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Tony Hisgett (CC 3.0)<br />
Parece-me não haver nada que ocorra ao espírito do<br />
homem sobre o qual não se possa fazer, ao mesmo tempo,<br />
uma abstração e uma simbologia. Inclusive a própria<br />
abstração pode ser objeto de um trabalho simbólico, e o<br />
símbolo pode ser objeto de um trabalho abstrativo.<br />
A meu ver, isso decorre da dualidade de nossa natureza,<br />
e o unum está numa espécie de domínio, por onde<br />
o espírito humano rege esses dois “olhos”, através dos<br />
quais ele vê para formar a imagem una.<br />
Essa faculdade unitiva do homem, por onde ele coordena,<br />
numa mesma linha, ambas as perspectivas, está no<br />
próprio unum do senso do ser. Ele se sente uno apesar<br />
de ter as naturezas animal e espiritual. E há uma coisa<br />
qualquer por onde um dos prazeres do homem está em<br />
estabelecer essa unidade e viver na degustação dela.<br />
Se uma criança em idade muito tenra fosse habituada<br />
a uma atmosfera embebida de pulchrum, de maneira<br />
que, quando ela soubesse pensar, visse nesse pulchrum o<br />
correlativo da abstração — portanto, um pulchrum muito<br />
alto, de elevada paragem —, e ficasse acostumada a encontrar<br />
nesse pulchrum o deleite de sua vida, tenho a impressão<br />
de que essa criança teria possibilidades de dar<br />
uma íncola do Reino de Maria de primeira ordem. Toda<br />
a prática da virtude, do amor de Deus, todos os élans de<br />
sua alma se elevariam muito mais facilmente para a Igreja<br />
Católica.<br />
Poderíamos nos perguntar como a criança vê isso, como<br />
é o seu espírito e, depois, como manter e desenvolver<br />
isso na criança.<br />
O mar: um universo, uma fábula!<br />
Em minhas recordações de infância junto ao mar, algo<br />
disso transparece que me ajuda a explicitar a doutrina<br />
que estou expondo.<br />
Eu via no mar um universo, uma fábula! O tamanho<br />
dele, seus movimentos, as ondas como se jogam, o ruído<br />
que fazem, o mistério do mar, o por onde ele é ao mesmo<br />
tempo um parceiro muito amigo, mas meio hostil, um<br />
tanto cheio de ciladas. No mar, entra-se noutro universo!<br />
Encantava-me tanto com o mar visto da terra, quanto<br />
com esta contemplada de dentro do mar. A praia por<br />
mim frequentada naquele tempo ficava muito distante<br />
das casas que, vistas de dentro do mar, pareciam pequenas.<br />
Na realidade, eram confortáveis residências de<br />
famílias da aristocracia ou da pequena burguesia de<br />
Santos.<br />
Estando imerso naquela imensa massa líquida, eu via,<br />
em determinado momento, acenderem-se todas as luzes<br />
das ruas e das casinhas. E de dentro de certo perigo que<br />
o mar representa, imaginar, ao mesmo tempo, o conforto<br />
aconchegado e às vezes luxuoso, seco e sem riscos daqueles<br />
lares, tornava a vida cotidiana tão bonita aos meus<br />
olhos, que às vezes eu ficava com uma certa pressa de<br />
voltar para casa a fim de entrar naquele mundo.<br />
Outro elemento, para mim indissociável dos anteriores,<br />
era meu gosto pelos frutos do mar.<br />
Todas essas impressões de criança faziam-me muito<br />
bem e davam-me a ideia do prazer da consciência que<br />
festeja a sua própria retidão, utilizando-se das coisas que<br />
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