Cinema“StarSpangled toDeath”: “épicopolítico <strong>de</strong>vanguarda”,começado nosanos 1950 eterminada em2004, com aajuda dodigitalKen Jacobs (Nova Iorque, 1933) começ<strong>ou</strong>por estudar pintura com HansHofmann, um dos pioneiros do ExpressionismoAbstracto. Nessa época,os anos 1950, começ<strong>ou</strong> as filmagensdaquela que é consi<strong>de</strong>rada a sua obraprima,“Star Spangled to Death”, cinecolagemcom sete horas <strong>de</strong> duração,apenas terminada em 2004, quandoo cineasta <strong>de</strong>cidiu recorrer às possibilida<strong>de</strong>soferecidas pelo ví<strong>de</strong>o digital.“F<strong>ou</strong>nd footage” e cenas nas quaisintervêm os seus amigos, entre osquais Jack Smith, o autor <strong>de</strong> “FlamingCreatures”, dão corpo a este “épicopolítico <strong>de</strong> vanguarda” que vai serpossível ver no Curtas <strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong>nos dias 8 e 10.O cineasta, um dos nomes fulcraisdo cinema experimental norte-americano,ajud<strong>ou</strong> a criar, em 1967, o MillenniumFilm Workshop, estrutura quetinha como objectivo promover umcinema acessível a todos. Os seus trabalhosapontam para um passado, paraas origens quer da fotografia, querdas imagens em movimento: ao passarempelas suas mãos esses fragmentos<strong>de</strong> história adquirem uma vida nova,como é o caso <strong>de</strong> “What Happened on23rd Street in 1901”, no qual é possívelencontrar um paralelo com um dosmomentos icónicos do século XX, assaias esvoaçantes <strong>de</strong> Marilyn Monroequando esta se coloc<strong>ou</strong> sobre uma grelha<strong>de</strong> ventilação (em “O Pecado Moraao Lado”, <strong>de</strong> Billy Wil<strong>de</strong>r). Esta e <strong>ou</strong>trasobras relacionadas com as recentesexperiências digitais do realizador fazemparte da exposição “Action Cinema”,que é inaugurada amanhã nagaleria Solar, em Vila do Con<strong>de</strong>, na presença<strong>de</strong> Jacobs e da mulher, Flo. Ocineasta será ainda o protagonista daperformance “Nerv<strong>ou</strong>s Magic Lantern”(dia 5) e dará um workshop (dia 6), iniciativasintegradas na secção “In Focus”do festival.A aspiração a um cinema<strong>de</strong>mocrático foi um dosseus territórios <strong>de</strong> eleição,nomeadamente através daexperiência do Millennium FilmWorkshop. Ainda é possívelatingir esse objectivo?Alguns <strong>de</strong> nós queriam um cinema<strong>de</strong>mocrático, <strong>ou</strong>tros queriam ser “génios”,seres excepcionais, e o restoque se danasse. Hollywood representavao cinema <strong>de</strong>magógico. O MillenniumFilm Workshop talvez tenha sido,nos EUA, a primeira escola <strong>de</strong> ruaon<strong>de</strong> se ensinava a pensar e a realizarfilmes. Rapidamente algumas universida<strong>de</strong>sseguiram o exemplo, e mesmoalgumas escolas secundárias viram aimportância <strong>de</strong> darem aos jovens oconhecimento com o qual pu<strong>de</strong>ssemresistir aos filmes, mostrando o modocomo eles nos afectam. Para os produtoressem dinheiro, primeiro foi o16mm, <strong>de</strong>pois, no fim dos anos 1960,a produção <strong>de</strong>senvolveu-se com 8 mme super 8mm. H<strong>ou</strong>ve maiores avançoscom o ví<strong>de</strong>o analógico e as “toy cameras”,e <strong>agora</strong> – triunfantemente – há odigital, câmaras <strong>de</strong> bolso baratas, telefonescom câmaras e a World Wi<strong>de</strong>Web. Certamente que o objectivo <strong>de</strong>um cinema <strong>de</strong>mocrático foi alcançado;<strong>agora</strong> estamos a ver o que vai sairdaqui. É bom sermos selectivos, penso,mas hoje s<strong>ou</strong> um velho com p<strong>ou</strong>cotempo para olhar para <strong>ou</strong>tras coisasque não para aquilo em que est<strong>ou</strong> atrabalhar.Quais são as suas memórias dotempo passado com Jack Smith?Jack partiu há 21 anos. Não éramosamigos durante o tempo da sua fama.H<strong>ou</strong>ve apenas esse intenso tempo, <strong>de</strong>1955 a 1961, quando saíamos quasetodos os dias, até que nos fartávamose nos separávamos. Interessante queretomávamos a nossa amiza<strong>de</strong> laboralsem reflectir na última separação. Oseu gran<strong>de</strong> “Flaming Creatures” foifilmado em 1962, e a fama seguiu-o<strong>de</strong>s<strong>de</strong> então.Filmei