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CRÓNICA<br />
Julho/Agosto <strong>2017</strong><br />
27<br />
Pôr-do-Sol e crepúsculo<br />
Parecem sinónimos mas o segundo é consequência do primeiro. E é mais, em sentido<br />
lato. Pode significar o afundamento na irrelevância, o costume de repetir o habitual e não<br />
sair da vulgaridade, esperando que um milagre de uma entidade disponível transforme o<br />
chumbo em ouro. Mas essa é uma actividade iniciática complicada onde só entra o conhecimento<br />
e a confiança alquímica.<br />
ANTÓNIO M. RIBEIRO (UHF)<br />
DEPOIS DE<br />
ENCONTRADOS OS<br />
TRÊS QUE OCUPARAM<br />
NO PÓDIO, APESAR<br />
DA ESPREITADELA<br />
TEIMOSA DO<br />
BRAGA, A MALTA<br />
ENTRETÉM-SE COM<br />
A ENORMIDADE<br />
DOS MILHÕES<br />
QUE VENDEM<br />
OS MELHORES<br />
JOGADORES QUE<br />
BRILHARAM O ÚLTIMO<br />
CAMPEONATO DE<br />
FUTEBOL<br />
1. Língua.<br />
O que li sobre a picardia entre o grupo DAMA e uma fã que escreve português correcto<br />
não me fez sorrir, mas fez-me pensar. Quão banal é ouvir os políticos profissionais alegarem<br />
que as novas gerações são as mais bem preparadas de que há registo – também não seria<br />
difícil com os 50% de analfabetos que cruzaram a fronteira do 25/04 de 1974. A escola tem<br />
servido sobretudo para arma de arremesso e agilidade política de governos sem escrúpulo<br />
– é o crepúsculo.<br />
A ligeireza do vocábulo (tasse) que o grupo assumiu quer significar (‘tá-se), contracção da<br />
forma verbal ‘está-se’, por isso usei o apóstrofo (‘). Neste caso a correcção foi mesmo pior<br />
que o soneto porque o tempo verbal não é o pretérito imperfeito, como vi escrito, mas o<br />
presente do indicativo na forma reflexa.<br />
É grave? Muito, mas para quem ignora não faz diferença. Mas faz mossa. E tem sido assim<br />
no linguarejar de algumas das mais recentes canções que os portugueses vão construindo:<br />
nem português, bem brasilês, nem africanês – rimar é preciso a qualquer preço. É feitio?<br />
Não, é defeito ignorante.<br />
2. Tradição.<br />
A parangona de hoje do Correio da Manhã fala em nove mortos às garras do Verão, ou da<br />
estupidez que chega com o tempo quente. A culpa não é do matutino, apenas potencia a<br />
normalidade lusitana para a desgraça. Entre a estrada e as ondas (rios incluídos) vamos morrendo<br />
sem atingir a praia. É assim todos os anos. E todos os anos as primeiras páginas são<br />
repetições sem génio. Crepúsculo da normalidade festiva.<br />
3. No sul da Europa.<br />
É uma espécie de consagração do nosso campeonato de futebol. Depois de encontrados<br />
os três que ocuparam no pódio, apesar da espreitadela teimosa do Braga, a malta entretém-se<br />
com a enormidade dos milhões que vendem os melhores jogadores que brilharam<br />
o último campeonato de futebol. A glória já não é marcar golos, ser maravilhado por fintas<br />
improváveis e defesas do outro mundo. A diatribe que anima as hostes futeboleiras deste<br />
resto da Europa mede-se pelos milhões que entram nos cofres sem fundo dos nossos principais<br />
clubes de futebol. Triste sina vê-los partir e fingir delícias pelo encaixe financeiro para<br />
depois tudo recomeçar: a equipa que é preciso refazer, o entrosamento (esta aprendi nos<br />
meus tempos de Record), a adaptação e as apostas falhadas, lugares-comuns crepusculares.<br />
Este campeonato pequenote das transferências faz-me lembrar aquela anedota do empreiteiro<br />
que vai a uma festa com a mulher, esta olha para as mulheres dos outros empreiteiros<br />
presentes, vigia as amantes dos ditos, que tiveram entrada na festa, e diz para o marido: “A<br />
nossa é melhor que a deles, não é querido?”<br />
Crepúsculo. Prefiro um pôr-do-sol sem fim.