Descolonizar_o_Imaginario_web
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Em 2014, a Federação Internacional de Direitos Humanos<br />
iniciou uma investigação sobre casos de espionagem contra<br />
os movimentos sociais envolvendo empresas privadas, como<br />
a mineradora Vale, acionista de Belo Monte, e o consórcio<br />
construtor da usina. De acordo com a investigação,<br />
422<br />
os testemunhos e os documentos obtidos parecem confirmar que<br />
Vale e Belo Monte incorreram em delitos de corrupção, acesso<br />
a informação confidencial, gravações clandestinas, usurpação de<br />
identidade, acesso ilícito a bancos de dados públicos e demissão<br />
injustificada de empregados. Esses delitos teriam ocorrido com<br />
a cumplicidade de agentes do Estado. Alguns documentos<br />
demonstram subornos a agentes do Estado e um possível apoio<br />
da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no caso de Belo<br />
Monte e de agentes da Abin licenciados no caso da Vale, tudo<br />
isso contra atores e ongs considerados por essas empresas como<br />
possíveis travas em suas atividades. 15<br />
Os ninguéns<br />
O discurso que justifica Belo Monte, 16 assim como os demais<br />
superlativos aplicados ao setor produtivo primário<br />
e suas estruturas de suporte, é uma das mais perversas<br />
expressões de um colonialismo interno que permeia não<br />
apenas as políticas de Estado do governo, mas o imaginário<br />
de uma numerosa parcela predominantemente urbana<br />
15 fidh-brasil: Vale e Belo Monte sob suspeita de espionagem: a Justiça<br />
tem que investigar. Disponível em .<br />
16 O principal argumento do governo em favor da construção da usina,<br />
vendida como segunda maior hidrelétrica do mundo a despeito da<br />
ocultada ineficiência energética, é que Belo Monte protegerá o país de<br />
um apagão energético, principalmente diante das projeções (irreais)<br />
de um crescimento do Brasil de cerca de 4% ao ano.<br />
da sociedade brasileira. As (falsas) ameaças de que<br />
haverá faltas – de conforto, do direito de consumir,<br />
da perspectiva de acumular ou simplesmente do básico<br />
indispensável à sobrevivência – caso “não seja feito<br />
o que tem que ser feito” se alinham à premissa de que<br />
o desenvolvimento da nação exige seus sacrifícios.<br />
Sob a condição, é claro, de que os sacrificados sejam<br />
os outros, os invisíveis, os atrasados, os obstáculos<br />
ao crescimento, os que “estão acostumados a viver<br />
no limbo” e, por isso, “não são como nós nem têm as<br />
nossas necessidades”.<br />
A dissociação ou ausência de empatia com as populações<br />
camponesas e tradicionais que historicamente habitam<br />
e zelam pelos territórios cobiçados pelo setor produtivo<br />
e seu planejamento infraestrutural é uma patologia<br />
que supostamente se verificaria nos escopos ideológicos<br />
de direita. A solidez com que o desenvolvimentismo<br />
parasitário se hegemonizou sob o totalitarismo do regime<br />
militar, no entanto, ressurgiu e se instalou com a mesma<br />
desenvoltura nos projetos políticos do progressismo moderno,<br />
suplantando com uma surpreendente naturalidade<br />
princípios humanitários diante dos desafios de lidar com<br />
o capitalismo interno e transnacional.<br />
Este fenômeno, de acordo com o sociólogo mexicano<br />
Pablo Gonzales Casanova, pode ser visto da seguinte<br />
forma, a despeito de políticas assistencialistas que visem<br />
ações compensatórias aos desfavorecidos do capitalismo:<br />
423<br />
Se, como afirmara Marx, “um país se enriquece à custa<br />
de outro país” é igual a “uma classe se enriquece à custa<br />
de outra classe”, em muitos Estados-nação que provêm da<br />
conquista de territórios, chame-se Impérios ou Repúblicas,<br />
a essas duas formas de enriquecimento juntam-se as do<br />
colonialismo interno.