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Descolonizar_o_Imaginario_web

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Do ponto de vista legal, as violações dos direitos territoriais<br />

indígenas pelas grandes obras da ditadura, quando não<br />

cometidas simplesmente ao arrepio das previsões constitucionais,<br />

foram em parte legitimadas por procedimentos jurídicos<br />

complementares e arbitrários. É o caso da construção da<br />

hidrelétrica de Balbina, processo no qual o desmembramento<br />

de uma área de aproximadamente 526.800 hectares da então<br />

reserva indígena waimiri-atroari foi autorizado por decreto<br />

presidencial 5 ; ou da remoção forçada dos indígenas akrãtikatêjê<br />

(gavião da montanha) na implantação de Tucuruí,<br />

por vias da assinatura forçada de uma Escritura Pública de<br />

Cessão e Transferência de Direitos de seu território a favor<br />

da Eletronorte. Esses casos, como exemplos do modus operandi<br />

da estruturação do desenvolvimentismo extrativista como<br />

base da economia nacional, merecem menção neste contexto<br />

por sua importância na formulação de dois aspectos que se<br />

perenizaram no arcabouço da política de Estado do país: um<br />

malabarismo legal intrinsecamente fragilizador do Estado<br />

democrático de direito e um brutal colonialismo interno.<br />

Belo Monte: meios escabrosos, fins duvidosos<br />

Cerca de 63% da matriz energética brasileira se baseia em<br />

hidrelétricas, dentre as quais 202 são de grande porte. 6 Para<br />

além da função de conferir motricidade ao crescimento econômico<br />

do país por meio da produção de energia, no entanto,<br />

412<br />

comissao-da-verdade-ao-menos-83-mil-indios-foram-mortos-na-ditadura-militar>).<br />

5 Stephen G. Baines, A Usina Hidrelétrica de Balbina e o deslocamento<br />

compulsório dos Waimiri-Atroari ().<br />

6 Aneel, Capacidade de geração em 2014 chega a 133,9 mil megawatts<br />

(20/1/2015).<br />

essas estruturas também desempenham um papel essencial<br />

no fortalecimento de dois setores em especial: a construção<br />

civil (grandes empreiteiras) e o setor primário-<br />

-exportador. Nesse sentido, as hidrelétricas podem tanto<br />

estar diretamente ligadas a projetos extrativos – como no<br />

caso de Tucuruí, construída como parte do Projeto Grande<br />

Carajás – ou integrar complexos infraestruturais, como<br />

eclusas, hidrovias, rodovias e portos, para fins de escoamento<br />

de commodities agrícolas e minerais. 7<br />

Apontar esses elementos é importante para uma<br />

leitura mais ampla da política de infraestrutura do setor<br />

energético, principalmente quando restam questionamentos<br />

sobre a eficiência energética de projetos de<br />

grande porte e grandes custos. Ou quando a sua implementação<br />

é viabilizada ou se torna possível exclusivamente<br />

por meio do descumprimento sistemático<br />

das legislações sociais e ambientais – ou, mais além, de<br />

condutas criminosas –, como é o caso da usina hidrelétrica<br />

de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.<br />

No universo dos vários elementos aqui abordados<br />

que apontam para uma crônica “dependência da ilegalidade”<br />

nas práxis que estruturam o desenvolvimentismo<br />

extrativista, Belo Monte, o mais caro entre os projetos do<br />

governo brasileiro e possivelmente o mais questionado<br />

juridicamente pelo Ministério Público Federal, parece-nos<br />

um objeto adequado para análise. A começar, numa cronologia<br />

reversa dos eventos críticos que a envolvem, pela<br />

investigação, no marco da Operação Lava Jato, do pagamento<br />

de propinas milionárias, por parte das empreiteiras<br />

413<br />

7 A exemplo do projeto Arco Norte, composto por corredores logísticos<br />

como as br-163, br-364 e br-158, por estruturas portuárias<br />

nos estados do Amazonas, Pará, Maranhão e Bahia, a construção<br />

da hidrovia Tapajós-Teles Pires, quatro eclusas no rio Tapajós e<br />

seis no Teles Pires, além de terminais portuários em Santarém,<br />

Miritituba e Itaituba, no Pará ().

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