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O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Jackman (CC 3.0)<br />
não são pecado e com elas preparando para si o festim<br />
da inocência.<br />
Uma coisa que a mim tornava pungente a consideração<br />
do mar era a despedida do navio, no meu tempo de<br />
infância. As pessoas se despediam no cais, se abraçavam,<br />
se beijavam, abanavam um lencinho, tudo feito com muita<br />
pompa, pois não sabiam se iriam rever-se. Tudo isso<br />
me dava a impressão de morte irremediável.<br />
Senso moral na criança<br />
A mesma operação realizada com o bem, com as coisas<br />
conformes a Deus e que rumam para Ele, efetua-se<br />
também com as coisas más, orientadas para o mal.<br />
A criança tem uma noção muito viva de um certo ponto<br />
auge de mal, ponto negro, horrível, do qual todas as<br />
coisas más participam, cada uma a seu modo. E possui a<br />
noção de que, na contextura da vida, o mal está como um<br />
abismo negro, mas “vivo”, com a boca aberta procurando<br />
tragá-la, e jogando contra ela nesta vida para arrastá-<br />
-la até lá. E a criança tem muita noção de que, consentindo<br />
com qualquer coisa de mal, faz consenso com aquele<br />
Satanás que está no fundo, procurando atraí-la.<br />
Daí um senso moral na criança que não é o do mero<br />
moralista que estuda o Direito Natural, mas é completado<br />
por esse aspecto simbólico, abstrativo, do qual estamos<br />
nos ocupando nesta exposição.<br />
A criança, por assim dizer, intui que o demônio existe;<br />
quando lhe contam, ela aceita com toda naturalidade.<br />
Ela tem medo de espíritos malfazejos, fantasmas, etc.<br />
A mentalidade infantil é tendente a perceber muito<br />
essas realidades, mas as condições de educação, já no<br />
meu tempo, iam fazendo a infância perder essa percepção.<br />
À medida que a pessoa que não perdeu essa percepção<br />
vai ficando mais velha, procura os vários reflexos disso<br />
em objetos diferentes. E vai constituindo na sua memória<br />
— sem ter nada de intencional, é uma coisa espontânea<br />
— galerias de impressões que têm significado para<br />
ela, e constituem uma espécie de tesouro do qual se destaca<br />
certo suco, distinto da mera recordação.<br />
Por exemplo, o mar. Não é mais este ou aquele mar,<br />
mas uma recordação somada de vários mares, naquilo<br />
que eles têm de comum e, portanto, meio abstrativo. Depois,<br />
isto mesmo conduz a um grau mais alto: o mar que<br />
não existe, mas poderia existir. Daí vem o auge, implicitamente<br />
presente já no primeiro momento.<br />
O sonho da alma irmã e o egoísmo<br />
A criança faz considerações dessas também em relação<br />
aos seus familiares. Isso corresponde a um período delicado<br />
da sensibilidade infantil, que origina verdadeiras crises.<br />
Assim como um indivíduo sabe o que é um pêssego e,<br />
vendo num prato o pêssego ideal, tem vontade de comê-<br />
-lo, também a criança tende a idealizar os seus maiores e<br />
os seus coetâneos. Nasce, então, a ideia do amigo ideal<br />
e, pouco depois, a do cônjuge ideal; ideias estas que são<br />
a projeção, para o terreno de uma perfeição imaginária,<br />
de pessoas pertencentes a uma humanidade que a criança<br />
queria conhecer e não conhece.<br />
Daí vem que todo menino, durante dez, onze anos,<br />
tem a ideia de conseguir um amigo ideal que ele procura<br />
no meio de seus companheiros, de seus parentes. Quando<br />
encontra, grande euforia! Depois, naturalmente, vem<br />
a conhecida decepção...<br />
Pouco depois, com a crise da puberdade, deixa de ser<br />
o amigo ideal e aparece a menina ideal. Então a namorada,<br />
a noiva, a esposa: a Dulcineia del Toboso de cada<br />
Dom Quixote, a Julieta de cada Romeu, e daí por diante.<br />
Mais ou menos isso se deu na Idade Média, onde, em<br />
certo momento, na evolução dos romances de cavalaria,<br />
surge muito a figura do amigo ideal. Porém, pouco depois,<br />
aparece a ideia da Dulcineia.<br />
A alma irmã ideal — quer seja como esposa, quer como<br />
amigo — representa para o indivíduo um desejo de<br />
ter relações como se teriam no Paraíso, se os homens fossem<br />
concebidos sem pecado original. Mas esse modo de<br />
entender a existência leva-o a procurar na vida a utopia<br />
de uma pessoa que fosse não conforme ao Paraíso de<br />
Deus, mas de acordo com o “paraíso” do egoísmo dele.<br />
Imaginar então alguém que é como ele quereria que<br />
fosse, segundo seu próprio capricho, e não segundo a regra<br />
posta por Deus; uma espécie de propriedade dele,<br />
podendo isso dar-se curiosamente sob a forma de um enlevo<br />
do sujeito consigo mesmo.<br />
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