12 : A PROBLEMÁTICA DA TITULARIDADE DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS VERBOJURIDICOsegundo a qual a <strong>indemnização</strong> se destinaria a pro<strong>por</strong>cionar ao lesado, tendo em conta a suaquali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar os sofrimentosou inibições que sofrera <strong>por</strong> virtude <strong>da</strong> lesão. Mas também a circunstância de se man<strong>da</strong>r ter emconta “a situação económica deste” (lesante), e do lesado, demonstra que a <strong>indemnização</strong> <strong>não</strong>reveste, aos olhos <strong>da</strong> lei, um puro e simples carácter sancionatório. Sendo assim, a <strong>indemnização</strong><strong>por</strong> <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais, reveste uma natureza marca<strong>da</strong>mente mista: <strong>por</strong> um lado, visa repararde algum modo, mais do que propriamente indemnizar, os <strong>da</strong>nos sofridos pela pessoa lesa<strong>da</strong>; <strong>por</strong>outro, <strong>não</strong> lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meiospróprios do direito privado, a conduta do agente 42 .Os tribunais são frequentemente alvo de críticas, pelos baixos valores atribuídos nasindemnizações arbitra<strong>da</strong>s. “Há que reconhecer que os padrões indemnizatórios em Portugal têmsido tradicionalmente baixos detectando-se, no entanto, uma tendência para a fixação de valoresmais elevados, acompanhando, aliás, as condições sócio-económicas do país” 43 . A fixação doquantum indemnizatório deve “ter um alcance significativo e <strong>não</strong> meramente simbólico” 44 .3.3. Problemática <strong>da</strong> extensão <strong>da</strong> <strong>indemnização</strong> <strong>por</strong> <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais àresponsabili<strong>da</strong>de contratualO actual Código Civil, apesar de expressamente consagrar a <strong>indemnização</strong> <strong>por</strong> <strong>da</strong>nos <strong>não</strong>patrimoniais para a responsabili<strong>da</strong>de extracontratual, <strong>não</strong> resolve, com clareza, o problema <strong>da</strong>extensão, ou <strong>não</strong>, <strong>da</strong> <strong>indemnização</strong> dos <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais à responsabili<strong>da</strong>de contratual 45 46 .Mas deve entender-se que as disposições legais respeitantes àqueles <strong>da</strong>nos transcendem oslimites quer <strong>da</strong> própria sistematização, quer <strong>da</strong> própria responsabili<strong>da</strong>de onde os mesmos seencontram expressamente insertos. Deve o princípio <strong>da</strong> compensação dos <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniaister um alcance mais geral, mas tendo <strong>por</strong> regra que só são merecedores de compensação, os <strong>da</strong>nos<strong>não</strong> patrimoniais que “pela sua gravi<strong>da</strong>de” (art. 496.º, n.º 1 do Cód. Civil) justifiquem a fixação42 Quando na fixação do montante <strong>da</strong> <strong>indemnização</strong>, haja simultaneamente <strong>da</strong>nos patrimoniais e <strong>não</strong> patrimoniais, otribunal deve descriminar do montante referente a uns e a outros. Neste mesmo sentido, vide as razões justificativas <strong>da</strong>descriminação sumaria<strong>da</strong>s <strong>por</strong> VAZ SERRA, na anotação ao Acórdão do S.T.J., de 3 de Abril de 1970, in Revista deLegislação e Jurisprudência, ano 104.º, pág. 144; e ain<strong>da</strong> a anotação ao Acórdão do S.T.J., de 4 de Outubro de 1966, inRevista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 47.43 MANUEL PEREIRA AUGUSTO DE MATOS, ob. cit., pág. 41.44 Acórdão <strong>da</strong> Relação de Lisboa de 15 de Dezembro de 1994, in C.J., ano 94, Tomo II, pág. 135.45 “Pela localização sistemática, o princípio <strong>da</strong> ressarcibili<strong>da</strong>de dos <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais é limitado à responsabili<strong>da</strong>decivil extracontratual (fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na culpa ou simplesmente no risco). E <strong>não</strong> deve ser ampliado à responsabili<strong>da</strong>decontratual, <strong>por</strong> <strong>não</strong> haver analogia entre os dois tipos de situações”, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit.,pág. 501, nota 8.46 Antunes Varela considera que o artigo 496.º <strong>não</strong> é de aplicar à responsabili<strong>da</strong>de contratual, ou seja, trata-se “de umadisposição que, <strong>não</strong> obstante as dúvi<strong>da</strong>s e as divergências injustifica<strong>da</strong>s levanta<strong>da</strong>s na doutrina e na jurisprudência, valeapenas para a responsabili<strong>da</strong>de extracontratual”, ANTUNES VARELA, anotação ao Acórdão do S.T.J., de 25 de Maio1985, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123.º, pág. 253.