e fiz a primeira montagem<strong>de</strong> “Star Spangled to Death” antes disso,mas não tendo dinheiro para pagarao laboratório tive <strong>de</strong> o armazenaraté ao aparecimento do ví<strong>de</strong>o digital.Inesperadamente iniciei uma carreira<strong>de</strong> professor, preferível à fome,enquanto continuava como cineasta,mas com a minha produção a ficarcada vez mais esotérica. O Jack nãotinha interesse no cinema, para alémda realização <strong>de</strong> filmes <strong>ou</strong> simulações<strong>de</strong> filmes, preferentemente sendo eleo protagonista. Falh<strong>ou</strong> em montar umnovo filme <strong>de</strong>pois daquele primeirotriunfo mas manteve-se activo enquanto“performer”, <strong>de</strong>lirante fazedor<strong>de</strong> posters, dramaturgo, realizador<strong>de</strong> cenas isoladas, algumas <strong>de</strong>lasmagníficas, e ocasionalmente fotógrafoefectivo (na sua fotografia préfamafoi consistentemente o melhor).Afirmava ser socialista, após ter-lheemprestado a minha cópia do “ManifestoComunista”, uma das p<strong>ou</strong>cas“S<strong>ou</strong> marxista, se issosignifica vive e <strong>de</strong>ixaviver, pelo menosentre humanos.Há duas espécies<strong>de</strong> humanos: aquelesque se preocupamcom os <strong>ou</strong>trose aqueles que não”vezes que ele me agra<strong>de</strong>ceu algumacoisa. Os seus trabalhos tardios erammuitas vezes precisos na crítica aocapitalismo tal como ele se manifestaaqui no Planeta Alugado - expressãocunhada por Jack (“Rented Planet”).Muitas vezes penso nos seus modosúnicos, super-conscientes e cómicos,quando o perfeito <strong>de</strong>srespeito pelos<strong>ou</strong>tros lhe permitia usar a realida<strong>de</strong>enquanto dispositivo teatral. Revezávamo-nosno fazer <strong>de</strong> coisas excêntricas,naquilo que mais tar<strong>de</strong> se torn<strong>ou</strong>conhecido como teatro <strong>de</strong> rua.Esses dolorosos anos 1950 po<strong>de</strong>mfazer-me rir quando recordo as nossasl<strong>ou</strong>cas acções contra o sonambulismovigente.Os seus trabalhos tentamrelacionar-se com a memóriaapontando para as origens,não só do cinema, tambémda fotografia. Têm uma fortedimensão política. Consi<strong>de</strong>ra-seum realizador marxista?O reconhecimento do canibalismo,oops, quero dizer, do capitalismo,aconteceu quando era adolescente.Suponho que s<strong>ou</strong> marxista, se issosignifica vive e <strong>de</strong>ixa viver, pelo menosentre humanos. O meu entendimentoé que há duas espécies <strong>de</strong> humanos:aqueles que se preocupamO cineastaprotagonizaráumaperformance“Nerv<strong>ou</strong>sMagicLantern” (dia5) e dará umworkshop(dia 6)Cinema <strong>de</strong> acçãoem Vila do Con<strong>de</strong>É um dos nomes fundamentais do cinema experimental americano. Ken Jacobs vai estar no Festivalpossível assistir à sua obra-prima: “Star Spangled to <strong>de</strong>ath”. Uma conversa por e-mail, acerca <strong>de</strong>porteiro elegante infinitamente educado e mo<strong>de</strong>sto”) –, na qual também não faltam asm18 • Sexta-feira 2 Julho 2010 • Ípsilon
O tio Boonmee regressa(e traz amigos)A Palma <strong>de</strong> Ouro <strong>de</strong> Cannes é o filme-surpresa <strong>de</strong> uma programação que traz muitos velhosconhecidos nacionais. Jorge M<strong>ou</strong>rinhaAs Curtas <strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong> jánão é um festival só <strong>de</strong> curtas hámuito: prova disso é o facto <strong>de</strong>continuar a seguir nas longasa carreira daqueles que foirevelando em formato pequeno.Este ano, por exemplo, o “filmesurpresa” que encerra o festivalno sábado, 10, é a Palma <strong>de</strong>Ouro <strong>de</strong> Cannes, “Uncle BoonmeeWho Can Recall His Past Lives”do tailandês ApichatpongWeerasethakul, “habitué”do certame homenageado naedição <strong>de</strong> 2006 (a sua curta“A Letter to Uncle Boonmee”,espécie <strong>de</strong> prólogo à longa,esteve a concurso em 2009). Oprograma mostra, que começasábado, ainda as estreiasem gran<strong>de</strong> formato <strong>de</strong> duasvencedoras <strong>de</strong> anos anteriores:a inglesa Sam Taylor-Wood, queganh<strong>ou</strong> melhor curta europeiaem 2008 (“Nowhere Boy”, sobrea adolescência <strong>de</strong> John