícios referentes aatenção, memória e percepção de ações motoras e cognitivas com aintenção de possibilitar aos núcleos novos aprendiza<strong>do</strong>s, oportunizam-sedesafios, crian<strong>do</strong> dessa forma condições para potencializaros dispositivos intelectuais e cognitivos <strong>do</strong> educan<strong>do</strong>.Na realização das atividades percebem-se evoluções,como: melhora da percepção, memorização de gestos motores eexecução de forma diferenciada <strong>do</strong>s mesmos.Ainda no pilar aprender a conhecer, Delors et al. (1999)abordam que é necessário tornar prazeroso o ato de compreender,exercitan<strong>do</strong> a atenção, a memória e o pensamento. O processo dedescoberta implica duração e aprofundamento da apreensão.Como ilustração, destaca-se o estímulo que se pode daratravés de técnicas de grupo e da ginástica coreografada. Outroexemplo é a caminhada orientada, quan<strong>do</strong> se agrupam os participantesem duplas e se faz a seguinte pergunta: O que o colega fezno final de semana? Quantos irmãos o colega tem? Qual a brincadeiraque o colega mais gostava na infância? Caminhan<strong>do</strong>, ambostêm que fazer a pergunta ao companheiro de dupla e prestarbastante atenção, pois na volta deverão contar o que o colega respondeu.Os próprios alunos dão-se conta de que essa atividadebem como a ginástica coreografada têm como finalidade trabalhara memorização.Um <strong>do</strong>s processos degenerativos funcionais <strong>do</strong> i<strong>do</strong>soocorre na memória, e como agentes precisa-se propor atividadesque estimulem a mesma. Mesmo que o i<strong>do</strong>so já ande esqueci<strong>do</strong>, hásempre como tentar passar-lhe alguma informação. O estímulo àmemorização é fundamental. Existem algumas atividades que podemajudar o grupo nesse senti<strong>do</strong>. O jogo da memória é um exemploclássico, pois, além de ser um jogo diverti<strong>do</strong> para jogar em grupoou até mesmo em casa com o neto, pode-se pedir aos própriosparticipantes para montar esse jogo. Para isso, precisa-se distribuirao grupo duas folhas de ofício para cada pessoa e pedir que desenhemduas figuras iguais, uma em cada folha. Após to<strong>do</strong>s teremresgata<strong>do</strong> essa habilidade de desenhar, às vezes esquecida,pede-se que misturem os desenhos e os coloquem no chão. Então.,está construí<strong>do</strong> um jogo de memória gigante. O grande grupo é di-


Sonia M. L. Bredemeier 67vidi<strong>do</strong> em pequenos grupos, que, por sua vez, precisam encontraros pares das figuras desenhadas. Para isso é necessário muita atenção.Há possibilidade de muitas variações desse jogo. Qualquerque seja o estágio de limitação da memória, sempre se pode fazeralguma coisa.Outra possibilidade é solicitar que um <strong>do</strong>s participantesdiga uma frase; por exemplo: fui ao parque, mas antes... O segun<strong>do</strong>terá que repetir essa frase e completá-la da seguinte maneira: fui aoparque, mas antes passei em casa para tomar café. O terceiro terá querepetir as duas frases e acrescentar outra informação, e assim sucessivamente.Além de ser um jogo de memória, pois terão queprestar muita atenção às contribuições <strong>do</strong>s colegas, os participanteselaborarão um lin<strong>do</strong> ou engraça<strong>do</strong> relato.Porém “a comunicação não traz a compreensão” (Morin,2000, p. 94) por si só. O desafio que se apresenta atualmente é efetivara compreensão, que não passe só pela comunicação, mastambém pela inteligibilidade das questões que estão sen<strong>do</strong> trabalhadasnos grupos com os quais se interage.Neri (apud Palma; Cachioni, 2002) ressalta que as oportunidadeseducacionais são apontadas como importantes antecedentesde ganhos evolutivos na velhice, pois esses espaços intensificamos contatos sociais, a troca de vivências, de conhecimentos epromovem o aperfeiçoamento pessoal.APRENDER A FAZERQuanto ao segun<strong>do</strong> pilar, aprender a fazer, há uma ênfasena preparação <strong>do</strong> indivíduo para estar apto a enfrentar novas situaçõesde emprego, a trabalhar em equipe, ou outras, nesse casodesenvolven<strong>do</strong> espírito cooperativo e de humildade na reelaboraçãode seus conceitos e nas trocas, valores que são necessários aotrabalho coletivo: ter iniciativa e intuição, gostar de uma certa <strong>do</strong>sede risco, saber comunicar-se e resolver conflitos e ser flexível.Aprender a fazer envolve uma série de técnicas a serem trabalhadas(Rodrigues, 2008). Essas perspectivas podem ser consideradas


68 Educar, aprender e viver com qualidadenos grupos e pessoas com quem trabalhamos no programa VidaSaudável.A disposição a ser desenvolvida é que os participantesaceitem os desafios, pois cada novo desafio nos leva a correr riscos,e isso exige um espírito empreende<strong>do</strong>r. Temos que criar situaçõespara que as pessoas se sintam desafiadas, consideran<strong>do</strong> as potencialidadesexistentes na pessoa que está envelhecen<strong>do</strong>. Merece umalerta aos profissionais quanto a cultuar o rejuvenescimento da velhice,que (Ribeiro, 2008) se contrapõe à ideia de envelhecimento comqualidade. Cultivar um desempenho de jovem a partir de um corpoenvelheci<strong>do</strong> desconsidera os limites próprios <strong>do</strong> envelhecimento.É importante estimular um corpo com saúde e qualidade,não como jovens, e sim como velhos. Aos poucos, percebem-se algumasalterações; esses grupos incentivam os i<strong>do</strong>sos a participarde grupos de encontro, de lazer, de atividades físicas. Apesar deserem incompreendi<strong>do</strong>s em seu desejo de mudar essa referênciasobre a velhice, percebe-se nitidamente que eles passam por inúmerosconflitos com a família e com a sociedade frente a esse binômiovelhice e juventude. Os grupos oferecem a oportunidade detroca de informações, transforman<strong>do</strong> essa etapa da existência emalgo produtivo e prazeroso.APRENDER A FAZEROs aspectos que compreendem o aprender a fazer estão diretamenterelaciona<strong>do</strong>s a um conhecimento adquiri<strong>do</strong> anteriormente,um conhecimento a ser posto em prática. Isso leva a que ofazer e o conhecer estejam articula<strong>do</strong>s indissociavelmente (Delorset al., p. 93, 1999). Mas não somente através disso se concretizam asações. É fundamental possuir recursos humanos, materiais e criatividadepara usá-los adequadamente. Associa-se a isso a importânciade explorar outros expedientes disponíveis, tais como: tato,olfato, paladar, que oportunizam uma vivência mais concreta <strong>do</strong>sconteú<strong>do</strong>s a serem assimila<strong>do</strong>s. Essas experiências propiciam melhorescondições de adequar, transpor e transferir conhecimentospara novas situações vivenciadas. Isso leva ao empoderamento <strong>do</strong>


Sonia M. L. Bredemeier 69educan<strong>do</strong> no enfrentamento de novas experiências. Os instrumentoseducativos utiliza<strong>do</strong>s pelos agentes podem ser oficinas, divulgaçãode informações, cartazes, entre outros.Ilustran<strong>do</strong>, temos a seguinte situação: uma participantecom a visão comprometida, após adquirir a capacidade motora,orientação espacial, ficou com a percepção mais aguçada. Passou ater maior habilidade para realizar suas atividades diárias, usan<strong>do</strong>outros senti<strong>do</strong>s, como a audição; descobriu méto<strong>do</strong>s de facilitarseus afazeres, como gravar as receitas e ouvi-las na hora de prepará-las,sentin<strong>do</strong>-se menos limitada no seu dia a dia. Também percebeuque seu vocabulário está diminuí<strong>do</strong> pela falta de leitura.Com isso a<strong>do</strong>tou a estratégia de ouvir músicas, encontran<strong>do</strong> umaforma de continuar amplian<strong>do</strong> seu vocabulário, procuran<strong>do</strong> caminhose recursos através de sua criatividade para contemplar a satisfaçãode suas necessidades.APRENDER A VIVER JUNTOSO terceiro pilar, aprender a viver juntos, tem a ver com sociabilidade,consideração pelo outro, entre outros aspectos. Acompreensão de viver junto pode ser entendida a partir de Morin(2000), quan<strong>do</strong> este refere a compreensão humana. Esse viver juntosinclui um conhecimento de sujeito a sujeito, a identificaçãocom o outro, “empatia, identificação e projeção” (Morin, idem).Após algum tempo de atividades realizadas nos núcleos,é possível identificar o “espírito de grupo”, no qual os participantescom maior habilidade de aprendizagem interagem com os demais,socializan<strong>do</strong> seu conhecimento. Percebe-se nitidamente essatroca na realização de atividades de jogos adapta<strong>do</strong>s, em que é necessáriaa memorização das regras, habilidades motoras, orientaçãoespacial e cooperação.Em relação à troca de experiências entre professores, bolsistase participantes <strong>do</strong>s núcleos <strong>do</strong> PELC/Vida Saudável, pode-sedizer que existe uma socialização positiva, na qual os professores ebolsistas atuam como facilita<strong>do</strong>res, oportunizan<strong>do</strong> situações capazesde promover a autonomia <strong>do</strong>s participantes, para que possam


70 Educar, aprender e viver com qualidadecontribuir na promoção da qualidade de vida da comunidade.Nos jogos adapta<strong>do</strong>s, os participantes aprendem a compreenderas limitações <strong>do</strong> outro, ten<strong>do</strong> a capacidade de administrar os conflitosexistentes. Sabe-se que, nos grupos de atividades, algumaspessoas têm maiores habilidades motoras <strong>do</strong> que outras, mas mesmoassim o grupo se mostra solidário e prestativo. Outro exemploé o jogo de câmbio, no qual os participantes mais habili<strong>do</strong>sos auxiliamaqueles com maiores dificuldade de aprendizagem a executaras trocas de posição durante o jogo, fortalecen<strong>do</strong> assim a teoria<strong>do</strong> terceiro pilar, aprender a viver juntos, respeitan<strong>do</strong> os valores decada um.Outra ilustração refere-se aos grupos de convivência.Essas reuniões podem ser orientadas através de diversas formasde organização e funcionamento, próprias de cada comunidade.Porém, para uma melhora na qualidade de vida de seus participantes,faz-se necessária uma meto<strong>do</strong>logia que oriente o andamentodessa modalidade de atividade. Com esse objetivo, apontam-seos grupos de reflexão como modelo nortea<strong>do</strong>r para o desenvolvimentodas atividades nos grupos de convivência, visto que dessemo<strong>do</strong> alia-se a ensino-aprendizagem, ao caráter transforma<strong>do</strong>rinerente a essa proposta de grupo. As reuniões seguem balizadaspor <strong>do</strong>is princípios básicos: que cada um e to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> grupo façamuma renovação e continuada flexão sobre si próprios, assumin<strong>do</strong>as responsabilidades que lhes são próprias, e que além disso possamrefletir-se de forma especular com os demais <strong>do</strong> grupo. Aoelaborar a concepção de grupo de reflexão, Dellarossa (1979) notouque é inegável que por mecanismos específicos dessa modalidadede grupo ocorram modificações na atitude e na conduta <strong>do</strong>sseus integrantes.O desenvolvimento das atividades nos grupos de reflexãoconsiste resumidamente em iniciar os encontros com uma tarefa,que pode ser definida como: uma pauta, uma palestra, umadinâmica, uma oficina ou qualquer outra atividade que mobilize ogrupo. Sugere-se por exemplo: oficina de contos e histórias imagináriasou reais, apresentação de filmes temáticos, que também sejamescolhi<strong>do</strong>s pelos próprios integrantes <strong>do</strong> grupos, para que elesse tornem agentes ativos de sua própria transformação, assim


Sonia M. L. Bredemeier 71como também jogos e palestras educacionais e pedagógicas. Apósisso, o coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong> grupo articula uma conversa em que os integrantes<strong>do</strong> grupo possam falar sobre as dificuldades e as dúvidasencontradas na atividade, bem como sobre as emoções e ashistórias particulares de cada um relacionadas à mesma. Dessaforma, o grupo de reflexão pode servir como um valioso instrumentoque nos permite construir redes sociais solidárias que otimizamos recursos e as competências <strong>do</strong>s indivíduos, das famíliase das comunidades. Assim, acredita-se que é possível produziralgo novo a partir <strong>do</strong> que os participantes <strong>do</strong> grupo já apresentam,levan<strong>do</strong> em conta que to<strong>do</strong> encontro é produtivo, apesar das dificuldadesque existem.O desenrolar das atividades no grupo de reflexão podeser dividi<strong>do</strong> em <strong>do</strong>is momentos singulares: a tarefa e o diálogopós-tarefa. Esses <strong>do</strong>is eixos de funcionamento podem ser compara<strong>do</strong>scom as duas vias complementares <strong>do</strong> terceiro pilar da educação,proposto por Delors (1999): a descoberta <strong>do</strong> outro e tenderpara objetivos comuns.Na via complementar “a descoberta <strong>do</strong> outro”, Delors etal. (1999) destacam a importância <strong>do</strong> reconhecimento <strong>do</strong> outro eafirmam que o confronto através <strong>do</strong> diálogo e da troca de argumentosé um <strong>do</strong>s instrumentos indispensáveis à educação no séculoXXI. E, nesse âmbito, o diálogo pós-tarefa <strong>do</strong> grupo de reflexãocumpre seu papel na mediação e resolução de conflitos através <strong>do</strong>diálogo. Em relação à outra via, “tender para objetivos comuns”, oautor prioriza o trabalho conjunto sobre projetos motiva<strong>do</strong>rescomo um mecanismo de redução de conflitos interindividuais etensões entre classes sociais. Nesse ponto, também o grupo de reflexãodisponibiliza a tarefa como espaço de trabalho comum,onde to<strong>do</strong>s se envolvem com a resolução ou compreensão da mesma,unin<strong>do</strong>-se para esse fim.Conforme Ama<strong>do</strong> (apud Kahtalian, 2004), o grupo permiteque cada um volte a conhecer aquilo que está esqueci<strong>do</strong>. Permitetambém que o indivíduo reconheça que, sob as mais diferentesformas, ele tem uma necessidade vital de ser reconheci<strong>do</strong> pelosoutros.


72 Educar, aprender e viver com qualidadeContu<strong>do</strong>, esses acha<strong>do</strong>s possuem um valor nortea<strong>do</strong>r enão normativo, pois indicam um modelo para desenvolver atividadesgrupais visan<strong>do</strong> à educação para aprender a viver juntos,aprender a viver com os outros. Sen<strong>do</strong> assim, esse modelo pode seradapta<strong>do</strong> às mais diferentes realidades, elaboran<strong>do</strong>-se a partir dacultura e da realidade local com sua história e características próprias.Outra modalidade que está relacionada ao terceiro pilarpode ser o Grupo de Representantes, que qualifica o viver juntosde forma democrática. O grupo é composto por líderes <strong>do</strong>s projetossociais na área <strong>do</strong> envelhecimento, incluin<strong>do</strong> líderes <strong>do</strong> VidaSaudável escolhi<strong>do</strong>s democraticamente através <strong>do</strong> voto de cadamembro <strong>do</strong>s demais grupos. O Grupo teve sua formação devi<strong>do</strong> ànecessidade de socializar os aspectos positivos das ações desenvolvidasnos diferentes projetos, bem como de buscar caminhospara a solução de conflitos surgi<strong>do</strong>s no decorrer das atividadesrealizadas. As reuniões são bimensais. No grupo são discuti<strong>do</strong>s apolítica da UNISINOS na área <strong>do</strong> envelhecimento humano e o papel<strong>do</strong>s projetos frente às demandas advindas de seus usuários. É umespaço que possibilita a inclusão social através <strong>do</strong> diálogo, da crítica,da autonomia, da participação democrática, da cidadania e <strong>do</strong>exercício da representatividade. Dessa forma, os líderes tornam-setambém comprometi<strong>do</strong>s com os membros de seu respectivo grupono senti<strong>do</strong> de devolver aos mesmos as soluções/encaminhamentosencontra<strong>do</strong>s coletivamente, geran<strong>do</strong> assim o fortalecimento <strong>do</strong>vínculo grupal e resguardan<strong>do</strong> aos usuários o exercício da cidadania.Um exemplo disso foi o depoimento de um líder que se deu daseguinte forma: as atividades no Grupo PELC/Vida Saudável,quan<strong>do</strong> implementadas, ocorriam num espaço contíguo à crechecomunitária, que desenvolve seu trabalho junto à Associação <strong>do</strong>sMora<strong>do</strong>res, onde também ocorrem as atividades <strong>do</strong> PELC. Numprimeiro momento as professoras fechavam as janelas para que ascrianças não participassem de outro cenário. Atualmente é permiti<strong>do</strong>às crianças que visualizem os exercícios em desenvolvimento,e inclusive alguns eventos têm si<strong>do</strong> comuns. Trata-se de estimularas relações intergeracionais bem como a otimização <strong>do</strong>s espaços,


Sonia M. L. Bredemeier 73que muitas vezes permanecem ociosos nas comunidades, ten<strong>do</strong>como base a negociação, a representação, entre outras.APRENDER A SERNo que se refere ao quarto pilar, aprender a ser, que remeteaos aspectos éticos, de sociabilidade, percebeu-se nos núcleos <strong>do</strong>PELC/Vida Saudável que o respeito às diferenças está presente, namaioria das vezes, ali onde o relacionamento entre eles é de cooperação.Após adquiri<strong>do</strong>s novos conhecimentos (consciência corporal,<strong>do</strong>mínio da motricidade fina, habilidade no manuseio <strong>do</strong>sdiversos recursos materiais – colchonete, bola, bastão, garrafinhascom areia, entre outros), os participantes podem decidir a sua aplicaçãono ambiente familiar e social.A educação tem como papel essencial possibilitar a to<strong>do</strong>sos seres humanos a liberdade de pensamento, discernimento, sentimentose imaginação de que necessitam para desenvolver seustalentos e permanecer tanto quanto possível <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> seu própriodestino ( Delors et al., 1999).Através da dinâmica caixa de presentes com espelho dentroilustram-se essas afirmações com base na seguinte meto<strong>do</strong>logiapara a realização da experiência. Numa fala inicial, cria-se uma expectativade que nessa caixa se encontra um presente muito valiosoe que cada um deve olhar esse presente, mas não poderá contarao grande grupo o que há nessa caixa até descobrir qual é o presente.Após to<strong>do</strong>s olharem a caixa, iniciarem a discussão, lança-se umquestionamento ao grupo: vocês concordam comigo que naquelacaixa há um presente muito valioso? Em seguida, deixar o grupodiscutir sobre a dinâmica, os sentimentos que sentiram ao abrir acaixa e deparar-se com sua imagem no espelho. Podem tambémexternar a frustração que tiveram ao não encontrar um presentematerial. O objetivo dessa técnica de grupo é mostrar às pessoasque o valor de cada indivíduo é muito grande, principalmentequan<strong>do</strong> esse indivíduo somos nós. Também pretende reforçar queprecisamos nos valorizar e aprender a gostar de nós mesmos. Esserelato pode ser remeti<strong>do</strong> ao primeiro pilar – aprender a conhecer. O


74 Educar, aprender e viver com qualidadei<strong>do</strong>so deve conhecer a si mesmo e não apenas importar-se com osoutros. Muitos i<strong>do</strong>sos viveram com a responsabilidade de cuidarde uma casa, de manter uma família, de cuidar de mari<strong>do</strong>s e filhos,e nesse ínterim esquecem o quanto são valiosos mesmo que sejaapenas para si. Mas também podemos relacionar com o “aprendera ser”, que propõe que apesar das diferenças (raciais, estéticas,étnicas, entre outras) é importante aprender a conviver com essasdiferenças sem desrespeitar o outro, não o excluin<strong>do</strong>, mas sim oacolhen<strong>do</strong>.Em um <strong>do</strong>s núcleos, trabalha-se com uma população muitodiversificada, ou seja, integrantes que possuem suas própriascaracterísticas, capacidades e necessidades de aprendizagem. Elespodem, em um da<strong>do</strong> momento, apresentar alguma dificuldade naaprendizagem. Em especial, temos o caso de um senhor de 46 anosde idade que já foi acometi<strong>do</strong> oito vezes por um AVC (AcidenteVascular Cerebral), enfrentan<strong>do</strong> assim muitas limitações físicas eaté mesmo discriminação da sociedade e <strong>do</strong> próprio grupo. Osagentes devem tratar esse participante com igualdade, pois sãoeles que têm uma relação mais próxima e que têm maior contatocom o indivíduo com deficiência. A organização das atividadesa fim de facilitar as interações sociais é de responsabilidade <strong>do</strong>agente social. Por receio ou mesmo preconceito, esse sujeito comdeficiência tende a ser excluí<strong>do</strong> <strong>do</strong> grupo. Deve haver uma interferênciano grupo quan<strong>do</strong> necessário, desenvolven<strong>do</strong> a formaçãohumana e a afetividade entre os integrantes, como responsabilidade,cooperação, respeito pelos outros, solidariedade, organização,criatividade, confiança em si mesmo. Além disso, a participaçãopode trazer outros benefícios, particularmente no que diz respeitoao desenvolvimento das capacidades perceptivas, afetivas, de integraçãoe inserção social, que levam a uma maior condição deconsciência, em busca de sua futura independência e de seus próximos.O agente social deve favorecer o desenvolvimento e oaperfeiçoamento motor <strong>do</strong> educan<strong>do</strong>, onde se encontram a forçamuscular, a coordenação motora, a flexibilidade corporal, o equilíbriomotor, a velocidade e a resistência. A inclusão não deve se resumira aceitar a pessoa com deficiência no grupo, mas sim é saber


Sonia M. L. Bredemeier 75e aprender como se lida com as diferenças e, principalmente, comose trabalham as emoções frente aos diferentes. “Para que haja efetivamentea prática da inclusão, os educa<strong>do</strong>res precisam aprender aaceitar as diferenças individuais, incentivar e promover a valorizaçãodas pessoas e a cooperação entre elas. Portanto, a inclusão éuma ponte para a formação de um novo tipo de sociedade atravésde suas transformações” (Sassuki, 1999).Igualmente os agentes sociais devem sempre garantircondições de segurança para o integrante <strong>do</strong> grupo com deficiência,devem fazer adaptações, criar situações de mo<strong>do</strong> a possibilitara sua participação, sempre visan<strong>do</strong> todas as possibilidades que favoreçamo princípio da inclusão.O princípio da normalidade foi estabeleci<strong>do</strong> social, econômica,histórica e culturalmente, partin<strong>do</strong> de que o normal éconstituí<strong>do</strong> pela média, isto é, conceitos preestabeleci<strong>do</strong>s que determinampadrões. To<strong>do</strong>s os indivíduos apresentam diferenças,pois são seres distintos; porém cada vez que se fala da deficiência<strong>do</strong> outro ou da sua condição, reforça-se cada vez mais sua situação,partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> pressuposto de que uns são melhores <strong>do</strong> que osoutros.O que é ser normal, afinal? A sociedade é quem acaba determinan<strong>do</strong>o que é normal. Na realidade, quem segue as normasimpostas por essa sociedade é considera<strong>do</strong> normal, e quem estáfora <strong>do</strong>s padrões, tanto de beleza, corpo, inteligência, como de idade(pois hoje em dia a norma é manter-se jovem o maior tempopossível), é anormal e consequentemente excluí<strong>do</strong>.Mas o que não se pode esquecer é que to<strong>do</strong>s nós pertencemosa uma mesma categoria: a <strong>do</strong>s seres humanos. Portanto,deve-se desvincular e desconsiderar a divisão criada para os deficientes,mas sim entender que to<strong>do</strong>s possuem suas diferenças eque isso é maravilhoso (Mandarino, 2005).No início <strong>do</strong> projeto, sentiram-se muitas vezes dificuldadesem desempenhar um trabalho pedagógico para favorecer a inclusãodesse aluno, pois as atitudes presentes vão desde a rejeiçãototal até mesmo à aceitação condicionada pelo educa<strong>do</strong>r. Essesmotivos podem ser explica<strong>do</strong>s com o me<strong>do</strong> de enfrentar o novo, odiferente, pois a nossa cultura está voltada a lidar apenas com in-


76 Educar, aprender e viver com qualidadedivíduos fortes e saudáveis, deixan<strong>do</strong> de la<strong>do</strong> os corpos “<strong>do</strong>entes”,geran<strong>do</strong> com isso a exclusão. O processo de inclusão, por suavez, deve estar associa<strong>do</strong> a uma prática reflexiva com o grupo,para que o mesmo possa acontecer de forma natural e reconhecida.A relação entre agente social e usuário pode ser boa, independentede qualquer condição, mas isso só ocorre se o agenteaprender e compreender o fato de aceitar a to<strong>do</strong>s, apesar das dificuldadesencontradas. Depoimento de uma pessoa: A minha relaçãocom ele é bem tranquila, ele é bem receptivo, ele conversa bastantecomigo e me entende. Tenta também realizar sempre que possível todasas atividades que eu passo para o grupo (depoimento de um agentesocial).É de extrema importância que o agente receba as pessoasdespoja<strong>do</strong> de preconceitos, de forma afetiva. Com um pré-julgamentopode instalar-se uma barreira nas relação interpessoais. Oideal é que o educa<strong>do</strong>r receba e trate o educan<strong>do</strong> com deficiênciasou não com ternura e de coração aberto, para que esse possa sentir-seseguro e respeita<strong>do</strong> e assim evoluir no seu crescimento pessoale de aprendizagem.Um <strong>do</strong>s pontos positivos em dar aula para um deficiente é vê-loincluí<strong>do</strong> no resto <strong>do</strong> grupo, vê-lo tentan<strong>do</strong> participar, e vejo que ele nuncadesiste de tentar realizar alguma atividade. Eu fico muito feliz em ver suasatisfação quan<strong>do</strong> ele consegue realizar os exercícios propostos na aula(depoimento de um agente social).No grupo para iniciantes de atividade física, no qual atoda hora entram participantes novos, temos observa<strong>do</strong> que hábastante união. Quan<strong>do</strong> se apresenta uma nova participante, ascolegas ajudam aquelas que estão chegan<strong>do</strong>, mostran<strong>do</strong> a formacorreta de realizar as atividades. Essa atitude demonstra a aceitação<strong>do</strong>s novos integrantes.Basea<strong>do</strong> em Sassuki (1999), inclusão social entende-secomo um “processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir,em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidadesespeciais, e simultaneamente essas se preparam para assumir seuspapéis na sociedade. Trata-se de um processo bilateral, no qual aspessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam equacionar proble-


