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Fevereiro 2017

Edição nº 216 - Fevereiro 2017

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20 Lusitano<br />

OPINÃO<br />

A Verdade sobre<br />

Mário Soares<br />

CARLOS ADEMAR<br />

e a Descolonização<br />

É escritor e exerceu a actividade de<br />

investigador criminal na Secção de<br />

Homicídios. Actualmente é Professor<br />

na Escola de Polícia Judiciária.<br />

Em@il: cademar@gmail.com<br />

NA PROCLAMAÇÃO DA<br />

JUNTA DE SALVAÇÃO<br />

NACIONAL, FEITA NO<br />

INÍCIO DA MADRUGADA<br />

DE 26, SPÍNOLA NÃO<br />

PODIA SER MAIS CLARO<br />

SOBRE O QUE PENSAVA<br />

EM RELAÇÃO AO<br />

ULTRAMAR<br />

Por ocasião da doença e morte de Mário<br />

Soares, muito dele se falou como o<br />

pai da democracia, mas também como o<br />

responsável pelos males que resultaram<br />

da descolonização. Num caso e noutro,<br />

porém, a paixão falou mais alto do que a<br />

razão. Foquemo-nos na descolonização e<br />

deixemos o lutador pela democracia para<br />

outra oportunidade. Ainda assim, sempre<br />

adiantamos que a luta contra a ditadura se<br />

desenvolveu enquanto esta durou, e neste<br />

combate muitos milhares de portugueses<br />

participaram, muitos morreram, muitos<br />

sofreram atrocidades nas prisões políticas.<br />

São factos: Soares teve um papel de destaque<br />

na resistência a partir de finais dos<br />

anos quarenta, primeiro como militante comunista,<br />

depois como membro de uma corrente<br />

política herdeira do republicanismo,<br />

que se batia pela democracia parlamentar.<br />

Há que reconhecer que também durante o<br />

chamado PREC, a acção de Mário Soares<br />

na luta contra as forças mais extremistas,<br />

que pugnavam por outras soluções, foi importante<br />

para a instauração do regime que<br />

vigora constitucionalmente desde 1976.<br />

Na verdade, o Estado Novo caiu em 25<br />

de Abril de 1974 porque os militares se<br />

cansaram da guerra de África e o regime<br />

não apresentava outra solução que não<br />

passasse pela continuidade do conflito,<br />

contra os desejos de grande parte dos portugueses,<br />

contra as realidades económicas<br />

e o desenvolvimento do país, contra os<br />

ventos da História e assim, de uma forma<br />

geral, contra o mundo.<br />

Quando os oficiais das Forças Armadas<br />

se reuniram com o objectivo de colocar um<br />

ponto final na guerra, sabiam que só havia<br />

um caminho: derrubar o regime. Sabiam<br />

também que o fim da guerra exigia como<br />

contrapartida a independências das colónias.<br />

Naquela altura, depois de treze anos<br />

de guerra, com Portugal a manter-se como<br />

a única potência europeia colonizadora em<br />

África, não havia espaço para a criação da<br />

comunidade lusófona, preconizada por Spínola,<br />

que, no fundo, era anacrónica e uma<br />

forma encapotada de colonialismo. Não<br />

havia sequer espaço para a consulta eleitoral<br />

referendária, também defendida pelo<br />

general, porque só resolveria a questão se<br />

os independentistas saíssem vencedores, o<br />

que não era espectável, daí a pressão dos<br />

mais conservadora para que fosse avante.<br />

A guerra em África continuaria e não foi<br />

para isso que se fizera o 25 de Abril. Acabar<br />

com a guerra era um imperativo de quem<br />

o organizou e de quem elaborou o Programa<br />

do MFA, como se pode ler no seu Nº 8<br />

das «Medidas a Curto Prazo», que de forma<br />

clara estabelecia negociações com os<br />

movimentos de libertação, tendo em vista<br />

o fim da guerra e a autodeterminação das<br />

províncias ultramarinas. No entanto, esta<br />

ambição do MFA esbarrou com Spínola na<br />

noite de 25 para 26 de Abril, na Pontinha,<br />

quando este impôs aos oficiais vencedores<br />

alterações no Programa. A alínea que<br />

referia «Claro reconhecimento do direito<br />

à autodeterminação…» foi substituída por<br />

«Lançamento dos fundamentos de uma<br />

política ultramarina que conduza à paz». A<br />

confusão instalou-se.<br />

Na Proclamação da Junta de Salvação<br />

Nacional, feita no início da madrugada de<br />

26, Spínola não podia ser mais claro sobre<br />

o que pensava em relação ao Ultramar, ao<br />

garantir: «(…) a sobrevivência da Nação soberana<br />

no seu todo pluricontinental», uma<br />

linguagem que o MFA queria que fosse<br />

do passado. A não inclusão do termo «independência»<br />

ou «autodeterminação das<br />

províncias ultramarinas» gerou nos movimentos<br />

de libertação alguma suspeição,<br />

envenenando as relações com o novo poder<br />

político português, quando se pretendia<br />

desde logo ganhar a sua confiança e<br />

abrir as negociações. Com efeito, a guerra<br />

não só não abrandou como recrudesceu<br />

em Moçambique e em Angola, não obstante<br />

o derrube do Estado Novo. O número de<br />

baixas do lado português foi consideravelmente<br />

mais elevado nos meses seguintes

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