4 <strong>Jornal</strong> <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong> 29 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 2013AberturaPortugueses são osque mais se sentempressionados pelostrabalhos para casaDivergência Será que os trabalhos para casa (TPC) sãoimprescindíveis no percurso escolar dos alunos ou a suaimportância não compensa o tempo que rouba ao convíviofamiliar e aos momentos <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira?Elisabete Cruzelisabete.cruz@jornal<strong>de</strong>leiria.pt❚ Pais e investigadores divi<strong>de</strong>m--se quanto à importância dos trabalhospara casa (TPC). O <strong>de</strong>bate éantigo e as conclusões não são óbvias.Os alunos portugueses com 15anos são dos que mais pressãodos trabalhos <strong>de</strong> casa sentem, sendoultrapassados apenas pelos jovensda Turquia. A conclusão é dorelatório Health Behaviour inSchool-Aged Children, da OrganizaçãoMundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>.Este estudo é feito <strong>de</strong> quatroem quatro anos e envolve alunosdos 6.º, 8.º e 10.º anos <strong>de</strong> 39 paísese regiões. Para a última edição,em 2010, em Portugal, foram inquiridoscinco mil jovens. Cincoem cada <strong>de</strong>z sentem-se pressionados(sentem “alguma” ou “muita”pressão) com os trabalhos quelevam para casa. No grupo dos 13anos, Portugal ocupa também umlugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, embora <strong>de</strong>sçapara o sétimo posto.Este assunto nunca gerou consensoentre profissionais <strong>de</strong> educação,pais e alunos. Para aquelesque dizem “não” aos TPC, as criançaschegam a casa cansadas <strong>de</strong>um dia <strong>de</strong> trabalho, acrescido dasactivida<strong>de</strong>s extra-curriculares e,por isso, tiram pouco partido do estudo.Por outro lado, os pais chegamtar<strong>de</strong> a casa, logo, não lhes sobramuito tempo para ajudar os filhoscom os <strong>de</strong>veres escolares,que ainda lhes roubam tempo parao pouco lazer que tentam ter emfamília ao fim do dia.O tempo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> em famíliaescasseia, pelo que é ao fim-<strong>de</strong>--semana que muitas procuramcompensar esse défice. Se os filhoschegam ao fim-<strong>de</strong>-semana carregados<strong>de</strong> trabalho, que tempo sobrapara o convívio familiar?Os <strong>de</strong>fensores dos TPC, por outrolado, consi<strong>de</strong>ram-nos uma forma<strong>de</strong> incutir hábitos <strong>de</strong> estudo etrabalho autónomo, além <strong>de</strong> ajudara cimentar a matéria dada nas aulase até consolidar a relação triangular<strong>de</strong> escola-família-aluno.Nas férias o tema também não éconsensual. Há quem <strong>de</strong>fenda quenão é só o trabalho da escola queensina. As vivências em casa dostios, dos avós ou numa al<strong>de</strong>ia cheia<strong>de</strong> tradições longe das cida<strong>de</strong>spo<strong>de</strong> valer muito mais do que umatar<strong>de</strong> a fazer contas <strong>de</strong> dividir e somar.“Depois do trabalho temos <strong>de</strong><strong>de</strong>scansar. Para a criança ou para oadolescente, o trabalho escolar,com tudo o que ele comporta <strong>de</strong>activida<strong>de</strong>, representa o exactoequivalente ao trabalho profissional<strong>de</strong> vida <strong>de</strong> um adulto”, lembraMaria José Araújo, investigadora eprofessora da Escola Superior <strong>de</strong>Educação do Instituto Politécnicodo Porto.A investigadora acrescenta que“enquanto a duração do trabalhoprofissional exige um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansopara a maioria dos adultos,o trabalho escolar é cada vez mais<strong>de</strong>senvolvido tanto <strong>de</strong>ntro comofora da sala <strong>de</strong> aula”.Maria José Araújo junta-se àsvozes discordantes dos TPC, referindoque “há mais <strong>de</strong> 20 anosque se <strong>de</strong>nuncia este excesso <strong>de</strong>trabalho e os consequentes malefíciosfísicos, psicológicos e moraispara as crianças”. Segundo diz apedagoga, “para a maior parte dosadolescentes, a vida é dividida segundoum esquema con<strong>de</strong>nadopor todos e que se traduz em trabalhoexcessivo, que <strong>de</strong>veria ser seguido<strong>de</strong> repouso”. Mas, “em vezdisso, é o lazer que é banido, salvose houver um feriado ou férias”.