Sonia M. L. Bredemeier 77mas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidadespara to<strong>do</strong>s”. A prática da inclusão social repousa nosseguintes princípios: aceitação das diferenças individuais – valorizaçãode cada pessoa – a convivência dentro da diversidade humana– a aprendizagem através da cooperação.Cabe mencionar que, na sociedade de hoje, em que pre<strong>do</strong>minao culto ao belo e ao novo, não só as pessoas com deficiênciacomo as que envelhecem devem ser consideradas quan<strong>do</strong> se tratada inclusão.Contemplam-se, assim, os principais pressupostos nosquais se baseiam os objetivos <strong>do</strong> PELC.NOTAS FINAISEste trabalho oportunizou a seus autores a riqueza da reflexãosobre as ações educativas desenvolvidas no cotidiano deagentes sociais. Através <strong>do</strong> exercício de cotejar a prática com a teoriana troca de experiências, foi possível evidenciar que através <strong>do</strong>PELC se educam os outros, os outros aprendem juntamente com ospróprios agentes sociais, o que leva para uma melhor qualidade devida. Olhar para o dia a dia <strong>do</strong> agente como educa<strong>do</strong>r nos núcleosde Vida Saudável evidenciou a importância desse estar capacita<strong>do</strong>para o exercício de suas funções. Com base nos pilares da educaçãode Delors et al.(1999), foi possível reforçar a extrema importânciade balizar a educação numa perspectiva de que esse processo nuncaestá acaba<strong>do</strong>. É imprescindível promover a motivação para umaprendiza<strong>do</strong> que leve à potencialização das qualidades que estãopresentes em to<strong>do</strong>s os sujeitos. Esse aprendiza<strong>do</strong> reverte, sem dúvida,a uma qualificação da vida <strong>do</strong>s que fazem parte <strong>do</strong>s núcleosatravés <strong>do</strong>s quais o PELC se concretiza. Enfim, constatou-se que avalorização <strong>do</strong> cotidiano de trabalho <strong>do</strong>s agentes sociais leva aoenriquecimento de to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s.------------------------------


78 Educar, aprender e viver com qualidadeQUESTÕES PARA REFLEXÃO1. Como o aprender e as possibilidades de novas escolhas revertem para umavida qualificada?2. Quais os recursos <strong>do</strong>s quais se deve lançar mão para que o agente social semantenha permanentemente motiva<strong>do</strong>?3. Quais indica<strong>do</strong>res de avaliação que nos permitem aquilatar o resulta<strong>do</strong> danossa intervenção enquanto agentes sociais nos Núcleos de Vida Saudável?------------------------------REFERÊNCIASAMADO, C. In: KAHTALIAN, A. Dimensões <strong>do</strong> envelhecer. Rio de Janeiro: Revinter,2004.COSTA, A. C. G. In: BARROS, M. F. A.; BÚRIGO, S. Oficinas pedagógicas noexercício da criatividade e educação permanente na velhice. Revista Estu<strong>do</strong>sInterdisciplinares sobre Envelhecimento. Porto Alegre, v. 7, p. 117-134,2005.DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir. 2.ed. São Paulo: Cortez;Brasília: MEC; Unesco, 1999.MANDARINO, C. M. Normalidade e Diferença: Notas, Apontamentos e Reflexõesde uma Unidade de Ensino. In: XIV Congresso Brasileiro de Ciências<strong>do</strong> <strong>Esporte</strong> – I Congresso Internacional de Ciências <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>, 2005,Porto Alegre. Ciência para a Vida, 2005.NERI, A . L.; GEBERT, G. G. (Orgs.). Velhice e Sociedade. Campinas: Papirus,1999, p. 113-140.PALMA, L. S.;CACCHIONI, M. “Educação permanente: uma perspectivapara o trabalho educacional com o adulto maduro e com o i<strong>do</strong>so.” In:FREITAS, E. et al. Trata<strong>do</strong> de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: GuanabaraKoogan S. A., p. 1101-1109, 2002.PELC Disponível em www.esporte.gov.br Acesso em 23 de set. de 2008.RODRIGUES, Z. B. Os quatro pilares de uma educação para o século XXI esuas implicações na prática pedagógica. Disponível em


VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSAMaria Regina Morales 1Propõe uma reflexão sobre da<strong>do</strong>s epidemiológicos, conceitos em relação à violênciacontra a pessoa i<strong>do</strong>sa. Contém igualmente elementos para facilitar a identificação e aprevenção em relação a essa violência, já que se trata de um fenômeno mundial, considera<strong>do</strong>pela OMS um problema de saúde pública. Aborda as diferentes formas de violênciae suas características.INICIANDOSexagenário é assalta<strong>do</strong>. I<strong>do</strong>sa encontrada desnutrida.I<strong>do</strong>so é manti<strong>do</strong> em cárcere priva<strong>do</strong>. Avô é morto a pauladas. Mulherde 72 anos é esfaqueada. Mortes misteriosas em instituiçãoasilar. Destaques <strong>do</strong>s meios de comunicação – rádio, televisão, jornaise revistas –, essas manchetes atuais exemplificam a violênciacontra a pessoa i<strong>do</strong>sa – VCPI no Brasil. No entanto, essa violêncianão é só brasileira: é um problema universal e relacional entre osgêneros, as raças, entre os ricos e os pobres, os grupos sociais, nasmais variadas esferas de poder político, institucional e familiar(Minayo, 2004).Dos escritos bíblicos aos textos contemporâneos, na históriada civilização encontramos situações de VCPI. O século XX foiconsidera<strong>do</strong> o século da violência. Neste perío<strong>do</strong>, ela se torna maisgrave e mais visível como resulta<strong>do</strong> das profundas transforma-1 Maria Regina Morales <strong>do</strong>s Santos, psicóloga de adultos e especialista em Psicossomática.Psicóloga <strong>do</strong>s projetos <strong>do</strong> Pró-Maior, pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> GREG (Grupode Estu<strong>do</strong>s Gerontológicos da Unisinos).79


80 Violência contra a pessoa i<strong>do</strong>sações sociais, políticas e econômicas ocorridas, atingin<strong>do</strong> setores davida social, especialmente as populações mais vulneráveis, entreelas a i<strong>do</strong>sa. No Brasil, em 2002, essa população era de 14,4 milhõesde i<strong>do</strong>sos, 8,6% da população mundial; em 2025, estimada em 33,5milhões de i<strong>do</strong>sos, 15% da população, ocupava o sexto lugar empopulação i<strong>do</strong>sa no mun<strong>do</strong> (Freitas, 2004).Dos muitos abusos e violências cometi<strong>do</strong>s contra i<strong>do</strong>sos,poucos são notifica<strong>do</strong>s; estima-se que 70% das lesões e traumas sofri<strong>do</strong>spelos i<strong>do</strong>sos não entram nas estatísticas (Minayo, 2003).Na Inglaterra, em 1975, com a publicação <strong>do</strong> artigo“Granny Battered” (espancamento de avós), a violência contrai<strong>do</strong>sos foi descrita pela primeira vez na revista Modern Geriatrics eno jornal British Medical Journal. Desde então, tem si<strong>do</strong> tema depesquisas científicas e objetivo de ações governamentais em to<strong>do</strong> omun<strong>do</strong>. No Brasil, estu<strong>do</strong>s sobre a prevenção e estratégias de intervençõesforam realiza<strong>do</strong>s especialmente a partir de 1980, quan<strong>do</strong>as mortes por acidentes e violências de qualquer tipo em todasas faixas etárias passaram a responder pela segunda causa de óbitosno quadro da mortalidade em geral (Macha<strong>do</strong> e Queiroz, 2002).Atualmente, órgãos públicos das áreas da justiça, da segurançapública, gestores <strong>do</strong> setor da saúde e serviço social a percebemcomo um desafio.A violência não compõe a natureza humana; é um fenômenobiopsicossocial, complexo e dinâmico, um comportamentoaprendi<strong>do</strong> e internaliza<strong>do</strong> culturalmente, cujo espaço de surgimentoe desenvolvimento é a vida em sociedade (Minayo, 1994).A Organização Mundial de Saúde – OMS destacou em1996 a violência como uma questão de saúde pública mundial, ten<strong>do</strong>em vista suas consequências a curto e longo prazos. Ela é umaviolação <strong>do</strong>s direitos humanos, uma das causas mais importantesde lesões, <strong>do</strong>enças, perda de produtividade, isolamento e desesperança.Entretanto, quan<strong>do</strong> se trata de VCPI, na maioria das pessoashá dificuldade de compreensão e incredulidade, porque elasconsideram que é somente nas instituições que os i<strong>do</strong>sos sofremviolência e lhes parece improvável que os i<strong>do</strong>sos possam ser maltrata<strong>do</strong>sem suas próprias casas.


Maria Regina Morales 81DEFININDO A VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSAMuitos termos são emprega<strong>do</strong>s para definir o que é a violênciacontra a pessoa i<strong>do</strong>sa (VCPI): maus-tratos, abuso, negligência,omissão, aban<strong>do</strong>no, entre outros. Com seus significa<strong>do</strong>sdistintos, dependen<strong>do</strong> da situação, onde e como é utiliza<strong>do</strong>, cadaum desses termos possibilita diferentes percepções sociais, culturaise étnicas. Há na literatura uma variedade deles. Portanto a<strong>do</strong>tamosa da Rede Internacional da Prevenção contra os Maus-tratosem I<strong>do</strong>sos (INPEA, 1998), confirmada pela Organização Mundialde Saúde (OMS, 2001): uma ação (única ou repetida) ou ainda a ausênciade uma ação devida que causa sofrimento e angústia, queocorra numa relação em que haja expectativa de confiança, causan<strong>do</strong>sofrimento ou angústia a uma pessoa i<strong>do</strong>sa.Minayo (2004) amplia essa definição ao afirmar que sãoações ou omissões cometidas uma vez ou muitas vezes, prejudican<strong>do</strong>a integridade física e emocional das pessoas i<strong>do</strong>sas, impedin<strong>do</strong>-as<strong>do</strong> desempenho de seu papel social. A violência acontececomo uma quebra de expectativa positiva <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos em relação àspessoas e às instituições que os cercam (filhos, cônjuge, parentes,cuida<strong>do</strong>res e sociedade em geral).CONHECENDO AS DIFERENTES FORMAS E TIPOS DE VIOLÊNCIAA velhice é a última etapa/fase <strong>do</strong> curso vital, determinadapor eventos de múltipla natureza (biológicos, psicológicos, culturais,sociais e espirituais) <strong>do</strong> desenvolvimento humano; nunca éum fato total e ninguém se sente velho em todas as situações, nemdiante de to<strong>do</strong>s os projetos, e está a exigir novas posturas e novasatitudes, principalmente pelo impacto e pressões que, na proporção<strong>do</strong> seu crescimento, traz a sociedade (Debert, 1988; Py, 2004).A sociedade é contraditória em relação aos i<strong>do</strong>sos. Numavisão positiva, olha o envelhecimento saudável, ativo – mais expectativade vida e progresso, possibilidade de intervir no processode envelhecimento eficiente e eficaz –, aquele que advém davalorização da pessoa i<strong>do</strong>sa por sua história, sabe<strong>do</strong>ria, produção


82 Violência contra a pessoa i<strong>do</strong>sae contribuição às famílias e à sociedade. Numa visão negativa, vêo i<strong>do</strong>so <strong>do</strong>ente, pobre e só, que por limitações físicas, psíquicas, sociais,econômicas, culturais e espirituais está fora <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> detrabalho, da família e da sociedade, muitas vezes numa marginalizaçãoassumida por ele próprio, sem condições de superação: opeso morto. Olhar os seres humanos que envelhecem como saudáveisou <strong>do</strong>entes ativos ou inativos é percebê-los em seus extremos,desconsideran<strong>do</strong> as ricas experiências <strong>do</strong>s que vivem nesse meio.Aspectos individuais e coletivos da população i<strong>do</strong>sa precisamser compreendi<strong>do</strong>s: não é igual envelhecer no feminino ouno masculino, sozinho ou no seio da família, casa<strong>do</strong> ou viúvo,com filhos ou sem filhos, na zona urbana ou rural, ativo ou inativo,<strong>do</strong>ente ou saudável. Nessa diversidade, também brasileira, ocorremas violências, principalmente contra os porta<strong>do</strong>res de declíniofuncional e cognitivo ou incapacita<strong>do</strong>s.A VCPI pode ser classificada em:– estrutural: aquela que ocorre pela desigualdade social, naturalizadapela pobreza, miséria e discriminação. No Brasil, apenas25% <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos aposenta<strong>do</strong>s vivem com três salários mínimosou mais, portanto a maioria é pobre;– interpessoal: que se refere às interações e relações cotidianas; nopaís, mais de 95% <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos estão moran<strong>do</strong> com seus familiares;– institucional: que diz respeito à aplicação ou à omissão na gestãodas políticas sociais pelas instituições de assistência; suamaior expressão é a instituição de longa permanência, sobretu<strong>do</strong>as conveniadas com o Esta<strong>do</strong>, em que são comuns os processosde violência, de despersonalização, de destituição de podere vontade, de falta ou inadequação de alimentos e, também,omissão de cuida<strong>do</strong>s médicos específicos e personaliza<strong>do</strong>s,onde residem 2% da população i<strong>do</strong>sa (Souza et al., 2002).


Maria Regina Morales 83TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSANo <strong>do</strong>cumento Política Nacional de Redução da Morbimortalidadepor Acidentes e Violências <strong>do</strong> Ministério da Saúde(2001) há:– Violência Física: é o uso da força física para compelir os i<strong>do</strong>sos afazerem o que não desejam para feri-los, provocar <strong>do</strong>r, incapacidadeou morte;– Violência Psicológica: corresponde a agressões verbais ou gestuaiscom o objetivo de aterrorizar, humilhar, restringir a liberdadeou isolar <strong>do</strong> convívio social;– Violência Sexual: refere-se ao ato ou jogo sexual de caráter homoou heterorrelacional, utilizan<strong>do</strong> pessoas i<strong>do</strong>sas. Esses abusos visamobter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meiode aliciamento, violência física ou ameaças;– Aban<strong>do</strong>no: é a violência que se manifesta pela ausência ou deserção<strong>do</strong>s responsáveis governamentais, institucionais ou familiaresde prestar socorro a uma pessoa i<strong>do</strong>sa que necessite deproteção e assistência;– Negligência: refere-se à recusa ou à omissão de cuida<strong>do</strong>s devi<strong>do</strong>se necessários aos i<strong>do</strong>sos, por parte <strong>do</strong>s responsáveis familiaresou institucionais. A negligência é uma das formas de violênciamais presentes no país. Ela se manifesta frequentemente associadaa outros abusos, que geram lesões e traumas físicos, emocionaise sociais, em particular, para as pessoas i<strong>do</strong>sas que se encontramem situação de múltipla dependência ou incapacidade;– Violência Financeira ou Econômica: consiste na exploração imprópriaou ilegal ou no uso não consenti<strong>do</strong> pela pessoa i<strong>do</strong>sa deseus recursos financeiros e patrimoniais;– Autonegligência: diz respeito à conduta da pessoa i<strong>do</strong>sa, queameaça sua própria saúde ou segurança pela recusa de provercuida<strong>do</strong>s necessários a si mesma.Estudiosos <strong>do</strong> tema consideram ainda:– Violência Medicamentosa: é administração por familiares, cuida<strong>do</strong>rese profissionais <strong>do</strong>s medicamentos prescritos de formaindevida, aumentan<strong>do</strong>, diminuin<strong>do</strong> ou excluin<strong>do</strong> medicamentos;


84 Violência contra a pessoa i<strong>do</strong>sa– Violência Emocional e Social: refere-se à agressão verbal crônica,incluin<strong>do</strong> palavras depreciativas que possam desrespeitar aidentidade, dignidade e autoestima. Caracteriza-se pela faltade respeito à intimidade, falta de respeito aos desejos, negação<strong>do</strong> acesso a amizades, desatenção a necessidades sociais e desaúde;– Negligência Social Difusa: que se manifesta como uma culturade omissão na relação com os i<strong>do</strong>sos: omissão quanto aos programasde proteção e quanto à avaliação das instituições queoferecem assistência a famílias que, por dificuldades financeirase outros motivos, costumam aban<strong>do</strong>nar seus familiares em instituiçõesde longa permanência e clínicas;– Violência Urbana: que se refere à circulação <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos pelas cidades,numa urbanidade despreparada para o deslocamento eacesso <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos. Essa forma de violência ressalta a questão<strong>do</strong>s transportes públicos e <strong>do</strong> trânsito, começan<strong>do</strong> pelo design<strong>do</strong>s ônibus com escadas de acesso muito altas e roletas apertadasou difíceis de mover.As violências contra as pessoas i<strong>do</strong>sas, segun<strong>do</strong> Minayo(2003), necessitam ser vistas sob pelo menos três aspectos: o demográfico,o epidemiológico, o antropológico e cultural.a. No aspecto demográfico, salienta-se o acelera<strong>do</strong> crescimentonas proporções de i<strong>do</strong>sos em quase to<strong>do</strong>s os países <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Fenômenoquantitativo que repercute uma maior visibilidade socialdesse grupo etário e na expressão de suas necessidades. Segun<strong>do</strong> oIBGE, 2003, no Brasil, a expectativa de vida em 1900 era de 33 anos esete meses; em 1950 atingiu os 43 anos e <strong>do</strong>is meses e a partir de então,aumentan<strong>do</strong> expressivamente, chegou em 2008 aos 72 anos,quan<strong>do</strong> essa era uma estimativa para 2025.Apesar de to<strong>do</strong> esse crescimento populacional, a maiorincidência de i<strong>do</strong>sos permanece na faixa de 60 a 69 anos (a faixaem que a vitimação por violência incide mais frequentemente),constituin<strong>do</strong> menos de 10% da população total. Essa população ultrapassaos 14 milhões de pessoas; portanto é impossível que osi<strong>do</strong>sos e os problemas relativos à velhice, especialmente os da violência,continuem despercebi<strong>do</strong>s no país; pelo contrário, devemser temas obrigatórios da pauta <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s das questões sociais.


Maria Regina Morales 85b. Da<strong>do</strong>s epidemiológicos evidenciam o número crescente daviolência contra as pessoas i<strong>do</strong>sas: pesquisas realizadas pelo InstitutoBrasileiro de Ciências Criminais (IBCC), em São Paulo, juntoàs delegacias de Proteção ao I<strong>do</strong>so, analisaram 1.856 boletins deocorrência de 1991 a 1998, concluin<strong>do</strong> que a violência psicológicafoi a mais frequente, seguida pela negligência, depois pela violênciafísica, e por último a violência financeira; 57 % das ocorrênciasreferiam-se a agressores <strong>do</strong> sexo masculino. Outra pesquisa destacaque, em Belo Horizonte, das 1.388 vítimas, 72% eram mulheres.Na Bahia, observa-se que 94% <strong>do</strong>s familiares cuida<strong>do</strong>res dependiamda renda <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so. No Rio Grande <strong>do</strong> Sul, a Secretaria Estadual daSaúde (SES/RS) e o Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS)informam que, em 2006, 52,6% <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos foram agredi<strong>do</strong>s em casae, em 2007, 64,3%; em 2006, 83,7% de i<strong>do</strong>sos foram vítimas de violênciafísica; em 2007, diminuiu para 49,7%; e em 2008 já foram registra<strong>do</strong>s71 casos de violência física e 38 casos de negligência ouaban<strong>do</strong>no, da<strong>do</strong>s registra<strong>do</strong>s em 18 hospitais e 25 Unidades Básicasde Saúde desse Esta<strong>do</strong> (Pasinato, 2004, CEVS/RS, 2008).No Brasil, as violências e os acidentes constituem 3,5%<strong>do</strong>s óbitos de pessoas i<strong>do</strong>sas, ocupam o 6º lugar na mortalidade;93.000 i<strong>do</strong>sos são interna<strong>do</strong>s por ano, morrem cerca de 13.000i<strong>do</strong>sos/ano, por dia uma média de 35 óbitos, <strong>do</strong>s quais 66% são dehomens e 34% de mulheres. Desses, 53% por quedas; 27% por violênciase 20% por acidentes de trânsito.c. No aspecto antropológico e cultural, destaca-se que em diferentescontextos históricos há atribuição de poderes para cada cicloda vida e um desinvestimento político e social na pessoa <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so. A maioria das culturas tende a segregar seus i<strong>do</strong>sos. Emnossas sociedades, essa tendência se expressa, sobretu<strong>do</strong>, nos conflitosintergeracionais, maus-tratos e negligências, cuja elaboraçãocultural e simbólica se diferencia no tempo por classes, por etnias epor gênero, em tradicionais formas de discriminação, como o atributoque comumente lhes é impingi<strong>do</strong> como peso social.O i<strong>do</strong>so brasileiro tem sofri<strong>do</strong> com omissão quanto àspolíticas e aos programas de proteção específicos. Em 1994, foi promulgadaa Lei Federal 8.842, buscan<strong>do</strong> ordenar a proteção aosi<strong>do</strong>sos; em 2003, o Estatuto <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so (Lei 10.741/3/2004) – prevê


86 Violência contra a pessoa i<strong>do</strong>sasanções e penalidades em caso de não cumprimento da legislação.Embora com aplicações ainda precárias, a questão da violênciacontra os i<strong>do</strong>sos passou a contar com um instrumento legal e específico,que regula os seus direitos.INDICADORES DA VIOLÊNCIA CONTRA PESSOA IDOSADe diferentes maneiras, em diferentes situações, os i<strong>do</strong>sosvitima<strong>do</strong>s por violência sinalizam o seu sofrimento através de indica<strong>do</strong>res.São condutas, queixas ou simples gestos, que marcam aexistência de violência, especialmente captadas por profissionaisatentos.No Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, elabora<strong>do</strong>pela Organização Mundial de Saúde, consta o quadro abaixo sobreindica<strong>do</strong>res de violência relativos à pessoa i<strong>do</strong>sa. Importantecontribuição na tarefa de diagnosticar uma possível violência.


Maria Regina Morales 87FÍSICOS Queixas deter si<strong>do</strong> fisicamenteagredi<strong>do</strong>. Quedas elesões inexplicáveis. Queimadurase hematomasem lugaresincomunsou de tipo incomum. Cortes,marcas dede<strong>do</strong>s ou outrasevidênciasde <strong>do</strong>minaçãofísica. Prescriçõesexcessivamenterepetidasou subutilizaçãosemcausa relacionadaa <strong>do</strong>ença. Queixas frequentesde<strong>do</strong>res ab<strong>do</strong>minais;sangramentovaginalou analinexplicável.INDICADORES RELATIVOS AOS IDOSOSCOMPORTA-MENTAIS EEMOCIO-NAIS Mudançasno padrão daalimentaçãoou problemasde sono. Me<strong>do</strong>, confusãoou apatia. Passividade,retraimentoou depressãocrescente. Passividade,desesperançaou ansiedade. Declaraçõescontraditóriasou outrasambivalênciasque nãoresultam deconfusãomental. Relutânciapara falarabertamente. Fuga decontato físico,de olhar ouverbal com apessoa quecuida <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so. O i<strong>do</strong>so éisola<strong>do</strong> pelosoutros.SEXUAIS Queixas deter si<strong>do</strong> sexualmenteagredi<strong>do</strong>. Comportamentosexualque não combinacom osrelacionamentoscomuns<strong>do</strong> i<strong>do</strong>soe com apersonalidadeantiga. Mudançasde comportamentoinexplicáveis,taiscomo agressão,retraimentoou automutilação. Queixas frequentesde<strong>do</strong>res ab<strong>do</strong>minais;sangramentovaginalou analinexplicável.FINAN-CEIROS Retiradasde dinheirosque são incomunsou atípicas<strong>do</strong> i<strong>do</strong>so. Retiradasde dinheiroque não estãode acor<strong>do</strong>com os meios<strong>do</strong> i<strong>do</strong>so. Mudançade testamentoou de títulosde propriedadepara deixar acasa ou benspara “novosamigos ouparentes”. Bens quefaltam. O i<strong>do</strong>so“não consegueencontrar”as joiasou pertencespessoais. Atividadesuspeita emconta de cartãode crédito.INDICADO-RES RELATI-VOS ÀS PES-SOAS QUECUIDAMDOS IDOSOS A pessoaque cuida <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so parececansada ouestressada. A pessoaque cuida <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so pareceexcessivamentepreocupadaoudespreocupada. A pessoaque cuida <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so censurao i<strong>do</strong>so poratos taiscomo incontinência. A pessoaque cuida <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so se comportaagressivamente. A pessoaque cuida <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so trata-ocomo umacriança ou demo<strong>do</strong> desumano. A pessoaque cuida <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so temuma históriade abuso desubstânciasou de abusarde outros.


88 Violência contra a pessoa i<strong>do</strong>sa Evidênciade cuida<strong>do</strong>sinadequa<strong>do</strong>sou padrõesprecários dehigiene. A pessoaprocura assistênciamédicade médicosou centrosmédicos varia<strong>do</strong>s. Infecçõesgenitais recorrentesouferimentosem volta <strong>do</strong>sseios ou daregião genital. Roupas debaixo rasgadascom nó<strong>do</strong>asou manchasde sangue. Falta deconfortoquan<strong>do</strong> oi<strong>do</strong>so poderiaarcar com ele. Problemasmédicos oude saúdemental quenão são trata<strong>do</strong>s. Nível de assistênciaincompatívelcom a rendae os bens <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so. A pessoaque cuida <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so nãoquer que oi<strong>do</strong>so seja entrevista<strong>do</strong>sozinho. A pessoaque cuida <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so respondede mo<strong>do</strong>defensivoquan<strong>do</strong> questionada;elapode ser hostilou evasiva. A pessoaque cuida <strong>do</strong>i<strong>do</strong>so tem esta<strong>do</strong>cuidan<strong>do</strong>dele porum longo perío<strong>do</strong>de tempo.DETECTANDO A VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSADetectar a violência é uma necessidade, um obstáculo aser supera<strong>do</strong>, com cuida<strong>do</strong> e responsabilidade, por profissionais,técnicos e agentes sociais capacita<strong>do</strong>s. Ele pode estar nas própriaspessoas i<strong>do</strong>sas, nas famílias, nos cuida<strong>do</strong>res, nos próprios profissionaise até mesmo na sociedade.A violência contra os i<strong>do</strong>sos no interior de suas famíliasparece ser visto como um acontecimento natural e que não interessaa ninguém, a não ser para a própria família, passan<strong>do</strong> a ser umsegre<strong>do</strong> familiar. Os i<strong>do</strong>sos tendem a responsabilizar a si própriospela situação de violência e não o agressor. A violência tambémpode ser evidenciada em lares que oferecem riscos para a saúde,segurança e bem-estar <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so, como presença de degraus eleva-


Maria Regina Morales 89<strong>do</strong>s e iluminação inadequada, geran<strong>do</strong> uma falta de adequação àsnecessidades <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so. Como exemplo, Zimmermann (2000) relataque uma i<strong>do</strong>sa não dispunha de luz elétrica na sua residência, necessitan<strong>do</strong>utilizar o chuveiro elétrico <strong>do</strong> vizinho ou conformar-secom o banheiro sem iluminação. O filho dela, que residia no mesmoterreno, desligava a chave de luz da sua casa, impedin<strong>do</strong> queela usufruísse da eletricidade em sua residência, alegan<strong>do</strong> que geravamuitos gastos na sua conta de luz.Muitas denúncias referem parentes que vão morar com oi<strong>do</strong>so e acabam aproprian<strong>do</strong>-se de seus bens e ameaçan<strong>do</strong>-o de expulsãode sua própria casa, utilizan<strong>do</strong> de violência física e psíquicapara tentar forçá-lo a transferir ou inventariar seus bens aindaem vida.PREVENINDO A VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSAPrevenir uma ação ou mais ações violentas contra osi<strong>do</strong>sos implica estar atento à realidade desse i<strong>do</strong>so; evitar as diferentese diversas manifestações de violência, conhecer e detectarsituações e fatores de risco. Entre elas as apresentadas no Cadernode VCPI /SMS (2007):– Idade avançada e fragilidade <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos;– Dependência em todas as suas formas (física, mental, afetiva, socioeconômica);– Desestruturação familiar das relações familiares;– Existência de antecedentes de violência familiar;– Isolamento social;– Psicopatologias ou dependência química (drogas e álcool) <strong>do</strong>agressor ou da própria pessoa i<strong>do</strong>sa;– Relação desigual de poder entre a vítima e o agressor;– Alteração de sono ou incontinência fecal ou urinária, síndromesdemenciais gera<strong>do</strong>ras de estresse muito grande no cuida<strong>do</strong>r;– Despreparo de cuida<strong>do</strong>res e familiares;– Comportamento difícil da pessoa i<strong>do</strong>sa.


