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Mais ainda, o vendedor tem que<br />
ser psicólogo. Ele precisa compreender<br />
como é a mentalidade de seu<br />
cliente, senão não fixa a freguesia.<br />
Mais do que fazer anúncios, o vendedor<br />
necessita de clientela que faça<br />
a propaganda dele. Portanto, a excelência<br />
da mercadoria é a condição da<br />
sua prosperidade.<br />
Isso tudo define muito mais uma<br />
sociedade livre, com iniciativa, do<br />
que a liberdade de fazer um discurso<br />
anarquista, ou a de um terrorista<br />
para meter uma bomba no aeroporto;<br />
enfim são abominações em comparação<br />
com esta liberdade da pessoa<br />
ser inteiramente ela mesma.<br />
A meu ver, a verdadeira escola do<br />
talento do povo existe quando ele se<br />
habitua a servir de modo individualizado<br />
pessoas de uma categoria superior.<br />
Nisso ele se requinta e, requintando-se,<br />
vai depois produzir para<br />
si, de modo a participar, em algo,<br />
da classe mais elevada. É uma roldana<br />
que transmite qualidade de alto a<br />
baixo na escala social, e faz uma continuidade<br />
harmônica que amamos<br />
tanto.<br />
Mas acho que o lado miserável<br />
nisso é que aí entra também uma<br />
pressão qualquer ambiental, a qual a<br />
partir da admiração da máquina, da<br />
rapidez, do divertido – coma depressa,<br />
saia logo, não tenha cerimônias,<br />
nem pompas, etc. – produz uma civilização<br />
inferior que leva o indivíduo<br />
a querer comprimir as suas individualidades<br />
para se encaixar, voluptuosamente,<br />
dentro de um ritmo geral,<br />
totalitário.<br />
Presenciei isto: homens bem mais<br />
velhos do que eu entrando num bar<br />
e dizendo, com uma musicalidade de<br />
voz que a minha geração já não tinha:<br />
– Fulano, me prepare aquele sanduíche<br />
que você sabe!<br />
Em geral, o homem que dirigia<br />
esses bares era um alemão ou um<br />
italiano bonachão. Ele dava uma<br />
gargalhada e preparava o sanduíche<br />
como o freguês queria. Este comia e<br />
batia no ombro dele, dizendo:<br />
– Fulano, não há como o seu sanduíche!<br />
Isso era dito em voz alta, constituindo<br />
propaganda junto a toda a<br />
clientela. Depois o freguês saía satisfeito,<br />
dando uma boa gorjeta. O<br />
dono do estabelecimento fazia uma<br />
grande reverência, e o copeiro ia<br />
passar um paninho na mesa, porque<br />
esses pratos eram tais que o sujeito<br />
deitava migalhas de todo lado.<br />
Essas peculiaridades dentro de<br />
uma sadia liberdade são o ponto de<br />
partida da sociedade orgânica, e não<br />
adianta tratarmos indefinidamente<br />
sobre a sociedade orgânica sem<br />
compreender que sem este tipo de liberdade<br />
ela não se forma.<br />
A industrialização produzirá<br />
a contraqualidade<br />
Em contrapartida, parece-me que<br />
esse industrialismo que estamos descrevendo<br />
é mais de ontem e do entardecer<br />
do que de hoje e do dia de<br />
amanhã.<br />
O industrialismo cibernético, interdisciplinar,<br />
nascido da conjugação<br />
de várias ciências, produzirá o<br />
extremo oposto do que eu disse: máquinas<br />
enormes que deslocam, sem<br />
barulho e sem esforço, quantidades<br />
colossais de matéria, de um modo<br />
que não choca, limpo, procurando<br />
produzir qualidade, em certo sentido<br />
da palavra. Qual é esse sentido?<br />
Tudo isso é feito para o gosto do<br />
homem que perdeu sua individualidade<br />
e virou um anônimo. Essa industrialização<br />
produzirá a contraqualidade<br />
levada ao auge e encaminha<br />
para o que há de pior. Este sistema<br />
pode nos dar o padrão de uma civilização<br />
onde o panteísmo, o pampsiquismo<br />
tende a fazer degustar a<br />
coisa cada vez mais ordinária, feita<br />
em série, pelo gosto das pessoas<br />
se libertarem do cárcere de sua individualidade<br />
e vibrarem em uníssono.<br />
E isso se transforma num vício<br />
para o homem, que deve ser indivíduo,<br />
poder afirmar-se, querer ser<br />
diferente dos outros – porque essa é<br />
a ordem boa do homem –, e intoxica<br />
com a narcose de ser um qualquer e<br />
se afundar na multidão.<br />
A indústria nova, forçosamente,<br />
explora esse estado de espírito e<br />
prepara para acentuá-lo. A coisa nova,<br />
sensacional e meio extravagante<br />
tem que contrariar a ordem em alguma<br />
coisa. A surpresa faz as vezes de<br />
qualidade.<br />
Aos poucos, o que fará as vezes<br />
da qualidade é a continuidade monótona,<br />
apagada e que liberta o homem<br />
para sonhos. Nunca ouvi dizer<br />
de um drogado que fosse gastrônomo.<br />
A droga elimina completamente<br />
os outros gostos. Este gosto de ser<br />
um perdido na multidão é algo à maneira<br />
da droga.<br />
A sociedade orgânica é<br />
repleta de arquetipias<br />
que orientam<br />
Surge um problema interessante:<br />
Quando se trata de uma instituição<br />
de cunho religioso, no que ficam as<br />
individualidades?<br />
Na sociedade orgânica – pelos movimentos<br />
próprios da natureza e não<br />
os da máquina – forma-se uma espécie<br />
de guias, por onde alguns têm melhor<br />
faro do progresso qualitativo por<br />
onde vai. Porque não é qualquer um<br />
que vê tão bem o progresso qualitativo.<br />
Se há uma coisa por onde os homens<br />
são desigualmente dotados é<br />
no faro do progresso qualitativo, visto<br />
no seguinte sentido: um indivíduo<br />
tem uma noção de para onde as coisas<br />
tendem e de como estas, realizando<br />
suas tendências retamente, chegam<br />
ao melhor. Esse indivíduo, porque<br />
modela pelo seu exemplo as outras<br />
coisas, leva todos os outros num<br />
movimento que os representa de fato.<br />
Não é um homem que inventa um figurino<br />
e impõe ao outro, mas ele sen-<br />
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