4 : A PROBLEMÁTICA DA TITULARIDADE DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS VERBOJURIDICO1. NOÇÃO DE DANOS PATRIMONIAIS E DANOS NÃO PATRIMONIAISNa tipologia dos <strong>da</strong>nos que tradicionalmente podem ser considerados no domínio <strong>da</strong>obrigação de indemnizar, distinguem-se, desde logo, os <strong>da</strong>nos patrimoniais e os <strong>da</strong>nos <strong>não</strong>patrimoniais 1 .1.1. Danos patrimoniais 2O <strong>da</strong>no patrimonial é o reflexo <strong>da</strong> <strong>da</strong>no real no património do lesado, ou seja, são osprejuízos susceptíveis de avaliação pecuniária e que podem ser reparados ou indemnizados, se <strong>não</strong>directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica <strong>da</strong> situação anterior àlesão), pelo menos indirectamente (<strong>por</strong> meio de equivalente ou <strong>indemnização</strong> pecuniária).De acordo com o artigo 564.º do Código Civil, os <strong>da</strong>nos patrimoniais integram: o <strong>da</strong>noemergente que “compreende o prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titulari<strong>da</strong>dedo lesado à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> lesão” 3 , ou seja, inclui os prejuízos directos (que correspondem à per<strong>da</strong>,destruição ou <strong>da</strong>nificação de um bem) e as despesas necessárias ou imediatas (que se referem aocusto de prestação dos serviços alheios necessários quer para a prestação de auxilio ou assistência,quer para a eliminação de aspectos colaterais) decorrentes do acto ilícito 4 ; o lucro cessante que“abrange os benefícios que o lesado deixou de obter <strong>por</strong> causa do facto ilícito” 5 , as vantagens quesegundo o curso normal <strong>da</strong>s coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, olesado teria obtido, <strong>não</strong> fora o acto lesivo, isto é, incluem os benefícios que o lesado deixou de1 “É a lesão causa<strong>da</strong> no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais <strong>da</strong>s vezes a forma de uma destruição,subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea. É a morte ou são os ferimentos causados à vítima; é aper<strong>da</strong> ou afectação do seu bom nome ou reputação; são os estragos causados no veículo, as fen<strong>da</strong>s abertas no edifício pelaexplosão; a destruição ou apropriação de coisa alheia; etc.”, ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, 6ªedição, Almedina, Coimbra, pág. 568.2 Estes prejuízos incluem <strong>não</strong> só o prejuízo causado <strong>da</strong>no emergente, como o lucro cessante e ain<strong>da</strong> os <strong>da</strong>nos futuros,desde que sejam previsíveis (o <strong>da</strong>no futuro, como médico-legalmente valorizável, tem que corresponder a uma evolução<strong>da</strong>s sequelas previsível em termos de evolução normal e <strong>não</strong> apenas só hipotética, meramente potencial, o que <strong>não</strong>significa que haja a necessi<strong>da</strong>de de garantir, de uma maneira absoluta, que a evolução prevista é uma certeza)3 ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 569. Vide ain<strong>da</strong> PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado,Coimbra Editora, 1987, 4ª ed., vol. I, págs. 579 e 580.4 No que diz respeito à avaliação do <strong>da</strong>no patrimonial emergente e fixação judicial <strong>da</strong> correspondente <strong>indemnização</strong> emdinheiro (<strong>por</strong> se encontrar inviabiliza<strong>da</strong> a possível reconstituição natural), <strong>não</strong> ocorrem especiais dificul<strong>da</strong>des. Tudoestará dependente <strong>da</strong> invocação e prova dos prejuízos e quais os seus valores concretos.5 ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 569. Vide ain<strong>da</strong> PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., págs. 579 e580.
