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A ordem de um tempo: folhetos na coleção Barbosa Machado - Topoi

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A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 79Outros po<strong>de</strong>res, como os <strong>de</strong> aristocratas, eclesiásticos, tipógrafos, autores,censores, todos eles envolvidos no processo <strong>de</strong> escrita e divulgação rápidados mais diversos eventos e manifestações literárias. 6Na coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> encontram-se títulos sobre reis, senhoresseculares e eclesiásticos <strong>de</strong> Portugal. Neles figuram relatos <strong>de</strong> eventos,elogios oratórios e poéticos, sermões <strong>de</strong> <strong>na</strong>scimentos, aniversários, casamentos,funerais, entradas, orações pela saú<strong>de</strong>, biografias, genealogias, além<strong>de</strong> autos <strong>de</strong> reuniões <strong>de</strong> cortes e aclamações, notícias <strong>de</strong> batalhas e cercosmilitares, manifestos e tratados políticos, missões religiosas, procissões,autos <strong>de</strong> fé e vilancicos.Consi<strong>de</strong>rar a criação, impressão e divulgação dos <strong>folhetos</strong> algo diretamenteligado aos po<strong>de</strong>res <strong>na</strong> Época Mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> implica também repensaro próprio conceito <strong>de</strong> representação do po<strong>de</strong>r. Entre vários autores, CarloGinzburg nos fornece <strong>um</strong>a interessante interpretação, a partir da tensãoentre “presença” e “ausência” – fazer presente aquilo que não está –, tãoprópria do fenômeno da representação. Por meio do estudo <strong>de</strong> relaçõestransculturais, característico <strong>de</strong> sua abordagem, Ginzburg observa a prevalênciada substituição sobre a imitação no esquema representativo. Ao percorrermanifestações encontradas nos colossos da Grécia antiga, nos funeraisdos imperadores romanos, ou no culto às efígies régias <strong>na</strong> Inglaterra e<strong>na</strong> França entre a Baixa Ida<strong>de</strong> Média e o Re<strong>na</strong>scimento, o historiadorevi<strong>de</strong>ncia a perspectiva <strong>de</strong> se aliviar o tra<strong>um</strong>a da morte mediante a perpetuaçãoritual do ser vivente – a figura expoente, o rei, o imperador – em<strong>um</strong>a estátua, máscara ou efígie, que adquiria, assim, <strong>um</strong> tom sagrado. Nessesentido, a morte do corpo físico não era o fim da vida do corpo no mundo,pois cabia ao funeral separar <strong>de</strong>finitivamente os mortos dos vivos. Ems<strong>um</strong>a, colossos, estátuas <strong>de</strong> cera e efígies sagradas seriam espécies <strong>de</strong> ficçõesda soberania viva do <strong>de</strong>funto, fosse ele <strong>um</strong> rei, <strong>um</strong> imperador, ou mesmoalg<strong>um</strong> nobre <strong>de</strong> expressão. 7Essa dupla perspectiva que associa diretamente as celebrações diversas,as batalhas e sua literatura, ao po<strong>de</strong>r – como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Bouza Álvarez –e em termos <strong>de</strong> substituição mais que <strong>de</strong> imitação – segundo o ensaio <strong>de</strong>Carlo Ginzburg –, sem contudo concebê-las como algo externo e acessórioao que representa, parece bem <strong>de</strong> acordo ao <strong>tempo</strong> que estudamos. Em<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> do Antigo Regime, como distinguir aparência e essência,TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


80 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRArepresentação e <strong>na</strong>tureza do po<strong>de</strong>r, o individual do estamental, o privadodo público? Em todos os casos, os extremos interpretativos são perigosos.Mas fica claro que os tratados jurídicos e os <strong>de</strong>cretos administrativos, porexemplo, não po<strong>de</strong>m ser hierarquizados como textos mais relevantes que aelaboração e a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a festa. Ambas as fontes são significativaspara o entendimento do po<strong>de</strong>r <strong>na</strong> Época Mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>. Os dois tipos <strong>de</strong> doc<strong>um</strong>entosencontram-se presentes <strong>na</strong> coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>.Coleção preciosaEsses três mil opúsculos foram reunidos, classificados, alg<strong>um</strong>as vezesrecortados e reduzidos a <strong>um</strong> único formato, para serem enca<strong>de</strong>r<strong>na</strong>dos emgrossos vol<strong>um</strong>es, pelo insigne colecio<strong>na</strong>dor no século XVIII. Tratando-se<strong>de</strong> peças <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coleção, é preciso consi<strong>de</strong>rá-las agora sob esse prisma.Krzysztof Pomian concebe os objetos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coleção como semióforos,aqueles elementos capazes <strong>de</strong> fazer a ponte entre o visível – o mundo dosvivos – e o invisível – o mundo dos mortos, dos <strong>de</strong>uses, dos antepassados.Em princípio sem utilida<strong>de</strong> objetiva no mundo dos vivos, as peças, aoserem reunidas pelo colecio<strong>na</strong>dor e retiradas da esfera cotidia<strong>na</strong>, acabamadquirindo <strong>um</strong> valor especial, quase sagrado, como pontes possíveis entredois mundos distantes, qual seja, no espaço – outros países e terras “exóticas”,para os objetos <strong>na</strong>turais –, ou no <strong>tempo</strong> – presente, passado e futuro. 8Dessa forma, os opúsculos e imagens compilados e organizados porDiogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> possibilitavam ao colecio<strong>na</strong>dor e seu público –outros eruditos da época – fazer <strong>um</strong>a ligação entre presente visível e passadoinvisível, pela via da i<strong>de</strong>ntificação. Ao guardar gravuras e <strong>folhetos</strong> relativosao seu presente, o aba<strong>de</strong> também indicava a idéia <strong>de</strong> que o presentevisível tor<strong>na</strong>r-se-ia posteriormente passado invisível, lembrado e preservadocomo história do reino português. Os <strong>folhetos</strong> e retratos em si possuíamfunção informativa, embora efêmera, pois eram produzidos paracons<strong>um</strong>o rápido.Mas é preciso observar que Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>, com suas ações<strong>de</strong> recorte, enca<strong>de</strong>r<strong>na</strong>ção e preservação, conferia-lhes outro valor, que transcendiao próprio <strong>tempo</strong> no qual os opúsculos foram produzidos. Seu trabalhoconsistia <strong>na</strong> escolha e <strong>de</strong>puração do que era digno <strong>de</strong> ser adquiridoTOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


82 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRAtambém aos objetos <strong>na</strong>turais e à n<strong>um</strong>ismática. A coleção dos marqueses <strong>de</strong>Abrantes era referência em medalhas, e o gabinete <strong>de</strong> D. João V centravasenos objetos <strong>de</strong> arte e <strong>na</strong> mineralogia. 11<strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> não se interessava por instr<strong>um</strong>entos científicos ouobjetos <strong>na</strong>turais, mas por doc<strong>um</strong>entos relativos ao passado português, imagens<strong>de</strong> homens valorosos <strong>de</strong>ssa história e mapas das conquistas lusas. Suacoleção não dizia respeito ao mundo da <strong>na</strong>tureza, mas à história <strong>de</strong> Portugal.Preocupado com o pretérito lusitano, ele colecionou durante anosdoc<strong>um</strong>entos referentes a este <strong>tempo</strong> e a <strong>um</strong> presente que <strong>um</strong> dia tambémse tor<strong>na</strong>ria pregresso. Dispostos em coleção, aqueles doc<strong>um</strong>entos permitiamque a memória <strong>de</strong> eventos e homens continuasse viva. Por sua vez, <strong>na</strong>coleção, esses <strong>folhetos</strong> mudavam seu estatuto, tor<strong>na</strong>ndo-se fontes que permitiamconservar <strong>um</strong>a relação com o passado, constituindo a memóriadaqueles homens e eventos, escolhidos por <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> para sobreviveremao <strong>tempo</strong>.Mas não tratamos somente <strong>de</strong>sses objetos “sagrados”. Ao lado <strong>de</strong>les,segundo Pomian, estavam os homens semióforos, que se ro<strong>de</strong>avam <strong>de</strong> objetossemióforos e com isso a<strong>um</strong>entavam seu po<strong>de</strong>r em termos <strong>de</strong> significado:reis, clérigos, príncipes, mece<strong>na</strong>s. Coleções formadas em palácios,bibliotecas, ofici<strong>na</strong>s, junto aos centros <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. As semelhanças com asidéias <strong>de</strong> Ginzburg e Bouza Álvarez são evi<strong>de</strong>ntes, agora com o reforço daespecificida<strong>de</strong> do século XVIII. Tempo <strong>de</strong> florescimento das aca<strong>de</strong>miasliterárias, das bibliotecas, coleções, antiquários, instituições que impulsio<strong>na</strong>ramo afã pela pesquisa, pela compilação e publicação <strong>de</strong> textos. 