Descolonizar_o_Imaginario_web
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ser rechaçado nos referendos da França e da Holanda, incorporou<br />
leves modificações e foi rebatizado com um nome<br />
menos ameaçador: Tratado de Lisboa. Trata-se de um regime<br />
político cada vez menos democrático, em que as decisões<br />
transcendentais se distanciam paulatinamente dos cidadãos.<br />
Com a constitucionalização do neoliberalismo, os sonhos de<br />
uma Europa democrática e igualitária foram substituídos por<br />
uma direção crescentemente autoritária, que concentra poder<br />
no Banco Central Europeu (“autônomo”), na Comissão<br />
Europeia e no governo alemão. Os parlamentos nacionais e o<br />
Parlamento europeu foram deixados de lado. Países em profunda<br />
recessão, com taxas de desemprego muito elevadas, 30<br />
são obrigados a tomar medidas de austeridade: demissões de<br />
funcionários públicos, aumento da idade de aposentadoria,<br />
redução dos gastos sociais, privatização de empresas públicas<br />
e flexibilização do mercado trabalhista.<br />
A defesa do euro (acompanhada de uma narrativa apocalíptica<br />
do que poderia ocorrer se o valor da moeda não for<br />
preservado) tem servido para dar novos passos na perspectiva<br />
de buscar a cessão de maiores graus de soberania dos países<br />
a essas instituições não democráticas da União Europeia. 31<br />
Na América Latina, já passamos por isso. São bem conhecidos<br />
os custos sociais das políticas de brutal ajuste estrutural.<br />
Nos Estados Unidos, onde o poder do dinheiro opera<br />
historicamente de uma forma muito mais descarada do que<br />
nos países europeus, a Corte Suprema aumentou de forma<br />
230<br />
30 A Espanha, durante boa parte de 2012, teve uma taxa de desemprego<br />
de cerca de 24%, e de desemprego entre os jovens, de 50%.<br />
31 Nas palavras de Susan George: “Uma das razões pelas quais na<br />
França lutamos tão fortemente contra o Tratado de Lisboa era porque<br />
este instalava a política econômica neoliberal no coração da Europa.<br />
Agora, a Comissão Europeia quer revisar os orçamentos nacionais de<br />
cada um dos países antes que estes sejam votados pelos parlamentos<br />
para garantir que cumpram certos critérios. É um ataque descarado<br />
à democracia” (Nick Buxton, “End financial control of European<br />
governance”, entrevista a Susan George, Amsterdã, Transnational<br />
Institute, s.d.)<br />
extraordinária o poder das corporações sobre todo o<br />
sistema político. Com base na insólita premissa de que as<br />
corporações têm os mesmos direitos que as pessoas, os<br />
juízes reverteram em janeiro de 2010 restrições que existiam<br />
há mais de um século, assim como doutrinas constitucionais<br />
que ao longo do tempo haviam sido reafirmadas<br />
por diferentes decisões da Corte e do Congresso.<br />
Determinaram que estabelecer limitações aos gastos<br />
das corporações e dos sindicatos nos processos eleitorais<br />
constituía uma violação constitucional da liberdade<br />
de expressão, tal como disposto na Primeira Emenda. 32<br />
Dados os exorbitantes custos das campanhas eleitorais<br />
nos Estados Unidos, essa decisão fortaleceu ainda mais<br />
o poder dos grupos de influência para comprar decisões<br />
legislativas e executivas que favoreçam seus interesses.<br />
A disposição foi celebrada pela direita estadunidense<br />
como a restauração dos princípios básicos da República,<br />
ao mesmo tempo que foi qualificada como um grave ataque<br />
à democracia por setores progressistas e liberais. 33<br />
São múltiplos os mecanismos de retroalimentação<br />
da desigualdade e das restrições à democracia. As políticas<br />
tributárias dos Estados Unidos são ilustrativas a<br />
respeito. Graças ao crescente poder político corporativo<br />
nas últimas décadas, a estrutura tributária do país foi se<br />
distorcendo em favor dos interesses corporativos e contra<br />
231<br />
32 Esse é o caso conhecido como Citizens United vs. Federal<br />
Election Commission. Ver Adam Liptak, “Justices, 5-4, reject<br />
corporate spending limit” (The New York Times, 21 jan. 2010).<br />
33 Hans Spakovsky, “Citizens united and the restoration of the first<br />
amendment” (Legal Memorandum, n.5., Heritage Foundation,<br />
17 fev. 2010, ).<br />
Para uma análise das enormes consequências<br />
antidemocráticas dessa decisão, ver: Public Citizen, “12 months<br />
after the effects of citizens united on elections and the integrity of<br />
the legislative process” (Washington, jan. 2011, ).