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Qualquer obrigação se tornava para<br />
mim mais difícil.<br />
Vinha-me, então, este pensamento<br />
posto pela retidão que havia em mim:<br />
“Esta moleira não lhe mete nojo? Você<br />
não vê que, se tomar este hábito,<br />
acaba mole? Você quer ser assim?<br />
Não percebe aonde isto o levará? Oh,<br />
horror! Por outro lado, ser enérgico e<br />
vencer isto, oh, maravilha!”<br />
Começava, então, a luta interior:<br />
– Que gostoso, hein? Que delícia,<br />
só mais um pouco…<br />
Daí a pouco, a consciência acusava:<br />
– Vamos parar!<br />
– Não, porque agora está mais difícil<br />
do que antes.<br />
– Mas se já está difícil, vai ficar cada<br />
vez mais. O que você quer é tornar<br />
o bom caminho cada vez mais<br />
penoso para você? Então, pelo menos<br />
diga para si mesmo que você escolheu<br />
o mau caminho. É isto que<br />
você está fazendo?<br />
– Não, isto também não!<br />
– Então seja franco. Corte já ou daqui<br />
a pouco vai ser mais difícil ainda.<br />
Grande gemido: “Que dificuldades<br />
nesta vida! Mas no total, é melhor<br />
cortar agora. Vou abrir o livro<br />
da Serra do Catindé…”<br />
Em certa hora do dia, esse combate<br />
interno é lembrado e tem-se<br />
uma alegria, uma satisfação porque<br />
se venceu. O dia está mais leve, ganhou-se<br />
uma batalha.<br />
Entretanto, vem um medo: esta batalha<br />
eu venci, mas foi duro. Ganharei<br />
as outras? Ou levo uma vida insuportável,<br />
tendo uma batalha assim todos<br />
os dias – na qual, cada vez que eu estiver<br />
prestes a querer fugir do estudo,<br />
começo a estudar mais ainda, agredindo<br />
a minha tentação –, ou sucumbo.<br />
Eis, em ponto minúsculo, num episódio<br />
de infância, uma pequena batalha<br />
de muitas outras que tive de vencer<br />
contra a minha preguiça natural.<br />
Sem sombra de dúvida, por mais<br />
que os abismos tenham se sucedido<br />
entre as gerações, todos sentem coisas<br />
desse gênero. É humano!<br />
Bem entendido, essa luta não se<br />
dá apenas entre a preguiça e a fortaleza;<br />
conforme cada alma, cada via,<br />
cada situação, ocorre mais ou menos<br />
com todas as virtudes do homem.<br />
Porque em matéria de tudo o ser humano<br />
é tentado.<br />
A vida espiritual vai emergindo<br />
assim, como uma fortaleza cercada<br />
por todos os lados.<br />
A poterna aberta de<br />
Château-Gaillard<br />
Ruínas do Château-Gaillard, França<br />
Quando mocinho – não posso definir<br />
bem em que época de minha vida,<br />
mas era bem moço ou talvez menino<br />
ainda –, lendo a respeito da batalha<br />
de Bouvines, vencida por Felipe Augusto,<br />
vi um dado sobre o castelo que<br />
se chamava Château-Gaillard. Tratava-se<br />
de uma fortaleza bem guarnecida.<br />
Porém, o inimigo que dirigia o<br />
cerco encontrou aberta uma poterna,<br />
utilizada para o serviço de limpeza do<br />
castelo, a qual ficava num desvio da<br />
muralha, ao alcance do adversário.<br />
Esta portinhola, normalmente protegida<br />
por uma forte grade, fora deixada<br />
aberta por descuido de algum dos<br />
ocupantes da fortaleza. Quando os<br />
defensores da cidadela menos esperavam,<br />
viram o inimigo dentro. A batalha<br />
estava perdida.<br />
Lembro-me de ter feito esta reflexão:<br />
“Se você não prestar atenção, este<br />
castelo é você! Ou você trava uma<br />
batalha mais inclemente do que nunca<br />
contra as poternas abertas de sua própria<br />
alma, e faz a defesa aqui, lá e acolá,<br />
adquirindo bons hábitos, ou então,<br />
num ponto onde você alcançou a virtude,<br />
entra o pecado venial e depois<br />
o mortal, em disparada dentro de sua<br />
própria alma, e você está perdido! ”<br />
Isso é a prudência, que consiste<br />
em ter o castelo bem construído, pôr<br />
grades nas poternas e mantê-las fechadas.<br />
A prudência consiste em estabelecer<br />
um ordo de vida.<br />
Em face da clarinada de um inimigo<br />
que se aproxima, cada um é responsável<br />
por sua própria vida e a dos<br />
outros. Se uma poterna tiver qualquer<br />
falha na sua segurança, todos serão<br />
mortos. Prestem atenção! ❖<br />
(Extraído de conferência de<br />
1/8/1981)<br />
Eric Barbet (CC3.0)<br />
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