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16 Lusitano<br />
DIREITO<br />
Divórcio, alimentos<br />
DANIEL BOHREN<br />
ADVOGADO<br />
O Senhor S. divorciou-se por mútuo consentimento<br />
em Portugal da sua mulher. A sua<br />
mulher tinha um advogado; ele não. Ele assinou<br />
um acordo de divórcio, segundo o qual<br />
ele teria de pagar por cada um dos dois filhos<br />
alimentos no valor de CHF 700,00 mensais<br />
acrescidos da metade das despesas. As crianças<br />
vivem junto da mãe na Suíça. O tribunal<br />
português que julgou o divórcio homologou<br />
o acordo. A seguir o Senhor S. verificou que,<br />
com o seu vencimento de CHF 3.700,00, não<br />
se encontra em condições, de pagar para<br />
além do seu sustento os alimentos na íntegra.<br />
O que pode ele fazer?<br />
O caso permite-me esclarecer algumas perguntas<br />
fundamentais relativas ao divórcio, com os seus<br />
efeitos judiciais acessórios e as suas relações internacionais.<br />
O divórcio por mútuo consentimento só é possível<br />
em Portugal, se as partes tiverem chegado a acordo<br />
sobre os interesses das crianças. É por isso necessário<br />
um acordo sobre com quem a criança fica<br />
a viver, de como o contacto com o outro progenitor<br />
é feito e que alimentos são pagos. O acordo entre<br />
os pais tem de ser homologado pelo tribunal de família.<br />
O tribunal examina se o acordo é feito para<br />
o bem superior da criança. No caso do Senhor S. o<br />
tribunal homologou o acordo.<br />
As sentenças de divórcio portuguesas com os seus<br />
efeitos judiciais acessórios (alimentos, etc…) são<br />
basicamente válidos e exequíveis na Suíça. Os alimentos<br />
podem no entanto ser posteriormente reduzidos<br />
(ou levantados), se as condições se tiverem<br />
alterado desde o divórcio, se as alterações forem<br />
duradouras e não surgirem propositadamente. Se<br />
o devedor de alimentos por exemplo perde o seu<br />
emprego e ganha menos no novo posto de trabalho,<br />
pode exigir a redução dos alimentos, não<br />
podendo contudo fazê-lo se decidir livremente só<br />
trabalhar part-time. Também quem é de novo pai,<br />
pode exigir uma redução dos alimentos dos filhos<br />
mais velhos, para que o filho mais novo também<br />
obtenha a sua parte. Regra geral uma pessoa torna-se<br />
livremente pai, mas o tornar-se pai também<br />
é válido como direito de personalidade, pelo que<br />
neste caso pode, apesar de voluntariedade da alteração,<br />
ser exigida uma redução dos alimentos.<br />
O Senhor S. não poderá aliás tirar partido de uma<br />
alteração dos alimentos, porque as condições não<br />
se alteraram desde o divórcio. O seu problema é<br />
a assinatura irreflectida de um acordo. Não é aqui<br />
possível a queixa para alteração.<br />
Pode não obstante haver uma solução para o problema<br />
do Senhor S. exactamente como em Portugal<br />
também na Suíça um acordo entre os pais sobre<br />
os alimentos tem de ser examinado e homologado<br />
pelo tribunal. O Tribunal Suíço também examina,<br />
se o montante dos alimentos estipulado teve em<br />
consideração as condições económicas de ambos<br />
os pais. Para tal o tribunal tem de esclarecer as<br />
condições económicas de ambos os progenitores,<br />
o que o tribunal de Portugal não fez. Segundo uma<br />
decisão do Tribunal de Apelação de Zurique de<br />
2012 encontra-se agora infringida a ordem pública,<br />
quando o tribunal não esclarece antes da autorização<br />
do acordo sobre alimentos para crianças<br />
aprofundadamente as condições económicas dos<br />
pais.<br />
O tribunal português aplicou na autorização do<br />
acordo manifestamente o direito português. A Suíça<br />
e Portugal assinaram aliás a Convenção de Haia<br />
sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares<br />
de 1973. De acordo com a Convenção para a obrigação<br />
do sustento de crianças menores deve ser<br />
sempre aplicado o direito do país, onde as crianças<br />
têm de facto a sua residência – no caso do Senhor<br />
S. trata-se do direito suíço. Segundo o direito suíço<br />
a autorização do acordo pelo tribunal sem esclarecimento<br />
aprofundado das condições económicas<br />
infringe a ordem pública. Com estas condições<br />
prévias a sentença de divórcio portuguesa não deverá<br />
ser reconhecida na Suíça, quer dizer a sentença<br />
não seria aqui exequível.<br />
O que significa isto para o Senhor S.? Ele pode reduzir<br />
os alimentos para um valor, que ache adequado.<br />
A mãe das crianças poderia então tentar executar<br />
na Suíça a sentença de divórcio portuguesa. Se<br />
o tribunal competente para a execução recusar o<br />
reconhecimento da sentença, a sentença de divórcio<br />
é lacunar e a mãe das crianças poderia/teria de<br />
apresentar queixa na Suíça quanto à atribuição de<br />
alimentos. O tribunal suíço examinaria então antes<br />
de estipular o montante dos alimentos as condições<br />
económicas de ambas as partes progenitoras<br />
e determinaria depois alimentos apropriados. Se<br />
estes são então mais baixos do que os estipulados<br />
pela sentença portuguesa, é incerto e depende da<br />
totalidade das condições. Garantido seria todavia,<br />
que o tribunal suíço teria de ter em conta o mínimo<br />
de subsistência do Senhor S. Este mínimo é calculado<br />
com base num montante global de subsistência<br />
(CHF 1.200,00 para adultos, que vivem sozinhos),<br />
o montante da renda de aluguer da casa e os prémios<br />
o seguro de assistência médica (Krankenkasse),<br />
assim como as despesas para poder trabalhar<br />
(despesas do transporte para o trabalho, de vestuário<br />
de trabalho). Se S. paga, por exemplo, CHF<br />
1.300,00 de renda de casa, CHF 300,00 para o seguro<br />
de assistência médica e CHF 100,00 para o<br />
autocarro, então o seu mínimo de existência comporta<br />
CHF 2.900,00. O tribunal obrigá-lo-ia, com<br />
um vencimento de CHF 3.700,00, a pagar no máximo<br />
CHF 800,00 de alimentos quer dizer Fr. 400<br />
para cada criança.<br />
Outra coisa seria com uma execução da sentença<br />
portuguesa em Portugal. Aí a sentença seria exequível,<br />
o que se pode tornar num problema, se o<br />
Senhor S. tiver património em Portugal.<br />
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