90 Violência contra a pessoa i<strong>do</strong>saA violência contra o i<strong>do</strong>so independe de raça, gênero eclasse social e ocorre onde se encontram as vítimas. Esses ambientessão suas casas, comunidades, centros de convivência ou instituiçõesde longa permanência. São comuns as ocorrências de váriasformas de violência simultaneamente.O PERFIL DA VÍTIMA DE VCPI:No Brasil, a pre<strong>do</strong>minância da violência contra mulheresi<strong>do</strong>sas reforça resulta<strong>do</strong>s de pesquisas internacionais que identificamo perfil da vítima como:– Mulher, viúva, maior de 75 anos;– Vive com os familiares; na maioria das vezes, um <strong>do</strong>s quais é oagressor;– Renda de até <strong>do</strong>is salários mínimos;– I<strong>do</strong>so frágil ou em situação de fragilidade;– Depende <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>r para suas atividades de vida diária;– Presença de vulnerabilidade emocional e psicológica.O PERFIL DO AGRESSOR:No Brasil, o perfil <strong>do</strong> agressor também coincide com overifica<strong>do</strong> em estu<strong>do</strong>s em outros países. Em São Paulo, 57% dasocorrências referem que os agressores são <strong>do</strong> sexo masculino, geralmentefilhos, netos, familiares ou vizinhos das vítimas:– Adulto de meia-idade;– Filho, filha ou cônjuge da vítima;– Consome álcool ou droga;– Transtorno mental;– Apresenta conflito relacional com a pessoa i<strong>do</strong>sa.


Maria Regina Morales 91TORNANDO A PREVENÇÃO UMA ATITUDE COLETIVAPrevenir a violência contra os i<strong>do</strong>sos exige que os profissionais,técnicos e agentes sociais envolvi<strong>do</strong>s periodicamente:– avaliem o nível de independência <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so nas suas atividadesdiárias;– estimulem a preservação dessa independência e autonomia;– incentivem os i<strong>do</strong>sos a participar de atividades sociais, de lazere recreação;– promovam atividades para a informação e prevenção da violência.O i<strong>do</strong>so previne a violência contra si próprio evitan<strong>do</strong> oisolamento social. Estu<strong>do</strong>s sugerem aos i<strong>do</strong>sos algumas destasações:– Manter contato com os amigos, que possam visitá-lo onde morae com quem possa falar <strong>do</strong>s seus problemas;– Aceitar as oportunidades para fazer novas amizades;– Participar de atividades sociais da comunidade (grupos de i<strong>do</strong>sos,centros de convivência, viagens etc.);– Participar <strong>do</strong>s serviços voluntários;– Realizar suas necessidades pessoais;– Ter controle <strong>do</strong>s seus pertences;– Ter alguém a quem recorrer quan<strong>do</strong> se sentir maltrata<strong>do</strong>.FINALIZANDO, DENUNCIE!Das dificuldades manifestadas pelos i<strong>do</strong>sos, para não denunciara violência que se lhes impõe, temos:– Me<strong>do</strong> da vítima de possíveis represálias. Por exemplo: o aumentoda violência, a institucionalização, a perda da liberdade etc.;– Me<strong>do</strong> que, ao revelar a existência da violência, o agressor (geralmentemembro da família da vítima) torne-se mais violento eponha em risco a sua vida;– Sentimento de culpa. A pessoa i<strong>do</strong>sa pode pensar que é sua culpapor estar sofren<strong>do</strong> os maus-tratos, pois não foi um bom paiou uma boa mãe e agora está colhen<strong>do</strong> os resulta<strong>do</strong>s;


92 Violência contra a pessoa i<strong>do</strong>sa– Vergonha. A vítima pode sentir vergonha por não ter consegui<strong>do</strong>controlar ou superar a situação em que se encontra. O fato deromper a cadeia de violência poderá abalar a reputação da família;– Chantagem emocional por parte <strong>do</strong> agressor;– Pensar que, se relatar o fato, ninguém acreditará em sua palavra;– Déficit cognitivo. A vítima é incapaz de informar a situação emque se encontra pelo fato de sofrer de problemas de memória,comunicação e outros distúrbios;– Acreditar que buscar ajuda é o reconhecimento <strong>do</strong> fracasso;– Isolamento social. A pessoa i<strong>do</strong>sa que vive no isolamento socialtem menos oportunidade de pedir ajuda;– Dependência exclusiva <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>r para prover suas necessidadesde vida diária;– Acreditar que ser maltrata<strong>do</strong> faz parte <strong>do</strong> processo <strong>do</strong> envelhecimento:isso é normal da idade.Diante da violência contra a pessoa i<strong>do</strong>sa, hoje um problemade saúde pública, toda a sociedade deve estar atenta, construin<strong>do</strong>e participan<strong>do</strong> de programas, estimulan<strong>do</strong> ações e informaçõesem to<strong>do</strong>s os níveis, nas comunidades, nas famílias e para o próprioi<strong>do</strong>so, visan<strong>do</strong> combater todas as formas de violência, possibilitan<strong>do</strong>a ressignificação da velhice cidadã, livre de qualquer formade discriminação, exploração e opressão.Recomendam-se que sejam amplia<strong>do</strong>s os protocolos deatendimento; multiplicadas as redes de apoio para os i<strong>do</strong>sos vitima<strong>do</strong>se a capacitação para os profissionais envolvi<strong>do</strong>s.Que os i<strong>do</strong>sos não assinem nada sem ler ou consultar umprofissional; exercitem o seu direito à cidadania, exijam os seus direitose lutem para garanti-los, participan<strong>do</strong> de grupos de i<strong>do</strong>sos ecom amigos.Que os i<strong>do</strong>sos não tenham me<strong>do</strong> de falar e exigir respeito,de advertir e não aceitar ameaças, de solicitar apoio e não ser passivo,de denunciar e não permitir ser maltrata<strong>do</strong>.------------------------------


Maria Regina Morales 93QUESTÕES PARA REFLEXÃO1. Quais os princípios que uma política de redução da violência contra a pessoai<strong>do</strong>sa deve considerar em relação à sociedade e ao próprio i<strong>do</strong>so?2. A maioria das VCPIs (Violência Contra a Pessoa I<strong>do</strong>sa) não são notificadas.Como romper com o silêncio que envolve essas violências?3. A sociedade atual não está preparada para enfrentar o desafio que a VCPIrepresenta. Como detectá-la e como preveni-la?------------------------------REFERÊNCIASDEBERT, G. A reinvenção da velhice. São Paulo: EDUSP, 1999.FREITAS, V. E. “Demografia e epidemiologia <strong>do</strong> envelhecimento.” In: Py, L.et. al. (org.). Tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Riode Janeiro: NAU Editora, 2004.IBGE 2003. Censo Demográfico 2000 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).Estimativa da população para 1º de julho de 2004. Disponível em. Acesso em 24 de setembro de 2008.MACHADO, I. & QUEIROZ Z. “Negligência e Maus-tratos.” In: FREITAS etal. Trata<strong>do</strong> de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro: Guanabara/ Koogan,2002.MINAYO, MCS. Violência contra os i<strong>do</strong>sos: O avesso <strong>do</strong> respeito à experiência eà sabe<strong>do</strong>ria. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasília, 2004.______. “Violência contra i<strong>do</strong>sos: relevância para um velho problema.” Cad.Saúde Pública, vol. 19, n. 3. Rio de Janeiro: 2003.______. “A Violência sob a Perspectiva da Saúde Pública.” Cadernos de SaúdePública. vol. 10, 1994.MINISTÉRIO DA SAÚDE – Política Nacional de Morbimortalidade por Acidentese Violências. Portaria MS/GM, n. 737 de 16/5/2001. Distrito Federal:Ministério da Saúde, 2001.PACHECO, J. L. et.al. (Org.) Tempo que arrebata. Holambra: Editora Setembro,2005.PASINATO, M. T.; CAMARANO, A. A., MACHADO L. “I<strong>do</strong>sos vítimas demaus-tratos <strong>do</strong>mésticos.” Estu<strong>do</strong> Exploratório das Informações <strong>do</strong>s Serviçosde Denúncia. Trabalho apresenta<strong>do</strong> no XIV Encontro Nacional deEstu<strong>do</strong>s Populacionais, MG, 2004.


94 Violência contra a pessoa i<strong>do</strong>saPY, L. et al. (Orgs.) Tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais.Rio de Janeiro: NAU Editora, 2004.SÃO PAULO. Secretaria de Saúde. Caderno de violência contra a pessoa i<strong>do</strong>sa:orientações gerais. Coordenação de desenvolvimento de programas e Políticasde Saúde CODEPPS. São Paulo: SMS, 2007.SOUZA, E. R.; MINAYO, M. C. S.; XIMENES, L. F.& DESLANDES, S. F. “Oi<strong>do</strong>so sob o olhar <strong>do</strong> outro.” In: Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio deJaneiro: Editora Fiocruz, 2002.ZIMMERMANN, Guite. Velhice: Aspectos biopsicossociais. Porto Alegre:Artmed, 2000.ANEXOO próprio i<strong>do</strong>so ou qualquer pessoa deve denunciar as violênciasaos órgãos competentes em seus Esta<strong>do</strong>s ou Municípios.Ministério Público:Promotorias de Defesa <strong>do</strong> I<strong>do</strong>soPromotoria de defesa da CidadaniaDefensoria PúblicaConselhos <strong>do</strong>s I<strong>do</strong>sos:Delegacias de Polícia:Delegacias de Proteção ao I<strong>do</strong>soPorto AlegreCentro de Referência de Assistência Social – (CRAS)SOS I<strong>do</strong>so;Disk-i<strong>do</strong>so.


REVENDO UMA TRAJETÓRIA E PROCURANDOCAMINHOS NA BUSCA DA GARANTIA DOSDIREITOS DOS IDOSOSSonia M. L. Bredemeier 1Aloísio Ruscheinsky 2Trata <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos. Busca resgatar a questão <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so desde a forma de nomeá-lo,muitas vezes de maneira preconceituosa, até as políticas públicas que procuramatender as demandas presentes numa sociedade que rapidamente envelhece. Além<strong>do</strong>s marcos da construção <strong>do</strong>s direitos, aborda as demandas que se põem nesse contexto.Finalmente, refere os conselhos municipais de direitos como mais um espaço quedeve ser protagoniza<strong>do</strong> pelo próprio i<strong>do</strong>so.INTRODUÇÃONa discussão sobre pessoas envelhecidas, pode-se referirou usar diversas denominações para nomear a pessoa que temuma vida prolongada, ou seja, uma esperança de vida maior. Pessoasda terceira idade, velhos, i<strong>do</strong>sos, cidadãos da maior idade,vovós e vovôs são termos usa<strong>do</strong>s ora para valorizar a(o) cidadã(ão)mais madura(o), ora para discriminá-la(o) de alguma1 Sonia M. L. Bredemeier, assistente social, especialista em Gerontologia Social e<strong>do</strong>utora em Serviço Social/PUCRS, presidente <strong>do</strong> Conselho Municipal de Defesa<strong>do</strong>s Direitos <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so – São Leopol<strong>do</strong>/RS (2007-2009), professora da UNISINOS.Coordena<strong>do</strong>ra da Especialização em Gerontologia Interventiva/UNISINOS.2 Aloísio Ruscheinsky é sociólogo, filósofo, <strong>do</strong>utor em Sociologia pela USP, professortitular da UNISINOS, membro de corpo editorial da Revista de Educação Públicae membro <strong>do</strong> corpo editorial da Revista Eletrônica <strong>do</strong> Mestra<strong>do</strong> em EducaçãoAmbiental. Dedica-se à Sociologia Urbana.95


96 Reven<strong>do</strong> uma trajetória e procuran<strong>do</strong> caminhos...forma. São construtos sociais que se modificam de acor<strong>do</strong> com asintenções de quem os usa. Na legislação a<strong>do</strong>ta-se a categoriai<strong>do</strong>so, denotan<strong>do</strong> o caráter político <strong>do</strong>s movimentos sociais queprocuraram dar um lugar legítimo à pessoa i<strong>do</strong>sa na legislaçãosocial.Já nos grupos de convivência a<strong>do</strong>ta-se comumente o termoterceira idade, enquanto que na mídia, para fugir <strong>do</strong> fenômeno <strong>do</strong>envelhecimento, usa-se o termo maior idade ou cidadãos longevos,entre outros.Por outro la<strong>do</strong>, propor a conexão entre a questão <strong>do</strong>s direitose o enigma <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos requer inclusive um combate ao significa<strong>do</strong>das palavras e aos termos atribuí<strong>do</strong>s. Os termos quedesignam as pessoas afastadas <strong>do</strong> processo formal de emprego estãocarrega<strong>do</strong>s de preconceitos, relacionan<strong>do</strong> aposenta<strong>do</strong>ria comincapacidade de produzir, de participar. Os termos aposenta<strong>do</strong> –instala<strong>do</strong> em aposento – e inativo – que não tem atividade (Houaiss,2001) – bem demonstram uma visão equivocada, uma vez que avida não se interrompe, a ela não se renuncia quan<strong>do</strong> se entranuma nova etapa.Da<strong>do</strong>s demográficos <strong>do</strong> Brasil constatam o número de17,6 milhões de pessoas i<strong>do</strong>sas. As projeções preveem um aumentosignificativo desse número nas próximas décadas, aumento esteem função de fatores como a diminuição da mortalidade infantil,uma diminuição no índice de fertilidade das mulheres, soma<strong>do</strong> àmelhora <strong>do</strong>s serviços de saúde e ao combate das <strong>do</strong>enças, fazen<strong>do</strong>com que as pessoas vivam mais tempo, caracterizan<strong>do</strong> um gradualaumento da longevidade. Essa situação, nas devidas proporções,repete-se em nosso esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, onde aspessoas com 60 anos ou mais são em número de 1.172.124 (FEE,2006). A mudança na distribuição etária altera as característicasdas políticas sociais, exigin<strong>do</strong> estratégias e implementação de benefíciosindividuais, serviços, programas e projetos relaciona<strong>do</strong>s àpromoção <strong>do</strong>s direitos humanos <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so.


Sonia M. L. Bredemeier e Aloísio Ruscheinsky 97CONCRETIZANDO DIREITOSA ambiguidade se faz presente nesse senti<strong>do</strong>. De um la<strong>do</strong>,angariar novos direitos e, de outro la<strong>do</strong>, permanecer com a opçãopor gozar de outros. Do ponto de vista da cidadania, há uma lutacontra formas de discriminação escancaradas ou sutis, quan<strong>do</strong>não se é convida<strong>do</strong> a opinar em decisões, mesmo até no âmbito familiar.O voto que, pela Constituição, é facultativo aos i<strong>do</strong>sos, umavez que já cumpriram seu dever, expõe a ambiguidade da dispensade exercer seus direitos. De qualquer forma, a sociedade brasileiraestá preocupada com seu envelhecimento, e um exemplo dessapreocupação revela-se através da realização das conferências municipais,estaduais e nacionais.As respostas que a sociedade vem dan<strong>do</strong> concretizam-seatravés de legislações e políticas sociais voltadas para essa parcelada sociedade. Leis, estatuto, planos e programas.É através da Seguridade Social que são contempla<strong>do</strong>s osdireitos <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so, que remetem à saúde, previdência e assistênciasocial. Nesta última tem significativa abrangência o benefício decaráter não contributivo denomina<strong>do</strong> de Benefício de PrestaçãoContinuada – BPC – a que têm acesso i<strong>do</strong>sos e porta<strong>do</strong>res de deficiência,desde que enquadra<strong>do</strong>s nos critérios estabeleci<strong>do</strong>s. Nocaso <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos, deve ser comprovada a idade de 65 anos ou mais,bem como uma renda familiar “per capita” inferior a um quarto <strong>do</strong>salário mínimo vigente.Outras formas de lidar com o envelhecimento acontecematravés de grupos, conselhos de i<strong>do</strong>sos, atividades as mais diversas.Nos conselhos, locus onde se busca a garantia <strong>do</strong>s direitos,surgem demandas principalmente quanto à saúde, assistência,transporte e lazer. No Rio Grande <strong>do</strong> Sul, onde se constituiu umarede diversificada como em outros esta<strong>do</strong>s, encontramos uma tipologiade grupos de i<strong>do</strong>sos, com sua diversidade e seu significa<strong>do</strong>para cada um <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos em especial e para a coletividade.À medida que se estabelecem os direitos <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos, osconselhos e os grupos passam a ser ativos, ganham publicidade aviolação <strong>do</strong>s direitos e os requisitos para uma vida longeva comqualidade.


98 Reven<strong>do</strong> uma trajetória e procuran<strong>do</strong> caminhos...O grande desafio para a consolidação <strong>do</strong>s direitos humanosde pessoas i<strong>do</strong>sas é o dilema entre autonomia ou dependência,seja em relação à vida familiar, seja na construção das formas deassociação e da agenda de demandas. Nesse senti<strong>do</strong>, consideran<strong>do</strong>os conflitos que destacamos e os encaminhamentos assinala<strong>do</strong>s,podemos considerar que hoje os i<strong>do</strong>sos ora comparecem nocenário como protagonistas, ora deixam-se monitorar pelas mediaçõesa que recorrem, ora agentes sociais põem a subalternidadenos encaminhamentos.A partir da concepção de que viver longamente devecoincidir com viver com qualidade de vida, implica por consequênciao exercício <strong>do</strong>s direitos de cidadania, sem o limite a conquistaslegais ou formais. O campo <strong>do</strong>s direitos humanos alargaseu horizonte com os novos direitos advin<strong>do</strong>s das lutas específicase concretas <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos, os quais emergiram com o advento da longevidade.Sobretu<strong>do</strong> convém reconhecer a esses sujeitos, que semostram ativos socialmente, a condição de definir suas necessidadespara exercer dinamicamente seus papéis de novos atores sociais.MARCOS DA CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS NO TEMPOAlguns marcos no tempo revelam a trajetória de atuaçãodesses, no senti<strong>do</strong> de garantir os cinco princípios básicos para aqualidade de vida de pessoas i<strong>do</strong>sas: independência, participação,bem-estar, desenvolvimento, dignidade, conforme a ONU. Em 1982, realiza-se o I Encontro Nacional de I<strong>do</strong>sos, emque representações de i<strong>do</strong>sos de to<strong>do</strong> o Brasil estavampresentes. Já no ano de 1984, o II Encontro Nacional de I<strong>do</strong>sos produzcomo resulta<strong>do</strong> a “Carta de Declaração <strong>do</strong>s Direitos<strong>do</strong>s I<strong>do</strong>sos Brasileiros”. Em mea<strong>do</strong>s da década de 1980, mais precisamente em1985, reúne-se a Confederação Brasileira de Aposenta<strong>do</strong>se Pensionistas, que iniciou a luta com o poder públicovisan<strong>do</strong> melhores condições para o i<strong>do</strong>so. A luta teve


Sonia M. L. Bredemeier e Aloísio Ruscheinsky 99seu princípio antes da Constituição e continuidade apósa mesma, já que não foram alcança<strong>do</strong>s os resulta<strong>do</strong>s deseja<strong>do</strong>s. Em 1986, aconteceu o I Fórum Nacional de Gerontologia– Associação Cearense Pró-I<strong>do</strong>sos –, que culminou coma “Carta <strong>do</strong>s Direitos <strong>do</strong>s I<strong>do</strong>sos”. No ano seguinte, em 1987, realizou-se o III Encontro Nacionalde I<strong>do</strong>sos com uma mobilização nacional de i<strong>do</strong>sosem mais um desses encontros promovi<strong>do</strong>s peloSESC de São Paulo. Em 1988, houve o reconhecimento da “necessidade deatenção à velhice” na Constituição da República Federativa<strong>do</strong> Brasil, que foi fruto da sensibilização da sociedadeàs demandas que se faziam presentes. O Seminário Nacional “O i<strong>do</strong>so na sociedade atual”aconteceu, em Brasília, no ano de 1989, precedi<strong>do</strong> porSeminários Regionais. No final desse ano, foi elabora<strong>do</strong> o <strong>do</strong>cumento “Políticaspara a Terceira Idade para os anos 1990,” abordan<strong>do</strong>as seguintes áreas: educação (educação e novas aprendizagens,formação da opinião pública, lazer e cultura),saúde, promoção e assistência social, habitação, trabalho,previdência e seguridade social, preparação para aaposenta<strong>do</strong>ria, sugerin<strong>do</strong>-se também a criação <strong>do</strong> ConselhoNacional. Em outubro de 1990, foi designada uma Comissão Interministerialpara redigir o texto da lei sobre uma políticanacional para os i<strong>do</strong>sos brasileiros. Assim foi constituí<strong>do</strong>o “Documento Preliminar da Política Nacional <strong>do</strong>I<strong>do</strong>so”, versan<strong>do</strong> sobre os seguintes temas: formação daopinião pública, trabalho e previdência social, educação,saúde, habitação, promoção e assistência social, esportee lazer, cultura, preven<strong>do</strong> também a criação <strong>do</strong>Conselho Nacional. Essa Comissão foi assessorada porespecialistas na questão, fican<strong>do</strong> caracterizada a contribuiçãodas entidades Sociedade Brasileira de Geriatria eGerontologia, Associação Nacional de Gerontologia,


100 Reven<strong>do</strong> uma trajetória e procuran<strong>do</strong> caminhos...bem como o Conselho Estadual <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so/RS, que sempreesteve presente nessa trajetória. Em 1991, mais especificamente no dia 24 de julho,deu-se a aprovação das Leis de Custeio e Benefícioscomo resposta à mobilização específica para a conquista<strong>do</strong>s 147%. “Os aposenta<strong>do</strong>s e pensionistas, através desuas associações, recorreram judicialmente para receberos 147% a que fazem jus, exigin<strong>do</strong> o cumprimento daConstituição” (Haddad, 1993, p. 105). No dia 4 de janeiro de 1994, acontece a promulgação daLei nº 8.842, que estabelece a Política Nacional <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so– PNI –, conten<strong>do</strong> a construção efetivada e explicitan<strong>do</strong>a criação <strong>do</strong>s conselhos paritários. Em 3 de julho de 1996, através de decreto, regulamenta-sea PNI. Em 13 de maio de 2002, foi cria<strong>do</strong> o Conselho Nacional<strong>do</strong>s Direitos <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so – CNDI por meio <strong>do</strong> Decreto nº4.227. Antes, porém, no ano de 2000, foi sancionada a Lei nº11.517, estabelecen<strong>do</strong> a Política Estadual <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so noRio Grande <strong>do</strong> Sul. Mais precisamente em 28 de julho<strong>do</strong> ano cita<strong>do</strong>. Em 1º de outubro de 2003, é sanciona<strong>do</strong> o Estatuto <strong>do</strong>I<strong>do</strong>so através da Lei nº 10.741, que, com base em to<strong>do</strong>s osavanços decorri<strong>do</strong>s nos últimos anos, estabelece os direitosda pessoa i<strong>do</strong>sa. Um <strong>do</strong>s avanços <strong>do</strong> Estatuto é oestabelecimento de penas para quem não cumpri-lo. Asdeterminações nele contidas reforçam as ações <strong>do</strong> MinistérioPúblico na defesa da realização <strong>do</strong>s direitos aque o i<strong>do</strong>so faz jus.O estabelecimento de uma política social que contempleos direitos humanos <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos emerge por demanda e pela mobilização<strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s, como foi explicita<strong>do</strong> acima. Assim, a Lein º 8.842/94 e o Decreto nº 1.948, de 3/7/1996, dispõem sobre a PolíticaNacional <strong>do</strong>s I<strong>do</strong>sos, cuja finalidade é “assegurar os direitossociais <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos, crian<strong>do</strong> condições para promover a sua autonomiae efetiva participação na sociedade”.


Sonia M. L. Bredemeier e Aloísio Ruscheinsky 101O Estatuto <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so, de 2003, após um compasso deespera de seis anos, a<strong>do</strong>ta medidas de proteção: a) preferência deatendimento no Sistema Único de Saúde e remédios gratuitos, especialmenteos de uso continua<strong>do</strong>; b) os planos de saúde ficam impedi<strong>do</strong>sde reajustar as mensalidades de forma diferenciada emrazão da idade; c) para as pessoas com mais de 65 anos, haverágratuidade nos transportes coletivos e assentos preferenciais; d)descontos em eventos culturais e de lazer; e) negligência, discriminação,violência, crueldade ou opressão são passíveis de penas dedetenção.DEMANDAS POSTASA definição de estratégias para a implementação de direitosa i<strong>do</strong>sos tem si<strong>do</strong> um grande desafio, que passa pela capacidadede financiamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, a organização <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s e adifusão de uma cultura de reconhecimento. A questão <strong>do</strong>s direitoshumanos como temática geral pode ser destacada como prioritáriapara os i<strong>do</strong>sos, na forma da inclusão na vida social, econômica,cultural e política. Os seus promotores entendem que a dívida socialatribuída aos mais jovens e à sociedade para com os i<strong>do</strong>sosdeve ser reconhecida e paga, sen<strong>do</strong> uma questão de justiça socialpromover uma velhice com qualidade de vida.No decorrer <strong>do</strong> debate, são discuti<strong>do</strong>s temas como previdênciasocial e atenção à saúde; financiamento público das políticas;violência e maus-tratos; consumo e gratuidade de transporte;envelhecimento e gênero; cultura e participação; esporte, arte elazer. A temática <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos, com certeza direitos semprenovos e recentemente mais extensos, justifica um discurso convincenteda necessidade de efetivação desses direitos.As equipes de direitos humanos e a mídia demonstraram-sepre<strong>do</strong>minantemente preocupadas com as violações de direitoshumanos e a elaboração de ações de enfrentamento dessaviolência, seja no espaço priva<strong>do</strong>, seja no espaço público. As formasassociativas, por sua vez, possuem um espectro muito diversifica<strong>do</strong>de demandas por direitos.


102 Reven<strong>do</strong> uma trajetória e procuran<strong>do</strong> caminhos...A criação e o crescimento <strong>do</strong> número de grupos de i<strong>do</strong>sostendem a ser uma resposta às mudanças na sociabilidade em curso,uma alternativa ao declínio das casas de i<strong>do</strong>sos, uma busca dereconhecimento de direitos e de aprimoramento para compreenderas mudanças tecnológicas e culturais de sua época. Na diversidade,os grupos de i<strong>do</strong>sos suplantam a questão cultural arraigadana usual discriminação <strong>do</strong>s homens em relação às mulheres.Em algumas circunstâncias absorvem, preferencialmente,o grupo feminino por recusa <strong>do</strong>s pares. Por vezes em universos diferencia<strong>do</strong>s,homens e mulheres i<strong>do</strong>sos reciclam-se, tornan<strong>do</strong>-seautores, atores e personagens: um público masculino com preocupaçãopre<strong>do</strong>minante com a redistribuição da riqueza e com osdireitos <strong>do</strong> cidadão, e um público feminino empenha<strong>do</strong> pre<strong>do</strong>minantementeem promover mudanças no terreno cultural e <strong>do</strong>s direitosdifusos de quarta e quinta gerações.Cabe aqui talvez citar algumas demandas presentes nocotidiano <strong>do</strong>s conselhos municipais de i<strong>do</strong>sos.No que se refere à saúde, é marcante a demanda pela medicaçãogratuita como também pela presença de geriatras nos postosde saúde. É notório o pequeno número de profissionais dessaespecialidade, insuficiente para atender a população que rapidamenteenvelhece. Esse é um dilema encontra<strong>do</strong> em muitos <strong>do</strong>smunicípios <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, haja vista que, além da falta derecursos, existem distorções que se criam na operacionalização <strong>do</strong>sistema de saúde.No que tange ao lazer, são insuficientes as iniciativas dasentidades privadas e <strong>do</strong> poder público no senti<strong>do</strong> de satisfazer osanseios de viajar, de turismo. Uma grande discussão e até embatesjudiciais têm si<strong>do</strong> trava<strong>do</strong>s em torno da questão <strong>do</strong> transportepara o i<strong>do</strong>so. O estatuto dispõe sobre o transporte gratuito coletivopara pessoas de 65 anos ou mais, mas não atinge aqueles que têmmenos de 65 anos, e nem a gratuidade é total no transporte interestadual.Quanto ao transporte coletivo urbano antes <strong>do</strong>s 65 anos, asdecisões ficam a cargo das próprias municipalidades, que têm feito,ou não, esforços junto à iniciativa privada para atender os indivíduosnesse patamar de idade.