12Estratégia e gostoTempo da trajetória do nosso Diogo, o colecio<strong>na</strong>dor. Isabel Ferreirada Mota comenta a ascensão social dos irmãos <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>, vindosdas camadas médias <strong>de</strong> Lisboa. Todos eles ascen<strong>de</strong>ram através das letras.Inácio <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> (1686-1766) foi juiz <strong>de</strong> fora em 1720 <strong>na</strong> Bahia,on<strong>de</strong> participou da Aca<strong>de</strong>mia dos Esquecidos, fundada em 1724. Com ofalecimento da esposa, ingressou no clero em 1734. Aposentado como<strong>de</strong>sembargador da Relação do Porto em 1748, foi nomeado <strong>de</strong>pois cronista-mordo reino. Membro da Aca<strong>de</strong>mia Real <strong>de</strong> História, ele <strong>de</strong>ixou, aoTOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 83morrer, <strong>um</strong>a biblioteca com mais <strong>de</strong> dois mil vol<strong>um</strong>es, anexada à <strong>de</strong> Diogo,pois os irmãos viviam <strong>na</strong> mesma casa. O outro irmão, José <strong>Barbosa</strong> (1674-1750), ingressou <strong>na</strong> <strong>or<strong>de</strong>m</strong> dos teatinos, distinguindo-se posteriormenteante D. João V como orador célebre e cronista oficial da casa <strong>de</strong> Bragança.Ele também foi membro da Aca<strong>de</strong>mia Real <strong>de</strong> História. Ambos os irmãosforam autores <strong>de</strong> várias obras. Entre os livros que compõem a coleçãopessoal <strong>de</strong> Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> há dois inteiramente <strong>de</strong>dicados aossermões escritos por seu irmão mais velho. 13Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> estudou em Lisboa e Coimbra, on<strong>de</strong> sematriculou <strong>na</strong> faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito canônico, mas não prosseguiu o curso,retor<strong>na</strong>ndo à capital. Obteve então, pela ação <strong>de</strong> <strong>um</strong> filho bastardo doduque <strong>de</strong> Cadaval, <strong>um</strong> pequeno benefício no bispado <strong>de</strong> Lamego que lhepermitiu comprar livros e permanecer em Lisboa. Recebeu or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong>presbítero em 1724 como oratoriano. 14 Por iniciativa do marquês <strong>de</strong>Abrantes, seu protetor, <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> foi nomeado, em 1728, aba<strong>de</strong>da Igreja <strong>de</strong> Santo Adrião <strong>de</strong> Sever, no bispado do Porto. Este segundobenefício foi muito mais significativo que o primeiro. Após permaneceralg<strong>um</strong> <strong>tempo</strong> em Sever, Diogo <strong>Barbosa</strong> voltou a Lisboa, pedindo ao marquêspara residir <strong>de</strong>finitivamente <strong>na</strong> capital. O marquês <strong>de</strong> Abrantes recorreuentão ao papa, para <strong>um</strong> a<strong>um</strong>ento da pensão e dos dízimos <strong>de</strong>vidosao aba<strong>de</strong>. O nosso Diogo conseguiu assim regressar a Lisboa, <strong>de</strong>dicandoseexclusivamente às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escritor e colecio<strong>na</strong>dor, tarefas não compatíveiscom a vida <strong>na</strong> distante abadia – que provavelmente não passou <strong>de</strong><strong>um</strong>a construção <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira –, tampouco com o afastamento do maiorcentro cultural e do po<strong>de</strong>r em Portugal. 15A nova renda permitiu a Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> a<strong>um</strong>entar sua preciosabiblioteca. Naquele <strong>tempo</strong>, ele já era membro da Aca<strong>de</strong>mia Real<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1720 – provavelmente graças também ao marquês <strong>de</strong> Abrantes. Ainstituição fundada por D. João V estava interessada em escrever a históriado reino português e promover as glórias <strong>de</strong> Portugal <strong>na</strong> Europa, no entanto,nela o papel <strong>de</strong> Diogo parecia ser tímido, pelas poucas vezes que oaba<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sever foi citado nos doc<strong>um</strong>entos. Na Historia da Aca<strong>de</strong>mia Realda História Portuguesa, Manoel Telles da Sylva reuniu atas <strong>de</strong> reuniões econferências do primeiro ano <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento da instituição. Diogoaparece <strong>um</strong>a única vez, ao levantar <strong>um</strong>a questão a respeito da morte <strong>de</strong> D.TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


84 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRASebastião <strong>na</strong> batalha <strong>de</strong> Alcácer Quibir. A mesma obra leva a crer que,<strong>na</strong>quele grupo erudito, alguns membros <strong>de</strong>stacavam-se mais que outros.Esses em geral faziam parte dos gran<strong>de</strong>s da nobreza – como Francisco Xavier<strong>de</strong> Meneses, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ericeira, e Francisco Paulo <strong>de</strong> Portugal e Castro,marquês <strong>de</strong> Valença – ou eram eclesiásticos responsáveis pela fundação daAca<strong>de</strong>mia – como Manoel Caetano <strong>de</strong> Sousa. 16Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> foi <strong>um</strong> dos cinqüenta primeiros acadêmicosque fundaram o círculo literário, <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>do para escrever as históriasdos rei<strong>na</strong>dos <strong>de</strong> D. Sebastião, do car<strong>de</strong>al-rei D. Henrique e dos reisHabsburgos <strong>de</strong> Portugal. Ferreira da Mota comenta que o então futuroaba<strong>de</strong> entrou <strong>na</strong> Aca<strong>de</strong>mia sem qualquer obra publicada, com <strong>um</strong> currículovulgar. No primeiro tomo que escreveu sobre as memórias da história<strong>de</strong> Portugal no rei<strong>na</strong>do <strong>de</strong> D. Sebastião, a <strong>de</strong>dicatória foi para D. João V.Mas, no prólogo, <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> referia-se ao marquês <strong>de</strong> Abrantes.No fim da vida, bastante idoso, autor <strong>de</strong> várias obras, ofereceu a D. José Isua biblioteca. Nesse <strong>tempo</strong>, já tinha ascendido a <strong>um</strong>a posição que lhepermitia ter seus próprios clientes, entre eles Francisco José da Serra, autor<strong>de</strong> sua oração fúnebre. 17Não é difícil relacio<strong>na</strong>r a coleção à trajetória, valores e objetivos <strong>de</strong>vida <strong>de</strong> seu artífice. Os opúsculos recortados e enca<strong>de</strong>r<strong>na</strong>dos pelo aba<strong>de</strong>indicam o próprio perfil <strong>de</strong> Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>, em suas estratégias<strong>de</strong> ascensão social – não obstante o indubitável gosto colecionista pelahistória, característico do Setecentos europeu. Homem semióforo, <strong>Barbosa</strong><strong>Machado</strong> transitava entre o visível e o invisível. Ao obter e comprar <strong>folhetos</strong>por meios diversos, o colecio<strong>na</strong>dor retirava essas obras do seu universo<strong>de</strong> circulação, inviabilizando sua leitura imediata. Não obstante, ele a<strong>um</strong>entavao significado dos opúsculos <strong>de</strong> sua coleção com a classificação, aimpressão <strong>de</strong> frontispícios especiais, com seus ex-libris e s<strong>um</strong>ários que estabeleciama <strong>or<strong>de</strong>m</strong> dos títulos, tudo elaborado com capricho e organização.Conferia às peças <strong>de</strong>stacadas e integradas nos álbuns <strong>um</strong> outro valor, comointermediárias entre o mundo profano e outro sagrado, o mundo dos mortos,“semi-<strong>de</strong>uses”, dos reis e insignes <strong>de</strong> Portugal. As estampas e opúsculosserviam, assim, como relíquias, imagens preciosas do além, produzindo <strong>um</strong>asensação mista <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> e distância em quem as observasse.TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 85Ao reconstruir episódios <strong>de</strong> memórias alheias, <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> tambémconfigurava sua própria história, seu po<strong>de</strong>r em termos <strong>de</strong> significado.É assim que enten<strong>de</strong>mos sua ascensão social. Lembrando as idéias <strong>de</strong>Ginzburg sobre a representação do po<strong>de</strong>r como substituição, o aba<strong>de</strong>, aoconfeccio<strong>na</strong>r sua coleção particular, não ape<strong>na</strong>s produzia registros acessóriosao conhecimento <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens ilustres antepassadas, mas <strong>de</strong> fatotor<strong>na</strong>va-as presentes <strong>na</strong>quele mundo setecentista. Ao mesmo <strong>tempo</strong>, elea<strong>um</strong>entava suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> patrocínios e mercês, quelhe permitiam continuar sua coleção, pois as paixões e os interesses nãosão exclu<strong>de</strong>ntes. Em outras palavras, como <strong>de</strong>tentor daquela memória insigne,<strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> substituía essas ilustres perso<strong>na</strong>gens – falecidasou não – em sua socieda<strong>de</strong>.Do filho bastardo do duque, ao marquês, ao rei. O esmero com quea coleção foi feita é análogo ao bem sucedido <strong>de</strong>stino do aba<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sever,consi<strong>de</strong>rando suas mo<strong>de</strong>stas origens. A doação da coleção à Real Bibliotecaexpressa bem o coroamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a trajetória. Entre 1770 e 1772, Diogo<strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> prestou serviço ao rei mece<strong>na</strong>s, maior dos homenssemióforos <strong>de</strong> Portugal, interessado em associar sua imagem régia à preciosacoleção. O rei, agra<strong>de</strong>cido, conce<strong>de</strong>-lhe mercê em forma <strong>de</strong> pensão.Na Real Biblioteca, a coleção acompanha e constrói a imagem póst<strong>um</strong>a <strong>de</strong><strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. Esta memória atravessou o Atlântico, viajando com aCorte para o Brasil. Memória dos reis, nobres, heróis <strong>de</strong> batalha, sacerdotesinsignes e santos. E Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> junto a eles. Essas históriasconferiam superiorida<strong>de</strong> a este colecio<strong>na</strong>dor apaixo<strong>na</strong>do, como ficção<strong>de</strong> sua soberania viva.Em <strong>or<strong>de</strong>m</strong>Entramos assim neste universo <strong>de</strong> inclusão e exclusão social, procurandoperceber os critérios <strong>de</strong> or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção e classificação empregados peloaba<strong>de</strong> <strong>na</strong> confecção <strong>de</strong>sse material em aproximadamente 145 vol<strong>um</strong>es.Essas são as matérias, como aparecem no catálogo manuscrito pelo próprioDiogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>:Genethliacos dos Reis, Rainhas e Príncipes <strong>de</strong> Portugal, 5 tomos.Aplausos dos Anos <strong>de</strong> Reis, Rainhas e Príncipes <strong>de</strong> Portugal, 2 tomos.TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