“Brincar é um direito e os adul-tos têm obrigação <strong>de</strong> proporcionaro usufruto do tempo livre e assimdo tempo <strong>de</strong> brincar”, avisa MariaJosé Araújo.A investigadora adverte paraque não se confunda estudo comtrabalhos para casa. “O conceito <strong>de</strong>estudar é muito confuso e as criançassó o vão percebendo com o <strong>de</strong>correrda escolarida<strong>de</strong> e à medidaque se vão confrontando com outrassituações – como estudar a tabuadaou para um teste – e, mesmoassim, tudo isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>las.”Quanto aos TPC, Maria JoséAraújo não tem dúvidas <strong>de</strong> que amaior parte das crianças “não gosta”,mas “aceita a obrigatorieda<strong>de</strong>da tarefa mais ou menos pacificamente”.Outras, contudo, “manifestam-se:é uma seca... Tenho <strong>de</strong>estar sempre a escrever... cansa amão... Já estou cheio...”Apesar das dificulda<strong>de</strong>s agravadaspelo cansaço, os TPC “aparecemsempre como alguma coisaque faz parte dos seus quotidianos,que está naturalizada e que, portanto,não se questiona – temos <strong>de</strong>fazer todos os dias e muitos... – oucuja realização é condicionadapelo medo – se não fizer a minhaprofessora ralha-me”.Para a psicóloga clínica SusanaMatos Duarte, “<strong>de</strong> acordo com osistema <strong>de</strong> ensino, os TPC sãoutilizados como uma forma <strong>de</strong>contribuir para o processo <strong>de</strong>aprendizagem dos alunos, consolidandoos conteúdos aprendidosna escola, bem como um meio<strong>de</strong> envolver os pais no processo <strong>de</strong>aprendizagem escolar dos filhos”.Jorge Ascensão, presi<strong>de</strong>nte daConfe<strong>de</strong>ração Nacional <strong>de</strong> Associação<strong>de</strong> Pais (Confap), enten<strong>de</strong>que os TPC são o “complementodo trabalho na escola e uma forma<strong>de</strong> aferir se o aluno percebeu amatéria que foi tratada nas aulas”.Os trabalhos <strong>de</strong> casa ajudam a consolidar a matéria dada na sala <strong>de</strong> aulaPRÓS...● Ajudam a organizar a rotinadiária● Pressionam os alunos aestudar todos os dias● Obrigam os pais a acompanharo estudo dos filhos● Envolvem os alunos emactivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> treino e prática… E CONTRAS● Retiram tempo à brinca<strong>de</strong>ira● Diminuem o tempo para estarem família● Aumenta o stress do aluno edos pais ao querer“<strong>de</strong>spachar” os TPC● Po<strong>de</strong> criar frustração nacriança, que não consegueconcretizar o TPCAlém disso, contribuem para a“autonomia pedagógica”.Sendo a “consolidação do quese apren<strong>de</strong>u nas aulas”, serve aindapara “preparar a tarefa seguinte”.Jorge Ascensão sublinha,no entanto, a importância da“orientação” do professor. “Não épara o aluno dizer que está feito.Não é só a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercíciosque os alunos levam paracasa, como se a aprendizagem semedisse ao peso ou ao metro. Acriança tem <strong>de</strong> ter o seu tempo <strong>de</strong><strong>de</strong>scoberta e brinca<strong>de</strong>ira”, refereo presi<strong>de</strong>nte da Confap.Os TPC servem para “reforçar arelação entre aluno e professor”,on<strong>de</strong> este <strong>de</strong>ve “cativar, incentivare captar o interesse do aluno”,mostrando-lhe “a importância <strong>de</strong>apren<strong>de</strong>r”, acrescenta o representantedos pais.
<strong>Jornal</strong> <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong> 29 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 2013 5Greve aos TPCEm 2005, o psicólogo Eduardo Sá, o pediatra MárioCor<strong>de</strong>iro e a escritora Isabel Stilwell promoveram oSindicato das Crianças, tendo <strong>de</strong>fendido <strong>de</strong>imediato a greve aos TPC. Pretendia-se alertar paraa importância do tempo para brincar.RICARDO GRAÇADepoimentos1 - Para que servem os TPC?2- Concordas com os TPC?Porquê?Maria João Ascenso9 anos, 4.º ano1- Os trabalhos <strong>de</strong>casa são exercíciosque os professoresnos mandam paranão nosesquecermos damatéria.2- Acho que osprofessores não <strong>de</strong>viam mandartrabalhos para casa, para po<strong>de</strong>rmoster mais tempo para brincar e estarcom a família.João Domingos11 anos, 6.