Descolonizar_o_Imaginario_web
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trabalho, tanto dentro como fora do lar, sempre contribuiu<br />
para a manutenção dessas sociedades. Mas essa integração das<br />
mulheres serviu meramente para sustentar estruturas internacionais<br />
de iniquidade. O enfoque wad é mais analítico que<br />
o primeiro, mas não constrói propostas concretas para as políticas<br />
de desenvolvimento, diferentemente do enfoque wid.<br />
Ao mesmo tempo, wad analisa pouco as relações de gênero<br />
dentro das classes sociais, dedicando escassa atenção à subordinação<br />
de gênero (algo que ocorre no interior do marxismo<br />
em geral) e colocando mais ênfase nas estruturas desiguais<br />
de classe e nas estruturas opressivas a nível internacional.<br />
Ou seja, enfatiza o trabalho produtivo à custa do trabalho<br />
reprodutivo das mulheres. Assim como a wid, a wad focalizou<br />
a geração de renda para as mulheres sem contemplar as<br />
consequências que isso tinha sobre o tempo de suas vidas em<br />
termos de dupla jornada de trabalho. Consequentemente,<br />
essa teoria feminista sobre o desenvolvimento, assim como as<br />
teorias androcêntricas da dependência, da modernidade e a<br />
própria economia política, situaram os trabalhos de cuidado<br />
em um âmbito “privado” que não gera valor e, portanto, que<br />
fica fora dos propósitos do desenvolvimento. 8<br />
Os anos 1980: gênero no desenvolvimento<br />
e feminismo socialista<br />
Os anos 1980 são conhecidos como a terceira onda do<br />
feminismo. Como constata a filósofa espanhola Amelia<br />
Valcárcel, 9 é quando teoricamente a categoria “gênero”<br />
aparece como categoria central da globalização.<br />
Ainda até o final dos anos 1980, as mulheres dos<br />
países latino-americanos que tinham acesso aos benefícios<br />
sociais consolidados pela industrialização parcial<br />
do continente o faziam por meio de subsídios entregues<br />
ao homem “provedor”. As mulheres não eram consideradas<br />
sujeitos de seguridade social direta, sujeitos<br />
econômicos ou cidadãs plenas. As formas “família” e<br />
“casal” adquiriam visibilidade unicamente pela figura<br />
do homem/marido provedor, enquanto as mulheres estavam<br />
encarregadas majoritariamente da reprodução da<br />
vida da família. O homem ocupava o âmbito produtivo<br />
e salarial, e a mulher, o reprodutivo. Essa brecha foi<br />
se fechando a partir da década de 1980, com o enfoque<br />
conhecido como “Gênero e Desenvolvimento” (Gender<br />
and Development, gad).<br />
Essa nova corrente tem raízes tanto no feminismo<br />
socialista quanto na crítica pós-estruturalista. As feministas<br />
socialistas, ao abordarem simultaneamente anticapitalismo<br />
e antipatriarcado, conseguiram encerrar o falido<br />
debate sobre a “contradição secundária” dentro das<br />
esquerdas. Identificaram a divisão socialmente construída<br />
entre trabalho produtivo e trabalho reprodutivo como<br />
base da opressão das mulheres, e assentaram as bases para<br />
uma economia feminista de esquerda. 10<br />
O gad é um enfoque construtivista que parte<br />
de uma perspectiva integral, olhando a totalidade da<br />
organização social, econômica e política da sociedade.<br />
O gad não coloca “as mulheres” no centro de sua<br />
análise, e sim questiona a presunção da categoria social<br />
homogênea “mulheres”. Enfatiza que ambos os gêneros<br />
são construções sociais, para além do sexo biológico,<br />
94<br />
8 Eva M. Rathgeber, “wid, wad, gad: trends in research and practice”<br />
(The Journal of Developing Areas, Tennessee State University College<br />
of Business, n.24, jul. 1990).<br />
9 Amelia Valcárcel, Feminismo en un mundo global (Madri: Cátedra, 2008).<br />
95<br />
10 Ver Sheila Rowbotham, Women’s Consciousness, Man’s World<br />
(Londres: Penguin, 1973), assim como obras posteriores da<br />
mesma autora.