86 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRAEntradas em Lisboa <strong>de</strong> Reis e Rainhas, 2 tomos.Epithalâmios <strong>de</strong> Reis e Rainhas <strong>de</strong> Portugal, 5 tomos.Elogios dos Reis, Rainhas e Príncipes <strong>de</strong> Portugal, 4 tomos.Aplausos Oratórios e Poéticos pela Saú<strong>de</strong> dos Reis, 1 tomo.Últimas Ações e Exéquias <strong>de</strong> Reis, Rainhas e Príncipes <strong>de</strong> Portugal, 3 tomos.Elogios Fúnebres dos Reis, Rainhas e Príncipes <strong>de</strong> Portugal, 4 tomos.Notícias Militares <strong>de</strong> D. João IV, 2 tomos.Notícias Militares <strong>de</strong> D. Afonso VI, 3 tomos.Notícias Militares <strong>de</strong> D. Pedro II, 2 tomos.Notícias Militares <strong>de</strong> D. João V, 2 tomos.Notícias Militares <strong>de</strong> D. José I, 1 tomo.Notícias Militares da Índia Oriental, 3 tomos.Notícias Militares da América, 1 tomo.Notícias Militares da África, 1 tomo.História dos Cercos que Sustentaram os Portugueses <strong>na</strong>s Quatro Partes do Mundo,5 tomos.Aplausos Genethliacos <strong>de</strong> Fidalgos Portugueses, 1 tomo.Epithalâmios <strong>de</strong> Duques, Marqueses e Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal, 3 tomos.Elogios <strong>de</strong> Duques, Marqueses e Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal, 2 tomos.Elogios Fúnebres <strong>de</strong> Duques, Marqueses e Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal, 4 tomos.Elogios Fúnebres <strong>de</strong> Duquesas e Marquesas <strong>de</strong> Portugal, 1 tomo.Elogios Oratórios e Poéticos <strong>de</strong> Car<strong>de</strong>ais e Bispos, 2 tomos.Elogios Fúnebres <strong>de</strong> Car<strong>de</strong>ais e Arcebispos <strong>de</strong> Portugal, 1 tomo.Elogios Fúnebres <strong>de</strong> Eclesiásticos Portugueses, 3 tomos. (falta o 4º)Elogios Fúnebres <strong>de</strong> Diversos Portugueses, 2 tomos.Elogios Históricos e Poéticos <strong>de</strong> Eclesiásticos e Seculares, 1 tomo.Manifestos <strong>de</strong> Portugal, 3 tomos.Tratados <strong>de</strong> Pazes Celebradas em Diversas Cortes, 2 tomos.Autos <strong>de</strong> Cortes e Levantamento <strong>de</strong> Reis, 2 tomos.Notícia Genealógica da Casa Real, 1 tomo.Notícia Genealógica <strong>de</strong> Famílias Portuguesas, 2 tomos.Notícia das Missões Orientais, 2 tomos.Notícia <strong>de</strong> Procissões e Triunfos Sagrados, 4 tomos.Sermões Vários <strong>de</strong> D. José <strong>Barbosa</strong>, 2 tomos.Sermões <strong>na</strong> Aclamação Del Rey D. João IV, 2 tomos.TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 87Sermões do Nascimento <strong>de</strong> Reis e Príncipes <strong>de</strong> Portugal, 4 tomos.Sermões <strong>de</strong> Desposórios <strong>de</strong> Príncipes <strong>de</strong> Portugal, 1 tomo.Sermões Gratulatórios pela vida e Saú<strong>de</strong> dos Reis <strong>de</strong> Portugal, 5 tomos.Sermões <strong>de</strong> Exéquias dos Reis <strong>de</strong> Portugal, 7 tomos.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Rainhas <strong>de</strong> Portugal, 3 tomos.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Príncipes e Infantes <strong>de</strong> Portugal, 3 tomos.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Duques <strong>de</strong> Portugal, 1 tomo.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Marqueses e Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal, 2 tomos.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Duquesas, Marquesas e Con<strong>de</strong>ssas <strong>de</strong> Portugal, 1 tomo.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Senhoras <strong>de</strong> Portugal, 1 tomo.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Varões Portugueses, 1 tomo.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Car<strong>de</strong>ais e Arcebispos Portugueses, 2 tomos.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Bispos Portugueses, 3 tomos.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Eclesiásticos Portugueses, 1 tomo.Sermões <strong>de</strong> Exéquias <strong>de</strong> Fidalgos Portugueses, 1 tomo.Sermões Pregados nos Autos <strong>de</strong> Fé celebrados em Lisboa, Coimbra, Évora eGoa, 6 tomos. (Falta o 2º)Vilancicos da Festa do Natal Cantados <strong>na</strong> Capela Real <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Ano <strong>de</strong> 1640até 1715, 4 tomos.Vilancicos da Conceição <strong>de</strong> N. Senhora Cantados <strong>na</strong> Capela Real <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Ano<strong>de</strong> 1652 até 1715, 3 tomos.Vilancicos da Festa dos Santos Reis Cantados <strong>na</strong> Capela Real <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Ano <strong>de</strong>1646 até 1716, 3 tomos.Vilancicos <strong>na</strong> Festa <strong>de</strong> São Vicente cantados <strong>na</strong> Catedral <strong>de</strong> Lisboa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oAno <strong>de</strong> 1700 até 1723, 1 tomo.Vilancicos <strong>de</strong> Santa Cecília do Ano <strong>de</strong> 1702 até 1722, 1 tomo.Vilancicos <strong>de</strong> São Gonçalo do ano <strong>de</strong> 1707 até 1722, 1 tomo.Vilancicos <strong>de</strong> Várias Festivida<strong>de</strong>s, 1 tomo.Notícias das Embaixadas que os Reis <strong>de</strong> Portugal mandaram aos Soberanos daEuropa, 3 tomos (omitidos no catálogo). 18A compilação <strong>de</strong> <strong>folhetos</strong> é a parte mais vol<strong>um</strong>osa da coleção pessoaldo aba<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sever. Ela apresenta não somente opúsculos impressos e manuscritossobre a mo<strong>na</strong>rquia, a nobreza e os eclesiásticos portugueses, mastambém notícias sobre festas, batalhas e ainda relatos <strong>de</strong> missões que acon-TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


96 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRAções Unidas em Nova York, Borba <strong>de</strong> Morais trouxe especialistas norteamericanos,entre eles William Jackson, que apresentou parecer <strong>de</strong>soladorsobre o estado dos livros raros, especialmente os que integravam a RealBiblioteca. Chegou a sugerir que os doc<strong>um</strong>entos fossem restaurados nosEstados Unidos ...Nesse contexto insere-se o trabalho com a coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>,em meados do século XX. Borba <strong>de</strong> Morais dirigira anteriormente a BibliotecaMunicipal <strong>de</strong> São Paulo – atual Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> – caracterizadapelo incentivo à mo<strong>de</strong>rnização das bibliotecas sob influxo do pragmatismonorte-americano, em contraposição à influência francesa, erudita egeneralista, então vigente <strong>na</strong> Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l. O termo doc<strong>um</strong>entaçãoe a concepção do bibliotecário como servo dos servos da ciência cresciamem importância. Enquanto o bibliotecário tradicio<strong>na</strong>l seria guardião doacervo, com conhecimentos enciclopédicos, o bibliotecário mo<strong>de</strong>rno, medianteorganização técnica dos materiais bibliográficos e seu uso, orientavaos leitores. Esse novo pesquisador imparcial, especialista, seguia técnicas<strong>de</strong> acordo com a nova ciência da informação: a biblioteconomia. 37O catálogo dos opúsculos foi publicado nos A<strong>na</strong>is da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>lentre 1974 e 1988, em oito vol<strong>um</strong>es, com início <strong>na</strong> gestão <strong>de</strong> JanniceMonte-Mór (1971-1979), outro momento forte <strong>de</strong> reestruturação da BibliotecaNacio<strong>na</strong>l. Antes, já haviam sido editados catálogos em separatados vilancicos, dos sermões <strong>de</strong> autos <strong>de</strong> fé, e <strong>um</strong>a “brasilia<strong>na</strong>” da coleção<strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. 38Po<strong>de</strong>ríamos prosseguir no <strong>de</strong>talhamento <strong>de</strong> mudanças administrativase realizações <strong>na</strong> Biblioteca, no entanto, importa observar que a impressãodas peças origi<strong>na</strong>is (os opúsculos), sua confecção em conjunto doc<strong>um</strong>ental(a coleção) e a trajetória <strong>de</strong>ste acervo po<strong>de</strong>m ser relacio<strong>na</strong>das adiferentes regimes <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>, <strong>na</strong> acepção <strong>de</strong> François Hartog. Paraformular esta noção, o historiador parte das idéias <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong> Lévi-Strauss.Com seu apelo a <strong>um</strong>a teoria da relativida<strong>de</strong> generalizada, o antropólogoelaborou ampla reflexão sobre a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> culturas, no texto produzidoem meio à <strong>de</strong>scolonização mundial. Hartog também se vale <strong>de</strong> MarshallSahlins, ao estudar as viagens do capitão James Cook em seus embatescom ilhéus do Pacífico. Para este antropólogo norte-americano, a propostada antropologia histórica, materializada <strong>na</strong> expressão estrutura da con-TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 97juntura, pressupunha maior atenção às diferentes formas <strong>de</strong> história. Ohistoriador francês familiarizou-se ainda com as categorias meta-históricasda experiência e da expectativa <strong>de</strong> Koselleck. Desse modo, a noção <strong>de</strong>regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong> podia beneficiar-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> diálogo <strong>de</strong> Sahlins comKoselleck, da antropologia com a história. 