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carinho sério, um tema elevado –,<br />
a voz dela ficava muito comunicativa.<br />
Isso fazia com que ela, quando<br />
queria comunicar a confiança, tivesse<br />
inflexões de voz que transmitiam<br />
uma espécie de persuasão, a qual, à<br />
primeira vista, poderia parecer gratuita,<br />
mas analisando bem, via-se<br />
não ser assim.<br />
A mim mesmo, como filho dela,<br />
em circunstâncias da vida de menino<br />
– porque o homem precisa ter confiança<br />
desde quando é pequeno –,<br />
como depois em situações da vida de<br />
moço e de adulto, várias vezes ela recomendou<br />
essa virtude, comunicando-a<br />
de modo a persuadir-me de que<br />
realmente era o caso de confiar e de<br />
manter-me tranquilo.<br />
O menino <strong>Plinio</strong> é<br />
atingido pela caxumba<br />
Lembro-me, por exemplo, de uma<br />
coisinha que é uma bagatela: o modo<br />
de ela tratar-me de uma caxumba.<br />
Essa doença, se bem cuidada –<br />
evitando-se que a criança saia correndo<br />
pelo jardim, etc. –, não tem<br />
gravidade, mas é um pouquinho prolongada,<br />
e constitui para a criança<br />
uma eternidade ficar na cama. Não<br />
há criança que não tenha horror de<br />
permanecer na cama.<br />
Ora, eu não sabia que a caxumba<br />
podia passar de um lado para outro<br />
do pescoço. Tive de um lado, e depois<br />
foi diminuindo. Mamãe – que<br />
conhecia esse predicado da enfermidade,<br />
mas não me dizia para eu não<br />
ficar apreensivo – me tranquilizava:<br />
“Olha, já está melhorando a sua caxumba!”<br />
Eu ia apalpando, sentindo que diminuía,<br />
e já fazendo planos de sair<br />
correndo para o jardim, e de mil outras<br />
coisas de criança que não aguenta<br />
mais a cama.<br />
Um belo dia eu disse a ela:<br />
– Mamãe, uma coisa engraçada,<br />
estou com algo aqui.<br />
– Meu filho, é que a caxumba passou<br />
para o outro lado.<br />
Comecei a chorar, porque para<br />
um menino de seis anos isso pode<br />
significar uma catástrofe cósmica,<br />
universal...<br />
– Não, mas você tenha paciência,<br />
isso passa como já passou desse outro<br />
lado – consolava-me ela.<br />
Se uma outra pessoa dissesse isso<br />
eu urraria: “Isso não passa, isso não<br />
está acabando, não vês? Troca esse<br />
médico!” Eu não entendia bem o<br />
que ocorria. Como era possível aparecer<br />
a mesma doença do outro lado?<br />
Esse médico é um incompetente,<br />
não serve para nada!<br />
Mas ela dizendo “isso passa” dava-me<br />
a persuasão de que passava<br />
mesmo, o tempo não seria tão longo,<br />
era suportável e, afinal de contas,<br />
durante a doença eu teria carinhos<br />
excepcionais dela, que compensariam<br />
a provação de ficar na cama.<br />
“Tenha confiança!”<br />
Podem imaginar o desfecho do<br />
caso: quando a caxumba estava quase<br />
curada, amanheci com uma indisposição<br />
de estômago violentíssima.<br />
Meu quarto ficava ao lado do dela.<br />
Chamei:<br />
– Mamãe, faz favor.<br />
Ela veio e eu lhe disse:<br />
– Amanheci com isso.<br />
– Filhão, a caxumba passou para o<br />
estômago...<br />
– Mas isso se transmite para o estômago?!<br />
Passa para onde mais, para<br />
os olhos, para a língua...?!<br />
– Esteja calmo, porque só dá<br />
nos dois lados do pescoço e no estômago;<br />
não em outro lugar. Agora<br />
é mesmo a última vez. Você esteja<br />
consolado. Veja bem, vou lhe<br />
arranjar um brinquedo. Tenha confiança!<br />
Esse “tenha confiança” era dito<br />
de tal modo que eu começava a confiar<br />
e sossegava. Era o efeito comunicativo<br />
do timbre de voz dela, próprio<br />
ao de uma mãe, mas ao mesmo<br />
tempo com algo que eu seria levado<br />
a julgar como sendo sobrenatural,<br />
e que atuava profundamente sobre<br />
mim.<br />
Embora eu tenha sido, em toda a<br />
minha vida, muito categórico, sossegava,<br />
deitava, recostava minha cabeça<br />
no meu travesseiro e começava a<br />
minha triste manhã de doente. Mas,<br />
com ela ao lado, não tinha problema,<br />
estava tudo resolvido: “Mamãe<br />
está lá, eu confio nela, porque ela leva<br />
consigo qualquer coisa de Deus<br />
que faz com que dê tudo certo.”<br />
Intercâmbio de moções<br />
que aumentará nas mais<br />
difíceis circunstâncias<br />
A grande quantidade de flores depositadas<br />
na sepultura de Dona Lucilia<br />
mostra como são tratados como<br />
filhos os que a ela recorrem. Aquilo<br />
tudo corresponde a graças recebidas,<br />
esperanças de novos favores, afeto e<br />
gratidão pelos benefícios obtidos. É<br />
uma coisa muito justa, muito razoável.<br />
Além das flores, aquele tufo de<br />
gente que fica ali indefinidamente,<br />
sem programa de ir embora. Tanto<br />
podem sair de repente se chover, por<br />
exemplo, quanto não se incomodarem<br />
muito e permanecerem embaixo<br />
da chuva mesmo.<br />
Por quê? Por estarem sentindo<br />
algo interior, uma graça que leva a<br />
pessoa, mais ou menos confusamente,<br />
a pensar: “Aqui está bom e daqui<br />
eu não saio.” Vê-se que há uma espécie<br />
de diálogo mudo entre a alma<br />
dela no Céu e as pessoas que estão<br />
rezando ali.<br />
Esse intercâmbio de moções dever-se-á<br />
dar intensissimamente em<br />
circunstâncias difíceis como, por<br />
exemplo, durante os castigos previstos<br />
por Nossa Senhora, em Fátima. ❖<br />
(Extraído de conferência de<br />
28/2/1993)<br />
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