Sonia M. L. Bredemeier e Aloísio Ruscheinsky 103Outrossim, pode-se constatar a tendência atual no senti<strong>do</strong>de estimular a criação <strong>do</strong>s conselhos municipais de i<strong>do</strong>sos, comvistas a ampliar os espaços de proposição e fiscalização de políticaspúblicas para os i<strong>do</strong>sos. Os conselhos são órgãos de naturezanormativa, consultiva, deliberativa, além de fiscaliza<strong>do</strong>ra.Compõem-se paritariamente de representantes de entidades dasociedade civil e <strong>do</strong> governo. Devem ser legalmente constituí<strong>do</strong>satravés de lei municipal.Para que possam realmente concretizar seu papel, é importanteque sejam resulta<strong>do</strong> da mobilização <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos através desuas organizações, contan<strong>do</strong> com o apoio de técnicos capacita<strong>do</strong>sna área <strong>do</strong> envelhecimento. Sabe-se que estão fada<strong>do</strong>s ao insucessoos conselhos municipais cuja criação ateve-se simplesmente auma decisão muitas vezes político-partidária, com fins outros quenão os direitos <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos. Os conselhos estaduais de i<strong>do</strong>sos e oConselho Nacional <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so oferecem suporte aos municípios interessa<strong>do</strong>sem orientação para a criação de seus conselhos. Valeressaltar que nos conselhos os i<strong>do</strong>sos podem e devem protagonizara sua construção.Como se depreende, a concretização <strong>do</strong>s direitos no quetange ao envelhecimento é uma caminhada longa a ser trilhada pelosi<strong>do</strong>sos e por aqueles que têm empatia pela questão.------------------------------QUESTÕES PARA REFLEXÃO1. Quais as formas de discriminação <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so presentes na realidade ondevocê está inseri<strong>do</strong>?2. Consideran<strong>do</strong> o contexto onde o agente social desenvolve a sua ação, quala maior demanda identificada no que tange aos i<strong>do</strong>sos?3. Se no seu município e no seu esta<strong>do</strong> existem conselho municipal e estadualrespectivamente, quais as leis ou decretos que os criaram?------------------------------


104 Reven<strong>do</strong> uma trajetória e procuran<strong>do</strong> caminhos...REFERÊNCIASFUNDAÇÃO de Economia e Estatística. Disponível em . Acesso em 23 de novembro de 2006.HADDAD, E. G. de M. O direito à velhice: os aposenta<strong>do</strong>s e a Previdência Social.São Paulo: Cortez, 1993.HOUAISS, Dicionário da Língua Portuguesa.


O SOL REFULGE AO ENTARDECER DA VIDAJosé Ivo Follmann, SJ 1Considera a dimensão da espiritualidade <strong>do</strong> ser humano ao envelhecer. Com a imagem<strong>do</strong> pôr <strong>do</strong> sol, no horizonte da reflexão, o autor propõe um passeio pelos caminhos dabusca <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da vida, da busca <strong>do</strong> transcendente, da importância <strong>do</strong> diálogo inter-religiosoe da boa relação com os outros, com a natureza, consigo mesmo e comDeus no entardecer da vida.PALAVRAS INICIAIS...Ao envelhecer, viver em espírito e de bem com a vida, eisa questão! As linhas que compõem este breve texto são um conviteà reflexão. Partin<strong>do</strong> de uma imagem da natureza, que nos acompanhano cotidiano, o centro das atenções no texto é a espiritualidadeno envelhecer.É difícil encontrar alguém que possa dizer que nunca sedeixou tocar pela grandiosa harmonia de um pôr <strong>do</strong> sol. Em geralperdemo-nos nas contas. São inúmeras as vezes em que nos surpreendemospara<strong>do</strong>s sob o impacto das refulgentes manifestaçõesda natureza ao entardecer. Às vezes, essas paisagens repletas decores, luz e vida batem no retrovisor <strong>do</strong> carro e dá vontade deparar, mas o trânsito não deixa... Com movimentos e colori<strong>do</strong>ssurpreendentes, elas são difíceis de enquadrar em esquemas e1 Sacer<strong>do</strong>te jesuíta. Doutor em Sociologia das Religiões. Vice-reitor, diretor deAção Social e professor <strong>do</strong> Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade<strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Rio <strong>do</strong>s Sinos – UNISINOS. Diretor de Assistência Social daAssociação Antonio Vieira – ASAV.105


106 O sol refulge ao entardecer da vidaperspectivas pré-desenha<strong>do</strong>s em nossas retinas. São paisagens ejogos de cores e luzes que não se repetem; assim como é irrepetívela existência das pessoas humanas.No entardecer da vida humana, geralmente se tem maistempo para sair <strong>do</strong> trânsito... Por isso, o sol também refulge maisnesse entardecer! Não são poucos os que já disseram ou escreveramque a dimensão espiritual se desenvolve mais facilmentenesse entardecer e assume, muitas vezes, movimentos e colori<strong>do</strong>ssurpreendentes na vida das pessoas mais amadurecidas na idade.Como num contemplar o sol que refulge ao entardecer, osapontamentos aqui traça<strong>do</strong>s querem ser um convite para a reflexãoa partir de alguns movimentos espirituais muito importantesna vida de todas as pessoas, mas sobretu<strong>do</strong> daquelas que já deixaramum longo caminho atrás de si. Destaca-se, inicialmente, adimensão da transcendência e <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da religião, que muitasvezes se avivam ao longo <strong>do</strong> envelhecimento. A par disso, é mostradatambém a importância da relação entre identidade religiosae diálogo inter-religioso. Isso se manifesta de uma forma especialno próprio campo religioso, mas também envolve o restabelecimentoda boa relação com os outros seres humanos e com a vidaem geral que está na natureza e em to<strong>do</strong> o meio ambiente.Evidentemente, não nos é possível propor mais <strong>do</strong> quepequenos retalhos e aproximações com relação à pujança da realidadevivencial, que está no coração das pessoas. Há coisas que sãodifíceis de falar e são ainda mais difíceis de escrever. Falar ou escreverestraga às vezes ... Por diversas vezes, já foi referida a liçãoque o autor recebeu de uma Mãe-de-Santo, de religião de matrizafricana e umbandista. 2 Aconteceu durante um seminário sobreTeologia das Religiões de Matriz Africana. A Mãe-de-Santo acabarade fazer uma intervenção falada de grande profundidade e de registroescrito necessário. Uma pergunta foi dirigida a ela, no finalde sua colocação, sobre o porquê de as religiões que ela estava representan<strong>do</strong>continuarem, ainda hoje, resistentes ao registro escri-2 Ialorixá Dolores Senhorinha Dornelles, Associação Africanista Santo Antonio deCategeró, São Leopol<strong>do</strong>, RS.


José Ivo Follmann, SJ 107to das grandes lições de vida e fé de seus líderes e de suas reflexõesespirituais e religiosas. Ela nos respondeu: “Padre Ivo, se a genteescreve, aí vêm outros, leem e saem fazen<strong>do</strong> bobagem!...” Foi umaresposta inesperada, que já nos oportunizou muita reflexão.Existem vivências que só podem ser transmitidas de coraçãoa coração, ou melhor, que só se refletem e manifestam efetivamenteatravés <strong>do</strong> nosso mo<strong>do</strong> de ser e de tratar os outros e asmanifestações da vida em geral. É por isso que as breves reflexõesabaixo são apresentadas na forma de despretensiosos retalhos eaproximações.São despretensiosos porque o autor tem a total consciênciade sugerir apenas algumas pontas da complexidade de vidaque é o ser humano no seu envelhecimento, irrepetível em seusmovimentos cotidianos de saúde e <strong>do</strong>ença, amparo e desamparo,comunhão e solidão, harmonia e desarmonia, esperança e desespero,euforia e melancolia, alegria e tristeza, amor e ódio, calorhumano e frieza, prazer e <strong>do</strong>r, estabilidade e instabilidade, permanênciae impermanência, grandeza e pequenez, plenitude espirituale vazio existencial, fortaleza e fragilidade, ânimo e desânimo,fé e descrença... Os retalhos e aproximações aqui propostos comparecemde diferentes formas nas experiências de vida de cada um e decada uma, e o colori<strong>do</strong> das paisagens fica infinitamente diversifica<strong>do</strong>e multiplica<strong>do</strong>.São retalhos e aproximações que certamente podem ajudar acompor um consistente fio condutor, para que a euforia não nosfaça sumir no espaço nem a melancolia nos enterre no abismo.TRANSCENDÊNCIA E RELIGIÃONuma tumba da necrópole de Tebas, um texto inscritotornou-se famoso... Encontra-se, na parede dessa tumba, a oraçãode um cego dirigida a Amon, divindade solar <strong>do</strong> antigo Egito, nosseguintes termos:É <strong>do</strong>ce pronunciar o seu nome! É como o gosto da vida, écomo o sabor <strong>do</strong> pão para a criança, como o teci<strong>do</strong> para o des-


108 O sol refulge ao entardecer da vidanuda<strong>do</strong>, como o gosto de um fruto [...] na estação acalorada,como o sopro da brisa para o aprisiona<strong>do</strong>.Faustino Teixeira faz das palavras dessa oração <strong>do</strong> cegode Tebas a frase de abertura <strong>do</strong> livro Sede de Deus. Falan<strong>do</strong> da universalidadeda oração, diz que essa “constitui um <strong>do</strong>s fenômenoscentrais de toda experiência religiosa humana, a fonte de ondeemana sua oxigenação essencial” (Teixeira, 2002, p. 7). Reproduzin<strong>do</strong>no livro 303 orações conhecidas na tradição escrita das trêsgrandes religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo),o autor quer expressar que a oração ultrapassa a diversidadedas religiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, manifestan<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong> a dimensão espiritual<strong>do</strong> ser humano na busca <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> de seu próprio ser.As culturas humanas estão repletas de fórmulas, rituais,recitais ou mesmo de sussurros e gritos desconexos expressos e registra<strong>do</strong>s,que elevam, de múltiplas formas, a alma humana na direção<strong>do</strong> incógnito e <strong>do</strong> inefável.O ser humano busca vislumbrar o senti<strong>do</strong> de sua própriaexistência. Nessa busca, ele se transcende. As nossas vidas, de umaforma mais ou menos perceptível, estão eivadas desses momentosde transcendência. Isso atravessa todas as idades, e muitos dizemser uma experiência que se intensifica quan<strong>do</strong> a pessoa se percebeenvelhecen<strong>do</strong>. Rubem Alves, numa passagem <strong>do</strong> seu livro intitula<strong>do</strong>Transparências da eternidade, assim escreve:O senti<strong>do</strong> da vida é algo que se experimenta emocionalmente,sem que se saiba explicar ou justificar. Não é algo que seconstrua, mas algo que nos ocorre de forma inesperada enão preparada, como uma brisa suave que nos atinge, semque saibamos <strong>do</strong>nde vem nem para onde vai. [...] É umatransformação de nossa visão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, na qual as coisas seintegram como em uma melodia, o que nos faz sentir reconcilia<strong>do</strong>scom o universo ao nosso re<strong>do</strong>r, [...] sensação inefávelde eternidade e infinitude, de comunhão com algo que nostranscende, envolve e embala, como se fosse um útero maternode dimensões cósmicas (Alves, 2002, p. 139).O que se experimenta e é senti<strong>do</strong> emocionalmente nãocabe em nossas pobres explicações racionais. É uma experiência


José Ivo Follmann, SJ 109que, em nossa concepção, consubstancia o termo religião. RubemAlves critica as religiões que, muitas vezes, reduzem esse sentimentoa racionalizações estéreis e a práticas esterilizantes. O verdadeirocaminho da religião é sempre o amor, que proporciona aoser humano sair de si e ir ao encontro <strong>do</strong> outro. Faustino Teixeirareporta um belo texto de Annemarie Schimmel sobre a aventuraespiritual de Rûmî, que recolhe em síntese a busca de todas as religiões:“Deus conhece todas as línguas e compreende o suspiro silenciosoexala<strong>do</strong> pelo coração de um ser amoroso” (Teixeira, 2002,p. 10). As religiões, quan<strong>do</strong> se colocam nesse caminho, dão contada expansão desse sentimento da transcendência, ou melhor, possibilitamao ser humano arrematar-se para fora <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> espaçoe <strong>do</strong> tempo na direção <strong>do</strong> encontro de seu verdadeiro ser. Todasas religiões buscam, de uma forma ou outra, ser canais dessa expansão<strong>do</strong> ser humano ao encontro de si mesmo. Assim, religiãoacontece de muitas formas, por dentro e por fora das religiões.O uso <strong>do</strong> termo religião merece, no entanto, um pequenocomentário complementar... Existe hoje uma utilização abundantedesse termo aplica<strong>do</strong> aos mais diversos tipos de emoção coletiva,como a de um clube de futebol, de um grupo de naturalistas etc. Areligião possui certamente uma dimensão emocional que cria laçosentre os indivíduos e lhes proporciona um sentimento de pertença.Mas ela estabelece, sobretu<strong>do</strong>, a referência a uma realidadetranscendente e funda<strong>do</strong>ra. Religião expressa um processo permanentede religar (religare, de Lactantius) e de reler (relegere, de Cícerus).Ou seja, no termo religião está presente uma permanentebusca de ligar de novo algo rompi<strong>do</strong>, cultivada num encadear dereleituras e tradição. O cerne desse religar diz respeito à relaçãocom divindades ou forças sobrenaturais, em relação às quais o serhumano, ao mesmo tempo em que percebe a sua própria limitação,se sente vigorosamente pacifica<strong>do</strong> e identifica<strong>do</strong>. O suspirosilencioso exala<strong>do</strong> pelo coração de um ser amoroso, de que fala aespiritualidade de Rûmî, acima mencionada, está no cerne da experiênciareligiosa. A pessoa de religião relê e religa-se a uma experiênciaamorosa fundante que, ao mesmo tempo, a transcende e aatrai.


110 O sol refulge ao entardecer da vidaIDENTIDADE RELIGIOSA E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSONo mun<strong>do</strong> de hoje, impera uma sempre mais complexa econfusa diversidade religiosa, e isso também tem forte impactono envelhecer das pessoas. A religião, que em geral é grande referênciade segurança existencial, pode aparecer como algo totalmenterelativo. No entanto, já nos foram proporciona<strong>do</strong>s muitosmomentos na vida em que ficamos impressiona<strong>do</strong>s com o alegree harmonioso convívio entre diferentes identidades religiosas,presencia<strong>do</strong> junto a grupos de pessoas de idade madura. Cabemaqui algumas pontuações a respeito <strong>do</strong> diálogo inter-religioso.A busca <strong>do</strong> diálogo, entre outras questões, sempre lança<strong>do</strong>is grandes desafios: o de aprofundarmos a nossa identidade religiosae o de buscarmos entender as identidades religiosas <strong>do</strong>soutros e as novas identidades religiosas que estão sen<strong>do</strong> constituídasno dia a dia ao nosso re<strong>do</strong>r. Sem esse duplo movimento, ficadifícil pensar em autêntico diálogo. Ou, como diz um importanteDecreto da XXXIV Congregação Geral <strong>do</strong>s Jesuítas: “O diálogo genuínocom os fiéis de outras religiões requer que aprofundemosnossa própria fé e compromisso cristão, da<strong>do</strong> que o diálogo real sóse realiza entre interlocutores enraiza<strong>do</strong>s em sua própria identidade”(Decreto 5, n. 9.2).O autor deste texto faz parte há vários anos, na UNISINOS,de um Grupo Inter-Religioso de Diálogo, constituí<strong>do</strong> de treze denominaçõesreligiosas diferentes. O grupo reúne-se uma vez pormês, e os seus integrantes organizam diversas atividades conjuntas.Já estamos acumulan<strong>do</strong> seis anos de caminhada e amadurecimentogrupal. O que nos pautou desde o início sempre foramrespeito e reconhecimento de uns pelos outros e também o cultivodas identidades de cada um. À medida que o grupo foi avançan<strong>do</strong>,cresceu em nós a convicção de que o diálogo entre as diferenteslideranças religiosas é efetivamente uma exigência fundamentalpara o convívio humano. Uma frase de G. Gadamer, lembrada porFaustino Teixeira (2006, p. 29), é nesse senti<strong>do</strong> muito inspira<strong>do</strong>ra:“A capacidade constante de voltar ao diálogo, isto é, de ouvir o outro,parece-me ser a verdadeira elevação <strong>do</strong> homem à sua humanidade”.


José Ivo Follmann, SJ 111Qualquer diálogo adulto pressupõe convicções próprias esegurança na identidade. Não se tem condições de evoluir efetivamenteno conhecimento e reconhecimento <strong>do</strong> outro em sua identidadereligiosa se essa questão não está resolvida a nível pessoal.Ninguém precisa sacrificar a sua identidade religiosa em benefíciode outra. Reconhecer a identidade <strong>do</strong> outro não envolve imolaçãoda própria identidade; trata-se de um ato de solidariedade, ou melhor,de reconhecimento solidário. Ninguém é obriga<strong>do</strong> a renunciarà sua identidade, mas sim é preciso zelar pela mesma, cadavez mais, no senti<strong>do</strong> de fazer da interação e participação com o outroalgo sério. O diálogo acontece num âmbito de estima e autoestima,de aceitação e aprendiza<strong>do</strong> mútuo, não de <strong>do</strong>minação ouconversão. Essa é a experiência que mais se percebe expressa hoje,pelos líderes que integram o grupo, depois <strong>do</strong>s seis anos de convívio.Entre muitos depoimentos colhi<strong>do</strong>s ao longo da trajetória<strong>do</strong> grupo, foram escolhi<strong>do</strong>s três como destaque para o presentetexto: 1) Um é <strong>do</strong> reveren<strong>do</strong> Jessé Castro Ramos, da Igreja EpiscopalAnglicana <strong>do</strong> Brasil, São Leopol<strong>do</strong>: “Nossa caminhada comocompanheiros(as) <strong>do</strong> diálogo inter-religioso tem si<strong>do</strong> muito proveitosapara o aprendiza<strong>do</strong> sobre outras tradições de fé. [...] Esperoem Deus que outros(as) líderes religiosos(as) sejam sensibiliza<strong>do</strong>s(as)por nossa experiência e, vencen<strong>do</strong> seus me<strong>do</strong>s e preconceitos,unam-se a nós ou criem outros grupos desta natureza”. 2) Umsegun<strong>do</strong> é <strong>do</strong> babalorixá Pai Dejair de Ogum, Casa Africana Ilê<strong>do</strong>s Orixás, São Leopol<strong>do</strong>: “Acredito que se nós, líderes, cria<strong>do</strong>resde opiniões, soubermos transportar esta experiência para nossascomunidades, consequentemente estaremos divulgan<strong>do</strong> a paz e orespeito pelo diferente”. 3) Um terceiro é <strong>do</strong> sr. Rafael Martini,Igreja <strong>do</strong> Culto Eclético Fluente Luz Universal – Religião <strong>do</strong> SantoDaime, Sapiranga: “A minha conclusão mais importante, até opresente momento, é que as religiões não divergem entre si. Quemteima em divergir são os homens que não as praticam com a fé necessáriaou com a dedicação que elas merecem. São os homens incapazesde compreender com o coração a força divina, que move acada um, que teimam em semear, com a razão, a discórdia de suaconfusão particular, resulta<strong>do</strong> de sua própria falta de elevação”.


112 O sol refulge ao entardecer da vidaO Grupo Inter-Religioso já deu passos importantes e cresceuna consciência de que, frente aos desafios <strong>do</strong> contexto no qualvivemos, é fundamental para to<strong>do</strong> líder religioso e para todas aspessoas que seguem alguma religião: 1) Cultivar a sua identidade religiosa:O amor pela própria religião é fundamental e nos deve fazerbuscar o aprofundamento na fé e no conhecimento da mesma;certamente a boa formação em nossa fé é um <strong>do</strong>s maiores desafios.2) Respeitar e valorizar a identidade religiosa <strong>do</strong>s outros: O nosso amorpelos outros que pensam de forma diferente e que professam outrascrenças também é fundamental; não se precisa concordar como que os outros professam para respeitá-los e levá-los a sério comopessoas que cultivam com seriedade a sua fé.O povo está correto quan<strong>do</strong> diz que sobre religião não sediscute, pois, numa discussão, cada um visa defender a sua posiçãoe achar os argumentos para combater os equívocos <strong>do</strong> outro. Falarsobre a nossa religião e ouvir os outros falarem da sua, ten<strong>do</strong> atençãoa to<strong>do</strong>s os acertos e equívocos de ambas as partes, no entanto,só pode ajudar a crescer em humanidade. Sobre religião não se discute,mas, com certeza, é muito bom dialogar!A BOA RELAÇÃO COM OS OUTROS E COM A NATUREZASão inumeráveis e multivaria<strong>do</strong>s os exemplos de pessoasque, depois de fecharem o seu tempo de produção profissional,passam a engajar-se voluntariamente em trabalhos sociais ou a dedicar-semais especificamente à atenção e ajuda aos mais necessita<strong>do</strong>sou, ainda, a criar instituições ou fundações voltadas paraajudar a corrigir os rumos da sociedade por um futuro mais humano,com menos distorções sociais e maior proteção, atenção e cuida<strong>do</strong>para com a vida.Nessa mesma linha, não são também raros os exemplosde uma intensificação nos laços familiares, de maior cuida<strong>do</strong> eatenção às pessoas de casa, de retorno ou reforço nas práticas religiosase de participação na religião ou, mesmo, de participação emassociações de benevolência e serviços voluntários à sociedade.


José Ivo Follmann, SJ 113Mesmo que, às vezes, possamos ver nisso situações porbusca de compensações ou impulsivas afirmações pessoais, a tendênciageral faz perceber a maturidade <strong>do</strong> ser humano que se revela.Muito para lá da satisfação própria, da busca de resulta<strong>do</strong>s,da contabilidade <strong>do</strong> currículo ou <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong>s lucros no próprionegócio, o que passa a valer são a vida e o cuida<strong>do</strong> para com avida.Isto se reflete também no cuida<strong>do</strong> com a natureza. O cuida<strong>do</strong>com a vida presente em suas múltiplas formas ao nosso re<strong>do</strong>rmuitas vezes se intensifica na pessoa ao envelhecer. A vidamais <strong>do</strong> que nunca aparece como valor central, fazen<strong>do</strong> com quehaja uma atenção mais aguda a todas as suas manifestações. Eusinto, logo existo!, escreve Leonar<strong>do</strong> Boff (2000, p. 102) em uma genialanalogia ao Eu penso, logo existo!, de René Descartes. O sentircom ajuda a estruturar a existência. Segun<strong>do</strong> Leonar<strong>do</strong> Boff,as estruturas axiais da existência circulam em torno da afetividade,<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>, <strong>do</strong> eros, da paixão, da compaixão, <strong>do</strong>desejo, da ternura, da simpatia e <strong>do</strong> amor. Esse sentimentobásico não é apenas moção da psiqué. É muito mais. É uma“qualidade existencial”, um mo<strong>do</strong> de ser essencial, a estruturaçãoôntica <strong>do</strong> ser humano (Boff, 2000, p. 103).O mesmo autor prossegue a sua reflexão apontan<strong>do</strong> paraa importante dimensão <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> na vida das pessoas:O ser humano é fundamentalmente um ser de cuida<strong>do</strong> maisque um ser de razão e de vontade. Cuida<strong>do</strong> é uma relaçãoamorosa para com a realidade, com o objetivo de garantir-lhea subsistência e criar-lhe espaço para o seu desenvolvimento.Em tu<strong>do</strong> os humanos colocam e devem colocar cuida<strong>do</strong>: navida, no corpo, no espírito, na natureza, na saúde, na pessoaamada, em quem sofre e na casa. Sem cuida<strong>do</strong>, a vida perece(Boff, 2000, p. 105-106).Quan<strong>do</strong> o centro passa a ser a vida, a atenção volta-setambém para as situações de maior ameaça à vida. Essas situações,que necessitam de maior cuida<strong>do</strong>, estão mais cruamente desenhadasnaquelas pessoas que se encontram excluídas de um convívio


114 O sol refulge ao entardecer da vidasocial sadio e nas terríveis agressões que o desenvolvimento irracionalcomete em relação à natureza e ao nosso meio ambiente.Assim como anteriormente foi feito o convite para olharmoscom decisão para a diversidade das expressões religiosas,agora é a vez <strong>do</strong> convite para nos colocarmos numa perspectiva deatenção aos desvios e erros da humanidade na sua relação com elamesma e com a vida em geral expressa na natureza. Envelheceratento a isso faz bem! Envelhecer preocupa<strong>do</strong> com isso é um permanenteremédio amargo que nos revigora no espírito, pois estamospreocupa<strong>do</strong>s com o futuro da vida de nosso planeta e dahumanidade.Envelhecer viven<strong>do</strong> engaja<strong>do</strong> no combate aos desman<strong>do</strong>scontra a vida e sentin<strong>do</strong>-se engaja<strong>do</strong> nos movimentos de correçãode rumo nos caminhos que a humanidade costuma trilhar significaviver envelhecen<strong>do</strong> de bem com a vida e com o mun<strong>do</strong>. Mantero espírito aceso até o fim, ou melhor, fazer brilhar com sempremaior vigor o espírito, significa não se conformar com o descalabroe com os erros fatalmente cometi<strong>do</strong>s na história da humanidade.Nem sempre os caminhos que a humanidade costuma trilharsão os mais acerta<strong>do</strong>s; por isso correções de rumo sempre são necessárias.Pessoas que envelhecem com espírito ajudam a recompora alma da humanidade! Vale o registro <strong>do</strong> depoimento de alguémque, um dia, falou com orgulho: “Quan<strong>do</strong> eu era menino a<strong>do</strong>lescente,eu matava cachorro a paulada, hoje, com mais de sessentaanos, tenho o máximo cuida<strong>do</strong> para não pisar numa formiga”. Pessoasi<strong>do</strong>sas que sabem se emocionar, chorar ou que se entristeceme têm compaixão quan<strong>do</strong> veem alguém com fome, maltrata<strong>do</strong>, humilha<strong>do</strong>ou excluí<strong>do</strong>, ou que prestam atenção a todas as pequenasmanifestações da vida, que se preocupam em desligar uma lâmpada,em fechar uma torneira ou em juntar um plástico, porque sãoagressões contra a vida <strong>do</strong> planeta, são luzes proféticas que se somamaos múltiplos pequenos gestos de recomposição da vida noseio da humanidade. São gestos de pessoas que envelhecem defenden<strong>do</strong>a vida e, portanto, permanecem de bem com a vida. Sãoprofetas!