39Segundo François Hartog, há várias or<strong>de</strong>ns do <strong>tempo</strong>, segundo lugarese <strong>tempo</strong>s. Um regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> significar o modo como<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> trata seu passado, a consciência <strong>de</strong> si mesma. Na esteira <strong>de</strong>Lévi-Strauss, a noção nega <strong>um</strong>a historicida<strong>de</strong> idêntica a todas as socieda<strong>de</strong>s.Ao comparar tipos <strong>de</strong> história diferentes, evi<strong>de</strong>ncia modos <strong>de</strong> relaçãocom o <strong>tempo</strong>: formas <strong>de</strong> experiência, aqui e ali, hoje e ontem. Portanto, ahipótese do regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong> atua sobre vários <strong>tempo</strong>s, instaurando<strong>um</strong> vai e vem entre presente e passado, ou melhor, passados, eventualmentedistantes no <strong>tempo</strong> e no espaço. Partindo <strong>de</strong> diversas experiências do<strong>tempo</strong>, o regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong> tor<strong>na</strong>-se <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento heurístico, ajudandoa melhor apreen<strong>de</strong>r, não o <strong>tempo</strong>, todos os <strong>tempo</strong>s ou o todo do<strong>tempo</strong>, mas principalmente momentos <strong>de</strong> crise do <strong>tempo</strong>. 40Nesse sentido, Hartog alu<strong>de</strong> à crise do “regime mo<strong>de</strong>rno” <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>no século XX. Após duas guerras mundiais, a história como progressoe a ênfase utópica no futuro ce<strong>de</strong>riam lugar a <strong>um</strong>a preocupaçãocom o presente, ao incremento da idéia <strong>de</strong> memória e da conservação dopatrimônio histórico. Evi<strong>de</strong>ncia-se assim a importância dos arquivos comoconjuntos <strong>de</strong> doc<strong>um</strong>entos, parte essencial do patrimônio <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Mas otema do <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l per<strong>de</strong> evidência, em contraposição a formas renovadas<strong>de</strong> história ciência, que têm por horizonte o materialismo histórico, o quantitativo,o serial, e por instr<strong>um</strong>ento o computador. Passando do prospectivoao retrospectivo, os indivíduos munem-se <strong>de</strong> genealogias, as empresas <strong>de</strong> arquivos.Uma nova forma <strong>de</strong> historia magistra – que lida também com o futuro– é assim retomada. Uma historia magistra que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> exprimir o “regimemo<strong>de</strong>rno”, mas que articula <strong>de</strong> outro modo as categorias <strong>tempo</strong>rais. 41O presentismo con<strong>tempo</strong>râneo <strong>de</strong>finido por Hartog po<strong>de</strong> ser associadoàs reformas operadas <strong>na</strong> Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, e aos processos <strong>de</strong> catalogaçãoe restauração dos opúsculos <strong>de</strong> Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. Comovimos, a <strong>or<strong>de</strong>m</strong> seguida no catálogo publicado nos A<strong>na</strong>is da BibliotecaTOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


98 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRANacio<strong>na</strong>l não foi a efetivada pelo aba<strong>de</strong>. Nesta nova or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção, a cronologiafoi o critério predomi<strong>na</strong>nte, os opúsculos arrolados segundo datas <strong>de</strong>edição ou anos referentes aos assuntos <strong>de</strong> cada folheto, com o fito <strong>de</strong> facilitarao pesquisador a consulta direta aos doc<strong>um</strong>entos. Observemos a importânciadas datas e eventos nesse regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>, que discrimi<strong>na</strong>assim vários passados, e lembremos que o acadêmico real tinha priorizadooutrora a classificação temática.Portanto, a nova distribuição dos <strong>folhetos</strong> em catálogo <strong>de</strong>scaracterizouo caráter <strong>de</strong> coleção do conjunto doc<strong>um</strong>ental, pois a perspectiva principaldo aba<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sever somente é visl<strong>um</strong>brada mediante manuseio dos própriosvol<strong>um</strong>es. A mesma relativa <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração com o trabalho do colecio<strong>na</strong>dorpo<strong>de</strong> ser verificada <strong>na</strong> restauração dos tomos; ao refazer enca<strong>de</strong>r<strong>na</strong>ções,suportes e janelas, inutilizou o material origi<strong>na</strong>l e pôs em perigosua integrida<strong>de</strong>. Todavia, esse novo regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong> possibilitou aconservação da coleção enquanto patrimônio, <strong>de</strong> maneira diferente dotrabalho encetado por <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. Vale lembrar o contexto em queessas intervenções foram feitas, com opiniões <strong>de</strong> especialistas estrangeiros,sugestão <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento do acervo, e o afã técnico e administrativo queenvolvia a nossa Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l. Tudo isso em meio ao atribuladoprocesso político vivido no Brasil, entre as décadas <strong>de</strong> quarenta e setentado século passado. Os temas do <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, da liberda<strong>de</strong>, do progresso técnico,da cronologia e da conservação do patrimônio histórico se entrecruzavam,aspectos que não vamos aprofundar aqui.Na fissura do <strong>tempo</strong>Contudo, cabe consi<strong>de</strong>rar agora essa mescla <strong>de</strong> temas e historicida<strong>de</strong>s,por vezes não exclu<strong>de</strong>ntes entre si, para enfatizar algo <strong>de</strong>senvolvido porHartog, mas inspirado <strong>na</strong> filosofia <strong>de</strong> Han<strong>na</strong>h Arendt. Esse movimentopermitirá nova remissão do estudo ao <strong>tempo</strong> específico do próprio Diogo<strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>, <strong>de</strong>sta vez acrescida <strong>de</strong> novo tema, mais próprio ao momentoem que ele elaborava sua preciosa coleção, <strong>de</strong>pois ofertada ao rei.A ruptura <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> podia dar ao homem o sentimento <strong>de</strong>pertencer a duas eras. De <strong>um</strong> lado <strong>um</strong> passado não abolido nem esquecido,<strong>de</strong> outro <strong>um</strong> advir sem expressão mais <strong>de</strong>finida. Um <strong>tempo</strong> <strong>de</strong>sorien-TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


100 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRAnorama <strong>de</strong> pensamento”, em que se encontravam o il<strong>um</strong>inismo e as relaçõesentre religião e <strong>na</strong>tureza. No segundo eixo, Tavares <strong>de</strong>staca as cartas,<strong>folhetos</strong> e livros impressos tão constitutivos do gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> Lisboa,como a televisão e a internet para eventos mais con<strong>tempo</strong>râneos. O “terremotoimpresso” po<strong>de</strong> ter sido favorecido pelo fato <strong>de</strong> Lisboa ser <strong>um</strong> portoacessível às gran<strong>de</strong>s rotas <strong>de</strong> <strong>na</strong>vegação, famoso pela abundância real ouimagi<strong>na</strong>da <strong>de</strong> mercadorias diversas e metais preciosos.Com efeito, é possível observar o ano <strong>de</strong> 1755 não contami<strong>na</strong>do pelaforça do gran<strong>de</strong> terramoto, quando os barcos saíam tranqüilamente da barrado Tejo, e a vida da corte era marcada pelo convívio com o soberano esua família: mudança da residência régia para Belém, festas pelo aniversáriodo rei, do infante, a confirmação <strong>de</strong> novos beatos pelo papa. Em junhochegava a nova <strong>de</strong> que o marquês <strong>de</strong> Távora, após ser vice-rei, regressavada Índia, para retomar seu lugar <strong>na</strong> Corte como representante <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>família nobre portuguesa. O secretário <strong>de</strong> Negócios Estrangeiros SebastiãoJosé <strong>de</strong> Carvalho e Melo chegara <strong>de</strong> Vie<strong>na</strong> há alguns anos, como protegidoda rainha-mãe D. Maria<strong>na</strong> <strong>de</strong> Áustria. D. Maria<strong>na</strong> tinha mais po<strong>de</strong>rapós a morte <strong>de</strong> D. João V, nos primeiros anos do rei<strong>na</strong>do <strong>de</strong> D. José I. Elamorreu em 1754, e no ano seguinte seu falecimento continuava a ser lembrado,bem como as exéquias do seu Fi<strong>de</strong>líssimo marido em 1750, celebradasem cida<strong>de</strong>s do império português. Eventos fartamente <strong>de</strong>scritos entreos <strong>folhetos</strong> coletados por Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>.Mas o gran<strong>de</strong> terremoto