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20 Lusitano<br />
OPINÃO<br />
A Verdade sobre<br />
Mário Soares<br />
CARLOS ADEMAR<br />
e a Descolonização<br />
É escritor e exerceu a actividade de<br />
investigador criminal na Secção de<br />
Homicídios. Actualmente é Professor<br />
na Escola de Polícia Judiciária.<br />
Em@il: cademar@gmail.com<br />
NA PROCLAMAÇÃO DA<br />
JUNTA DE SALVAÇÃO<br />
NACIONAL, FEITA NO<br />
INÍCIO DA MADRUGADA<br />
DE 26, SPÍNOLA NÃO<br />
PODIA SER MAIS CLARO<br />
SOBRE O QUE PENSAVA<br />
EM RELAÇÃO AO<br />
ULTRAMAR<br />
Por ocasião da doença e morte de Mário<br />
Soares, muito dele se falou como o<br />
pai da democracia, mas também como o<br />
responsável pelos males que resultaram<br />
da descolonização. Num caso e noutro,<br />
porém, a paixão falou mais alto do que a<br />
razão. Foquemo-nos na descolonização e<br />
deixemos o lutador pela democracia para<br />
outra oportunidade. Ainda assim, sempre<br />
adiantamos que a luta contra a ditadura se<br />
desenvolveu enquanto esta durou, e neste<br />
combate muitos milhares de portugueses<br />
participaram, muitos morreram, muitos<br />
sofreram atrocidades nas prisões políticas.<br />
São factos: Soares teve um papel de destaque<br />
na resistência a partir de finais dos<br />
anos quarenta, primeiro como militante comunista,<br />
depois como membro de uma corrente<br />
política herdeira do republicanismo,<br />
que se batia pela democracia parlamentar.<br />
Há que reconhecer que também durante o<br />
chamado PREC, a acção de Mário Soares<br />
na luta contra as forças mais extremistas,<br />
que pugnavam por outras soluções, foi importante<br />
para a instauração do regime que<br />
vigora constitucionalmente desde 1976.<br />
Na verdade, o Estado Novo caiu em 25<br />
de Abril de 1974 porque os militares se<br />
cansaram da guerra de África e o regime<br />
não apresentava outra solução que não<br />
passasse pela continuidade do conflito,<br />
contra os desejos de grande parte dos portugueses,<br />
contra as realidades económicas<br />
e o desenvolvimento do país, contra os<br />
ventos da História e assim, de uma forma<br />
geral, contra o mundo.<br />
Quando os oficiais das Forças Armadas<br />
se reuniram com o objectivo de colocar um<br />
ponto final na guerra, sabiam que só havia<br />
um caminho: derrubar o regime. Sabiam<br />
também que o fim da guerra exigia como<br />
contrapartida a independências das colónias.<br />
Naquela altura, depois de treze anos<br />
de guerra, com Portugal a manter-se como<br />
a única potência europeia colonizadora em<br />
África, não havia espaço para a criação da<br />
comunidade lusófona, preconizada por Spínola,<br />
que, no fundo, era anacrónica e uma<br />
forma encapotada de colonialismo. Não<br />
havia sequer espaço para a consulta eleitoral<br />
referendária, também defendida pelo<br />
general, porque só resolveria a questão se<br />
os independentistas saíssem vencedores, o<br />
que não era espectável, daí a pressão dos<br />
mais conservadora para que fosse avante.<br />
A guerra em África continuaria e não foi<br />
para isso que se fizera o 25 de Abril. Acabar<br />
com a guerra era um imperativo de quem<br />
o organizou e de quem elaborou o Programa<br />
do MFA, como se pode ler no seu Nº 8<br />
das «Medidas a Curto Prazo», que de forma<br />
clara estabelecia negociações com os<br />
movimentos de libertação, tendo em vista<br />
o fim da guerra e a autodeterminação das<br />
províncias ultramarinas. No entanto, esta<br />
ambição do MFA esbarrou com Spínola na<br />
noite de 25 para 26 de Abril, na Pontinha,<br />
quando este impôs aos oficiais vencedores<br />
alterações no Programa. A alínea que<br />
referia «Claro reconhecimento do direito<br />
à autodeterminação…» foi substituída por<br />
«Lançamento dos fundamentos de uma<br />
política ultramarina que conduza à paz». A<br />
confusão instalou-se.<br />
Na Proclamação da Junta de Salvação<br />
Nacional, feita no início da madrugada de<br />
26, Spínola não podia ser mais claro sobre<br />
o que pensava em relação ao Ultramar, ao<br />
garantir: «(…) a sobrevivência da Nação soberana<br />
no seu todo pluricontinental», uma<br />
linguagem que o MFA queria que fosse<br />
do passado. A não inclusão do termo «independência»<br />
ou «autodeterminação das<br />
províncias ultramarinas» gerou nos movimentos<br />
de libertação alguma suspeição,<br />
envenenando as relações com o novo poder<br />
político português, quando se pretendia<br />
desde logo ganhar a sua confiança e<br />
abrir as negociações. Com efeito, a guerra<br />
não só não abrandou como recrudesceu<br />
em Moçambique e em Angola, não obstante<br />
o derrube do Estado Novo. O número de<br />
baixas do lado português foi consideravelmente<br />
mais elevado nos meses seguintes