BRUNO BOM FERREIRA A PROBLEMÁTICA DA TITULARIDADE DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS : 5obter em consequência do facto <strong>da</strong>noso, mas que ain<strong>da</strong> <strong>não</strong> tinha direito à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> lesão; e o <strong>da</strong>nofuturo 6 , desde que previsível 7 / 8 / 9 .6 Sobre a forma de estabelecer a <strong>indemnização</strong> de <strong>da</strong>nos futuros, vide Acórdão de 7 de Dezembro de 1994, in B.M.J., n.º442, pág. 176. Ain<strong>da</strong> sobre este mesmo tema, vide o estudo de J. J. SOUSA DINIS, in C. J., ano V, 1997, tomo II, pág.11.7 Sobre as várias espécies de métodos de cálculo dos <strong>da</strong>nos futuros, in B.M.J., n.º 451, págs. 39 e segs., maxime pág. 52, eo recente estudo de J. J. SOUSA DINIS, in Colectânea de Jurisprudência do S.T.J., ano 01, Tomo I, págs. 5 e segs.8 Dentro <strong>da</strong>s possíveis situações que possam gerar uma obrigação de <strong>indemnização</strong> <strong>por</strong> <strong>da</strong>no futuro previsível,“encontram-se os casos, bem conhecidos <strong>da</strong> clínica médico legal, de per<strong>da</strong> ou diminuição de trabalho e <strong>da</strong> per<strong>da</strong> oudiminuição <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de ganho”, (MANUEL PEREIRA AUGUSTO DE MATOS, “Dano patrimonial e <strong>não</strong>patrimonial. Avaliação dos <strong>da</strong>nos no tribunal em grandes traumatizados, crianças e idosos”, in Revista Portuguesa doDano Cor<strong>por</strong>al, Edição APADAC – Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Cor<strong>por</strong>al, Instituto de Medicina Legalde Coimbra, Novembro 2000 – Ano IX – N.º 10, pág. 32), isto é, “de natureza tem<strong>por</strong>ária ou definitiva, que resulta para oofendido do facto de ter sofrido uma <strong>da</strong><strong>da</strong> lesão, impeditiva <strong>da</strong> sua obtenção normal de determinados proventos certos(...) como paga do seu trabalho” (Acórdão do S.T.J., de 28.10.92, in Colectânea de Jurisprudência do S.T.J., ano 92,Tomo IV, pág. 29).Vide FERNANDO OLIVEIRA SÁ, Clínica Médico-Legal <strong>da</strong> Reparação do Dano Cor<strong>por</strong>al emDireito Civil, APADAC (Revista Portuguesa <strong>da</strong> Avaliação do Dano Cor<strong>por</strong>al), Coimbra, Julho 1992, págs. 33-34.9 Diferentemente do que acontece com a avaliação dos <strong>da</strong>nos emergentes, na avaliação dos <strong>da</strong>nos patrimoniais futuros ena fixação do quantum indemnizatório, o tribunal e o próprio lesado vão ser confrontados com uma especial dificul<strong>da</strong>de.Surgiram, <strong>por</strong> isso, na jurisprudência, critérios para calcular a <strong>indemnização</strong>. Contudo, estes critérios são de naturezadiscutível e imperfeita: O cálculo <strong>da</strong>s indemnizações <strong>por</strong> morte ou <strong>por</strong> lesão cor<strong>por</strong>al <strong>não</strong> deve resultar única eexclusivamente de puras operações matemáticas, mas na<strong>da</strong> impede que possam ser orienta<strong>da</strong>s como ponto de parti<strong>da</strong>,tendo como principal objectivo tornar as indemnizações justas. Estes critérios, que “servirão apenas de bússolanorteadora de quem tem de julgar, avaliando o <strong>da</strong>no e fixando a <strong>indemnização</strong>” (J. J. SOUSA DINIS, “Responsabili<strong>da</strong>decivil e avaliação do <strong>da</strong>no cor<strong>por</strong>al”, in Revista Portuguesa do Dano Cor<strong>por</strong>al, Edição APADAC – AssociaçãoPortuguesa de Avaliação do Dano Cor<strong>por</strong>al, Instituto de Medicina Legal de Coimbra, Novembro 1999 – Ano VIII – N.