se encontra praticamente ausente da coleção<strong>de</strong> opúsculos. Nenh<strong>um</strong> doc<strong>um</strong>ento recortado o tem como objeto, as poucasmenções em <strong>folhetos</strong> são por <strong>de</strong>mais ligeiras. Após o ambiente <strong>de</strong>scritoacima, o colecio<strong>na</strong>dor reuniu muitos relatos do atentado contra D. José Iem 1758 – que implicava os Távoras – e sobre o <strong>na</strong>scimento do príncipeda Beira em 1761 – lembremos que o folheto mais recente <strong>na</strong> coleção é <strong>de</strong>1770. Certo, não há nenh<strong>um</strong> vol<strong>um</strong>e entre os compilados pelo aba<strong>de</strong> <strong>de</strong>Sever sobre as “catástrofes <strong>de</strong> Portugal”, parafraseando título <strong>de</strong> <strong>um</strong>a obraacerca das agruras entre D. Afonso VI e D. Pedro, no século XVII. Todavia,não po<strong>de</strong>mos menosprezar por essa ausência o impacto do evento <strong>na</strong>vida e <strong>na</strong> obra do colecio<strong>na</strong>dor. Ele <strong>de</strong>ve ter sido enorme.Pois ele foi imenso, em especial no mundo letrado. Em 1756, o jesuítaitaliano resi<strong>de</strong>nte em Lisboa Gabriel Malagrida publicava o pequenoTOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 101livro intitulado Juízo da Verda<strong>de</strong>ira Causa do Terremoto. Como se sabe,nesta obra o padre escreveu que os lisboetas eram culpados pelo sismo,castigo divino a punir os maus católicos. A escrita <strong>de</strong> Malagrida baseava-senos sermões que pregou logo após o terremoto. O jesuíta era orador <strong>na</strong>corte <strong>de</strong> D. João V, e seu livro foi publicado com todas as licenças necessárias.Contudo, a história da peque<strong>na</strong> obra foi acompanhada do fortalecimentoda política <strong>de</strong> Sebastião <strong>de</strong> Carvalho e Melo e suas articulações coma própria memória do <strong>de</strong>sastre lisboeta. Em 1759, mesmo ano em que osecretário <strong>de</strong> Estado tor<strong>na</strong>va-se con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oeiras, Malagrida – jesuíta eamigo dos Távoras – foi preso. Em 1761, foi queimado, última vítimamortal da Inquisição lusa. Em 1768, era criada a Real Mesa Censória;quatro anos <strong>de</strong>pois o livro <strong>de</strong> Malagrida era con<strong>de</strong><strong>na</strong>do publicamente, comos piores adjetivos. Um dos censores do novo órgão, <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do a diminuir opo<strong>de</strong>r do Santo Ofício, era o então bispo <strong>de</strong> Beja, Manuel do Cenáculo,artífice da reconstrução da Real Biblioteca, responsável pela negociação como aba<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sever para o ganho da coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. 45O impacto não foi menor entre os estrangeiros da “república das letras”.O jovem alemão Immanuel Kant, por exemplo, forneceu <strong>um</strong>a explicação<strong>na</strong>tural para os sismos, pela ação <strong>de</strong> gases subterrâneos à crosta terrestre.Contudo, mais famoso tornou-se o poema <strong>de</strong> François Voltaire sobreo <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> Lisboa, contrariando a perspectiva do sábio Leibniz, res<strong>um</strong>ida<strong>na</strong> frase “tudo vai bem”. Da Suíça, Voltaire escreveu:Acorrei, contemplai estas ruí<strong>na</strong>s malfadadas, / Estes escombros, estes <strong>de</strong>spojos,estas cinzas <strong>de</strong>sgraçadas, / Estas mulheres, estes infantes uns nos outrosamontoados / Estes membros dispersos sob estes mármores quebrados/ Cem mil <strong>de</strong>safortu<strong>na</strong>dos que a terra <strong>de</strong>vora / Os quais, sangrando, <strong>de</strong>spedaçados,e palpitantes embora, / Enterrados com seus tetos termi<strong>na</strong>m semassistência / No horror dos tormentos sua lamentosa existência!Aos que explicavam a origem do <strong>de</strong>sastre pelas vias <strong>na</strong>turais ou pelafúria divi<strong>na</strong>, Voltaire respondia com a própria imagem da Lisboa <strong>de</strong>struída:“Lisboa, que não é mais, teve ela mais vícios / Que Londres, que Paris,mergulhadas <strong>na</strong>s <strong>de</strong>lícias? / Lisboa está arrui<strong>na</strong>da, e dança-se em Paris.” 46A sátira mordaz dirigida a Leibniz mereceu do ainda jovem Jean-Jacques Rousseau <strong>um</strong>a carta crítica a Voltaire que, no esplendor da suamaturida<strong>de</strong> intelectual, ainda escreveria a novela Cândido, ou o Otimismo,TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


102 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRAem 1758, com menções ao mesmo tema. Contudo, importa enfatizar oabalo causado pelo terremoto lisboeta no filósofo Voltaire, que oscilavaentre duas explicações paradoxais – a <strong>na</strong>tural e a divi<strong>na</strong> –, sem optar por<strong>um</strong>a <strong>de</strong>las, preferindo a estupefação com o ocorrido. Esta brecha do <strong>tempo</strong>intelectual também po<strong>de</strong> ser percebida <strong>na</strong> história do livro do padreMalagrida. Rui Tavares disserta sobre as relações entre a construção damemória e a prática do po<strong>de</strong>r, mediante o episódio da con<strong>de</strong><strong>na</strong>ção da RealMesa Censória. Como vimos, o livro com <strong>um</strong> juízo sobre o terremoto foiaceito, <strong>de</strong>pois con<strong>de</strong><strong>na</strong>do, em meio à afirmação do pombalismo, construídoem gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>vido ao impacto <strong>de</strong> 1755. 47Ao selecio<strong>na</strong>r os <strong>folhetos</strong> que entravam em sua coleção, <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>também atuava como censor, além <strong>de</strong> historiador. Lidava com alembrança e também com o esquecimento. Entretanto, <strong>de</strong>vemos ser atentosao possível significado <strong>de</strong>sta catástrofe, e da posterior reestruturaçãodo espaço lisboeta sob a égi<strong>de</strong> do con<strong>de</strong> Oeiras, <strong>de</strong>pois marquês <strong>de</strong> Pombal,<strong>na</strong> escrita da história subjacente à coleção. 48 Pensamos que as alteraçõesse davam não ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> quebra e <strong>na</strong> reorganização do espaço – Lisboareconstruída –, mas também no <strong>tempo</strong> – a história <strong>de</strong> Portugal, refeitanesta brecha, recomposta mediante o arranjo com os <strong>folhetos</strong>. Essa reflexãoé a<strong>de</strong>nsada, ao lembrarmos as circunstâncias que envolveram aestruturação da própria livraria do aba<strong>de</strong>: a Aca<strong>de</strong>mia Real <strong>de</strong> História, acoleção particular, a <strong>de</strong>struição da Real Biblioteca em 1755, a doação paraintegrar enfim o régio acervo.Ao classificar e or<strong>de</strong><strong>na</strong>r os <strong>folhetos</strong> em vol<strong>um</strong>es, muito provavelmenteapós 1755, Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> atuava nessas fissuras do <strong>tempo</strong> edo espaço. Juntava esses fragmentos <strong>de</strong> forma origi<strong>na</strong>l, evitava sua <strong>de</strong>struição,tor<strong>na</strong>ndo-os preciosos. Entre príncipes e varões valorosos dispostospor suas ações tematicamente, mas também entre o passar dos rei<strong>na</strong>dos,das batalhas e dos anos – lembremos da cronologia como segundo critérioor<strong>de</strong><strong>na</strong>dor da coleção. De acordo com Hartog, a data discrimi<strong>na</strong>, comoseguro indício <strong>de</strong> <strong>um</strong>a escrita historiadora, atenta às discussões e ciosa dasdisjunções. A escolha <strong>de</strong> <strong>um</strong> ensaio como meio <strong>de</strong> abordagem do terremotorevela a não pretensão <strong>de</strong>ste artigo em a<strong>na</strong>lisar o contexto pombalino, emesmo as muitas inflexões acadêmicas possíveis acerca do evento <strong>de</strong> 1755. 49TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 103Mas, pelo que foi exposto, é possível dimensio<strong>na</strong>r melhor o significadoda história produzida pelo aba<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sever ao elaborar, or<strong>de</strong><strong>na</strong>r e doarsua coleção particular, após o <strong>de</strong>sastre que <strong>de</strong>sorganizou a vida <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong>,capital do império português. À maneira do futuro Pombal, engenheirose planos urbanos que reedificaram Lisboa, Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>também reestruturava seu espaço-<strong>tempo</strong>, com base em elementos antigosjustapostos a novos. Desse modo, a doação da coleção podia simbolizartambém <strong>um</strong> novo <strong>tempo</strong>, <strong>um</strong> marco <strong>de</strong> impacto <strong>na</strong> restituição da bibliotecarégia. Entretanto, essa “nova” história <strong>de</strong> Portugal e do império tambémpo<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>ve, ser a<strong>na</strong>lisada como repertório <strong>de</strong> histórias antigas.A busca da exata medida entre o velho e o novo, o antigo e o mo<strong>de</strong>rno,<strong>na</strong> obra do nosso Diogo, entre as diferentes concepções <strong>de</strong> história e asor<strong>de</strong>ns do <strong>tempo</strong>, permanece difícil, senão impossível. Fiquemos com amescla, as brechas e fissuras, e a subjetivida<strong>de</strong> do conhecimento histórico,em todos os <strong>tempo</strong>s – inclusive o nosso. E, em se tratando <strong>de</strong> <strong>um</strong> estudosobre o tema, lembremos da figura daquele velho monge cego, o venerávelJorge <strong>de</strong> Burgos, <strong>na</strong> biblioteca em forma <strong>de</strong> labirinto com espelhos e ervas,artífice do livro envene<strong>na</strong>do no romance <strong>de</strong> Umberto Eco. Parece que ocrítico literário, ao conceber a perso<strong>na</strong>gem, inspirou-se no homônimo JorgeLuis Borges, ex-diretor da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> Argenti<strong>na</strong>, autor do célebreconto La biblioteca <strong>de</strong> Babel. A biblioteca como livro, os livros comopági<strong>na</strong>s. Por trás <strong>de</strong> qualquer <strong>or<strong>de</strong>m</strong>, a <strong>de</strong>s<strong>or<strong>de</strong>m</strong>. 