BRUNO BOM FERREIRA A PROBLEMÁTICA DA TITULARIDADE DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS : 13equitativa de um quantum indemnizatório, em “função <strong>não</strong> só dessa gravi<strong>da</strong>de como do grau deculpabili<strong>da</strong>de do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (art.496.º, n.º 3, 1ª parte, em conjugação com o art. 494.º)” 47 .Tendo em conta a doutrina dominante 48 49 50 51 52 , os <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais são ressarcíveis<strong>não</strong> só no âmbito <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de extracontratual como no âmbito <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>decontratual 53 . Além do mais, <strong>por</strong>que o artigo 798.º do Código Civil estabelece que «o devedor quefalta ao cumprimento <strong>da</strong> obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor» e oartigo 804.º, n.º 1 do Código Civil, particularizando o caso de «mora debitoris», dispõe, <strong>por</strong> suavez, que «a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os <strong>da</strong>nos causados aocredor». Os artigos (referentes à responsabili<strong>da</strong>de contratual) <strong>não</strong> estabelecem qualquer restriçãoou limitação aos prejuízos indemnizáveis com esse fun<strong>da</strong>mento. Com entendimento contrário 5455 56 57 .Os artigos supra referidos, na sua formulação, declaram que o devedor é responsável peloprejuízo ou <strong>da</strong>nos causados, sem aferir qualquer limitação, ou seja, sem limitar ao prejuízo ou<strong>da</strong>nos patrimoniais. Logo, também os <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais se devem considerar abrangidos naformulação legal.47 GALVÃO TELLES, ob. cit., pág. 383.48 No sentido <strong>da</strong> ressarcibili<strong>da</strong>de <strong>por</strong> <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais ser amplia<strong>da</strong> à responsabili<strong>da</strong>de contratual, vide anotação deVAZ SERRA ao Acórdão do S.T.J., de 4 de Junho de 1974, in R.L.J., ano 108.º, pág. 222, onde o autor entende que aampliação deve ser efectua<strong>da</strong> <strong>por</strong> interpretação analógica. Ain<strong>da</strong> neste sentido, vide PINTO MONTEIRO, Cláusula penale <strong>indemnização</strong>, Coimbra, 1990, pág. 31, nota 77.49 “Em geral, e tendo em conta a tendência crescente para a unificação <strong>da</strong>s duas espécies de responsabili<strong>da</strong>de, <strong>não</strong>descortinamos razões ponderosas para <strong>não</strong> considerar a ressarcibili<strong>da</strong>de do <strong>da</strong>no <strong>não</strong> patrimonial um princípio geralaplicável também à responsabili<strong>da</strong>de contratual”, JOÃO CALVÃO DA SILVA, ob. cit., pág. 688, nota 2.50 No sentido de se estender a ressarcibili<strong>da</strong>de <strong>por</strong> <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais à responsabili<strong>da</strong>de contratual, vide PEREIRACOELHO, Obrigações, cit., pág. 158; GALVÃO TELLES, ob. cit., págs. 383 e 384; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDACOSTA, ob. cit., pág. 523 e segs.51 Neste sentido, ver mais <strong>por</strong>menoriza<strong>da</strong>mente a posição de GALVÃO TELLES, ob. cit., págs. 382 a 387.52 Jurisprudência no sentido <strong>da</strong> posição dominante, vide Acórdãos do S.T.J., de 18 de Novembro de 1975, de 2 deDezembro de 1976, de 30, de 30 de Janeiro de 1981 e 25 de Maio de 1985, respectivamente, in B.M.J., n.º 251, pág. 148,n.º 262, pág. 142, n.º 303, págs. 212 e segs. e n.º 347, págs. 398 e segs. Ain<strong>da</strong> no mesmo sentido, os Acórdãos do S.T.J.,de 7 de Janeiro de 1993, de 10 de Novembro de 1993, de 9 de Dezembro de 1993 e de 25 de Novembro de 1997,respectivamente, in C.J., ano I, Tomo I, págs. 61 e segs., e tomo 3, págs. 132 e segs., e págs. 174 e segs. e ano V, Tomo 3,págs. 140 e segs.53 “Veio o actual Cód. Civ. consagrar essa doutrina num sentido amplo. Mas <strong>não</strong> foi inteiramente feliz na formulação elocalização <strong>da</strong> disciplina, visto que deixa margem para dúvi<strong>da</strong>s”, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág.522.54 Com opinião contrária, no sentido de <strong>não</strong> aplicar a ressarcibili<strong>da</strong>de dos <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais na responsabili<strong>da</strong>decontratual: PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 501, nota 8.55 “O Código Civil, (…), tomou abertamente partido na conten<strong>da</strong>, aceitando em termos gerais, mas só no domínio <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong>de extracontratual, a tese <strong>da</strong> reparabili<strong>da</strong>de dos <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais”, ANTUNES VARELA, ob. cit.,pág. 575.56 “A <strong>indemnização</strong> dos <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais foi apenas intencionalmente prescrita na área <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>defun<strong>da</strong><strong>da</strong> em factos ilícitos e <strong>não</strong> há entre esse sector <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil e a responsabili<strong>da</strong>de ex contractu analogiaque justifique a extensão do campo de aplicação do artigo 496.º”, ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 575, nota 2.57 Vide anotação de ANTUNES VARELA, ao Acórdão do S.T.J., de 25 de Maio de 1985, in Revista de Legislação eJurisprudência, ano 123.º, págs. 253-256. Onde o Autor expõe as razões que o levam a considerar <strong>não</strong> ser aplicável a<strong>indemnização</strong> <strong>por</strong> <strong>da</strong>nos <strong>não</strong> patrimoniais à responsabili<strong>da</strong>de contratual. No mesmo sentido, indica-se ain<strong>da</strong> o Acórdão doS.T.J., de 30 de Setembro de 1997, in C.J., ano V, Tomo III, págs. 37 e segs.