José Ivo Follmann, SJ 115A espiritualidade no envelhecer implica juntar-se aos movimentosde reinvenção <strong>do</strong> humano na própria humanidade,como fatores essenciais para uma condução sadia <strong>do</strong> nosso presentee <strong>do</strong> nosso futuro. Nós cremos que algumas dessas correçõesde rumo e algumas dessas reinvenções <strong>do</strong> humano podem provirdas sabe<strong>do</strong>rias guardadas ou escondidas tanto nos átrios sagra<strong>do</strong>sdas religiões de to<strong>do</strong>s os tamanhos, tempos e lugares como nochão <strong>do</strong> cotidiano das mais variadas formas de fazer, saber e viver,cultivadas pela humanidade. Elas provêm, sobretu<strong>do</strong>, <strong>do</strong> próprioser humano na sua relação com Deus, com os outros, com a naturezae consigo mesmo.PALAVRA FINAL...Envelhecer bem significa viver no espírito. Viver de bemcom os outros e de bem com a natureza ajudam a viver de bem consigomesmo e, para os que creem, de bem com Deus. Se a espiritualidadeda maioria encontra importante amparo em sua própriareligião, devemos também ter muito claro que se trata de umaconstrução muito pessoal, que pode acontecer por dentro e porfora das religiões.É a construção da boa relação com o senti<strong>do</strong> mais profun<strong>do</strong>da existência, da boa relação com os outros e da boa relaçãocom a natureza e, consequentemente, da boa relação consigo mesmo,que fará refulgir o sol no entardecer da vida humana. A paisagemserá inesquecível!------------------------------QUESTÕES PARA REFLEXÃO1. A analogia entre o sol que refulge ao entardecer e a espiritualidade ao envelhecer.2. A intensificação da busca <strong>do</strong> transcendente e <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da vida ao envelhecer.


116 O sol refulge ao entardecer da vida3. No caso das espiritualidades fundamentadas em religiões, a importânciada boa relação de diálogo entre as religiões e o mútuo reconhecimento.4. Somos construtores da boa relação com os outros, com a natureza, conoscomesmos e com Deus.------------------------------REFERÊNCIASALVES, Rubem. Transparência da eternidade. Campinas, SP: Verus, 2002.BOFF, Leonar<strong>do</strong>. Ethos mundial; um consenso mínimo entre os humanos. Brasília:LetraViva, 2000.FOLLMANN, J. Ivo; PINHEIRO, Adevanir Ap. “Diálogo, religiões e identidade.”Revista Identidade. EST/IECLB, vol. 9, janeiro-junho, 2006, p. 18-24.KING, Úrsula. Cristo em todas as coisas; A espiritualidade na visão de Teilhard deChardin. São Paulo: Paulinas, 2002.KÜNG, Hans. Religiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>; Em busca <strong>do</strong>s pontos comuns. Campinas: Verus,2004.SCHIMMEL, Annemarie. L’Incendie de l’âme: l’aventure spirituelle de Rûmî. Paris:Albin Michel, 1998.TEIXEIRA, Faustino. Sede de Deus. Petrópolis: Ed. Vozes, 2002.TEIXEIRA, Faustino. “Diálogo inter-religioso e educação para a alteridade.”In: STRECK, Danilo R.; FOLLMANN, J. Ivo; SCARLATELLI, Cleide C.(Orgs.). Religião, cultura e educação. São Leopol<strong>do</strong>: Ed. Unisinos, 2006, p.29-40.


PARTE IIAGINDO E REFLETINDO NA ÁREA DOENVELHECIMENTO HUMANO


CAPOEIRA COMO INSTRUMENTO DEEDUCAÇÃO POPULAR POR TODA A VIDAAnselmo da Silva Accurso 1Ariane Silveira Dias 2A CAPOEIRA NO BRASILAo longo <strong>do</strong>s anos a cultura afro-brasileira vem sofren<strong>do</strong>sensíveis modificações por parte daqueles que dela se servem nãocomo cultores, mas como simples usuários. As manifestações culturaiscomo o Batuque, Jongo, Umbigada, Congadas, Capoeira eoutras fazem parte de um acontecer marca<strong>do</strong> pela desigualdadeimposta pela escravidão, por isso estão impregnadas <strong>do</strong> espíritode resistência. Os negros criaram e recriaram uma cultura que nãosó os identificava em sua condição social, como os distinguia emseus interesses de <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s frente aos <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>res. Foi a culturaafricana, por ser produto comum que uniu as várias nações africanas,trazidas para o Brasil para um mesmo destino de escravo.Essas nações, jogadas na promiscuidade da escravidão,deram lugar a uma cultura que, de raízes múltiplas e de experiênciasdiversas, tinham como traço essencial um cotidiano comume um fazer coletivo que a to<strong>do</strong>s identificavam. No plano cultural,a cultura negra revelava não só o outro la<strong>do</strong> da sociedade <strong>do</strong>ssenhores como lhe antepunha a insubmissão ao não aceitar outracultura que não fosse a sua própria. Se no plano das relações1 Gradua<strong>do</strong> em Educação Física, professor da UNISINOS, especialista em EducaçãoPopular.2 Graduada em Educação Física, coordena<strong>do</strong>ra de Núcleo PELC/Vida Saudável –UNISINOS.119


Anselmo da Silva Accurso e Ariane Silveira Dias 121não tomem conhecimento da capoeira, pois se o fizerem certamenteirão transformá-la em objeto de consumo, utilizan<strong>do</strong>-a a serviço<strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>minantes. Para a segunda, é importante contarcom sua participação, assim como todas as demais manifestaçõespopulares, pois só se construirá uma nova sociedade em comunhãocom o povo que reflete.A capoeira tem muito que ensinar a to<strong>do</strong>s. Ela é luta, édança, é expressão corporal, é técnica, enfim, é cultura. Isso significavaque deve estar a serviço da educação como prática ligada àsnecessidades básicas de nossa gente, nos aspectos físicos, psíquicose culturais.A CAPOEIRA E A INTERGERACIONALIDADEDesde a Antiguidade a expectativa de vida das populaçõesvem aumentan<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> observada nos dias atuais umaaceleração significativa neste processo. E com esse crescimentovisível buscamos cada vez mais medidas que proporcionem aoi<strong>do</strong>so viver mais e melhor. Seguin<strong>do</strong> nessa linha de pensamento eentenden<strong>do</strong> a capoeira como meio não só de interação social, masde auxilio no desenvolvimento <strong>do</strong> cidadão pelo resgate da cultura,da inclusão, da manifestação, nasceu a capoeira inclusiva para i<strong>do</strong>sos.No Brasil, como em outros países, medidas para atenderde forma adequada a população de i<strong>do</strong>sos estão sen<strong>do</strong> realizadascada vez mais intensivamente. Atividades que têm como objetivoconscientizar, incluir e auxiliar na saúde física e emocional <strong>do</strong>si<strong>do</strong>sos são realizadas de diferentes formas, por diferentes caminhos,sem fugir <strong>do</strong> seu objetivo.Através da meto<strong>do</strong>logia baseada na cultura popular, aosom <strong>do</strong> berimbau e resgatan<strong>do</strong> a ladainha, desenvolvemos atividadesfísicas com grupos de pessoas em processo acelera<strong>do</strong> deenvelhecimento no PELC/Vida Saudável da UNISINOS. Para estaetapa da vida buscamos melhorar a qualidade de vida, auxilian<strong>do</strong>na melhoria de sua aptidão motora através da capoeira adaptada.Com o auxilio da ginga, trabalhamos a coordenação, oequilíbrio e a organização espacial <strong>do</strong> participante. Reconhecen<strong>do</strong>


122 Capoeira como instrumento de educação popular por toda a vidaas limitações físicas <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so, algumas modificações no mo<strong>do</strong> degingar foram realizadas. Entre as modificações realizadas na capoeiratradicionalmente conhecida, diminuímos a amplitude <strong>do</strong>smovimentos e sua velocidade de execução para facilitar a participaçãode to<strong>do</strong>s. Também organizamos grandes rodas de capoeiraonde a descontração e a alegria são nitidamente reconhecidas.Durante as aulas os i<strong>do</strong>sos realizam mais deuma atividadefísica. Na aula de ginástica, por exemplo, ajudamos no resgate<strong>do</strong>s momentos de convivência, amizade, carinho e alegria, emmuitos casos quase esqueci<strong>do</strong>s pelos participantes. A aula torna-seum lugar onde as pessoas aprendem a viver melhor. Essesmomentos de alegria e descontração trazem novamente ao i<strong>do</strong>sosenti<strong>do</strong> de vida.É dentro desta perspectiva que buscamos idealizar nossotrabalho. No fun<strong>do</strong>, ela parte <strong>do</strong> princípio de que ensinar pressupõeconfiança e instrumentos que identifiquem alunos e professores.Não pode haver distância entre eles sob pena de não havercomunicação. As populações mais humildes e desprovidas geralmentenão são atingidas pelas formas convencionais <strong>do</strong> ensino formaladequadamente.Nas escolas, nos centros comunitários, nas casas de culturae na própria formação em Educação Física, quejá tem a capoeiracomo atividade acadêmica, deve haver um entendimento, uma visãomais ampla da importância da capoeira como instrumento deeducação. Uma instituição que promove cultura, independentementede seus vínculos adminstrativo-burocráticos, tem um papelimportantíssimo na aglutinação e no desenvolvimento de atividadesque valorizem as diversas formas pelas quais se plasmou oacontecer de um povo e se cristalizou sua experiência. A práticadiária com a verdadeira cultura popular é sempre oportunidadede afirmação nacional e de inspiração a criatividades autênticas.Entendemos a capoeira como um instrumento de conscientizaçãoe de esclarecimento, uma oportunidade de demonstrarem que espaço um governo popular se distingue de governos nãopopulares, ao promover a cultura não só como meio de entretenimentoe de lazer, mas, também, como elemento de conscientizaçãoe de despertar <strong>do</strong> homem comum. O sociólogo José Ivo Follmann,


Anselmo da Silva Accurso e Ariane Silveira Dias 123da Universidade <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Rio <strong>do</strong>s Sinos, São Leopol<strong>do</strong>-RS, definea educação popular:“a educação popular torna vivo o sonho (aspirações) deser cidadão naqueles para os quais a cidadania foi reprimidae negada. Este sonho (aspirações) é trabalha<strong>do</strong> mediantea compreensão das causas estruturais desta repressão enegação, e das estratégias existentes para sua reprodução eestratégias existentes e possíveis para sua reversão (transformação).(....) Neste processo, sonho e realidade vão se encontran<strong>do</strong>na medida em que emerge de dentro <strong>do</strong> não cidadãoum cidadão (....)."Com isso afirmamos convictos de que a capoeira é a própriaeducação popular, dirigida para todas as idades. Na sua prática,o individuo inicia um processo de resgate de seu ser, tarefaimportante também para o i<strong>do</strong>so. Através <strong>do</strong>s movimentos da capoeira,ele adquire um <strong>do</strong>mínio de seu corpo, dan<strong>do</strong>-lhe confiançae capacidade de se impor. No jogo da capoeira, os iniciantes e osmais evoluí<strong>do</strong>s põem em prática esta confiança e a desenvolvem. Éo momento em que desaparece a condição de inferioridade, pelofato de ser um joga<strong>do</strong>r de capoeira. É a hora onde to<strong>do</strong>s podemmanifestar suas qualidades.Ao mesmo tempo em que se adquire confiança, adquire-setambém a capacidade de criticar, além da consciência corporal,que em muitos casos já está quase perdida pelo participante.Os movimentos da capoeira estão relaciona<strong>do</strong>s com uma cultura,com uma luta de um povo. É a confiança adquirida através <strong>do</strong><strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> corpo, aliada a uma consciência emergida da novainterpretação da história que a capoeira carrega. Sen<strong>do</strong> assim, a capoeira,por representar uma cultura de resistência, com sua história,com sua linguagem própria, é sem dúvida um instrumentoprecioso para a conscientização de mudanças sociais, movimentoimportantíssimo para nós que buscamos auxiliar na melhoria daqualidade de vida <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos.


124 Capoeira como instrumento de educação popular por toda a vidaREFERÊNCIASACCURSO, Anselmo da Silva. Capoeira: Um Instrumento de Educação Popular.Produção Independente. Porto Alegre-RS, 1995.ALMEIDA, Raimun<strong>do</strong> César Alves de. Bimba, O Perfil <strong>do</strong> Mestre. Centro Editoriale Didático da UFBA. Salva<strong>do</strong>r-BA, 1982.BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação como Cultura. Brasiliense. São Paulo,1986.DECANIO FILHO, A. A. Em acessoem julho de 2009FOLLMANN, José Ivo. Disciplina: Sociologia das Religiões Populares ( digita<strong>do</strong>).Curso de Especialização em Educação Popular. Unisinos: São Leopol<strong>do</strong>,1988.FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Paz e Terra. São Paulo, 1988.LOPES, Luis Roberto. A História <strong>do</strong> Brasil Colonial. Merca<strong>do</strong> Aberto. Porto Alegre,1988.LOWY, Michael. Ideologias e Ciências Sociais. Cortez, São Paulo, 1985.MOURA, Clovis. Rebeliões na Senzala. Merca<strong>do</strong> Aberto, Porto Alegre, 1988.MOURA, Jair. Capoeira – A Luta Regional Baiana. Cadernos de Cultura, PrefeituraMunicipal de Salva<strong>do</strong>r – BA, 1979.REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: ensaio Sócio-etnográfico. Itapuã: Salva<strong>do</strong>r-BA,1968.


ALONGAMENTO, FLEXIBILIDADE EQUALIDADE DO ENVELHECERÁderson Loureiro 1Roberta Gigliola Ribas Silva Oliveira 2O tema qualidade de vida é aborda<strong>do</strong> por meio de diferentesolhares, com diferentes focos, e são vários os conceitos paradefinir este tema, porém, é de consenso afirmar, como cita<strong>do</strong> porFelce (1997), que a qualidade de vida abrange os <strong>do</strong>mínios da vidahumana em áreas distintas: física, mental, social, produtiva, cívicae emocional. Sen<strong>do</strong> assim, conclui-se que a qualidade de vida estáestreitamente relacionada ao estilo de vida a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo ser humano.Portanto, as pessoas são os atores principais neste processo,são ativos devi<strong>do</strong> às possibilidades de escolha e de decisão. Se irãoa<strong>do</strong>tar um estilo de vida ativo ou darão preferência ao sedentarismo,abraçan<strong>do</strong> todas as consequências e danos físicos, mentais esociais a que este pode levar o indivíduo. Mas esta decisão deveser apoiada no conhecimento das possibilidades de <strong>do</strong>enças advindasda inatividade e na experiência <strong>do</strong>s prazeres e benefícios,ou não, que os programas bem desenha<strong>do</strong>s podem promover àspessoas.Não podemos entender o ser humano dissocia<strong>do</strong>, comose ele cuidasse <strong>do</strong> seu corpo em determina<strong>do</strong> instante, da menteem outro, da sua saúde espiritual e social quan<strong>do</strong> existir um inter-1 Gradua<strong>do</strong> em Educação Física, especialista em Gestão da Qualidade e especialistaem Medicina <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>; mestre em Ciências <strong>do</strong> Movimento Humano. Professorda UNISINOS.2 Roberta Gigliola Ribas Silva Oliveira. Acadêmica de Educação Física; estagiária<strong>do</strong> PELC/Vida Saudável – UNISINOS.125


126 Alongamento, flexibilidade e qualidade <strong>do</strong> envelhecervalo na sua agenda, mas entender o indivíduo em toda sua totalidadee potencialidade. Para tanto, propomos chamar de exercíciofísico global (EFG), uma atividade que envolva os aspectos físicos,de maneira consciente e divertida, onde a socialização seja estimuladae partilhada.Atualmente, somos orienta<strong>do</strong>s à prática de atividades físicasregularmente, porém muitas vezes sem critérios para escolha<strong>do</strong> tipo <strong>do</strong> exercício, da intensidade <strong>do</strong> esforço, <strong>do</strong> volume da atividadee por vezes sem considerar as necessidades e objetivos <strong>do</strong>spraticantes. Portanto, cabe diferenciar atividade física de exercíciofísico. A atividade física é definida como qualquer movimento corporalsem planejamento, produzi<strong>do</strong> pelos músculos esqueléticos,que resulta em gasto energético maior <strong>do</strong> que os níveis de repouso.Por outro la<strong>do</strong>, o conceito de exercício físico é a abordagem <strong>do</strong>sexercícios de forma sistemática, estruturada e repetitiva que tempor objetivo a melhoria e a manutenção de um ou mais componentesda aptidão física, com planejamento e controle (Caspersen etal., 1985).Os educa<strong>do</strong>res físicos precisam promover exercícios físicosatrativos e estimulantes para promover adesão <strong>do</strong>s praticantes,embasa<strong>do</strong>s em fundamentos científicos, com meto<strong>do</strong>logiapedagógica e que sejam diverti<strong>do</strong>s.Educa<strong>do</strong>res físicos, terapeutas, médicos e demais profissionaisda saúde concordam que o bem-estar pessoal está relaciona<strong>do</strong>com a qualidade de vida orientada para a manutenção ourecuperação da autonomia, o que reflete aumento e manutençãoda autoestima e da saúde em todas as suas dimensões.Dentre os componentes da aptidão física, é sabi<strong>do</strong> queuma boa condição física depende não somente de uma boa capacidadecardiorrespiratória, mas também de padrões apropria<strong>do</strong>s deforça, de mobilidade articular e flexibilidade <strong>do</strong>s componenteselásticos <strong>do</strong> sistema músculo-esquelético, lembran<strong>do</strong> da importânciada alimentação equilibrada e <strong>do</strong> repouso.Segun<strong>do</strong> vários autores, tais como Buchner (1997), Mazzeoet al. (1998), Pollock et al. (1998) afirmam haver consenso que acondição física depende de padrões apropria<strong>do</strong>s de potência muscular,flexibilidade e estabilidade postural e não somente de níveis


Áderson Loureiro e Roberta G. Ribas Silva Oliveira 127de potência aeróbia, como é destaca<strong>do</strong> para pessoas que praticamexercício físico com fins competitivos, nem tampouco somente otreinamento e desenvolvimento da resistência aeróbia, através deatividades como as caminhadas, natação e hidroginástica, porexemplo, que são geralmente prescritas e recomendadas para pessoascom idade avançada.Sabe-se atualmente que a flexibilidade, a força e a potênciamuscular em níveis apropria<strong>do</strong>s são importantes para o bemestare para a autonomia <strong>do</strong> cidadão, sem menosprezar de maneiraalguma a importância <strong>do</strong> treinamento aeróbio exemplifica<strong>do</strong> anteriormente,salientan<strong>do</strong> a importância destas atividades, mas enfatizan<strong>do</strong>um planejamento global que envolva todas as variáveispara o equilíbrio da aptidão física de to<strong>do</strong>s os públicos.Portanto, diversas estratégias estão sen<strong>do</strong> utilizadas paraque diferentes populações, desde crianças, i<strong>do</strong>sos, jovens, gruposcom características especiais, enfim todas as pessoas tenham acessoaos programas de exercício físico, sejam nas academias, nosclubes, nas praças e parques, nos salões comunitários ou qualquerlocal adequa<strong>do</strong>, possam praticar exercícios físicos como prevenção,melhora <strong>do</strong> condicionamento ou reabilitação orienta<strong>do</strong> porprofissionais qualifica<strong>do</strong>s e competentes na prescrição das atividades.Sen<strong>do</strong> assim, tantos os governos municipais, estaduais e federaldevem empenhar-se para implantação e implementação deatividades que proporcionem um maior envolvimento da populaçãoe para a melhora da saúde pública em nosso país.ALONGAMENTO E FLEXIBILIDADEDentre vários aspectos, o alongamento é uma qualidadefísica que através da mesma podemos manter as amplitudes normaisde liberdade articular, e passan<strong>do</strong> pelo alongamento pode-sebuscar a qualidade física flexibilidade.A intensidade de tensão empregada no alongamento, deacor<strong>do</strong> com a literatura, deve ser aplicada até o sujeito referir umdesconforto, incômo<strong>do</strong>, leve sensação de tensão sem <strong>do</strong>r, enfim,


128 Alongamento, flexibilidade e qualidade <strong>do</strong> envelhecerde forma subjetiva, um esta<strong>do</strong> no qual não exista ganhos e preocupaçõesque aumentem os graus de amplitude articular.Podemos classificar os alongamento em estáticos e dinâmicos.O alongamento estático é caracteriza<strong>do</strong> como o afastamentodas inserções proximais e distais <strong>do</strong>s músculos que estão fixa<strong>do</strong>ssobre alavancas corporais, os ossos, quan<strong>do</strong> uma tensão por traçãoé imposta sobre estas estruturas músculo-tendíneas, seja através<strong>do</strong> movimento ativo, quan<strong>do</strong> a própria pessoa imprime e controlao grau de tensão, ou por movimento passivo, quan<strong>do</strong> uma forçaexterna age sobre o segmento, que pode ser a força de um aparelho,a força imposta pelo professor ou colega ou ainda uma combinaçãocom aparelho e professor.O alongamento dinâmico é aquele em que o aluno busca omovimento de forma consciente, a maior amplitude de movimentodurante o gesto motor proposto. Por exemplo, antes de umapartida de futebol, o aluno simula um chute de forma conscientee lenta, desde a fase de preparação <strong>do</strong> chute até a fase final <strong>do</strong>mesmo, buscan<strong>do</strong> o maior grau de liberdade de movimento, destaforma preparan<strong>do</strong> ativamente e especificamente toda cadeia músculo-esqueléticapara a modalidade em questão.Destacamos que o hábito de alongamento pode aliviar arigidez muscular e eliminar alguns tipos de desconforto e prevençãode lesões.Sobre a flexibilidade, Platonov (2004) destaca que estaqualidade física abrange propriedades morfofuncionais, ou seja,diz respeito às capacidades funcionais e que são pertinentes à formae a estrutura <strong>do</strong> aparelho motor que determinam quão amploserão os movimentos. Ainda sobre o tema, Achour (1998) sustentaque flexibilidade é a amplitude máxima de movimento voluntárioem uma ou mais articulações. Outra definição de flexibilidadepode ser definida como a qualidade física responsável pela execuçãovoluntária de um movimento de amplitude angular máxima,por uma articulação ou conjunto de articulações, dentro <strong>do</strong>s limitesmorfológicos, sem o risco de provocar lesões, conforme afirmaDantas (1999).Conforme Achour (2004), um sistema articular saudável eprepara<strong>do</strong> não se constitui somente pela genética, mas o sistema


Áderson Loureiro e Roberta G. Ribas Silva Oliveira 129tem a propensão de desenvolvimento contínuo, e por este motivose deve aproveitar a contribuição genética a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> atitudes quepermitam uma evolução contínua, pois desta forma o bem-estarpode ser planeja<strong>do</strong> para as sucessivas fases da vida.É possível destacar que a falta de flexibilidade pode atrasara assimilação <strong>do</strong>s hábitos motores, além de limitar os níveis deforça, velocidade e coordenação tanto intra quanto intermuscular,diminui a economia de trabalho e aumenta a probabilidade de lesõesmusculares, articulares e ligamentares (Platonov, 2004).Cabe destacar que os benefícios <strong>do</strong> treinamento da flexibilidadesão adquiri<strong>do</strong>s após algumas semanas de treinamento,entre eles a prevenção de lesões e aumento <strong>do</strong> desempenho,aceleração da regeneração em casos patológicos, melhora da capacidadede descontração que está intimamente relacionada aorelaxamento geral, combate ao desequilíbrio muscular, desenvolvimentoda percepção corporal além de relatos subjetivos como osentir-se bem. Entretanto, algumas considerações e cuida<strong>do</strong>s devemter atenção na prescrição <strong>do</strong>s exercícios de alongamento e flexibilidade.É muito importante que a cadeia muscular posterior,como os músculos eretores da coluna, ísquios tibiais e tríceps sural,assim como os músculos pelvitrocanterianos, adutores <strong>do</strong>smembros inferiores e banda iliotibial, além <strong>do</strong>s músculos gravitacionaiscomo os peitorais maior e menor, rota<strong>do</strong>res internos <strong>do</strong>ombro e glúteos, tenham uma atenção especial para seu alongamento.Ainda existem muitas dúvidas acerca <strong>do</strong> tempo de manutençãoda tensão sobre os músculos, que variam de 10 segun<strong>do</strong>saté 30 segun<strong>do</strong>s para relaxamento e acima deste tempo paraganhos na amplitude articular, destacan<strong>do</strong> que não deve ser excessivamente<strong>do</strong>loroso e desconfortável. Além <strong>do</strong> tempo de manutenção,outro fator importante é a continuidade <strong>do</strong> treinamento,classifica<strong>do</strong> como um <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong> treinamento desportivo, edeve ser realiza<strong>do</strong> no mínimo em duas sessões de alongamento semanais.Outro princípio <strong>do</strong> treinamento é a reversibilidade, poisse o aluno parar com as aulas perderá os benefícios adquiri<strong>do</strong>s <strong>do</strong>processo de treinamento.