º9, pág. 86), tendo como referência a teoria <strong>da</strong> diferença (a qual “tem como medi<strong>da</strong> a diferença entre a situaçãopatrimonial do lesado na <strong>da</strong>ta mais recente que puder ser atendi<strong>da</strong> pelo tribunal e a que teria nessa <strong>da</strong>ta se <strong>não</strong> existissem<strong>da</strong>nos”, MANUEL PEREIRA AUGUSTO DE MATOS, ob. cit., pág. 32; “a diferença entre a situação real actual dolesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se <strong>não</strong> fosse o facto lesivo”, ANTUNES VARELA, ob. cit.,pág. 569) e outros factores, consideram: “a diminuição ou per<strong>da</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de ganho do lesado, o seu rendimentoanual líquido perdido, a sua i<strong>da</strong>de e previsível duração <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> activa ou esperança média de vi<strong>da</strong> e outros quepermitam a atribuição de um capital equivalente ao rendimento perdido ou de um capital que, extinguindo-se no fim <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> activa do lesado, seja susceptível de lhe garantir durante ela as prestações periódicas correspondentes à sua per<strong>da</strong> deganhos”, (MANUEL PEREIRA AUGUSTO DE MATOS, ob. cit., pág. 33). O artigo 564.º n.º 2 do Código Civil, no seutexto diz que “na fixação <strong>da</strong> <strong>indemnização</strong> pode o tribunal atender aos <strong>da</strong>nos futuros desde que sejam previsíveis; se <strong>não</strong>forem determináveis a fixação <strong>da</strong> <strong>indemnização</strong> correspondente será remeti<strong>da</strong> para decisão ulterior”. Foi para casosdestes que a partir do Acórdão do S.T.J., de 09.01.79, a nossa jurisprudência acolheu, de forma unânime, a solução aliconsagra<strong>da</strong>, segundo a qual a <strong>indemnização</strong> a pagar ao lesado deve, no que concerne aos <strong>da</strong>nos futuros, “representar umcapital que se extinga no fim <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicascorrespondentes à sua per<strong>da</strong> e ganho” (J. J. SOUSA DINIS, ob. cit., pág. 86). O Dr. J. J. Sousa Dinis, que em tempossustentou esta posição, hoje tem entendimento diferente: para ele a <strong>indemnização</strong> deve ter em conta “(...) que a vi<strong>da</strong>activa <strong>não</strong> deve corresponder exactamente à i<strong>da</strong>de <strong>da</strong> reforma já que o facto de se atingir a i<strong>da</strong>de <strong>da</strong> reforma <strong>não</strong> significaque o trabalhador a obtenha e sobretudo que deixe de trabalhar, quer para si quer para outrem, na medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s suas forçase necessi<strong>da</strong>des. Consequentemente, o capital a ser encontrado deve extinguir-se no fim do tempo médio de vi<strong>da</strong>, que,hoje em dia, em Portugal, é de cerca de 70 anos para os homens e de 75 para as mulheres” (Idem, ibidem). Ao contráriodo que sucede noutros países (como na França, onde “a avaliação quantitativa <strong>da</strong>s indemnizações devi<strong>da</strong>s <strong>por</strong> acidentesde transito e a sua fixação se faz de forma forfetária através <strong>da</strong> aplicação de uma pontuação pré-determina<strong>da</strong> ou de“barèmes”, e em Espanha, com o seu “sistema para a valorização dos <strong>da</strong>nos e prejuízos causados às pessoas em acidentesde circulação” (Lei 30/95, de 8.11.95), em que a valoração do <strong>da</strong>no e determinação <strong>da</strong> <strong>indemnização</strong> faz-se através de“um método transparente e objectivo”, MANUEL PEREIRA AUGUSTO DE MATOS, ob. cit., pág. 34), o sistema<strong>por</strong>tuguês, <strong>por</strong> <strong>não</strong> contemplar regras precisas e claras de cálculo do quantum indemnizatório, dá origem a uma afluênciaexcessiva de recurso aos tribunais, para que seja judicialmente estabelecido o valor indemnizatório devido (“embora sesaiba que a maior parte <strong>da</strong>s indemnizações <strong>por</strong> acidentes de viação são resolvi<strong>da</strong>s amigavelmente no âmbito <strong>da</strong>scompanhias de seguros”, Idem, ibidem) sendo frequentemente alvo de fortes críticas, relativamente à opaci<strong>da</strong>de,imprevisibili<strong>da</strong>de e dispari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s indemnizações determina<strong>da</strong>s pelos tribunais.