Descolonizar_o_Imaginario_web
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primário-exportador. Diante da ausência de um grande<br />
acordo nacional para gerir esses recursos naturais, sem instituições<br />
democráticas sólidas (que só podem ser construídas<br />
com uma ampla e consolidada participação cidadã), 26<br />
surgem em cena os diversos grupos de poder não cooperativos,<br />
desesperados para obter uma fatia da receita mineradora<br />
ou petrolífera.<br />
Assim, nessa disputa pela renda dos recursos naturais<br />
intervêm sobretudo as empresas transnacionais envolvidas<br />
direta ou indiretamente em tais atividades e seus<br />
aliados criollos, 27 o sistema bancário internacional, amplos<br />
setores empresariais e financeiros, inclusive as forças<br />
armadas, alguns governos regionais cooptados pelas lucrativas<br />
receitas e alguns segmentos sociais politicamente<br />
influentes. Grupos sindicais conhecidos como “aristocracia<br />
operária”, 28 vinculados a esse tipo de atividades extrativistas,<br />
também ob têm importantes benefícios. E, como é<br />
fácil compreender, essa disputa distributiva, que pode ser<br />
mais ou menos conflitiva, provoca novas tensões políticas.<br />
Tudo isso contribui para debilitar a governabilidade<br />
democrática, enquanto acaba por estabelecer ou perpetuar<br />
72<br />
26 Não se trata exclusivamente da cidadania individual-liberal, pois, sob<br />
a lógica de direitos coletivos, abrem-se as portas para cidadanias coletivas<br />
e comunitárias. Igualmente, os Direitos da Natureza necessitam e,<br />
ao mesmo tempo, originam outro tipo de cidadania, que se constrói no<br />
individual, no social coletivo, mas também no ambiental. Esse tipo de<br />
cidadania é plural, pois depende das histórias e dos ambientes, e abriga<br />
critérios de justiça ecológica que superam a visão tradicional de justiça.<br />
Eduardo Gudynas denomina essas cidadanias como “metacidadanias<br />
ecológicas”. Ver “La ecología política del giro biocéntrico en la nueva<br />
Constitución del Ecuador” (Revista de Estudios Sociales, Bogotá, n.32,<br />
p.34-47, 2009) e El mandato ecológico: derechos de la naturaleza y políticas<br />
ambientales en la nueva Constitución (Quito: Abya Yala, 2009).<br />
27 Termo usado originalmente para se referir aos descendentes de espanhóis<br />
nascidos nas colônias hispânicas do continente americano que,<br />
por extensão, faz referência à elite branca desses países. [n. t.]<br />
28 Nos termos propostos por Eric J. Hobsbawm, “La aristocracia obrera,<br />
a revisión” (In: Jerzy Topolski et al., Historia económi ca: nuevos enfoques<br />
y nuevos problemas. Barcelona: Crítica, 1981).<br />
a existência de governos autoritários e empresas<br />
vorazes e clientelistas, inclinadas também a práticas<br />
autoritárias. De fato, nesses países não surgem os<br />
melhores exemplos de democracia, e sim o contrário.<br />
Além disso, a gestão muitas vezes dispendiosa das receitas<br />
obtidas e a ausência de políticas de planejamento<br />
terminam debilitando a institucionalidade existente ou<br />
impedindo sua construção.<br />
A América Latina possui uma ampla experiência<br />
nesse campo. São vários os países da região cujos governos<br />
têm claros traços de autoritarismo derivados da<br />
modalidade de acumulação primário-exportadora, particularmente<br />
quando está sustentada em poucos recursos<br />
naturais de origem mineral.<br />
Essa complexa realidade existe também em outras<br />
partes do mundo, particularmente nos países exportadores<br />
de petróleo ou minérios. 29 A Noruega seria a exceção<br />
que confirma a regra. A diferença entre o caso do país<br />
escandinavo e os anteriormente descritos fundamenta-se<br />
no fato de que a extração de petróleo em terras norueguesas<br />
começou e se expandiu quando já existiam sólidas<br />
instituições econômicas e políticas democráticas, com<br />
uma sociedade sem iniquidades comparáveis às de outros<br />
países petrolíferos ou mineradores do mundo empobrecido.<br />
Ou seja, esse país integrou o petróleo à sua sociedade<br />
e à sua economia quando já era um país desenvolvido.<br />
73<br />
29 Como exemplo, basta analisar a realidade dos países situados no<br />
golfo Pérsico ou Arábico, que podem ser considerados ricos em<br />
termos de acumulação de enormes reservas financeiras e com elevados<br />
níveis de renda per capita. No entanto, de nenhuma maneira<br />
podem ser incorporados à lista de países desenvolvidos: os níveis<br />
de desigualdade registrados são aberrantes, a ausência de liberdade<br />
é notória, a intolerância política e religiosa está na ordem do dia.<br />
Muitos de seus governos não apenas não são democráticos, como<br />
também são caracterizados por profundas práticas autoritárias. A<br />
Arábia Saudita, uma monarquia com traços medievais, seria um<br />
exemplo paradigmático de uma lista bastante longa.