130 Alongamento, flexibilidade e qualidade <strong>do</strong> envelhecerDo ponto de vista cinesiológico, a articulação <strong>do</strong> ombrodeve receber uma atenção especial quanto à intensidade e à amplitudeno alongamento, devi<strong>do</strong> a ser uma articulação bastante instávelpor ser rasa, protegida por ligamentos, cápsula articular emúsculos, principalmente <strong>do</strong> manguito rota<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> o músculosupraespinhal o mais comprometi<strong>do</strong>. Além disso, a flexão <strong>do</strong> ombroe a abdução em amplitudes maiores de 180º podem provocarimpacto subacromial.Outra articulação que deve ser cuidada com atenção especialé a articulação <strong>do</strong> joelho, evitan<strong>do</strong> compressão na articulaçãoquan<strong>do</strong> aproximamos o calcanhar <strong>do</strong> glúteo, sobrecarregan<strong>do</strong>estruturas nobres como cartilagem, meniscos e bursas. Portanto, oalongamento mais recomenda<strong>do</strong> é flexionar o joelho (seguran<strong>do</strong>no <strong>do</strong>rso <strong>do</strong> pé), promoven<strong>do</strong> extensão <strong>do</strong> quadril com fixação ativada pelve.Além destes cuida<strong>do</strong>s, cada articulação e cada indivíduotem suas particularidades que, com o estu<strong>do</strong> da anatomia, cinesiologia,biomecânica, e da fisiologia, bem como o entendimento <strong>do</strong>sprocessos pedagógicos e aprendizagem, tornam os exercícios físicosmais eficazes, mais seguros e motivantes.ALONGANDO COM O GRUPO PELC/VIDA SAUDÁVELTemos observa<strong>do</strong> que a sensibilização das pessoas para aprática de atividades físicas regulares está se amplian<strong>do</strong>, inclusiveem alguns grupos etários mais envelheci<strong>do</strong>s como vemos nos grupos<strong>do</strong> PELC/Vida Saudável da UNISINOS. Percebemos que muitasdestas pessoas não tiveram na juventude oportunidades de vivenciaresta experiência, devi<strong>do</strong> à necessidade de trabalhar desdece<strong>do</strong>, falta de informação, de interesse, ou por ter certos preconceitospela atividade física.Neste contexto é fundamental a presença de profissionaishabilita<strong>do</strong>s para que, além <strong>do</strong> desenvolvimento das atividades físicoe recreativas, seja estimulada a ressignificação destas açõespara o sujeito e para a coletividade. Proporcionan<strong>do</strong> além da mudançade hábitos da vida diária, como hábitos alimentares, estilo


Áderson Loureiro e Roberta G. Ribas Silva Oliveira 131de vida ativo, papéis sociais, a inclusão de novos hábitos, como aprática de exercícios físicos, incluin<strong>do</strong>, o alongamento.É sabi<strong>do</strong> que a prática regular de alongamentos tanto emprogramas de exercícios físicos ou mesmo na rotina da vida diária,e dentro das orientações técnicas já prescritas neste artigo, é de certaforma recente. Ela foi popularizada a partir de uma publicaçãode Bob Anderson na década de 1980, e desde então vem sen<strong>do</strong> cadavez mais qualificada e valorizada na promoção da saúde das pessoas.Junto a isso, percebemos, que a maioria das pessoas i<strong>do</strong>sas tiveramsuas experiências de atividades físicas mais significativasantes deste perío<strong>do</strong>, e pouco experimentaram desta modalidade, oque torna o trabalho <strong>do</strong> professor <strong>do</strong>s dias atuais mais desafia<strong>do</strong>rao implementá-la junto aos grupos de adultos ou i<strong>do</strong>sos.Ao introduzirmos os alongamentos nas práticas de atividadesfísicas e de lazer nos participantes <strong>do</strong> PELC/Vida Saudável,tivemos que investigar sobre exercícios indica<strong>do</strong>s e contraindica<strong>do</strong>spara pessoas em processo acelera<strong>do</strong> de envelhecimento.Destacamos que os alongamentos devem ser suaves e, se possível,utilizan<strong>do</strong> o recurso de cadeiras para o apoio ou, no caso de duplas,utilizan<strong>do</strong> o colega. Assim o praticante irá sentir-se seguro ediminuirá o risco de quedas, tão preocupantes nesta fase davida. Outro recurso, neste senti<strong>do</strong>, é o bastão, que pode ser confecciona<strong>do</strong>a partir de cabos de vassouras e utiliza<strong>do</strong> para várias outrasatividades.Os exercícios de alongamento que desenvolvemos noPELC/Vida Saudável são realiza<strong>do</strong>s preferencialmente antes e depoisdas atividades físicas. Na fase inicial da aula, antes <strong>do</strong>s exercíciosespecíficos, buscamos a preparação muscular e articular, e aofinal da sessão buscamos descontrair os músculos.Percebemos que os indivíduos com melhor consciênciacorporal possuem maior facilidade de executar alongamentos, demonstran<strong>do</strong>melhor qualidade de execução <strong>do</strong> exercício, percepçãoaguçada <strong>do</strong> limite <strong>do</strong> esforço e conforto corporal, fatores essesque diminuem o risco de lesões. Portanto, sugerimos, quan<strong>do</strong> possível,a inclusão nos programas de atividades físicas, recreativas ede lazer, várias experiências que estimulem uma relação qualifica-


132 Alongamento, flexibilidade e qualidade <strong>do</strong> envelhecerda <strong>do</strong> praticante com o seu corpo, fazen<strong>do</strong> com que o conheça e oadmire.É importante sempre salientar que cada praticante devaseguir dentro <strong>do</strong> seu limite corporal o alongamento proposto, nãoultrapassan<strong>do</strong> e nem desconsideran<strong>do</strong> sua capacidade muscular earticular. Portanto, nunca é demais a recomendação de observação<strong>do</strong>s limites individuais, e que sejam respeitadas as diferençasentre os participantes <strong>do</strong> grupo, já que estas dependem de fatoresgenéticos, fase da vida, maior ou menor nível de treinamento,entre outros.Para nós, os alongamentos contraindica<strong>do</strong>s aos participantes<strong>do</strong>s grupos <strong>do</strong> PELC/Vida Saudável – UNISINOS, são aquelesque podem trazer riscos para os praticantes, como tonturas equedas. Também são contraindica<strong>do</strong>s movimentos e posições quecomprimam as articulações, por exemplo, levan<strong>do</strong> com isso ariscos de lesões musculares ou ligamentares. E, finalmente, sãocontraindica<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os exercícios que não são aceitos com naturalidadepelo grupo.Para incluirmos exercícios de alongamentos no solo, coma utilização de colchonetes, temos que conhecer o público com queestamos trabalhan<strong>do</strong>, verifican<strong>do</strong> se há possibilidade de aplicá-lo.O movimento de deitar-se e levantar-se é considera<strong>do</strong> de difícilexecução para pessoas mais velhas, e quan<strong>do</strong> utilizá-los deve ser omínimo de vezes possível durante a sessão de exercícios. Haven<strong>do</strong>esta possibilidade, devemos re<strong>do</strong>brar os cuida<strong>do</strong>s e primeiramenteensinar os i<strong>do</strong>sos a levantar e deitar <strong>do</strong> colchonete corretamente,conforme a sugestão a seguir:– em decúbito lateral com joelhos semiflexiona<strong>do</strong>s;– levantar o tronco com o apoio das mãos;– ajoelhar- se;– colocar-se na posição em pé com uma perna e depois a outra.Sugerimos também, quan<strong>do</strong> em decúbito <strong>do</strong>rsal, colocaruma toalha de rosto <strong>do</strong>brada embaixo da cabeça para estabilizar acoluna cervical. Assim, atentos ao desenvolvimento <strong>do</strong>s exercíciosno grupo e toman<strong>do</strong> os cuida<strong>do</strong>s necessários de execução e inten-


Áderson Loureiro e Roberta G. Ribas Silva Oliveira 133sidade, estaremos proporcionan<strong>do</strong> aos i<strong>do</strong>sos alongamentos comsegurança.Por outro la<strong>do</strong>, cabe finalmente ressaltar o depoimento dealguns participantes <strong>do</strong>s grupos que relatam que incluíram osalongamentos fora da rotina <strong>do</strong> grupo PELC/Vida Saudável, levan<strong>do</strong>estes movimentos para a vida diária. Citamos alguns exemplos:quan<strong>do</strong> levantam pela manhã, antes das caminhadas habituais, nafila <strong>do</strong> banco, ou até mesmo durante uma sessão de filme, e que osfazem com tanta naturalidade e prazer, como se este costume fossealgo de muito tempo em suas vidas.REFERÊNCIASACHOUR JR, A. Flexibilidade: Teoria e Prática. 1.ed. Londrina: Atividade Física& Saúde, 1998.ACHOUR JR, A. Flexibilidade e alongamento: Saúde e bem-estar. Barueri: Manole,2004.ANDERSON, Bob. Alongue-se. 19.ed. São Paulo: Summus Editorial, 1983.BRANCO V. R.; NEGRÃO Fº R. F.; PADOVANI C. R; AZEVEDO F. M.;ALVES N.; CARVALHO A. C. “Relação entre a tensão aplicada e a sensaçãode desconforto nos músculos isquiotibiais durante o alongamento.”Rev. bras. fisioter. vol.10 no.4 São Carlos Oct./Dec. 2006.CASPERSEN C. J; POWEL K. E; CHRISTENSEN G. M. “Physical activity,exercise and physical fitness: definitions and distinctions for health-relatedresearch.” Public Health Reports. V. 100. (2) P.126-131. 1985.COELHO, C. W., ARAUJO C. G. S. “Relação entre aumento da flexibilidade efacilitações na execução de ações cotidianas em adultos participantes deprograma de exercicio supervisiona<strong>do</strong>.” Revista Brasileira de Cineantropometria& Desempenho Humano. Vol. 2. (1) p. 31-34. 2000.FELCE, D. “Defining and applying the concept of quality of life.” Journal ofIntellectual Disability Research. 41. P. 126-135. 1997.PLATONOV, V. N. Teoria Geral <strong>do</strong> Treinamento Desportivo Olímpico. Porto Alegre:Artmed, 2004. Tradução de Ronei Silveira Pinto (et al.)


GINÁSTICA COREOGRAFADASilvana Bianchi 1Suzana Hübner Wolff 2INTRODUÇÃOA promoção da saúde durante o processo de envelhecimentoé um tema muito discuti<strong>do</strong> em toda a sociedade na atualidade.Com a finalidade de melhorar a qualidade de vida daspessoas a partir de 50 anos, desenvolvemos nos grupos <strong>do</strong> PELC/Vida Saudável da UNISINOS um trabalho que envolve ritmo, coordenaçãomotora, passos coreografa<strong>do</strong>s e expressão corporal, oqual denominamos de “Ginástica coreografada”.O material que aqui apresentamos busca socializar nossaexperiência aplicada, na perspectiva de oportunizar o diálogo e aqualificação permanente de nossa ação/intervenção social.PROCESSO DO ENVELHECIMENTO HUMANOO envelhecimento é um processo biológico com alteraçõese mudanças estruturais no corpo e nas funções fisiológicas,psicológicas e sociais. Complementam Casara e Herédia (2000),quan<strong>do</strong> afirmam que as mudanças provocadas pelo processo de-1 Acadêmica de Educação Física. Componente <strong>do</strong> GREG: Grupo de Estu<strong>do</strong>s Gerontológicos<strong>do</strong> Pró-Maior da UNISINOS.2 Doutora em Ed. Física pela UFSM/RS, conselheira <strong>do</strong> Conselho Estadual <strong>do</strong>I<strong>do</strong>so/RS. Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Programa de Ação Social – Pró-Maior da UNISINOS.Coordena<strong>do</strong>ra da Especialização em Gerontologia Interventiva na UNISINOS ecoordena<strong>do</strong>ra geral <strong>do</strong> Programa PELC/Vida Saudável: UNISINOS.135


136 Ginástica coreografadagenerativo <strong>do</strong> organismo acentuam as perdas físicas, provocan<strong>do</strong>significativas transformações psicológicas, culturais e sociais noindivíduo, com implicações no seu interagir com o meio no qualestá inseri<strong>do</strong>.Nesta fase da vida começam a aparecer as rugas, o cabeloperde a pigmentação natural, com maior queda, e a capacidadeauditiva, visual e de locomoção vão diminuin<strong>do</strong> gradativamente(Zimermann, 2000). As unhas tornam-se mais frágeis e com menorvelocidade de crescimento. Há ainda uma diminuição <strong>do</strong> númerode terminações olfativas e papilas degustativas e, como consequência,observa-se a diminuição <strong>do</strong> apetite, sede e captação deo<strong>do</strong>res. Na digestão, perda de dentes e diminuição na produção desaliva e de sucos gástricos.Todas essas perdas são visíveis e perceptíveis pelos sujeitosque envelhecem, agravan<strong>do</strong>-se ainda mais o seu impacto quan<strong>do</strong>associadas a isso surgem as mudanças sociais, como a aposenta<strong>do</strong>ria.Neste senti<strong>do</strong>, afirma Stano (2001) que o trabalho assumiu aprincipal referência <strong>do</strong> sujeito social, e, portanto, a situação denão trabalho reporta-o à sociedade como um incapaz, desnecessário,excluí<strong>do</strong> e marginaliza<strong>do</strong> das atividades tidas como produtivas.Logo, é neste perío<strong>do</strong> que as coisas se relativizam, levan<strong>do</strong> àsvezes a um distanciamento da realidade. Muitas coisas, pessoasou situações parecem bastante menos importantes <strong>do</strong> que pareciamantes. Chega o tempo da experiência histórica e da paciência(Lepargneur, 1999).Portanto, torna-se fundamental para o coordena<strong>do</strong>r ouagente social <strong>do</strong>s Programas de <strong>Esporte</strong> e Lazer, identificar e reconhecerestas transformações naturais <strong>do</strong> processo de envelhecimento,in<strong>do</strong> além <strong>do</strong>s conhecimentos meramente anatômicos,fisiológicos e biológicos, para outras dimensões sociais, psicológicase espirituais desta fase da vida. Neste senti<strong>do</strong>, apresentamosalgumas especificidades <strong>do</strong> processo de envelhecimento humano:Flexibilidade:A diminuição da flexibilidade no i<strong>do</strong>so, é um <strong>do</strong>s processosque requer muito cuida<strong>do</strong>, porque a pouca elasticidade <strong>do</strong>aparelho locomotor provoca uma diminuição da coordenação mo-


Silvana Bianchi e Suzana Hübner Wolff 137tora, modifican<strong>do</strong> sua forma de andar e o ritmo <strong>do</strong>s passos, tornan<strong>do</strong>-osmais lentos. Como consequência, algumas articulações,principalmente as <strong>do</strong> tornozelo, quadril, a cintura pélvica, têmseus movimentos reduzi<strong>do</strong>s. Na posição em pé os membros superiorestendem a se afastar para buscar o equilíbrio (Rauchbach,1990).A elasticidade diminui e com isso ocorrem as <strong>do</strong>res articulares,pois quan<strong>do</strong> nos deparamos com a <strong>do</strong>r muscular involuntáriaos músculos se contraem, impossibilitan<strong>do</strong> a passagemsanguínea, e por sua vez a <strong>do</strong>r tende a aumentar (Otto, 1987).Musculatura:“É sabi<strong>do</strong> que no processo de envelhecimento os teci<strong>do</strong>smusculares também sofrem alterações que vão prejudicar a forçamuscular que está ligada diretamente às capacidades aeróbias eanaeróbias” (Rauchbach, 1990, p. 17). Com essas alterações o músculodiminui de tamanho, perde sua firmeza e, sem esta firmeza, oindivíduo perde o equilíbrio.Sistema cardiorrespiratório:Para Mazo (2004), como os teci<strong>do</strong>s de colágenos e elásticosse modificam, também diminui a elasticidade e a complacência<strong>do</strong>s pulmões, o que reduz a caixa torácica e, por sua vez, dificulta aventilação nos pulmões. Sen<strong>do</strong> assim, com a dificuldade da passagem<strong>do</strong> ar aumenta o risco de ocorrerem problemas cardíacos.Exercícios físicos e envelhecimento:A inatividade física em i<strong>do</strong>sos compromete não só as Atividadesda Vida Diária (AVDs), referentes aos cuida<strong>do</strong>s pessoaismais simples, como vestir-se, banhar-se, levantar-se da cama esentar-se numa cadeira, mas também as Atividades Instrumentaisda Vida Diária (AIVDs), que seriam as atividades mais complexas<strong>do</strong> dia a dia, que caracterizam uma vida independente, como fazercompras, cozinhar, limpar, utilizar meios de transportes e usar otelefone (Okuma, 1998).Defendemos a ideia de que a prática de exercícios físicosregulares possui uma relação direta com a qualidade <strong>do</strong> envelhe-


138 Ginástica coreografadacer, desde que estas estejam fundamentadas meto<strong>do</strong>logicamente,evitan<strong>do</strong>, com isso, lesões, estresse físico e psicológico. Promove,quan<strong>do</strong> bem orientada, a autonomia <strong>do</strong>s sujeitos que envelhecem,incluin<strong>do</strong> neste aspecto a independência física.Direciona<strong>do</strong>s na experiência da ginástica coreografada degrupos de pessoas mais velhas, destacaremos a seguir alguns cuida<strong>do</strong>sfisiológicos e psicossociais a serem observa<strong>do</strong>s antes de seiniciar uma atividade física (Matsu<strong>do</strong>, 2000):a) Cuida<strong>do</strong>s quanto aos aspectos fisiológicos:– evitar ficar de pé, para<strong>do</strong> durante muito tempo;– movimentos que exijam a inclinação da cabeça abaixoda cintura;– movimentos que exijam hiperflexões/hiperextensões;– rotações extremas da nuca e da região lombar;– evitar andar bruscamente para trás;– evitar movimentos de agilidade no chão;– evitar saltar;– evitar movimentos respiratórios muito bruscos.b) Cuida<strong>do</strong>s quanto aos aspectos psicossociais:– evitar a competição entre os participantes (no caso daginástica coreografada, a competição da performance);– evitar a crítica excessiva. Quan<strong>do</strong> necessária, deve serde forma indireta;– simplificar regras e normas. Orientações curtas e objetivas;– sugerir, nunca impor.Como cuida<strong>do</strong>s gerais, devemos sempre estar atentos aoambiente, evitan<strong>do</strong> assim acidentes. Sugerimos, quan<strong>do</strong> possível,que a instalação em que a atividade se desenvolve seja um ambienteareja<strong>do</strong>, ilumina<strong>do</strong> e com o piso liso e regular. É prudente verificara disponibilidade de água no local, ou então sugerir que osparticipantes tragam garrafas individuais.Música e qualidade <strong>do</strong> envelhecer:Muitos i<strong>do</strong>sos já são protagonistas de um envelhecimentosaudável, por meio da prática regular de atividade física ou cons-


Silvana Bianchi e Suzana Hübner Wolff 139truin<strong>do</strong> a sua própria concepção em busca de vida longa e saudável.Buscan<strong>do</strong> alternativas para ajudar o i<strong>do</strong>so neste processode envelhecimento bem-sucedi<strong>do</strong>, Clingman (1990) alerta que amúsica faz parte de um processo de aprendiza<strong>do</strong> ao longo da vida<strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos e que eles necessitam de atividades que proporcionemsentimentos de pertencer ao mun<strong>do</strong>, de liberação de tensões eemoções negativas. O autor ainda destaca a importância e o cuida<strong>do</strong>que se deve ter ao trabalhar de forma que a meto<strong>do</strong>logia sejabem clara e sucinta, respeitan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong>s valores e conceitosque a música possa levar para este i<strong>do</strong>so.Para Okuma (1998), os i<strong>do</strong>sos podem aflorar seu interessepela aprendizagem motora, pratican<strong>do</strong> exercícios físicos ou dança,pois com o movimento humano consciente podem ocorrer váriasexpressões corporais, enaltecen<strong>do</strong> suas emoções, além de proporcionarvários benefícios físicos.A dança é uma arte onde o espaço, o tempo, a expressão ea sensibilidade se manifestam através <strong>do</strong> movimento corporal, deforma harmoniosa ou não (Dantas, 1999). No entanto, a arte é amais antiga obra criada pelo homem (Rabelo, 2004), e executan<strong>do</strong>os movimentos pelos quais as expressões corporais se manifestamela se revela.Na sua história, a dança, sofreu inúmeras modificações, ehoje ela permite ser configurada dentro das atividades físicas. Podemosdizer, inspira<strong>do</strong>s em Todaro (2001), que este tipo de atividadefísica é também uma forma de expressão corporal ligada àalma. Para Catarino (2002) a dança se conceitua como uma sequênciade gestos, passos e movimentos corporais com ritmo musical.Em recente artigo, Peretz e Zatorre (2005) apresentam umrelato detalha<strong>do</strong> sobre a situação atual das pesquisas sobre o tema,alertan<strong>do</strong> que se trata de um campo rico sobre percepção, memóriae emoção.Quan<strong>do</strong> pensamos em música, sabemos que para cadasujeito isso representará vários tipos e ritmos de danças diferentes:dança de salão, samba, forró, pagode, jazz, sapatea<strong>do</strong>, balé clássico,afro, dança moderna, contemporânea, entre outros, geralmente


140 Ginástica coreografadavincula<strong>do</strong>s à referência cultural, regional ou mesmo familiar decada um.A dança para Corazza (2001), é uma forma muito gratificantede trabalho com i<strong>do</strong>sos, pois para ela é envolvi<strong>do</strong> to<strong>do</strong> la<strong>do</strong>psicofísico e psicossocial que é a associação da música mais oexercício. A autora ainda sugere que sejam usadas músicas quemarcaram época, principalmente a juventude deles, pois isso iráprovocar rápida assimilação da ginástica com o exercício e a música.Alves (2007) diz que a dança nada mais é <strong>do</strong> que movimentoscoreografa<strong>do</strong>s em constantes passos integra<strong>do</strong>s um aooutro, forman<strong>do</strong> assim a coreografia que ao final possibilita umsenti<strong>do</strong> que justifica a efetuação. Para ele a dança fala pelos gestoscoreografa<strong>do</strong>s. Portanto, a coreografia nada mais é <strong>do</strong> que umaforma de expressar este caráter enigmático da dança. Ela não necessitade passos novos, mas cada coreografia deve compor novastonalidades de energia e expressão, porém de forma livre, porqueo corpo se vê frente a novas aventuras em desenhar o movimentona relação com o espaço e consigo mesmo.Na linguagem corporal, Brasileiro (2001) diz que a dançadeve entrar em um universo amplo de referências, desmistifican<strong>do</strong>a imagem de apenas um elemento ou espetáculo folclórico,buscan<strong>do</strong> conhecimento das novas ações a que o corpo remete,através <strong>do</strong> popular, bem como pela improvisação da coreografia.Para o autor a expressão corporal pode ser improvisadaatravés de movimentos ginásticos, expressivos da dança, que, comestes movimentos pratica<strong>do</strong>s no cotidiano, permite a estimulaçãode novas expressões. Ainda o autor afirma que este trabalho podeter resulta<strong>do</strong>s a médio e longo prazos, possibilitan<strong>do</strong> capacidadescorporais adquiridas. Mesmo que estas expressões corporais soframconfronto com o preconceito, pois aos poucos estes preconceitosjá estão sen<strong>do</strong> supera<strong>do</strong>s.Segun<strong>do</strong> Rauchbach (1990), com o processo de envelhecimentoa música remete significa<strong>do</strong> no interior de cada i<strong>do</strong>so, expressauma boa relação <strong>do</strong> corpo com a música.No aspecto fisiológico, a música constitui um elementovalioso no contexto da atividade física aeróbia, ela pode propor


Silvana Bianchi e Suzana Hübner Wolff 141aos i<strong>do</strong>sos uma aula de muito prazer, sain<strong>do</strong> muitas vezes da monotoniaou até de uma aula não agradável através de exercíciosmuitos repetitivos (Miranda e Godeli, 2002).Nesta mesma abordagem, Puggard (1994) verificou o condicionamentofísico em pessoas mais velhas, comparan<strong>do</strong> os efeitosde atividades como a dança. Os resulta<strong>do</strong>s alcança<strong>do</strong>s foramque a dança proporciona ganhos no que diz respeito à qualidadede vida <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so. Se o corpo possui uma linguagem, torna-se necessáriouma ação para desvendar esta linguagem corporal.Em um estu<strong>do</strong> com i<strong>do</strong>sos participantes de um programade dança, comprovou-se que ocorreram mudanças quantitativascom relação às alterações na agilidade <strong>do</strong>s sujeitos, identificadasatravés de testes feitos com os i<strong>do</strong>sos no ato de “sentar e levantarda cadeira”; observou-se uma melhora significativa no equilíbrio,e um aumento da flexibilidade (Todaro, 2001).Miranda e Godeli (2003) destacam que o profissional, aoempregar a música, deve ter muito cuida<strong>do</strong>, pois ela deve ter amesma potencialidade <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so em sua execução, ou seja, a respostadeve ser prazerosa e produtiva. Pois ela pode remeter emoçõespouco observadas no grupo, remeten<strong>do</strong> a uma vivência tantopositiva quanto negativa. Portanto, os autores sugerem músicasalegres e motivantes, pois dessa forma seus valores e atitudes tambémmodificam positivamente.GINÁSTICA COREOGRAFADA NO PELC/VIDA SAUDÁVELÉ com o intuito de promover a qualidade <strong>do</strong> envelhecimentopara as pessoas a partir de 50 anos que desenvolvemosexercícios coreografa<strong>do</strong>s com utilização da música, no PELC/VidaSaudável da UNISINOS. É uma experiência ainda incipiente, porémmuito significativa, pois tem si<strong>do</strong> construída junto aos participantes,recheada de dúvidas, erros e acertos.


142 Ginástica coreografadaUm pouco de históriaO surgimento da “Ginástica coreografada” deu-se no anode 2001, a partir de uma solicitação <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos que participavam<strong>do</strong> grupo de convivência <strong>do</strong> Programa Pró-Maior da Universidade<strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Rio <strong>do</strong>s Sinos – UNISINOS/RS, denomina<strong>do</strong> deGrupo Maturidade. Organiza<strong>do</strong>s, enviaram seu líder, que solicitouà coordenação <strong>do</strong> Pró-Maior (esta representada por nós) umespaço de dança, pois não se sentiam satisfeitos com as oportunidadesoferecidas naquele momento no leque das atividades físicas,que eram: jogos, ginástica localizada, musculação, atletismo,alongamentos e outras. Para eles, faltava no Pró-Maior a dança, aexpressão e a música. Atentas aos apelos <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos, buscamos alternativaspara a implementação <strong>do</strong> novo grupo, porém a resposta<strong>do</strong>s gestores da instituição foi de que naquele momento a universidadenão estava em condições de apoiar nenhum grupo de dança, eque seria possível somente a abertura de novos grupos de ginástica.Frente ao impasse, criamos um méto<strong>do</strong> peculiar de aula que incluíaelementos da ginástica e da dança, surgin<strong>do</strong> a Ginástica Coreografada.Adaptamos os movimentos e elementos ginásticos com amúsica, que nada mais é <strong>do</strong> que a execução de movimentos dentrode um compasso e ritmo musical. Surgiu então a ginástica coreografada,que pode ser compreendida como uma “reciclagem” daginástica aeróbica, ou mesmo uma ressignificação de aulas <strong>do</strong> antigoMéto<strong>do</strong> Francês de Educação Física. O que sabemos, no entanto,é que ela tem contribuí<strong>do</strong> com qualidade e grande adesão, nasatividades <strong>do</strong>s grupos <strong>do</strong> PELC/Vida Saudável da UNISINOS.O méto<strong>do</strong>Sem a pretensão de trazer novidades, somente reforçar algumasideias já consagradas, apresentamos a seguir a meto<strong>do</strong>logiadas aulas de Ginástica Coreografada:Organização: a aula de ginástica coreografada tem duraçãode 50 minutos. Os alunos são orienta<strong>do</strong>s a comparecer às aulascom roupas confortáveis, sem usar jeans, brincos grandes nem re-


Silvana Bianchi e Suzana Hübner Wolff 143lógios, evitan<strong>do</strong> com isso arranhões e machuca<strong>do</strong>s. Sugerimos ouso de tênis, não sen<strong>do</strong> vedada a utilização de sapatos de saltosbaixos, desde que bem presos no pé e com sola<strong>do</strong>s macios. As etapas<strong>do</strong> trabalho são as seguintes:– primeira parte: a aula inicia com movimentos lentos, envolven<strong>do</strong>mobilização articular e alongamentos, evoluin<strong>do</strong> paraexercícios que remetam a coordenação motora e a um pouco deforça muscular. Para Otto, (1987), o alongar-se proporciona combatero estresse, reduzir a tensão muscular para que na hora da execução<strong>do</strong>s movimentos, tenham maior facilidade da amplitude <strong>do</strong>movimento e coordenação motora.– segunda parte: imediatamente após o aquecimento, iniciamos movimentos de ginástica coreografada, onde os passos sãoensina<strong>do</strong>s de forma gradual sem a música, e logo após os participantesexecutam os mesmo passos com o acompanhamento damúsica. O processo de iniciação aos movimentos coreografa<strong>do</strong>sdeverá conter movimentos simples de fácil assimilação, evitan<strong>do</strong>sempre os saltos, saltitos. O i<strong>do</strong>so não deve realizar exercícios deimpacto, deve evitar exercícios com mudanças bruscas e movimentosrápi<strong>do</strong>s, principalmente com a cabeça (Matsu<strong>do</strong>, 2001, p.73), conforme já detalhamos anteriormente.Neste momento, a verificação da frequência cardíaca éimportante, sempre respeitan<strong>do</strong> as pausas que devem acontecerquan<strong>do</strong> o grupo demonstra cansaço, muitas vezes visíveis atravésda perda de coordenação ou irregularidade <strong>do</strong>s movimentos respiratórios(Rauchbach, 1990). Por este motivo a autora afirma quepara trabalhar com este público é necessário ter conhecimentos naárea da fisiologia <strong>do</strong> envelhecimento, para buscar com competênciauma qualidade de vida, e para uma aplicação adequada nasatividades direcionadas aos i<strong>do</strong>sos, integrada aos aspectos biológicos,psicológicos e socioculturais.É importante lembrar que a elaboração da coreografia sedá de forma simples e sucinta com três ou quatro movimentos,ten<strong>do</strong> sempre oito ou <strong>do</strong>ze repetições, e com o ritmo musical nãomuito rápi<strong>do</strong>. Neste senti<strong>do</strong>, alguns autores alertam que o tempode reação <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so com o passar <strong>do</strong>s anos diminui, por issodeve-se respeitar seu limite e seu tempo de execução <strong>do</strong>s movi-