50Notas1Esta investigação se realiza <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2003 <strong>na</strong> Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, sob coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong>Rodrigo Bentes Monteiro e Pedro Cardim, conta com as pesquisas <strong>de</strong> David Felismino e<strong>de</strong> A<strong>na</strong> Paula Sampaio Cal<strong>de</strong>ira, e com o trabalho dos estagiários Pedro Fonseca <strong>de</strong> Araujo,Gustavo Kelly <strong>de</strong> Almeida, Jerônimo Duque Estrada <strong>de</strong> Barros e Jorge MirandaLeite. Agra<strong>de</strong>cemos a Valeria Gauz e Íris Kantor as sugestões para este artigo.2Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> <strong>de</strong>screveu este conjunto doc<strong>um</strong>ental como <strong>um</strong>a “colecçãosingular, e <strong>de</strong> s<strong>um</strong>a estimação que consta <strong>de</strong> sucessos pertencentes à História <strong>de</strong> Portugalformada <strong>de</strong> vários livros <strong>de</strong> prosa e verso da dita história e reduzida a folha em vol<strong>um</strong>es...”Não usou, portanto, os termos <strong>folhetos</strong> ou opúsculos. No Vocabulário ... <strong>de</strong>Bluteau, opúsculo significa “obra, livro, tratado pequeno sobre qualquer matéria ...”, enão há menção a folheto. Os dois termos são empregados como sinônimos para referênciaaos doc<strong>um</strong>entos da coleção pelos bibliotecários Ramiz Galvão e Rosemarie Horch,como veremos adiante. MACHADO, Diogo <strong>Barbosa</strong>. Cathalogo dos Livros da LivrariaTOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


104 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRADiogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> distribuídos por matérias e escrito por sua própria mão. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, p.33. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português e Latino... Coimbra: Colégio das Artes da Cia <strong>de</strong> Jesus, 1712, p.94.3KRIEGEL, Blandine. L´Histoire à l´Age Classique. La défaite <strong>de</strong> l´erudition. Paris: PUF,1988, v.2, p.165.4KANTOR, Íris. Esquecidos e Re<strong>na</strong>scidos. Historiografia acadêmica luso-america<strong>na</strong> (1724-1759). São Paulo: Hucitec, 2004, p.19.5Sobre este assunto ver BRIGOLA, João Carlos Pires. Colecções, Gabinetes e Museus emPortugal no Século XVIII. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.6ALVAREZ, Fer<strong>na</strong>ndo Bouza. Del Escribano a la Biblioteca: La civilización escrita europeaen la alta edad mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> (siglos XV-XVII). Madrid: Sintesis, 1997; Corre Manuscrito: U<strong>na</strong>historia cultural <strong>de</strong>l siglo <strong>de</strong> oro. Madrid: Marcial Pons, 2001.7GINZBURG, Carlo. Olhos <strong>de</strong> Ma<strong>de</strong>ira. Nove reflexões sobre a distância. São Paulo:Companhia das Letras, 2001, p.85-103.8POMIAN, Krzysztof. Colecção, in: ROMANO, Ruggiero (dir.). Enciclopédia Ei<strong>na</strong>udi.Memória – História. Lisboa: Imprensa Nacio<strong>na</strong>l – Casa da Moeda, 1984, v.1, p.51-86.9LUGLI, Adalgisa. Naturalia et Mirabilia. Les cabinets <strong>de</strong> curiosités en Europe. Paris:Adam Biro, 1998; SCHNAPPER, Antoine. Le Géant, la Licorne et la Tulipe. Paris:Flammarion, 1988 e BRIGOLA, op. cit.10LUGLI, op. cit.; KRIEGEL, op. cit., p.165.11BRIGOLA, op. cit., p.507-513.12POMIAN, op. cit.; KRIEGEL, L´Histoire à l´Age Classique. Les aca<strong>de</strong>mies <strong>de</strong> l´histoire.Paris: PUF, 1988, v.3, p.35.13MOTA, Isabel Ferreira da. A Aca<strong>de</strong>mia Real da História. Os intelectuais, o po<strong>de</strong>r culturale o po<strong>de</strong>r monárquico no século XVIII. Coimbra: Minerva, 2003. p.227-229.14A formação oratoria<strong>na</strong> <strong>de</strong>ve ter contribuído para o interesse colecionista <strong>de</strong> <strong>Barbosa</strong><strong>Machado</strong>, <strong>um</strong>a vez que esta congregação era conhecida por seu trabalho <strong>de</strong> edição, revisãoe publicação <strong>de</strong> doc<strong>um</strong>entos. A respeito do envolvimento <strong>de</strong>ste grupo e <strong>de</strong> outrasor<strong>de</strong>ns religiosas com o saber histórico ao longo dos séculos XVII e XVIII, ver a coleção <strong>de</strong>KRIEGEL, op. cit., e BOURDÉ, Guy. As Escolas Históricas. Lisboa: Europa-América, 1983.15MOTA, op. cit.16SYLVA, Manoel Telles da. Historia da Aca<strong>de</strong>mia Real da Historia Portugueza. Lisboa:Offici<strong>na</strong> <strong>de</strong> Joseph Antonio da Sylva, 1727, p.316-318. Sobre a nobreza em Portugal noséculo XVIII, MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. O Crepúsculo dos Gran<strong>de</strong>s. A casa eo patrimônio da aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: Imprensa Nacio<strong>na</strong>l – Casada Moeda, 2003.17SERRA, Francisco José da. Oração Fúnebre <strong>na</strong>s Exequias do reverendo senhor Diogo<strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>, abba<strong>de</strong> reservatório da paroquial igreja <strong>de</strong> Santo Adrião <strong>de</strong> Cever. Lisboa:Regia Offici<strong>na</strong> Typografica, 1773. MOTA, op. cit.TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 10518MACHADO, op. cit. Cf. também HORCH, Rosemarie Erika. (org.). Catálogo dos<strong>folhetos</strong> da coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. A<strong>na</strong>is da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro: BibliotecaNacio<strong>na</strong>l, 1972, v.92, p.30-32.19KRIEGEL, op. cit., v.2, p. 205.20A este respeito, cf. MONTEIRO, Rodrigo Bentes. Recortes <strong>de</strong> memória: reis e príncipes<strong>na</strong> coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>, in: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fer<strong>na</strong>nda &GOUVÊA, Maria <strong>de</strong> Fátima Silva (org.). Culturas Políticas. Ensaios <strong>de</strong> história cultural,história política e ensino <strong>de</strong> história. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Mauad, 2005, p.127-154; e Reis,príncipes e varões insignes <strong>na</strong> coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. A<strong>na</strong>is <strong>de</strong> História <strong>de</strong> Além-Mar.Lisboa: Centro <strong>de</strong> História <strong>de</strong> Além-Mar, 2005, p.215-251.21Sobre a função representativa dos reis, cf. KANTOROWICZ, Ernst. Os Dois Corpos doRei. Um estudo <strong>de</strong> teologia política medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1998;BOUREAU, Alain, Le roi, in: NORA, Pierre (org.). Les Lieux <strong>de</strong> Mémoire. Paris:Gallimard, 1997, v.3, p.4521-4544; MONTEIRO, Rodrigo. O Rei no Espelho. A mo<strong>na</strong>rquiaportuguesa e a colonização da América 1640-1720. São Paulo: Hucitec, 2002.22Para citar ape<strong>na</strong>s referências recentes sobre os feitos militares e sua divulgação, cf.BARATA, Manuel Themudo & TEIXEIRA, Nuno Severiano (dir.). Nova História Militar<strong>de</strong> Portugal. Lisboa: Círculo <strong>de</strong> Leitores, 2004, v.2; BEBIANO, Rui. A Pe<strong>na</strong> <strong>de</strong> Marte.Escrita da guerra em Portugal e <strong>na</strong> Europa (sécs. XVI-XVIII). Coimbra: Minerva, 2000.23Acerca da aristocracia em Portugal, cf. MONTEIRO, Nuno, op. cit. Sobre as reuniões<strong>de</strong> cortes, CARDIM, Pedro. Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime. Lisboa:Cosmos, 1998. Sobre a interação entre os campos político e religioso <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>sdo Antigo Regime, KANTOROWICZ, op. cit., BLOCH, Marc. Os Reis Ta<strong>um</strong>aturgos.O caráter sobre<strong>na</strong>tural do po<strong>de</strong>r régio França e Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras,1993; CARDIM, Religião e <strong>or<strong>de</strong>m</strong> social. Em torno dos fundamentos católicos dosistema político do Antigo Regime. Revista <strong>de</strong> História das Idéias. Coimbra: Instituto <strong>de</strong>História e Teoria das Idéias – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, 2001,v.22, p.133-174; PAIVA, José Pedro. A Igreja e o po<strong>de</strong>r, in: MARQUES, João Francisco& GOUVEIA, António Camões (org.). História Religiosa <strong>de</strong> Portugal. Lisboa: Círculo <strong>de</strong>Leitores, 2000, v.2, p.135-183.24Sobre o estudo dos sermões <strong>na</strong> Restauração, MARQUES. A Parenética Portuguesa e aRestauração 1640-1668. Porto: Instituto Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Investigação Científica, 1989, 2 v; Paraa inquisição em suas relações políticas BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições.Portugal, Espanha e Itália Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.25Parece que Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> tinha <strong>de</strong>savenças com a Companhia <strong>de</strong> Jesus.Atribui-se a ele a Carta Exhortatoria aos Padres da Companhia <strong>de</strong> Jesus da Província <strong>de</strong>Portugal, publicada sem indicações, obra em <strong>de</strong>fesa dos oratorianos contra os jesuítas <strong>na</strong>guerra doutri<strong>na</strong>l e literária entre as duas congregações. COSTA, Manuel Alberto Nunes.Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> e a bibliografia portuguesa. A<strong>na</strong>is da Aca<strong>de</strong>mia Portuguesa <strong>de</strong>História, Lisboa: s. ed., 1986, p.291-340.26Devido à peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta coleção, e ao fato <strong>de</strong> acervos congêneres serem <strong>de</strong>struídosno terremoto <strong>de</strong> 1755, é difícil comparar esta <strong>or<strong>de</strong>m</strong> a outros conjuntos semelhantes noTOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