º ano1- Para mim os TPCsão a aplicação emcasa do queapren<strong>de</strong>mosdurante as aulas,<strong>de</strong>ssa formacompreen<strong>de</strong>mos oque nos foitransmitido pelos professores. Aomesmo tempo ajudam-nos a criarmétodos <strong>de</strong> estudo em casa.2- Os professores <strong>de</strong>vem passarTPC, mas <strong>de</strong> uma formaequilibrada, pois como temosmuitas disciplinas nem sempre éfácil após um longo dia <strong>de</strong> aulasestudar e fazer trabalhos <strong>de</strong> casa,apesar <strong>de</strong> ser uma forma <strong>de</strong>complementar o nosso estudo.Crianças <strong>de</strong>vem ser estimuladas a estudarMais TPC é sinónimo <strong>de</strong> melhor aprendizagem?❚ “A gran<strong>de</strong> questão dos TPC estáprecisamente no 'peso, conta e medida'.Se os TPC têm um lado positivo,por outro, há muitos casos emque são causadores <strong>de</strong> cansaço estress nos pais e nas crianças”, salientaSusana Matos Duarte. A psicólogarecorda que a realida<strong>de</strong> dascrianças <strong>de</strong> hoje é muito diferente da<strong>de</strong> outros tempos. “Além do horárionormal, as crianças têm tambémActivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Enriquecimento Curricular(AEC) e activida<strong>de</strong>s extraescolares(<strong>de</strong>sportos, dança, música,etc.)”. Existem “muitas crianças”que apresentam “problemas emocionaise <strong>de</strong> comportamento porhiper-estimulação”.“Basta pensarmos que se nós,adultos, sentimos no nosso dia-a-diao impacto do stress do trabalho,imaginemos então uma criança queainda não está preparada para suportartantas pressões. Elas têm umhorário 'laboral', com dias muitopreenchidos e com pouco tempo<strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira e lazer”, acrescentaSusana Matos Duarte, ao salientarque “brincar e jogar são tão importantespara o <strong>de</strong>senvolvimento psíquicodas crianças como a alimentaçãoo é para o crescimento físico”.A 'conta, peso e medida' não entrano método <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Améliado Vale, professora <strong>de</strong> Matemática,que diz não consi<strong>de</strong>rar o TPC nasua avaliação quantitativa. “Paramim não há um peso nem uma medida.Conta como um indicador, nocampo das atitu<strong>de</strong>s e serve-me paraavaliar se a criança tem já um método<strong>de</strong> estudo que lhe permita irconstruindo a sua autonomia ou, sepelo contrário, eu necessito <strong>de</strong> aajudar na <strong>de</strong>scoberta do seu método.”Para a docente, “é fundamentalque a criança sinta o trabalho <strong>de</strong> casacomo algo que a aproxima afectivamentedo professor e para tal é necessárioque o professor acolha comagrado e naturalida<strong>de</strong> as dúvidasque a criança lhe colocar”.Já Susana Matos Duarte <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>que “na hora <strong>de</strong> planear os TPC<strong>de</strong>ve ser tido em conta o tempo disponívelda criança para os fazer, oapoio que a família lhe po<strong>de</strong>rá dar eo tipo <strong>de</strong> TPC, para que realmenteseja cumprido o objectivo <strong>de</strong> reforçar/melhorara aprendizagem e nãoser mais uma tarefa <strong>de</strong> sobrecarga notempo da brinca<strong>de</strong>ira e da família”.Maria José Araújo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que osTPC, como são conhecidos, <strong>de</strong>veriamser “abolidos” para as criançasmais pequenas. “Em vez dos TPC <strong>de</strong>víamosestimular as crianças ao estudo.Estudar é diferente e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><strong>de</strong> cada criança, da sua curiosida<strong>de</strong>,da forma como vai apren<strong>de</strong>ndo e dasoportunida<strong>de</strong>s que tem.”Alexandre Anastácio12 anos,7.º ano1- Os TPC são umamaneira <strong>de</strong> ter acerteza quecompreendi amatéria que <strong>de</strong>i naaula. Dá para tiraras dúvidas e paraperceber se fiqueicom algumas dificulda<strong>de</strong>s naquelamatéria.2- Sim, porque tiro dúvidas. Não,porque às vezes tenho pouco tempoà noite para os fazer. Às vezestambém é um bocado chato <strong>de</strong>fazer.Ângela Sofia Marques17 anos, 11.º ano1- TPC significatrabalhos paracasa, ou seja, tarefaseducativas queservem <strong>de</strong> complementoparaaquilo que “retemos”na escola.2- Concordo com a marcação <strong>de</strong>TPC, porque é uma forma <strong>de</strong>estudar que nos permite adquirirhábitos <strong>de</strong> trabalho e autonomia noestudo, daí ser tão importante ostrabalhos para casa. Consi<strong>de</strong>ro osTPC importantes no quotidianoescolar, uma vez que, aumenta onúmero <strong>de</strong> tarefas aos alunos pararealizarem fora do contexto da sala<strong>de</strong> aula.