144 Ginástica coreografadamentos. Lembrar sempre aos alunos que o objetivo maior da ginásticanão é o “corpo perfeito” e sim a capacidade de expressãoque o corpo possibilita ao realizar o movimento.– terceira parte: nesta última parte da aula, podemos continuarcom os movimentos coreografa<strong>do</strong>s, porém diminuin<strong>do</strong> a intensidadee a velocidade <strong>do</strong>s gestos e deslocamentos. Sugerimos,então, exercícios de alongamento e respiratórios leves. A aula terminacom uma celebração de palmas e sorrisos, se assim o grupoquiser.COMO PLANEJAR AS AULAS DE GINÁSTICA COREOGRAFADAO planejamento da aula se dá de forma coletiva e simples,e sempre com muito cuida<strong>do</strong> com a linguagem utilizada. A fala <strong>do</strong>professor ou agente deve ser alta (não gritan<strong>do</strong>) e clara, semprecom o olhar direto para os participantes, a fim de que possam contribuire entender a proposta da aula.Nesta atividade buscamos estimular também a memória<strong>do</strong>s participantes, assim como a coordenação motora. Neste senti<strong>do</strong>,ao organizar as aulas, além da atenção necessária aos aspectosfisiológicos <strong>do</strong> esforço, objetivamos com as coreografias o desenvolvimentode outras habilidades, como atenção, concentração,expressão e ritmo.A ginástica coreografada não deve ser trabalhada com asmesmas meto<strong>do</strong>logia e técnica empregadas em uma aula de dançatradicional, onde o ritmo é uma das principais referências <strong>do</strong> trabalho.Sabemos que no processo de envelhecimento o tempo dereação e a coordenação motora nos i<strong>do</strong>sos são altera<strong>do</strong>s, fican<strong>do</strong>muitas vezes inviável a resposta de determina<strong>do</strong>s movimentosdentro de uma frase musical, por exemplo. É lógico que esta orientaçãonão é uma regra, e cada grupo possui características próprias,o que que devemos evitar é uma aula pouco prazerosa ondeo i<strong>do</strong>so sairá decepciona<strong>do</strong> com o seu desenvolvimento e desmotiva<strong>do</strong>a continuar a participar, devi<strong>do</strong> à exigência apresentada.Frente a isso, reforçamos que a coreografia, os movimentossejam elabora<strong>do</strong>s de forma simples e gradual, respeitan<strong>do</strong> a


Silvana Bianchi e Suzana Hübner Wolff 145melodia e o senti<strong>do</strong> da música, compon<strong>do</strong> movimentos básicossem muita amplitude, refrão, utilizan<strong>do</strong> de preferência movimentosassocia<strong>do</strong>s e com facilidade de deslocamento.Ainda no planejamento, é importante lembrar que os movimentossão seleciona<strong>do</strong>s sempre respeitan<strong>do</strong> uma sequência, ouseja, movimentos de membros superiores independentes <strong>do</strong>smembros inferiores, deslocamento para frente, sempre com amplitudena volta sem que o i<strong>do</strong>so necessite de movimentos bruscos.Para a escolha da música, procurar por interpretações não vulgarese que tenham senti<strong>do</strong> para os participantes. O ideal seria a escolhada música pelo próprio grupo, e que esta resplandeça alegriae descontração <strong>do</strong> grupo.Quanto ao papel <strong>do</strong> professor, Filho (1998) afirma que aforma como o agente demonstra, gesticula, ou expressa os movimentosé importante para o sucesso <strong>do</strong> aprendiza<strong>do</strong> destes alunos.Vale destacar que este público maduro provém de uma educaçãomuitas vezes autoritária e reprimida.CONSIDERAÇÕES FINAISCom a experiência da Ginástica Coreografada nos grupos<strong>do</strong> PELC/Vida Saudável da UNISINOS, podemos afirmar queesta prática tem proporciona<strong>do</strong> aos participantes autonomia, conhecimentocorporal, expressão de emoções, estímulo à qualificaçãoda memória e coordenação motora, além de melhoria dascondições físicas <strong>do</strong>s participantes. Percebemos também a capacidadede enfrentamento de novos desafios que a idade apresenta,de coragem para a vida e de satisfação consigo e com o grupo.Pois sabemos que a ginástica nos fortalece fisicamente, mas quan<strong>do</strong>dançamos oportunizamos ao corpo novas experiências,proporcionan<strong>do</strong>-lhe o acesso a uma linguagem própria, pois umcorpo dançan<strong>do</strong> sempre quer comunicar com quem lhe assiste. Adança é uma alteração da imagem <strong>do</strong> corpo que nos remete a mudanças,sejam elas corporais ou de atitude. Porém, mais <strong>do</strong> quetu<strong>do</strong>, a dança nos possibilita sonhar, e sonhar é muito bom!!!


146 Ginástica coreografadaREFERÊNCIASALVES, Flávio. Composição coreográfica: Traços furtivos de dança. 2007.www.eca.usp.br/tfc/geral 2007 acessa<strong>do</strong> em 2009.DANTAS, E. H. M. Flexibilidade: alongamento e flexionamento. 4ª ed, Rio de Janeiro:Shape, 1999.MIRANDA, M. L. J., GODELI, M. R. C. S. Avaliação de i<strong>do</strong>sos sobre o papel ea influência da música na atividade física. Revista Paulista de Educação Física.São Paulo, v.16, n.01, p. 86 – 99, 2002.MIRANDA, M. L. J., GODELI, M. R. C. S. Música, atividade física e bem-estarpsicológico em i<strong>do</strong>sos. Revista Brasileira de Ciência & Movimento. Brasília,v.11, n.04, p. 87-94, 2003.PUGGARD, L. Physical conditioning in elderly people. Scandinavian Journal ofMedicine and Science in Sports. v.04, p. 47–56, 1994.FILHO, Jacob,. W. Artigo da Internet. www.maturidade.com.b/saude/ativ-fisica.htm/05/2009.STANO, Rita de Cássia M. T. Identidade <strong>do</strong> professor no envelhecimento. São Paulo:Cortez, 2001.LEPARGNEUR, Hubert. Os desafios <strong>do</strong> envelhecimento. In: O mun<strong>do</strong> da saúde.Ano 23, v.23, n.4. jul-ago, São Paulo: Edunisc, 1999, p. 230-244.HERÉDIA, Vania Beatriz e CASARA, Miriam Bonho. Tempos vivi<strong>do</strong>s: Identidade,memória e cultura <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so. Caxias <strong>do</strong> Sul. Educs, 2000.CATARINO, M. História da dança, 2002. Disponível em . Acesso em 15 abr. 2007.DIAS, K. P. Educação Física Gerontológica. In: Anais 2º Congresso Paulista deGeriatria e Gerontologia. São Paulo, SP, 2001.RABELO, C. A história da dança, 2004. Disponível em .Acesso em junho de 2009.FREIRE, I. M. Compasso ou descompasso: O corpo diferente no mun<strong>do</strong> daDança. Ponto de Vista, vol. 1, Florianópolis: UFSC/NUP-CED, 1999.Artigo Original Cinergis ISSN 1519-2512. Cinergis – Vol 8, n. 1, p. 25-32Jan/Jun, 2007. Dança para i<strong>do</strong>sos: uma alternativa para o exercício físico.Aline Huber da Silva 1. Giovana Zarpellon Mazo 2SCOTT, M. Laban movement analysis and Bartenieff fundamentals. In: Fitt,S.S. (ed.), Dance Kinesiology. New York: Schirmer Books, 1996.ZIMMERMAN, Guite I. Velhice: Aspectos Biopsicossociais. Porto Alegre:Artmed, 2000.OKUMA, Silene Sumire. O i<strong>do</strong>so e a atividade física. Campinas: Papirus, 1998.


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JOGOS DESPORTIVOS PARAA TERCEIRA IDADEAlmerinda Alcante Pacheco <strong>do</strong>s Santos 1Ana Paula Jaques Flores 2Suzana Hübner Wolff 3O jogo é uma atividade livre, lúdica, que contém regrasnão convencionais e que pode estar vincula<strong>do</strong> a fatores de ordemcultural, social e política. Vivenciá-lo, desde a infância até a velhice,é essencial, pois faz parte da vida <strong>do</strong> ser humano, visto que épratica<strong>do</strong> desde as mais remotas épocas em diferentes sociedades,logo, é tão antigo quanto à própria história <strong>do</strong> homem. Como atividadeesportiva, representa um fenômeno social mundial, característicoda contemporaneidade, possibilitan<strong>do</strong> ao praticanteadaptar regras e espaços físicos, priorizan<strong>do</strong> a participação e oprazer. No caso <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>sos, o jogo desportivo coloca-os em situaçãode adaptação e readaptação permanente, provocan<strong>do</strong> diferentesatitudes físicas e comportamentais (Gonçalves, 1996). Sen<strong>do</strong>assim, o jogo não representa apenas experiências vividas, masprepara o indivíduo para o que ainda está por vir, exercitan<strong>do</strong>habilidades e estimulan<strong>do</strong> o convívio social, destacan<strong>do</strong> que,com o processo de envelhecimento, experiências vividas e a busca1 Graduada em Educação Física. Coordena<strong>do</strong>ra de Núcleo PELC/Vida Saudável –UNISINOS.2 Graduada em Educação Física, especialista em Ciências da Saúde e <strong>do</strong> Desporto.Coordena<strong>do</strong>ra de Núcleo/PELC/Vida Saudável – UNISINOS.3 Doutora em Ed. Física pela UFSM/RS, Conselheira <strong>do</strong> Conselho Estadual <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so/RS.Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Programa de Ação Social – Pró-Maior da Unisinos e Coordena<strong>do</strong>raGeral <strong>do</strong> Programa PELC/Vida Saudável: UNISINOS.149


150 Jogos desportivos para a terceira idadeda realização <strong>do</strong>s desejos pode tornar mais difícil o equilíbrio psicológico.O comportamento de queixa, isolamento social, pessimismoé muitas vezes caracteriza<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> normal no processode envelhecimento, e exige uma análise mais detalhada daverdadeira situação <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so, que muitas vezes é acometi<strong>do</strong> dedepressão, ansiedade e insônia. Os i<strong>do</strong>sos tendem a ter menos entusiasmoe motivação para continuar aprenden<strong>do</strong>, e, assim como adimensão psicológica <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so sofre alterações, o físico e o motortambém apresentam mudanças, tornan<strong>do</strong> o corpo mais rígi<strong>do</strong> ecom dificuldades de coordenação motora, por exemplo. Neste senti<strong>do</strong>,a atividade física realizada de forma sistemática poderácontemplar a melhora física, orgânica e psíquica destes sujeitos(Rauchbach, 1990).Nos jogos desportivos, é ressaltada a importância de sedesenvolver o aprendiza<strong>do</strong> em qualquer fase da vida humana,propician<strong>do</strong> diversas atividades táticas e técnicas, assim como assituacionais: placar, tempo, uniforme e outros. Também o objetivoda ação não deve ser negligencia<strong>do</strong>, já que se constitui de um parâmetrofundamental para o bom desenvolvimento <strong>do</strong> processo(Mazo, 2004).Já se foi o tempo em que se acreditava que as pessoasmais velhas não poderiam aprender habilidades novas, e quevelhice era sinônimo de <strong>do</strong>ença e declínio. Novas concepções deenvelhecimento surgem, defenden<strong>do</strong> o potencial de desenvolvimentohumano permanente, dentro <strong>do</strong>s limites de cada indivíduo,compreendi<strong>do</strong>s aqui como a capacidade deste de gerar mudançase realizar adaptações de acor<strong>do</strong> com as suas experiências anteriores.Desta forma, o envelhecimento é encara<strong>do</strong> como um processonatural, que continuamente provoca modificações nas relações <strong>do</strong>indivíduo com o mun<strong>do</strong> e com a sua própria história. Nesse aspecto,a aprendizagem de novas habilidades e a contínua prática deatividades físicas poderá contribuir para a qualificação das dimensõespsicossociais e biológicas <strong>do</strong>s sujeitos que envelhecem (Wolffe Dias, 2000).Nesta perspectiva, o desenvolvimento humano ao longoda vida envolve equilíbrio constante entre ganhos e perdas, o que


Almerinda A. P. <strong>do</strong>s Santos; Ana Paula J. Flores e Suzana H. Wolff 151significa mudança permanente. Com isso, os jogos desportivospara i<strong>do</strong>sos podem utilizar estratégias compensatórias para que seamenizem algumas perdas inevitáveis, principalmente de cunhobiológico, como diminuição da tonicidade muscular, diminuição<strong>do</strong> equilíbrio, diminuição da capacidade cardiorrespiratória.Assim, ao propor a prática esportiva para pessoas em processoacelera<strong>do</strong> de envelhecimento, é de suma importância estabeleceruma aproximação gradativa ao esporte (Neri, 2001).Os jogos propostos não poderão deixar de constituir ummeio de favorecer a aquisição de novas aprendizagens de movimentose habilidades físicas que se desenvolvem segun<strong>do</strong> as característicasde força, destreza, coordenação neuromuscular evelocidade. Segun<strong>do</strong> Raso (2007), a capacidade para levantar outransportar uma sacola é duas vezes menor em homens ou mulheresna faixa etária entre 70 e 74 anos, quan<strong>do</strong> compara<strong>do</strong>s aos indivíduosde idade entre 55 e 59 anos de idade. Acreditamos com issoque a prática <strong>do</strong> jogo regular pode contribuir para a melhora dacondição física <strong>do</strong>s praticantes, contribuin<strong>do</strong>, entre outros fatores,para a qualificação das atividades da vida diária.JOGOS DESPORTIVOS DE QUADRAOs jogos desportivos, nas modalidades descritas a seguir,resultam da experiência de profissionais de instituições deensino superior <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, (UNISINOS, UFRGS, UFSM,UNISC, ULBRA, UNILASSALLE, FEEVALE e UPF), junto à PrefeituraMunicipal de Porto Alegre e ao SESC/RS, que, estimula<strong>do</strong>s pelaFundação de <strong>Esporte</strong> e Lazer/RS, criaram estas regras, a fim depromover a aproximação efetiva com o esporte em qualquer faseda vida (FUNDERGS, 2007). Apresentamos a seguir, algumas modalidadese suas regras.


152 Jogos desportivos para a terceira idadeJOGO CÂMBIOO câmbio é uma modalidade desportiva coletiva, similarao voleibol, que objetiva levar a bola ao chão na quadra <strong>do</strong> adversário.O jogo organiza-se por equipes, formadas de no mínimo 9 jogares,sen<strong>do</strong> que os 9 estarão posiciona<strong>do</strong>s no interior da quadra(mesma <strong>do</strong> voleibol) e, se houver mais participantes, estes deverãoposicionar-se no la<strong>do</strong> externo da quadra, aguardan<strong>do</strong> o rodíziopara entrar em campo. O jogo poderá ser desenvolvi<strong>do</strong> com equipesmistas, sen<strong>do</strong> sugerida a contagem de pontos por tempo: entre10 e 15 minutos para cada la<strong>do</strong>.Figura 1 – CâmbioFormação: cada equipe ocupará meia quadra. Os nove joga<strong>do</strong>resde cada equipe dispostos na meia quadra, de frente para arede, ocuparão os espaços demarca<strong>do</strong>s nas seguintes posições:Posição 1 – la<strong>do</strong> direito ao fun<strong>do</strong> da quadra;


Almerinda A. P. <strong>do</strong>s Santos; Ana Paula J. Flores e Suzana H. Wolff 153Posição 2 – no meio ao fun<strong>do</strong> da quadra;Posição 3 – la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> ao fun<strong>do</strong> da quadra;Posição 4 – la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> da quadra atrás da linha de três metros;Posição 5 – la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> da quadra, próximo à rede;Posição 6 – centro da rede;Posição 7 – la<strong>do</strong> direito da quadra, próximo à rede;Posição 8 – centro da quadra;Posição 9 – la<strong>do</strong> direito da quadra, atrás da linha de três metros.Demais posições: 10, 11, 12... no la<strong>do</strong> de fora da quadra.Desenvolvimento <strong>do</strong> jogo: para dar início ao jogo, após osorteio da posse de bola, e os joga<strong>do</strong>res já posiciona<strong>do</strong>s, começaráo jogo pelo joga<strong>do</strong>r da posição 8 que lançará a bola por cima darede (sem saltar) para a quadra adversária. O lançamento, tambémchama<strong>do</strong> de saque, será a bola arremessada, sempre por cima darede, deven<strong>do</strong> ser respeitada a linha <strong>do</strong>s três metros pelo saca<strong>do</strong>r.O executor <strong>do</strong> saque ao lançar a bola deverá ainda dar a ordem decâmbio aos seus colegas de equipe. Dada a ordem de câmbio, to<strong>do</strong>sos joga<strong>do</strong>res dessa equipe executam o rodízio.Figura 2 – Câmbio


154 Jogos desportivos para a terceira idadeRodízio: um <strong>do</strong>s elementos importantes <strong>do</strong> jogo que merecetoda a atenção para que os participantes consigam aprender éo rodízio, ou a troca de posições na quadra. Este se dará toda vezem que o joga<strong>do</strong>r da posição 8 arremessar a bola para a meiaquadra oposta e gritar câmbio. No rodízio to<strong>do</strong>s os joga<strong>do</strong>res trocamde lugar observan<strong>do</strong> a ordem sequencial das posições, sain<strong>do</strong>da quadra o joga<strong>do</strong>r da posição 9 (se houver mais de 9 participantesna equipe) e entran<strong>do</strong> o joga<strong>do</strong>r da posição 12, que ocupará aposição 1.Recepção e passes: a recepção da bola será com bola presa,poden<strong>do</strong> ser executa<strong>do</strong>s no mínimo um e no máximo três passes,sen<strong>do</strong> o terceiro, obrigatoriamente, o de arremesso, para a outraquadra, pelo joga<strong>do</strong>r da posição 8, que novamente dará a ordemde câmbio. Em síntese, no máximo, três joga<strong>do</strong>res da mesma equipetocarão na bola durante a jogada.Pontuação: A pontuação será executada em tie-break (semvantagem), soman<strong>do</strong> ao final <strong>do</strong> tempo estipula<strong>do</strong> (10 a 15 minutos)o número de pontos de cada equipe. Será considera<strong>do</strong> pontopara a equipe adversária quan<strong>do</strong>:– um joga<strong>do</strong>r deixar a bola cair no chão;– o rodízio não for executa<strong>do</strong> corretamente;– o número de passes for incorreto;– não for respeitada a posição de arremesso (atrás da linhade três metros);– a bola arremessada não ultrapassar a rede;– a bola for arremessada para fora da meia quadra oposta.O jogo reinicia com a posse de bola da equipe que conquistouo ponto.JOGO BASQUETE RELOGINHOO basquete reloginho é um jogo desportivo coletivo, inspira<strong>do</strong>no basquetebol, pois utiliza o recurso <strong>do</strong> arremesso em cestacomo componente importante de execução. Possui este nome,“reloginho”, inspira<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> movimento <strong>do</strong>s ponteiros <strong>do</strong>relógio, para organizar o rodízio <strong>do</strong>s participantes em quadra. As


Almerinda A. P. <strong>do</strong>s Santos; Ana Paula J. Flores e Suzana H. Wolff 155equipes são formadas por 9 participantes, com o tempo de 10 minutospara cada jogo.Formação: cada equipe formará duas fileiras, frente afrente, em frente à tabela, atrás <strong>do</strong> círculo <strong>do</strong> garrafão (ou cincometros da tabela), observan<strong>do</strong> a distância (aproximadamente deum metro) entre os participantes de cada fileira. Os joga<strong>do</strong>res dafileira da esquerda, de frente para a tabela, ocuparão as posiçõesde números ímpares, sen<strong>do</strong> que o primeiro joga<strong>do</strong>r da fila estaráocupan<strong>do</strong> a posição 1 e o último a 9. Os joga<strong>do</strong>res da fileira da direita,de frente para a tabela, ocuparão as posições de números pares,de 2 a 8, sen<strong>do</strong> a posição 2 a <strong>do</strong> primeiro da fila e a de número 9a <strong>do</strong> último.Figura 3 – Basquete.


156 Jogos desportivos para a terceira idadeDesenvolvimento <strong>do</strong> jogo: O jogo obedece aos fundamentos<strong>do</strong> basquete (passe, arremesso), estan<strong>do</strong> os joga<strong>do</strong>res posiciona<strong>do</strong>sem fileiras, de frente um para o outro. O jogo inicia com abola de posse <strong>do</strong> joga<strong>do</strong>r na posição 9, que a passará para o joga<strong>do</strong>rda posição 8 e assim sucessivamente, sen<strong>do</strong> a bola passadaalternadamente (ou em zigue-zague) entre as duas fileiras até chegarao joga<strong>do</strong>r da posição 1.O deslocamento tem início com a passagem de bola <strong>do</strong> joga<strong>do</strong>rda posição 9 para o joga<strong>do</strong>r da posição 8, que mudará de posiçãoseguin<strong>do</strong> o movimento da bola. O mesmo acontece com osjoga<strong>do</strong>res de todas as posições, que se deslocaram após passarema bola.Figura 4 – Basquete.


Almerinda A. P. <strong>do</strong>s Santos; Ana Paula J. Flores e Suzana H. Wolff 157O joga<strong>do</strong>r da posição 1, ao receber a bola, se deslocará,quican<strong>do</strong> a bola, em direção à cesta e executará o arremesso. Apóso arremesso, deve pegar a bola e conduzi-la, quican<strong>do</strong>, até o finalde sua fileira, passan<strong>do</strong> pela esquerda ou por fora das fileiras, atéchegar à posição 9, dan<strong>do</strong> continuidade ao jogo, com a passagemda bola para o joga<strong>do</strong>r da posição 8.Pontuação: É importante que o agente/professor (ou umvoluntário) se responsabilize pelo jogo, onde deve cronometrar os10 minutos de jogo e realizar a marcação <strong>do</strong>s pontos, de acor<strong>do</strong>com os seguintes critérios:Cesta convertida: 3 pontos;No aro: 2 pontos;Na tabela: 1 ponto.JOGO HANDEBOL POR ZONAO handebol por zona é um jogo desportivo coletivo, inspira<strong>do</strong>no handebol, porém sem o contato corpo a corpo. Pode serrealiza<strong>do</strong> em uma quadra de handebol reduzida em 20 metros oumeia quadra de futsal, inverten<strong>do</strong> a posição das goleiras para aslaterais para que se possa fazer a marcação necessária para desenvolvimento<strong>do</strong> jogo. A equipe é formada por 15 joga<strong>do</strong>res, sen<strong>do</strong>que 11 ficam em quadra e os demais nas posições de “reservas”. Éjoga<strong>do</strong> por tempo, sugerin<strong>do</strong>-se, 2 tempos de 10 minutos.Formação: antes de iniciar o jogo propriamente dito é necessáriodividir e marcar as quadras em três zonas cada uma:Zona morta – entre a goleira e a zona de defesa, medin<strong>do</strong>três metros aproximadamente.Zonas de defesa – entre a zona morta e a zona de ataque.Área de aproximadamente três metros.Zona de ataque – <strong>do</strong> centro para dentro da meia quadra;área de aproximadamente três metros.Importante: sugere-se que as zonas de defesa e ataque sejamdemarcadas com a largura de um metro aproximadamente, afim de evitar o possível contato e a proximidade excessiva entre osjoga<strong>do</strong>res.


158 Jogos desportivos para a terceira idadeFigura 5 – Handebol.Formação: cada equipe se dividirá em 6 joga<strong>do</strong>res na defesa,5 joga<strong>do</strong>res no ataque e 4 posiciona<strong>do</strong>s no la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> defora da quadra, obedecen<strong>do</strong> à seguinte distribuição:Defesa:Posição 1 – goleiroPosições 2 a 6 – ocupam a área em frente à zona morta, posiciona<strong>do</strong>sla<strong>do</strong> a la<strong>do</strong>.Ataque:Posições de 7 a 11 – ocupam a área de ataque, próxima aocentro da quadra, posiciona<strong>do</strong>s la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong>.“Reservas”:Posições 12 a 15 – ficam posiciona<strong>do</strong>s fora da quadra, emfileira, no la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> da zona morta.


Almerinda A. P. <strong>do</strong>s Santos; Ana Paula J. Flores e Suzana H. Wolff 159Figura 6 – Handebol.Desenvolvimento <strong>do</strong> jogo: antes de dar início ao jogo éfeito o sorteio entre as equipes para definir a posse de bola. A equipeque ganhou o sorteio iniciará o jogo pela zona de defesa, e osparticipantes da defesa executarão até três passes, sen<strong>do</strong> o terceirode arremesso para o seu ataque. O ataque poderá fazer o mesmonúmero de passes, sen<strong>do</strong> o último de arremesso a gol.A defesa da equipe adversária, posicionada em frente àárea de gol, tentará impedir a passagem da bola. Na defesa é permiti<strong>do</strong>usar to<strong>do</strong> o corpo, inclusive os pés.Rodízio: O rodízio da equipe atacante será feito sempreque houver o gol ou quan<strong>do</strong> a bola sair pela linha de fun<strong>do</strong>. Desdea posição 1 (goleiro) haverá a troca de posição para uma posiçãonumericamente superior, assim, to<strong>do</strong>s os joga<strong>do</strong>res da equipe trocarãode posições, obedecen<strong>do</strong> à ordem numérica. Destaca-se que,


160 Jogos desportivos para a terceira idadecom a saída <strong>do</strong> joga<strong>do</strong>r da posição 11 para a “reserva” (la<strong>do</strong> defora da quadra), entrará em jogo o da posição 15 no lugar <strong>do</strong> goleiro(posição 1), que passará à posição 2.Figura 7 – Handebol.Penalidades e regras <strong>do</strong> handebol:– lateral: caso a bola saia pela lateral, o jogo reiniciará pelojoga<strong>do</strong>r da equipe oposta, no local mais próximo de onde abola saiu, poden<strong>do</strong> efetuar os três passes.– linha de fun<strong>do</strong>: quan<strong>do</strong> o joga<strong>do</strong>r de qualquer equipejogar a bola pela linha de fun<strong>do</strong>, o jogo reiniciará com o goleiro,que colocará a bola em jogo, passan<strong>do</strong> para a sua defesa,não contan<strong>do</strong> como um passe.