106 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRAmesmo contexto. Ro<strong>na</strong>ld Raminelli empenhou-se em <strong>de</strong>svendar a taxionomia empregadapelo <strong>na</strong>turalista Alexandre Rodrigues Ferreira, mas a diversida<strong>de</strong> das fontes impe<strong>de</strong><strong>um</strong>a aproximação ao conjunto compilado pelo aba<strong>de</strong>. Sabe-se que a livraria do acadêmicoera composta por aproximadamente 4.300 obras em 5.764 vol<strong>um</strong>es, divididos em 34classes. O número <strong>de</strong> livros por classificação varia bastante. No entanto, interessa <strong>de</strong>stacarque à história, eclesiástica ou profa<strong>na</strong>, segundo a própria classificação <strong>de</strong> <strong>Barbosa</strong><strong>Machado</strong>, são reservadas 1.169 obras, 27% da livraria. Incluindo livros <strong>de</strong> vidas <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens,chega-se a 34%. A<strong>na</strong> Cristi<strong>na</strong> Araújo pesquisa bibliotecas portuguesas do Setecentos,centrando-se <strong>na</strong> <strong>de</strong> José da Silva Pais, sargento-mor que – acompanhando <strong>Barbosa</strong><strong>Machado</strong> - também ascen<strong>de</strong>u socialmente. Esta biblioteca era composta por 437vol<strong>um</strong>es, <strong>na</strong> qual Araújo <strong>de</strong>staca 252 <strong>de</strong>dicados à história e vidas <strong>de</strong> príncipes. Emboradiscrepantes, as livrarias <strong>de</strong>monstram o interesse <strong>de</strong> letrados e do mercado livreiro daépoca pela história. RAMINELLI, Ro<strong>na</strong>ld. Do conhecimento físico e moral dos povos:iconografia e taxionomia <strong>na</strong> Viagem Filosófica <strong>de</strong> Alexandre Rodrigues Ferreira. História,Ciências, Saú<strong>de</strong> — Manguinhos, 2001, v. VIII (suplemento), p.969-92; ARAÚJO,A<strong>na</strong> Cristi<strong>na</strong>. Livros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vida. Critérios e modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a livrariaparticular no século XVIII. Revista <strong>de</strong> História das Idéias. Coimbra: Instituto <strong>de</strong> Históriae Teoria das Idéias – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, 1999, v.20,p.149-185.27LE GOFF, Jacques. Memória, in: ROMANO, op. cit., p.11-50.28Em análise clássica, Reinhart Koselleck mostrou como <strong>na</strong> Alemanha nos anos 1760-1780, a formação do mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> história aos poucos esvaziou a substância<strong>de</strong>ssa concepção <strong>de</strong> história que conjugava exemplo e repetição. A História passou aenten<strong>de</strong>r-se como processo, concebendo-se como história em si, abando<strong>na</strong>ndo o exemploe ligando-se ao acontecimento. Essas reflexões da escola histórica alemã, formuladasantes, acharam <strong>um</strong>a “prova” <strong>na</strong> Revolução francesa, vivida por muitos como <strong>um</strong>a aceleraçãodo <strong>tempo</strong>, fazendo <strong>um</strong>a brutal distensão entre o campo <strong>de</strong> experiências e o horizonte <strong>de</strong>expectativas. KOSELLECK, Reinhart. Futuro Pasado. Para u<strong>na</strong> semántica <strong>de</strong> los tiemposhistóricos. Barcelo<strong>na</strong>: Paidos, 1993, p.41-66 e historia / Historia. Madrid: Trotta, 2004.29SILVA, op. cit., p.85.30KRIEGEL, op. cit., v.2., p.18.31BLUTEAU, op. cit., p.39-40.32Para Koselleck, o <strong>tempo</strong> histórico é produzido pela distância entre experiências e expectativas,engendrado pela tensão entre elas. A estrutura <strong>tempo</strong>ral dos <strong>tempo</strong>s mo<strong>de</strong>rnos– a partir do fi<strong>na</strong>l do século XVIII –, marcada pela abertura ao futuro e ao progresso,é caracterizada pela assimetria entre experiências e expectativas. Este <strong>de</strong>sequilíbrio cresceriasob efeito da aceleração. A fórmula “menor a experiência, maior a expectativa” res<strong>um</strong>eesta evolução. Já em 1975 Koselleck se interrogava sobre o que podia ser <strong>um</strong> fim ou <strong>um</strong>asaída para esses <strong>tempo</strong>s. Começa a <strong>de</strong>finir-se então a contribuição <strong>de</strong> François Hartog, aodissertar sobre o presentismo. KOSELLECK, Futuro Pasado ..., op. cit., p.333-357. Cf.também o seu estudo semi<strong>na</strong>l Crítica e Crise. Uma contribuição à patogênese do mundoTOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 107burguês. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Eduerj / Contraponto, 1999, e HARTOG, François. Regimesd’Historicité. Présentisme et expériences du temps. Paris: Seuil, 2003, p.28.33GALVÃO, Benjamin Franklin Ramiz. Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. A<strong>na</strong>is da BibliotecaNacio<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, 1876-1877, v.1, p.1-43, reproduzido em1972, v.92, p.11-45, e Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. Catálogo <strong>de</strong> suas coleções, A<strong>na</strong>is daBiblioteca Nacio<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, 1876-1877, v.2, p.128-191;1877-1878, v.3, p.162-181 e 279-311; e 1880-1881, v.8, p.222-431. BRUM, JoséZepherino <strong>de</strong> M. (org.), Catálogo dos retratos colligidos por Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>.A<strong>na</strong>is da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, 1893 / 1896 / 1898 /1904, vs.16, 18, 20 e 26. Sobre a restauração dos retratos no século XIX e a gestão <strong>de</strong> RamizGalvão <strong>na</strong> Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, cf. MONTEIRO, Rodrigo, Recortes <strong>de</strong> memória ..., op. cit.34HORCH, Entrevista a Rodrigo Bentes Monteiro. São Paulo: Instituto <strong>de</strong> EstudosBrasileiros – USP, 20/10/2005. A polissemia entre restaurar, restituir, refazer, é bastanteantiga. Vespasiano empreen<strong>de</strong>u a restitutio do Capitólio, <strong>de</strong>vastado por <strong>um</strong> incêndio: eleo restaurou, portanto. Mas ao mesmo <strong>tempo</strong> restituiu três mil tabletes <strong>de</strong> bronze, fundidosno mesmo incêndio. Como restaurá-los, se <strong>de</strong>sapareceram? Assim, restitutio nãosignificava restauração, mas sim refazimento, nova fabricação. HARTOG, op. cit., p.173.35A or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção pressupõe pesquisa, nos séculos XX, XIX ou XVIII. Embora os membrosda Aca<strong>de</strong>mia Real colecio<strong>na</strong>ssem individualmente doc<strong>um</strong>entos e objetos, a instituiçãotambém se interessava em ter seu arquivo e seu museu, para escrever sua própria história.Dessa forma, os eruditos reuniam e colecio<strong>na</strong>vam o que fosse necessário. Os acadêmicoselaboravam memórias para mostrar pontos duvidosos <strong>de</strong> <strong>um</strong> período, <strong>de</strong>stacando perso<strong>na</strong>gense feitos por meio <strong>de</strong> doc<strong>um</strong>entos úteis à história lusa, como fez <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>para os rei<strong>na</strong>dos <strong>de</strong> D. Sebastião e dos Habsburgos: compilou <strong>de</strong>cretos, cartas e outrosdoc<strong>um</strong>entos, <strong>de</strong>screvendo também ações <strong>de</strong> varões insignes cuja lealda<strong>de</strong> <strong>de</strong>via ser lembrada.Essa pesquisa também foi feita pelo aba<strong>de</strong> ao montar sua Bibliotheca Lusita<strong>na</strong>...Neste catálogo <strong>de</strong> escritores portugueses e suas produções – dispostos em <strong>or<strong>de</strong>m</strong> alfabéticapor seus prenomes –, <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> consultou trabalhos semelhantes e pediuajuda a outros eruditos, solicitando-lhes informações <strong>de</strong> autores portugueses. Desse modo,os quatro tomos da Bibliotheca Lusita<strong>na</strong>... e a coleção <strong>de</strong> <strong>folhetos</strong> constituem elogios àhistória lusa mediante o trabalho <strong>de</strong> <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> <strong>de</strong> coletar e or<strong>de</strong><strong>na</strong>r. MACHA-DO, Diogo <strong>Barbosa</strong>. Bibliotheca Lusita<strong>na</strong>, Historica, Critica e Chronologica <strong>na</strong> qualcomprehen<strong>de</strong> a noticia dos auctores portuguezes, e das obras que compuzerão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>tempo</strong>da promulgação da Ley da Graça até o <strong>tempo</strong> prezente ..., Lisboa Occi<strong>de</strong>ntal: Offici<strong>na</strong> <strong>de</strong>Antonio Isidoro da Fonseca, 1747-1759, 4 v.36CARVALHO, Gilberto Vilar <strong>de</strong>. Biografia da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l (1807 a 1990). Rio<strong>de</strong> Janeiro: Irradiação Cultural, 1994, p.96-112.37CASTRO, César Augusto. História da Biblioteconomia Brasileira. Brasília: Thesaurus, 2000.38HORCH (org), Catálogo dos <strong>folhetos</strong> da coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>, op. cit., 1974-1988,v.92, 8 v. Para <strong>de</strong>talhes da conjuntura da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l nos anos 1970, cf. MON-TE-MÓR, Jannice. A Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l em 1972, in i<strong>de</strong>m, 1972, v.92, p.255-273.TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


