52Série SistematizaçãoPara enten<strong>de</strong>r a razão <strong>do</strong> conflitoO pari fino é o pari construí<strong>do</strong> <strong>de</strong> tala <strong>de</strong> jupati (uma palmeira).É um instrumento<strong>de</strong> pegar camarão nos igarapés. É aberto no igarapé. Quan<strong>do</strong> a água baixa, o pariinterrompe a passagem <strong>do</strong> camarão. Pari é uma construção <strong>de</strong> várias talas amarradasentre si, forman<strong>do</strong> uma pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> até 5 metros <strong>de</strong> comprimento e 1,5 <strong>de</strong> altura.Outras formas <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> predatória também foram proibidas no rio CuxipiariCarmo:Outra foi a salteação, porque a jatuarana, quan<strong>do</strong> está pequena, ela vem procuraro rio seco, o rio que a água não corre, até ficar um peixe gran<strong>de</strong>. Mas se <strong>de</strong> noite eupasso um remo num casco e vou cutucar na beira, que é a salteação, cai tu<strong>do</strong> pra<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> casco, aí morre tu<strong>do</strong>… Isso daí foi outro conflito, porque o pessoal tavaacostuma<strong>do</strong> a pegar jatuarana miúda. Pega o casco, faz aquela paçoca, no outrodia ele come, mas falta pra <strong>de</strong>pois.A reflexão <strong>do</strong> experiente <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r é que aquele que pega o peixe miú<strong>do</strong> conseguesaciar sua fome e <strong>de</strong> sua família por alguns instantes, mas fica a certeza da escassez <strong>do</strong>alimento. Aqueles peixes miú<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>riam alcançar um bom tamanho representan<strong>do</strong>,conseqüentemente, uma quantida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> alimento.Outro momento conflitante foi a utilização <strong>de</strong> material criminoso para a <strong>pesca</strong>predatória, também relatada pelo Sr. Serrão Andra<strong>de</strong> e que causava gran<strong>de</strong>indignação a to<strong>do</strong>s os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res <strong>do</strong> lugar, porque afinal a maior parte <strong>do</strong> peixeacabava sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sperdiça<strong>do</strong>:Outra proibição foi o timbó 28 . O camarada ia, enchia um lata com leite <strong>de</strong> assacu 29 ,<strong>de</strong>rramava no poço, com algum tempo <strong>de</strong>pois morria tu<strong>do</strong> o peixe que tinha lá. Aí ocamarada ia lá, pegava tu<strong>do</strong> o peixe que ele queria, e a água ia <strong>de</strong> poço em poço, <strong>de</strong>igarapé em igarapé, matan<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peixe. Quan<strong>do</strong> a gente passavalá, tinha gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> urubu comen<strong>do</strong> o peixe que tava morto. Por causadisso, teve um mora<strong>do</strong>r, que não mora mais nesse rio, por um serviço <strong>de</strong>sse que ele fez<strong>de</strong> botar veneno aí, nos levemo ele pras autorida<strong>de</strong>s; o cara fugiu <strong>de</strong> noite, até hojenão apareceu.28 Ver glossário no final <strong>do</strong> texto.29 I<strong>de</strong>m.
<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 53Caminhos para a resolução <strong>do</strong>s conflitosPor conta <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s esses conflitos para que fosse possível a implantação <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong><strong>de</strong> Pesca no rio Cuxipiari Carmo, as pessoas que assumiram essa empreitada correramriscos, inclusive <strong>de</strong> serem assassina<strong>do</strong>s, pois existiam pessoas que acreditavam que osresponsáveis pela implantação <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> queriam se apossar <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong> para usufruirsozinhos <strong>do</strong>s benefícios. O Sr. Serrão Andra<strong>de</strong> comenta, com relação ao trabalho <strong>de</strong>conscientização:Então, isso teve muito conflito. Foi obriga<strong>do</strong> nós, que estava na frente da coor<strong>de</strong>nação,enfrentasse ameaça. Nós fomos ameaça<strong>do</strong>s tipo assim: se ele vim aqui eu mato ele, eucorto, porque esse material é meu, como é que ele quer, como é que ele num <strong>de</strong>ixa.Conflito pra cá, conflito pra lá, foi obriga<strong>do</strong> a gente estar contan<strong>do</strong> com a ajuda <strong>de</strong>pessoas i<strong>do</strong>sas que estavam por ali e diziam: vamos em cima, vamos ver o que é quedá, se nós não tinha nada, vamos ver se melhora.O respeito às pessoas i<strong>do</strong>sas foi um importante instrumento a serviço da sensibilização<strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res para o iminente perigo <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong> várias espécies <strong>de</strong> peixes. Graças àcultura <strong>do</strong> respeito aos mais velhos, coisa que ainda se faz muito forte nas comunida<strong>de</strong>sinterioranas <strong>do</strong> município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>, alguns <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res intransigentes acabavama<strong>de</strong>rin<strong>do</strong> à causa, por respeito e estima a alguns <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res mais velhos.