Almerinda A. P. <strong>do</strong>s Santos; Ana Paula J. Flores e Suzana H. Wolff 161– zona morta: cada vez que um joga<strong>do</strong>r invadir a zona morta,será considera<strong>do</strong> falta, cuja penalidade será a perda daposse da bola para o adversário no local mais próximo dafalta.É de fundamental importância que cada professor/agentesocial tenha em mente as preferências <strong>do</strong> grupo e realidade <strong>do</strong>seu núcleo, poden<strong>do</strong> assim, com o auxílio com os praticantes,adaptar a atividade, contribuin<strong>do</strong> ainda mais para o alcance <strong>do</strong>sobjetivos propostos.A EXPERIÊNCIA DOS JOGOS DESPORTIVOSNO PELC-VIDA SAUDÁVEL/ UNISINOSDentre os jogos que desenvolvemos nos Núcleos <strong>do</strong>PELC-Vida Saudável – Unisinos, destacamos o câmbio, handebolpor zona e basquete reloginho, onde, ao proporcioná-los aos grupos,buscamos oferecer atividades diferenciadas, porém com o espíritode ludicidade e participação. Como referência, seguimos asorientações aqui apresentadas, que são as mesmas utilizadas nosJogos Estaduais de Integração <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, organiza<strong>do</strong>sanualmente pelo governo <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, desde 1998. Nonosso contexto, buscamos respeitar as diferentes habilidades motorase experiências individuais <strong>do</strong>s componentes <strong>do</strong> grupo, assimcomo sintonizar o jogo com a realidade de cada núcleo.Sabemos que muitos i<strong>do</strong>sos não vivenciaram nenhumtipo de atividades esportivas durante sua vida pregressa, salientan<strong>do</strong>assim a importância de fazer um resgate de suas habilidadesvariadas, poden<strong>do</strong> contribuir para a aprendizagem efetiva <strong>do</strong>s jogosdesportivos.Tratan<strong>do</strong>-se de i<strong>do</strong>sos, é necessário que se simplifique omáximo possível a execução de movimentos, a fim de que se tornemmais seguros e precisos, por isso alguns jogos são desenvolvi<strong>do</strong>scom bola presa, com maior número de joga<strong>do</strong>res em quadra,como no caso <strong>do</strong> câmbio, e com passes sequenciais, manten<strong>do</strong> osfundamentos da modalidade esportiva com regras e formas de jo-


162 Jogos desportivos para a terceira idadegar adaptadas, ten<strong>do</strong> como objetivo principal a diminuição da intensidade<strong>do</strong> jogo.Para a redução da intensidade <strong>do</strong> jogo podem ser feitasformações e regras distintas, onde trazemos um exemplo <strong>do</strong>handebol, dan<strong>do</strong> como opção a possibilidade de se criar zonas“neutras” para evitar o contato entre equipes. Também pode serutilizada a criação de um sistema de rotação que possa incluir omaior número de participantes, onde to<strong>do</strong>s serão importantes emquadra.Sugestões de procedimentos:– antes de praticar o jogo propriamente dito, é importantedesenhar no chão as posições e zonas <strong>do</strong> jogo (quan<strong>do</strong>houver), orientan<strong>do</strong> os participantes a se deslocarem sobreos locais, simulan<strong>do</strong> a rotação <strong>do</strong> jogo, sem a bola;– como complemento ao jogo, desenvolver nas aulas atividadescom bola que simulem os movimentos básicos <strong>do</strong>jogo, como lançar/receber e quicar, utilizan<strong>do</strong> o máximopossível de materiais disponíveis;– não esquecer <strong>do</strong>s procedimentos básicos para a prática deexercícios físicos, incluin<strong>do</strong> na aula, além <strong>do</strong> jogo, atividadesde aquecimento e de volta à calma, incluin<strong>do</strong> aí, umasessão de alongamentos;– se o grupo possui uma avaliação individualizada de suacondição física, promover, durante a aula, a verificação dafrequência cardíaca, buscan<strong>do</strong> manter os índices espera<strong>do</strong>sde esforço;– estimular a participação de to<strong>do</strong>s, seja em quadra jogan<strong>do</strong>,como árbitro ou auxiliar. O importante é que to<strong>do</strong>s tenhamenvolvimento com o jogo, seja direta ou indiretamente.REFERÊNCIASALCANTE, Almerinda Pacheco <strong>do</strong>s Santos. Motivação em Atletas de IniciaçãoEsportiva precoce no Futsal; Monografia de Conclusão de Curso; Unisinos,São Leopol<strong>do</strong>, 2004.


Almerinda A. P. <strong>do</strong>s Santos; Ana Paula J. Flores e Suzana H. Wolff 163FUNDAÇÃO DE ESPORTE E LAZER DO RIO GRANDE DO SUL –FUNDERGS. Jogos Desportivos Adapta<strong>do</strong>s para i<strong>do</strong>sos (digita<strong>do</strong>), 2007.GONÇALVES, Cristina Maria; COSTACURTA, Roberto Alves; PINTO, SilviaTeuber. Aprenden<strong>do</strong> a Educação Física. Curitiba: Copyright,1996,MAZO, Giovana Z.; LOPES, Marize; BENEDETTI, Tânia. A atividade física e oi<strong>do</strong>so: concepção gerontológica. 2 ed. Porto Alegre: Sulina, 2004.NERI, Anita Liberalesso (org.). Desenvolvimento e envelhecimento: perspectivasbiológicas, psicológicas e sociológicas. Campinas: Papirus, 2000.RASO, Wagner. Envelhecimento saudável: manual de exercícios com pesos. SãoPaulo, 2007.WOLFF, Suzana Hübner e DIAS, José Francisco. A promoção da saúde na terceiraidade e as universidades brasileiras. Caderno Adulto. UFSM, n.4p.183-189. 2000.


CAMINHADA ORIENTADA:passos firmes e olhar para frenteDaniela Martins 1Suzana Hübner Wolff 2Com o atual crescimento da população i<strong>do</strong>sa e o aumentoda longevidade, cada vez mais observamos este público pratican<strong>do</strong>exercícios físicos. A mudança de comportamento <strong>do</strong>s mais velhosem relação à saúde tem altera<strong>do</strong> estilos de vida e <strong>do</strong> próprioambiente, onde as ofertas de programas e de espaços de promoçãoda saúde se proliferam. Portanto, é notório que tem havi<strong>do</strong> um incrementona atividade física regular entre os cidadãos de todas asidades, dentre elas as idades mais avançadas, se compara<strong>do</strong>s com20 ou 30 anos atrás (Matsu<strong>do</strong>, 2000). Neste senti<strong>do</strong>, vale ressaltarque são vários os efeitos benéficos da atividade física, na vida <strong>do</strong>sque envelhecem. Dentre eles destacamos:– diminuição da gordura corporal;– incremento da massa muscular;– aumento da densidade óssea;– diminuição da pressão arterial;– melhora da autoimagem e autoestima;– melhora das funções cognitivas.Destacamos ainda que a atividade física melhora os níveisde glicose sanguínea, assim como a qualidade e a quantidade <strong>do</strong>sono, reduzin<strong>do</strong> o grau de estresse, melhoran<strong>do</strong> o relaxamento fí-1 Acadêmica de Educação Física, Estagiária <strong>do</strong> PELC/Vida Saudável da UNISINOS.2 Doutora em Ed. Física pela UFSM/RS. Conselheira <strong>do</strong> Conselho Estadual <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so/RS.Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Programa de Ação Social – Pró-Maior da UNISINOS e coordena<strong>do</strong>rageral <strong>do</strong> Programa PELC/Vida Saudável da UNISINOS.165


166 Caminhada orientada: passos firmes e olhar para frentesico e o convívio social. Assim como o perfil aeróbico e cardiovascular,a resistência orgânica, a força muscular, a flexibilidade, a coordenaçãomotora e a velocidade nos movimentos. Restaura aautoestima, melhora a saúde mental, contribuin<strong>do</strong> no tratamentoda depressão e da ansiedade (Matsu<strong>do</strong>, 2000).Segun<strong>do</strong> Mazo (2004), dentre as várias opções de exercíciosfísicos recomenda<strong>do</strong>s para os i<strong>do</strong>sos está a caminhada, já queela tem-se mostra<strong>do</strong> como um fator de suma importância para prevençãode <strong>do</strong>enças e manutenção da saúde. Essa prática, no entanto,para ser realizada de maneira correta, deve ser feita com aorientação adequada, respeitan<strong>do</strong> as individualidades biológicas.A caminhada é uma atividade física natural, pois os movimentosfazem parte das atividades da vida diária das pessoas.Além disso, é uma atividade física que utiliza o movimento básicoautomatiza<strong>do</strong> pelo homem – a marcha. Ela se distingue da corridapôr manter sempre um <strong>do</strong>s pés em contato com o solo e não ocasionargrande impacto.Caminhar é um exercício aeróbico, de baixa intensidade eque traz diversos benefícios à saúde, e quan<strong>do</strong> praticada regularmentequalifica a saúde orgânica, estimula os grupos musculares,melhora a capacidade motora, articular, cardiorrespiratória, aumentaa eficiência <strong>do</strong>s pulmões, coração e vasos sanguíneos, favorecemaior contato com o corpo e com a natureza, estimula a criatividadee proporciona melhor contato social.O ato de caminhar ativamente também atua sobre a independênciade algumas pessoas mais velhas, muitas vezes poucoestimuladas, e que ao longo <strong>do</strong>s anos perderam parte de sua independênciae mobilidade, sen<strong>do</strong> este, talvez, um <strong>do</strong>s maiores problemas<strong>do</strong> envelhecimento. As diminuições naturais <strong>do</strong> processode envelhecimento relativos a resistência aeróbica e de força muscular,geram situações de desequilíbrio e fraqueza, portanto, umarotina que contemple caminhada leve e em grupo, pode garantira autonomia funcional destas pessoas, resgatan<strong>do</strong>, também, namaioria das vezes, a autonomia psicossocial.


Daniela Martins e Suzana Hübner Wolff 167ORIENTAÇÕES TÉCNICASMesmo a caminhada sen<strong>do</strong> uma prática segura, ela requerregras básicas, das quais destacamos:– boa postura ao caminhar: tronco ereto, olhar horizontal,queixo paralelo ao solo, abdômem contraí<strong>do</strong>. Caminharbalançan<strong>do</strong> os braços, alternadamente e manter os ombrosrelaxa<strong>do</strong>s. O méto<strong>do</strong> correto de caminhar é olhan<strong>do</strong> para alinha <strong>do</strong> horizonte, com os braços soltos e livres de objetosou pesos, a musculatura ab<strong>do</strong>minal e glútea devem estarcontraídas;– andar modera<strong>do</strong>: não realizar passos rápi<strong>do</strong>s. Ao sentir-seofegante, diminuir a velocidade das passadas, pois o esforçoexigi<strong>do</strong> pelo grupo pode estar sen<strong>do</strong> superior à capacidadefísica individual;– calça<strong>do</strong> adequa<strong>do</strong>: sugere-se, quan<strong>do</strong> possível, sempre otênis, pois um calça<strong>do</strong> impróprio pode contribuir paraquadros <strong>do</strong>lorosos na coluna e nos pés, além de entorses,no caso de sola<strong>do</strong>s altos. O calça<strong>do</strong> deve prover conforto eestabilidade, ser de teci<strong>do</strong> leve e areja<strong>do</strong>, o sola<strong>do</strong> deve serum pouco maior no calcanhar e com amortecimento;– horário: quan<strong>do</strong> caminhar pela manhã, não caminhar emjejum;– locais: caminhar em locais planos, e, se a geografia <strong>do</strong> localnão favorecer, diminuir a velocidade da caminhada. Evitarruas mal conservadas, mal iluminadas (quan<strong>do</strong> a caminhadafor à noite) e zonas de tráfego intenso.CAMINHANDO COM O GRUPO PELC/VIDA SAUDÁVEL – UNISINOSPretendemos com a caminhada orientada proporcionaraos praticantes, o prazer pela prática, por ser uma atividade físicasimples de ser executada e que pode ser realizada tanto individualmentequanto coletivamente, além da qualificação das atividadesda vida diária. Esta qualidade pressupõe considerar não sófatores biológicos, mas também fatores psicológicos e sociais e


168 Caminhada orientada: passos firmes e olhar para frentesuas inter-relações. Aspectos da área motora que interagem diretamentecom aspectos da área psicossocial (Okuma, 2000).Assim, na abordagem psicológica, percebemos que ospraticantes da caminhada orientada manifestam sentimentos debem-estar e de satisfação perante a vida, pois ao incorporarem ohábito <strong>do</strong> exercício estão buscan<strong>do</strong> um equilíbrio entre as perdasinevitáveis <strong>do</strong> processo de envelhecimento e as potencialidadesexistentes.A ROTINANormalmente, iniciamos o encontro <strong>do</strong> grupo da caminhadano salão da comunidade para a verificação da pressãoarterial e frequência cardíaca. Definimos o roteiro com o grupo,observan<strong>do</strong> as condições gerais <strong>do</strong>s participantes (disposição, vestimenta,atitudes, expressões), além das condições <strong>do</strong> tempo. Apósesse procedimento, realizamos o aquecimento, que é constituí<strong>do</strong>por exercícios de alongamentos das principais articulações e grupamentosmusculares e de mobilidade articular. Procedemos deforma que a intensidade <strong>do</strong> aquecimento seja elevada gradativamente,com o objetivo de aumentar a frequência cardíaca e prepararo corpo para atividades um pouco mais intensas.A caminhada dura em torno de 30 minutos, em que incentivamosno seu decorrer o papel <strong>do</strong> grupo e o diálogo entre os participantesdurante a atividade, pois faz parte da socialização e <strong>do</strong>controle <strong>do</strong> cansaço. Neste aspecto observamos que os integrantesfiscalizam-se entre si, não deixan<strong>do</strong> um companheiro ultrapassarseu limite, alerta<strong>do</strong>s principalmente pelo “silêncio” <strong>do</strong> colega oupela expressão ofegante que manifesta. Durante o percurso estimulamosa observação de plantas, flores, casas, animais e todas asmanifestações que podemos observar no bairro, afinal, muitos <strong>do</strong>grupo possuem apenas esta oportunidade de circular em sua comunidadee observar as transformações que ela vive. Também sabemosque esta também é uma oportunidade para que o gruposeja visto pelos mora<strong>do</strong>res, favorecen<strong>do</strong> a integração e o sentimentode pertencimento comunitário.


Daniela Martins e Suzana Hübner Wolff 169Após a caminhada, retornamos ao salão da comunidadepara realizar o relaxamento de aproximadamente 10 minutos, queconsiste em atingir um esta<strong>do</strong> de descontração, relaxamento muscular,suavização <strong>do</strong> corpo, harmonização e autoconhecimento.Como atividade final, verificamos novamente a frequência cardíacae a pressão arterial – PAS.ALGUMAS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS:– incentivamos o diálogo e tarefas durante a caminhadapara estimular a criatividade e a memória, fazen<strong>do</strong> comque durante o percurso troquem receitas, descubram algumanovidade <strong>do</strong> colega, ou narrem alguma história deinfância, por exemplo;– quan<strong>do</strong> retornamos da caminhada, no momento de volta àcalma, discutimos a experiência, avalian<strong>do</strong> o trajeto, a intensidadee o “astral” <strong>do</strong> grupo, estimulan<strong>do</strong> a participaçãode to<strong>do</strong>s na atividade, desde a fase de planejamento,execução e avaliação;– cada componente <strong>do</strong> grupo deve ser avalia<strong>do</strong> fisicamentee periodicamente, e a coleta <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s deve ser devidamenteregistrada;– quan<strong>do</strong> possível, possibilitamos que os participantes façama sua própria verificação da frequência cardíaca, a fimde estimular a autonomia e o autoconhecimento;– solicitamos também que os praticantes avaliem o trabalho<strong>do</strong>s estagiários, no senti<strong>do</strong> de estimular a avaliação permanente<strong>do</strong> programa.REFLEXÕES FINAISSe a questão <strong>do</strong> bem-estar na velhice passa pela dimensãode “crescimento pessoal”, que possibilita ao indivíduo o crescimentocontínuo e desenvolvimento como pessoa, tornan<strong>do</strong>-o maisrealiza<strong>do</strong>, podemos dizer, pelo observa<strong>do</strong> no grupo de caminha-


170 Caminhada orientada: passos firmes e olhar para frenteda, que ela se revela como significativa. Convivemos com pessoassimples, alegres e dispostas a enfrentar o novo, rumo ao universoda velhice ainda desconhecida. Pessoas que encontram no grupo aopção de ir muito além <strong>do</strong> lugar em que se encontram. Afinal, elasestão caminhan<strong>do</strong>, in<strong>do</strong> à frente, com passos largos e firmes, embusca da promoção da saúde e da promoção da própria existência.Seguem, portanto, com passos firmes com o olhar para a frentenesta aventura infinita que é a vida.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASFERREIRA, Marcelo P. de Almeida e MARCELLINO, Nelson C. Brincar, Jogar,Viver: programa de esporte e lazer da cidade. Vol II. SNDEL: ME. 2007.MATSUDO, Sandra. Atividade Física e envelhecimento. In: Revista Brasileirade Medicina <strong>do</strong> <strong>Esporte</strong>. Volume n.1. 2001.MAZO, Giovana Z.; LOPES, Marize; BENEDETTI, Tânia. A atividade física e oi<strong>do</strong>so: concepção gerontológica. 2 ed. Porto Alegre: Sulina, 2004.OKUMA, Silene. O i<strong>do</strong>so e a atividade física. Campinas: Papirus. 2000.VALÉRIO, Mirella P. A pouca adesão masculina aos grupos de atividades físicaspara terceira idade. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em Ciências <strong>do</strong> MovimentoHumano) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria. 2001.


GRUPO DE REFLEXÃO:espaço de acolhida, escuta e transformaçãoMaria Regina Morales 1INTRODUÇÃOVivemos em um mun<strong>do</strong> de grandes inovações científicase de importantes avanços tecnológicos, muitos deles geran<strong>do</strong> incertezase inseguranças, individuais e coletivas.Desde o uso <strong>do</strong> celular aos caixas eletrônicos, <strong>do</strong> uso dainternet ao simples ato de comprar, são, atualmente, tantas são asopções, que podemos escolher como fazer nossas compras pelo telefone,pela internet, no merca<strong>do</strong> da esquina ou no hipermerca<strong>do</strong>24 horas.Envelhecer neste mun<strong>do</strong> em crescentes e aceleradastransformações é uma tarefa difícil! Entender, aprender e aplicarnovos conhecimentos causa estranheza nos mais velhos, que delesdizem: não são <strong>do</strong> meu tempo e que implicam em isolamento, poden<strong>do</strong>oportunizar violências e sofrimentos.O Brasil está no grupo de países com o maior número develhos <strong>do</strong> planeta. Segun<strong>do</strong> (IBGE, 2003) representava 8,6% <strong>do</strong>total da população brasileira em 2000, ou seja, em torno de 15milhões de pessoas com mais de 60 anos, e em projeções recentespassará para 15% em 2020. Nosso envelhecimento pessoal, não apenas oenvelhecimento abstrato das estatísticas oficiais, já está sen<strong>do</strong> trata<strong>do</strong>como uma catástrofe natural (Schirrmacher, 2004, p. 11).1 Maria Regina Morales <strong>do</strong>s Santos, graduada em Psicologia, especialista em Psicossomática,Psicóloga <strong>do</strong> Pró-Maior da UNISINOS. Especialista em Cultura Brasileira.171


172 Grupo de reflexão: espaço de acolhida, escuta e transformaçãoDiante destas projeções pergunta-se: A humanidade estápreparada para um mun<strong>do</strong> com mais velhos? Os velhos estão prepara<strong>do</strong>spara este novo mun<strong>do</strong>?A trajetória de vida <strong>do</strong> ser humano é um somatório dasexperiências vividas, <strong>do</strong>s valores, das metas, da compreensão edas interpretações que cada um tem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em que vive. A velhiceé transformação, tanto física como emocional, onde cada umque envelhece está determina<strong>do</strong> pelas condições biopsicossocioculturaise espirituais, incluin<strong>do</strong> aí a forma como foi vivida suahistória pessoal, aspectos individuais e coletivos, em to<strong>do</strong>s os perío<strong>do</strong>sda existência (Neri, 1995).Como todas as situações humanas, a velhice, segun<strong>do</strong> Beauvoir(2003) tem uma dimensão existencial, que modifica a relação<strong>do</strong> indivíduo com o tempo e, portanto, sua relação com omun<strong>do</strong> e com sua própria história. Por outro la<strong>do</strong>, o homem nãovive nunca em esta<strong>do</strong> natural, na sua velhice, como em qualqueridade, seu estatuto lhe é imposto pela sociedade à qual pertence.Refletir, compartilhar ideias, informações e experiênciaspara os i<strong>do</strong>sos representam oportunidades de amenizar suas inquietudese seus problemas, especialmente pela troca das informaçõesdiscutidas e aprendidas. Assim, um grupo reflexão de adultose i<strong>do</strong>sos pode se tornar algo agradável e de grande valor.GRUPOPensar o grupo no século XXI, segun<strong>do</strong> Barros (1994), aparececomo uma possibilidade de se criarem laços de solidariedadee de alianças de cidadania – um dispositivo catalisa<strong>do</strong>r existencial,que poderá produzir focos de criação. Algo que faz funcionar, queaciona um processo de decomposição, que produz novos acontecimentos,que acentua processos de subjetivação. Grupo e indivíduoque se tornam formas de subjetividade, que pode ser coletiva.Grupo dispositivo e nele a reflexão/ação, a capacidade de se transformar,se desterritorializar, irromper em devires, onde o tempo éo tempo espacializa<strong>do</strong>, o tempo de cada encontro de seus componentesou, ainda, o tempo decorri<strong>do</strong> entre um fato e a fala sobre ele.


Maria Regina Morales 173Pensar o Grupo de Reflexão como grupo dispositivo épensar efeitos, é se aliar à ação/criação, é montar situações, que articulemelementos heterogêneos acionan<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>s de funcionamento que produzirãoefeitos (Barros, p. 105, 1995).GRUPO DE REFLEXÃO NO PELC/VIDA SAUDÁVELGrupo Reflexão é o espaço constituí<strong>do</strong> por um grupo heterogêneoaberto de sujeitos voluntários, que se encontram paradebater um ou mais problemas ou questões específicas e onde nãohá nenhuma implicação pessoal ou de gênero, e que permite a frequênciade pessoas de diferentes formações profissionais e intelectuais.Os encontros <strong>do</strong> Grupo Reflexão são previstos semanalmente,com duração de aproximadamente uma hora, em localadequa<strong>do</strong>. Sugerimos salas ou espaços menores, com boa acústica(devi<strong>do</strong> à diminuição natural da capacidade de audição <strong>do</strong>s maisvelhos). Cadeiras ou bancos para to<strong>do</strong>s os integrantes, de formaque as pessoas possam sentar-se em forma de um círculo, olhan<strong>do</strong>umas às outras. Como rotina, sugerimos ainda que os própriosparticipantes organizem o espaço antes <strong>do</strong> início das atividadespropriamente ditas. O ambiente, a facilidade de contatos e as trocassão importantes para maior participação de cada um, segun<strong>do</strong>suas capacidades, quaisquer sejam os limites.Cada semana um tema para reflexão é proposto pelocoordena<strong>do</strong>r ou agente ou sugeri<strong>do</strong> por seus integrantes, porexemplo: relações interpessoais e familiares, velhice ontem e hoje,direitos e deveres <strong>do</strong>s mais velhos, o lugar <strong>do</strong> PELC/Vida Saudávelna vida <strong>do</strong>s participantes. É grande a variedade de temas quepodem ser aborda<strong>do</strong>s. Estes também podem ser educativos, porexemplo: cuida<strong>do</strong>s e higiene pessoal, <strong>do</strong>enças sexualmentetransmissíveis, como envelhecemos, entre outros. Por experiência,percebemos que muitas vezes o grupo elege um tema por perío<strong>do</strong>smaiores, o que exige <strong>do</strong> coordena<strong>do</strong>r ou agente habilidade paraconduzir as reflexões dentro <strong>do</strong> foco previsto. Neste senti<strong>do</strong>, suge-


174 Grupo de reflexão: espaço de acolhida, escuta e transformaçãore-se a cada encontro um resgate das contribuições <strong>do</strong> grupo sobreo tema e os avanços conquista<strong>do</strong>s.Destacamos que alguns assuntos aborda<strong>do</strong>s pelo grupopossam vir a ter um caráter maior ou menor de privacidade. Portanto,cabe ao coordena<strong>do</strong>r/agente solicitar aos componentes,quan<strong>do</strong> necessário, a discrição sobre determina<strong>do</strong> tema, e quemantenham as informações ou assuntos em sigilo. Por outro la<strong>do</strong>,muitos debates devem ser estimula<strong>do</strong>s para além <strong>do</strong> grupo, in<strong>do</strong>para a família, por exemplo, devi<strong>do</strong> ao efeito transforma<strong>do</strong>r queele pode processar.O coordena<strong>do</strong>r/agente <strong>do</strong> Grupo de Reflexão tem o papelde sugerir, conduzir e orientar o debate, quan<strong>do</strong> necessário. Seupapel é também de observar e destacar as influências interpessoais,transferin<strong>do</strong> ao grupo possíveis soluções. Sugerimos aindaao coordena<strong>do</strong>r ou agente:– observar e destacar as influências interpessoais, transferin<strong>do</strong>ao grupo possíveis soluções;– favorecer e estimular a participação de to<strong>do</strong>s;– promover um clima encoraja<strong>do</strong>r e positivo, onde osi<strong>do</strong>sos se sintam livres para avaliar e criticar sem receiode se expor;– reforçar a rede de comunicação e cooperação entre osintegrantes <strong>do</strong> grupo;– incentivar os i<strong>do</strong>sos a lutarem por melhores condiçõesde vida e de cidadania.Nesta dinâmica importa que sejam respeitadas as características<strong>do</strong>s integrantes <strong>do</strong> grupo, que as experiências vividas possamser resgatadas, permitin<strong>do</strong>-lhes o reconhecimento de suaidentidade cultural, social e o exercício da cidadania, além de abrirhorizontes, auxiliar nas suas adaptações às mudanças rápidas <strong>do</strong>mun<strong>do</strong>, encontran<strong>do</strong> alternativas para se reorganizar e reorientar,estimular os sujeitos a desenvolverem novas capacidades.


Maria Regina Morales 175OUTRAS CONSIDERAÇÕESAcima de tu<strong>do</strong>, o Grupo de Reflexão oportuniza aos adultose i<strong>do</strong>sos um espaço de soluções participativas, integração desaberes e de trocas de experiências. Pertencer ao Grupo de Reflexãoé conviver, ser reconheci<strong>do</strong> e reconhecer, ser acolhi<strong>do</strong> e acolher.Onde as soluções estão no compartilhar, nas identificaçõescom o outro e no respeito às diferenças. O grupo pode criar umadinâmica capaz de tirar uma pessoa i<strong>do</strong>sa de seu isolamentosocial, por exemplo (voluntário ou involuntário). A velhice satisfatórianão é apenas uma qualidade da pessoa, mas o resulta<strong>do</strong> dainteração <strong>do</strong> indivíduo em transformação viven<strong>do</strong> numa sociedadetambém em transformação.Diante <strong>do</strong> exposto, acreditamos que o espaço <strong>do</strong> Grupode Reflexão nos núcleos <strong>do</strong> PELC/Vida Saudável é essencial, vistoque possibilita a reflexão sobre as transformações e os aprendiza<strong>do</strong>sdecorrentes das atividades de esporte, recreação e lazer. Paraos mais velhos, além da visibilidade já alcançada nas atividades físicaspromovidas nas praças, ruas ou salões comunitários, é umaconquista que oportuniza falar e ser ouvi<strong>do</strong>.REFERÊNCIASBARROS, M. Moraes Lins (Org.) Velhice ou Terceira Idade? Estu<strong>do</strong>s antropológicossobre identidade, memória e política. RJ: FGU, 1998.BEAUVOIR, S. A velhice: Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2003.DEBERT, Guita Grin. A reinvenção da velhice: socializacão e processos de reprivatização<strong>do</strong> envelhecimento. São Paulo: Editora da Universidade de SãoPaulo: Fapesp, 1999.FREITAS, Elizabete Viana de. Demografia e epidemiologia <strong>do</strong> envelhecimento.In: PY, Ligia. Tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. RJ:NAU, 2004.NERI, Anita; FREIRE, Sueli. E por falar em boa velhice. Campinas: Papirus, 2000.SCHIRRMACHER, Frank. A ditadura <strong>do</strong>s jovens. Revista Veja, 18 de agostode 2004, p. 11.

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