108 • RODRIGO BENTES MONTEIRO • ANA P. S AMPAIO CALDEIRA39“Raça e história” foi encomendado e publicado pela Unesco em 1952. Cf. SAHLINS,Marshall. Ilhas <strong>de</strong> História. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1990.40Para as seguintes reflexões, HARTOG, op. cit. O artigo assemelha-se mais a esta abordagem,do que à elaboração <strong>de</strong> “cronosofias” – como diferentes filosofias do <strong>tempo</strong>,proposta por POMIAN, L’Ordre du Temps. Paris: Gallimard, 1984.41Priorizando o caso francês, Hartog trabalha a mudança <strong>de</strong> regimes <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong> noséculo XX: <strong>na</strong> escola dos An<strong>na</strong>les, os historiadores esquivam-se do <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, preferindo oeconômico-social, com <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s diferentes da linha <strong>de</strong> eventos políticos. A históriacontribui para o saber sobre a socieda<strong>de</strong> em si, e a legitimação pelo passado ce<strong>de</strong> lugarà legitimação para o futuro, evi<strong>de</strong>nciando o presentismo. Nos anos oitenta, Les Lieux <strong>de</strong>Mémoire <strong>de</strong> Pierre Nora reforça a idéia <strong>de</strong> memória, <strong>um</strong> diagnóstico sobre o presente daFrança: Nora não invoca o <strong>tempo</strong> progressista, mas não sai do presente, negando a rupturaentre este e o passado. Rompe-se assim com as histórias memórias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is escritasdo ponto <strong>de</strong> vista do futuro, pois a nova epistemologia reivindica a centralida<strong>de</strong> do presente.HARTOG, op. cit., p.113-206.42ARENDT, Han<strong>na</strong>h. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 1988, p.35-36.Nesse sentido Hartog enten<strong>de</strong> a trajetória do escritor francês Chateaubriand (1768-1848),entre o antigo e o novo regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>. Sua escrita partia <strong>de</strong>ssa mudança <strong>de</strong>regimes, ao voltar-se para a brecha do <strong>tempo</strong> aberta por 1789. Retomando Arendt, eleelegeu por lugar a quebra do <strong>tempo</strong>. HARTOG, op. cit., p.12-17 e p.77-107.43Para as seguintes informações, TAVARES, Rui. O Pequeno Livro do Gran<strong>de</strong> Terramoto.Ensaio sobre 1755. Lisboa: Tinta da Chi<strong>na</strong>, 2005, p.18-65.44I<strong>de</strong>m, p.18.45I<strong>de</strong>m, p.135-149. Brigola informa-nos sobre a <strong>de</strong>vastação dos palácios e das respectivascoleções <strong>na</strong> Lisboa do terremoto, o que parece valorizar a coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>.BRIGOLA, op. cit., p.52-53.46TAVARES, op. cit., p.151-165. Voltaire apud i<strong>de</strong>m, p.157.47“A censura, tal como a propaganda, <strong>de</strong>sempenharia assim, no território da memória, oequivalente às funções que <strong>de</strong>sempenham as fortalezas, os baluartes e os exércitos noterritório real, geográfico, dos reinos e dos impérios.” I<strong>de</strong>m, p.146.48CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 2002.Cf. também GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Reinventando a Tradição: sobre antiquariadoe escrita da história. H<strong>um</strong>a<strong>na</strong>s, Porto Alegre: 2000, v. 23, n. 1/2, p.111-143. Aacepção <strong>de</strong> Pombal como protagonista <strong>de</strong>sta brecha do <strong>tempo</strong> é sugerida no título doconhecido livro <strong>de</strong> MAXWELL, Kenneth. Marquês <strong>de</strong> Pombal. Paradoxo do Il<strong>um</strong>inismo.Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1996.49Em 2005, vários <strong>de</strong>bates foram promovidos em Portugal sobre o assunto, dos quaiscertamente resultarão publicações. A título <strong>de</strong> exemplo, o colóquio inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l OTerramoto <strong>de</strong> 1755. Impactos históricos. Lisboa: Departamento <strong>de</strong> História do InstitutoTOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 109Superior <strong>de</strong> Ciências do Trabalho e da Empresa / Instituto <strong>de</strong> Ciências Sociais da Universida<strong>de</strong><strong>de</strong> Lisboa, 2005.50ECO, Umberto. Il Nome <strong>de</strong>lla Rosa. In appendice postille a “Il nome <strong>de</strong>lla rosa”.Milano: Tascabili Bompiani, 2005, p.515; BORGES, Jorge Luis. La biblioteca <strong>de</strong> Babel,in: Ficciones. Buenos Aires: Emecé, 2004, p.105-122.FontesBLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português e Latino. Coimbra: Colégio das Artesda Cia <strong>de</strong> Jesus, 1712.BRUM, José Zepherino <strong>de</strong> M. (org.). Catálogo dos retratos colligidos por Diogo<strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. A<strong>na</strong>is da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l,1893 / 1896 / 1898 / 1904, vs.16, 18, 20 e 26.GALVÃO, Benjamin Franklin Ramiz. Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. Catálogo <strong>de</strong>suas coleções. A<strong>na</strong>is da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l,1876-1877, v.2, p.128-191; 1877-1878, v.3, p.162-181 e 279-311; e 1880-1881,v.8, p.222-431.________. Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>. A<strong>na</strong>is da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, 1876-1877, v.1, p.1-43.HORCH, Rosemarie Erika (org.). Catálogo dos <strong>folhetos</strong> da coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>.In: A<strong>na</strong>is da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, 1972,v.92, 8 t.________. Entrevista a Rodrigo Bentes Monteiro. São Paulo: Instituto <strong>de</strong> EstudosBrasileiros – USP, 20/10/2005.MACHADO, Diogo <strong>Barbosa</strong>. Bibliotheca Lusita<strong>na</strong>, Historica, Critica eChronologica <strong>na</strong> qual comprehen<strong>de</strong> a noticia dos auctores portuguezes, e das obrasque compuzerão <strong>de</strong>f<strong>de</strong> o <strong>tempo</strong> da promulgaçao da Ley da Graça até o <strong>tempo</strong> prezente.Lisboa Occi<strong>de</strong>ntal: Offici<strong>na</strong> <strong>de</strong> Antonio Isidoro da Fonseca, 1747-1759, 4 v.________. Cathalogo dos Livros da Livraria Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong> distribuídospor matérias e escrito por sua própria mão. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l.________. Coleção <strong>de</strong> opúsculos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, 145 v.________. Memórias para a História <strong>de</strong> Portugal, que comprehen<strong>de</strong>m o governo <strong>de</strong>lRey D. Sebastião. Lisboa: Offici<strong>na</strong> <strong>de</strong> Joseph Antonio da Sylva, 1736-1751.SYLVA, Manoel Telles da. Historia da Aca<strong>de</strong>mia Real da Historia Portugueza.Lisboa: Offici<strong>na</strong> <strong>de</strong> Joseph Antonio da Sylva, 1727.TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.


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A ORDEM DE UM TEMPO: FOLHETOS NA COLEÇÃO BARBOSA MACHADO • 113RESUMONeste artigo, os autores estudam a gran<strong>de</strong> coleção <strong>de</strong> opúsculos montada no séculoXVIII pelo bibliófilo português Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>, que integra atualmente oacervo da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Destaca-se inicialmente a importânciada escrita <strong>na</strong> Época Mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> e a circulação <strong>de</strong> <strong>folhetos</strong> impressos como elementos<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Em seguida, discute-se a coleção como agrupamento <strong>de</strong> peças preciosas, ea trajetória <strong>de</strong> ascensão social <strong>de</strong> seu artífice. O ponto central do artigo é a taxionomiaempreendida pelo colecio<strong>na</strong>dor, relacio<strong>na</strong>da também aos vários <strong>tempo</strong>s percorridospela coleção. Formula-se assim a hipótese da brecha do <strong>tempo</strong> em que vivia <strong>Barbosa</strong><strong>Machado</strong>.Palavras-chave: Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, coleção <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>, <strong>folhetos</strong>, mo<strong>na</strong>rquiaportuguesa.ABSTRACTIn this article, the authors study Diogo <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>’s great collection of pamphletsgathered during the eighteenth-century and housed at the Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, Brazil.At first, they highlight the importance of the written texts during the Mo<strong>de</strong>rn Age andthe circulation of printed doc<strong>um</strong>ents as tools of power. Then they discuss the collectionitself as an amalgamation of valuable pieces, as well as the way the <strong>Machado</strong> usedcollecting as a means to gain social prestige. The central point of the article is thediscussion of systematic, or division into categories (taxonomy) that the Portuguesecollector <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>d upon to organize the vol<strong>um</strong>es as he assembled them, which is alsorelated to the various times along with the collection was put together. In such amanner, the authors formulate the hypothesis of break in time in which <strong>Barbosa</strong><strong>Machado</strong> lived.Keywords: Natio<strong>na</strong>l Library of Brazil, <strong>Barbosa</strong> <strong>Machado</strong>’s collection, pamphlets,Portuguese Mo<strong>na</strong>rchy.(recebido em janeiro <strong>de</strong> 2006 e aprovado em setembro do mesmo ano)TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 77-113.

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