Lennon,em ante-estreia nacional sábadoàs 23h45), e a francesa KatellQuilléveré, prémio do público2006 (“Un Poison violent”,domingo às 21h30).No entanto, é na competição<strong>de</strong> curtas que está o “coração”do festival. A atenção vai estarcentrada na selecção nacional,com a “oferta 2010” a propor18 estreias em quatro sessõescompetitivas (<strong>de</strong> terça a sexta,sempre às 23h, repetindo<strong>de</strong>sfasadas <strong>de</strong> quarta a sábadona sala 2). José Miguel Ribeiro, oautor <strong>de</strong> “A Suspeita” e “Passeio<strong>de</strong> Domingo”, apresenta a suanova animação, “Viagem a CaboVer<strong>de</strong>”, e Jeanne Waltz, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>uma passagem pela longa com“Nada Meiga”, rodada na suaSuíça natal, volta ao formatocurto com “Todos Iguais a Dormir”.Depois <strong>de</strong> ter mostrado “Voodoo”há três meses no Indie (e <strong>de</strong> ovoltar a mostrar aqui, integradono programa PanoramaNacional), Sandro Aguilar estreiaa sua oitava curta, “Mercúrio”,e Jorge Cramez (autor <strong>de</strong> “OCapacete D<strong>ou</strong>rado”) traz “NaEscola”, sobre o imagináriofervilhante <strong>de</strong> quatro alunosmaçados. Rodrigo Areias,vencedor do Prémio do Públicoem 2008 com “Corrente”,“Un Transport en Comun”, <strong>de</strong>Dyana Gaye, “A Suspeita”, <strong>de</strong>José Miguel Ribeiro, e “NaEscola”, <strong>de</strong> Jorge Cramezexibe “Golias”, nascido <strong>de</strong> umprojecto apresentado com oactor David Almeida à II Mostra<strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Peças <strong>de</strong> CurtaDuração, enquanto Miguel ClaraVasconcelos, cujo “DocumentoBoxe” venceu melhor curtaportuguesa em 2005, inva<strong>de</strong>a ficção científica com osmúltiplos avatares <strong>de</strong> “Universo<strong>de</strong> Mya”.Do lado internacional, paraalém <strong>de</strong> “habitués” como FrankBeauvais, Susanne Helke, UmeshKulkarni <strong>ou</strong> Victor Astiuk, e <strong>de</strong>especial atenção à produção daRoménia e da Áustria, a edição2010 traz duas pequenas jóiasa seguir com atenção. Umaé “Un Transport en commun”,contagiante comédia musical<strong>de</strong> 50 minutos da francosenegalesaDyana Gaye quese passa a bordo <strong>de</strong> um táxicolectivo no percurso entreDakar e Saint-L<strong>ou</strong>is e que, coisarara <strong>nunca</strong> vista, teve honras<strong>de</strong> estreia em sala em Françahá duas semanas (integrada noprograma CI4, segunda às 18h30e quarta às 21h30). A <strong>ou</strong>tra é “I’mHere”, on<strong>de</strong> Spike Jonze consegue,em 30 minutos <strong>de</strong> emoção pura, otoque <strong>de</strong> magia que lhe escap<strong>ou</strong>por p<strong>ou</strong>co em “O Sítio das CoisasSelvagens” através da história<strong>de</strong> dois robôs apaixonados numaAmérica retro-alternativa. Paraquem não pu<strong>de</strong>r estar em Vila doCon<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> passa no programaCI8, domingo às 18h30 e sexta10 às 21h30, o filme po<strong>de</strong> servisto online no site www.imheremovie.com.A programação po<strong>de</strong>m serconsultados no site oficial emwww.curtasmetragens.pt.“Uncle Boonmee...”, a Palma <strong>de</strong>Ouro <strong>de</strong> Cannes, encerra ofestivalTEXTOS E MÚSICA DOS SÉCULOS XV E XVIDramaturgia e direcção: Ana Zamora; Arranjos e direcção musical: AliciaLázaro; Figurinos: Deborah Macías; Cenário: David Faraco e Almu<strong>de</strong>naBautista; Desenho <strong>de</strong> luz: Miguel Ángel Camacho e Pedro Yagüe; Coreografia:Javier García Ávila; Assessor <strong>de</strong> Verso: Vicente FuentesInterpretação: Luis Miguel Cintra, Sofia Marques e Elena RayosInterpretação musical: Eva Jornet, Juan Ramón Lara e Isabel ZamoraDe 6 a 13 <strong>de</strong> JULHO TEATRO DO BAIRRO ALTO De 2ª a Sábado às 21.30h. Domingo às 17.00hR.Tenente Raul Cascais, 1A. 1250 <strong>Lisboa</strong> Tel: 213961515http://www.teatro-cornucopia.pt M/12Co-produçãoEstrutura financiada porPatrocinadoresColaboradoresl<strong>de</strong> Curtas <strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong>, que começa sábado. Vai sercinema e política — e <strong>de</strong> Obama (“ele parece-se a ummemórias do amigo Jack Smith. Óscar FariaÍpsilon • Sexta-feira 2 Julho 2010 • 19