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Revista Dr. Plinio 230

Maio de 2017

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Mais ainda, o vendedor tem que<br />

ser psicólogo. Ele precisa compreender<br />

como é a mentalidade de seu<br />

cliente, senão não fixa a freguesia.<br />

Mais do que fazer anúncios, o vendedor<br />

necessita de clientela que faça<br />

a propaganda dele. Portanto, a excelência<br />

da mercadoria é a condição da<br />

sua prosperidade.<br />

Isso tudo define muito mais uma<br />

sociedade livre, com iniciativa, do<br />

que a liberdade de fazer um discurso<br />

anarquista, ou a de um terrorista<br />

para meter uma bomba no aeroporto;<br />

enfim são abominações em comparação<br />

com esta liberdade da pessoa<br />

ser inteiramente ela mesma.<br />

A meu ver, a verdadeira escola do<br />

talento do povo existe quando ele se<br />

habitua a servir de modo individualizado<br />

pessoas de uma categoria superior.<br />

Nisso ele se requinta e, requintando-se,<br />

vai depois produzir para<br />

si, de modo a participar, em algo,<br />

da classe mais elevada. É uma roldana<br />

que transmite qualidade de alto a<br />

baixo na escala social, e faz uma continuidade<br />

harmônica que amamos<br />

tanto.<br />

Mas acho que o lado miserável<br />

nisso é que aí entra também uma<br />

pressão qualquer ambiental, a qual a<br />

partir da admiração da máquina, da<br />

rapidez, do divertido – coma depressa,<br />

saia logo, não tenha cerimônias,<br />

nem pompas, etc. – produz uma civilização<br />

inferior que leva o indivíduo<br />

a querer comprimir as suas individualidades<br />

para se encaixar, voluptuosamente,<br />

dentro de um ritmo geral,<br />

totalitário.<br />

Presenciei isto: homens bem mais<br />

velhos do que eu entrando num bar<br />

e dizendo, com uma musicalidade de<br />

voz que a minha geração já não tinha:<br />

– Fulano, me prepare aquele sanduíche<br />

que você sabe!<br />

Em geral, o homem que dirigia<br />

esses bares era um alemão ou um<br />

italiano bonachão. Ele dava uma<br />

gargalhada e preparava o sanduíche<br />

como o freguês queria. Este comia e<br />

batia no ombro dele, dizendo:<br />

– Fulano, não há como o seu sanduíche!<br />

Isso era dito em voz alta, constituindo<br />

propaganda junto a toda a<br />

clientela. Depois o freguês saía satisfeito,<br />

dando uma boa gorjeta. O<br />

dono do estabelecimento fazia uma<br />

grande reverência, e o copeiro ia<br />

passar um paninho na mesa, porque<br />

esses pratos eram tais que o sujeito<br />

deitava migalhas de todo lado.<br />

Essas peculiaridades dentro de<br />

uma sadia liberdade são o ponto de<br />

partida da sociedade orgânica, e não<br />

adianta tratarmos indefinidamente<br />

sobre a sociedade orgânica sem<br />

compreender que sem este tipo de liberdade<br />

ela não se forma.<br />

A industrialização produzirá<br />

a contraqualidade<br />

Em contrapartida, parece-me que<br />

esse industrialismo que estamos descrevendo<br />

é mais de ontem e do entardecer<br />

do que de hoje e do dia de<br />

amanhã.<br />

O industrialismo cibernético, interdisciplinar,<br />

nascido da conjugação<br />

de várias ciências, produzirá o<br />

extremo oposto do que eu disse: máquinas<br />

enormes que deslocam, sem<br />

barulho e sem esforço, quantidades<br />

colossais de matéria, de um modo<br />

que não choca, limpo, procurando<br />

produzir qualidade, em certo sentido<br />

da palavra. Qual é esse sentido?<br />

Tudo isso é feito para o gosto do<br />

homem que perdeu sua individualidade<br />

e virou um anônimo. Essa industrialização<br />

produzirá a contraqualidade<br />

levada ao auge e encaminha<br />

para o que há de pior. Este sistema<br />

pode nos dar o padrão de uma civilização<br />

onde o panteísmo, o pampsiquismo<br />

tende a fazer degustar a<br />

coisa cada vez mais ordinária, feita<br />

em série, pelo gosto das pessoas<br />

se libertarem do cárcere de sua individualidade<br />

e vibrarem em uníssono.<br />

E isso se transforma num vício<br />

para o homem, que deve ser indivíduo,<br />

poder afirmar-se, querer ser<br />

diferente dos outros – porque essa é<br />

a ordem boa do homem –, e intoxica<br />

com a narcose de ser um qualquer e<br />

se afundar na multidão.<br />

A indústria nova, forçosamente,<br />

explora esse estado de espírito e<br />

prepara para acentuá-lo. A coisa nova,<br />

sensacional e meio extravagante<br />

tem que contrariar a ordem em alguma<br />

coisa. A surpresa faz as vezes de<br />

qualidade.<br />

Aos poucos, o que fará as vezes<br />

da qualidade é a continuidade monótona,<br />

apagada e que liberta o homem<br />

para sonhos. Nunca ouvi dizer<br />

de um drogado que fosse gastrônomo.<br />

A droga elimina completamente<br />

os outros gostos. Este gosto de ser<br />

um perdido na multidão é algo à maneira<br />

da droga.<br />

A sociedade orgânica é<br />

repleta de arquetipias<br />

que orientam<br />

Surge um problema interessante:<br />

Quando se trata de uma instituição<br />

de cunho religioso, no que ficam as<br />

individualidades?<br />

Na sociedade orgânica – pelos movimentos<br />

próprios da natureza e não<br />

os da máquina – forma-se uma espécie<br />

de guias, por onde alguns têm melhor<br />

faro do progresso qualitativo por<br />

onde vai. Porque não é qualquer um<br />

que vê tão bem o progresso qualitativo.<br />

Se há uma coisa por onde os homens<br />

são desigualmente dotados é<br />

no faro do progresso qualitativo, visto<br />

no seguinte sentido: um indivíduo<br />

tem uma noção de para onde as coisas<br />

tendem e de como estas, realizando<br />

suas tendências retamente, chegam<br />

ao melhor. Esse indivíduo, porque<br />

modela pelo seu exemplo as outras<br />

coisas, leva todos os outros num<br />

movimento que os representa de fato.<br />

Não é um homem que inventa um figurino<br />

e impõe ao outro, mas ele sen-<br />

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