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Revista Dr Plinio 200

Novembro 2014

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O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Jackman (CC 3.0)<br />

não são pecado e com elas preparando para si o festim<br />

da inocência.<br />

Uma coisa que a mim tornava pungente a consideração<br />

do mar era a despedida do navio, no meu tempo de<br />

infância. As pessoas se despediam no cais, se abraçavam,<br />

se beijavam, abanavam um lencinho, tudo feito com muita<br />

pompa, pois não sabiam se iriam rever-se. Tudo isso<br />

me dava a impressão de morte irremediável.<br />

Senso moral na criança<br />

A mesma operação realizada com o bem, com as coisas<br />

conformes a Deus e que rumam para Ele, efetua-se<br />

também com as coisas más, orientadas para o mal.<br />

A criança tem uma noção muito viva de um certo ponto<br />

auge de mal, ponto negro, horrível, do qual todas as<br />

coisas más participam, cada uma a seu modo. E possui a<br />

noção de que, na contextura da vida, o mal está como um<br />

abismo negro, mas “vivo”, com a boca aberta procurando<br />

tragá-la, e jogando contra ela nesta vida para arrastá-<br />

-la até lá. E a criança tem muita noção de que, consentindo<br />

com qualquer coisa de mal, faz consenso com aquele<br />

Satanás que está no fundo, procurando atraí-la.<br />

Daí um senso moral na criança que não é o do mero<br />

moralista que estuda o Direito Natural, mas é completado<br />

por esse aspecto simbólico, abstrativo, do qual estamos<br />

nos ocupando nesta exposição.<br />

A criança, por assim dizer, intui que o demônio existe;<br />

quando lhe contam, ela aceita com toda naturalidade.<br />

Ela tem medo de espíritos malfazejos, fantasmas, etc.<br />

A mentalidade infantil é tendente a perceber muito<br />

essas realidades, mas as condições de educação, já no<br />

meu tempo, iam fazendo a infância perder essa percepção.<br />

À medida que a pessoa que não perdeu essa percepção<br />

vai ficando mais velha, procura os vários reflexos disso<br />

em objetos diferentes. E vai constituindo na sua memória<br />

— sem ter nada de intencional, é uma coisa espontânea<br />

— galerias de impressões que têm significado para<br />

ela, e constituem uma espécie de tesouro do qual se destaca<br />

certo suco, distinto da mera recordação.<br />

Por exemplo, o mar. Não é mais este ou aquele mar,<br />

mas uma recordação somada de vários mares, naquilo<br />

que eles têm de comum e, portanto, meio abstrativo. Depois,<br />

isto mesmo conduz a um grau mais alto: o mar que<br />

não existe, mas poderia existir. Daí vem o auge, implicitamente<br />

presente já no primeiro momento.<br />

O sonho da alma irmã e o egoísmo<br />

A criança faz considerações dessas também em relação<br />

aos seus familiares. Isso corresponde a um período delicado<br />

da sensibilidade infantil, que origina verdadeiras crises.<br />

Assim como um indivíduo sabe o que é um pêssego e,<br />

vendo num prato o pêssego ideal, tem vontade de comê-<br />

-lo, também a criança tende a idealizar os seus maiores e<br />

os seus coetâneos. Nasce, então, a ideia do amigo ideal<br />

e, pouco depois, a do cônjuge ideal; ideias estas que são<br />

a projeção, para o terreno de uma perfeição imaginária,<br />

de pessoas pertencentes a uma humanidade que a criança<br />

queria conhecer e não conhece.<br />

Daí vem que todo menino, durante dez, onze anos,<br />

tem a ideia de conseguir um amigo ideal que ele procura<br />

no meio de seus companheiros, de seus parentes. Quando<br />

encontra, grande euforia! Depois, naturalmente, vem<br />

a conhecida decepção...<br />

Pouco depois, com a crise da puberdade, deixa de ser<br />

o amigo ideal e aparece a menina ideal. Então a namorada,<br />

a noiva, a esposa: a Dulcineia del Toboso de cada<br />

Dom Quixote, a Julieta de cada Romeu, e daí por diante.<br />

Mais ou menos isso se deu na Idade Média, onde, em<br />

certo momento, na evolução dos romances de cavalaria,<br />

surge muito a figura do amigo ideal. Porém, pouco depois,<br />

aparece a ideia da Dulcineia.<br />

A alma irmã ideal — quer seja como esposa, quer como<br />

amigo — representa para o indivíduo um desejo de<br />

ter relações como se teriam no Paraíso, se os homens fossem<br />

concebidos sem pecado original. Mas esse modo de<br />

entender a existência leva-o a procurar na vida a utopia<br />

de uma pessoa que fosse não conforme ao Paraíso de<br />

Deus, mas de acordo com o “paraíso” do egoísmo dele.<br />

Imaginar então alguém que é como ele quereria que<br />

fosse, segundo seu próprio capricho, e não segundo a regra<br />

posta por Deus; uma espécie de propriedade dele,<br />

podendo isso dar-se curiosamente sob a forma de um enlevo<br />

do sujeito consigo mesmo.<br />

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