Descolonizar_o_Imaginario_web
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O território, o solo e o habitat urbano<br />
Nos últimos anos estamos vivendo um processo acelerado<br />
de recomposição do território e do solo urbano. Além da<br />
especulação imobiliária, busca-se outra vez expulsar os<br />
setores “populares” para beneficiar as lógicas do capital<br />
e a reocupação pelas elites urbanas de espaços antes desprezados.<br />
Esse é um cenário comum na maioria de nossas<br />
cidades, onde o solo e o reordenamento territorial também<br />
estão em disputa.<br />
Os setores “populares” reocupam os territórios segregados,<br />
seja por meio de atividades – econômicas, por exemplo –,<br />
pela festa que irrompe na rua proibida, ou então pela disputa<br />
da propriedade do solo. Na Venezuela, é significativo<br />
o movimento de acampamentos de pioneiros, que ocupam<br />
terrenos baldios, produtos da especulação imobiliária, e a<br />
partir daí projetam novos modos de vida, no meio do centro<br />
da cidade e de bairros acomodados. Não aceitam a segregação<br />
e propõem novas convivências e relações. Trata-se do<br />
exercício do direito à cidade – a outra cidade. Não se trata<br />
simplesmente de incursionar no modelo dominante de urbe,<br />
mas pensar outros modos de vida e de convivência.<br />
Na Bolívia, não temos grandes movimentos que se<br />
dediquem ao tema do solo urbano. Há algumas associações<br />
ou sindicatos de inquilinos, mas ainda não se manifestaram<br />
fortemente como propostas de disputa da propriedade<br />
urbana que alterem a estratificação e segregação que<br />
consolidam o modelo colonial de cidade. As propostas para<br />
organizar os territórios e a moradia, a partir de um enfoque<br />
diferente dos modos de vida e das relações, tampouco são<br />
fortes – embora existam alguns casos em Cochabamba,<br />
como a comunidade María Auxiliadora, ou o que tentou ser<br />
o bairro Luís Espinal, em Tarija.<br />
No entanto, apesar de a temática ainda ser incipiente<br />
na Bolívia, ela adquire relevância no contexto<br />
latino-americano, e é um dos debates que pode levar-<br />
-nos a uma discussão mais global do tema urbano e da<br />
configuração das cidades.<br />
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A cidade como circulação para facilitar a<br />
mercantilização das relações ou como território<br />
plural de encontros e convivências<br />
As cidades contemporâneas se organizam, em grande<br />
parte, para facilitar a aceleração do tráfego de veículos e<br />
de pessoas. Com isso, conseguem apressar os consumos<br />
e despersonalizar as relações. Esse é o modelo dominante,<br />
e na Bolívia mostra-se claramente nos projetos<br />
de modernização urbanística. La Paz é o exemplo mais<br />
evidente desse processo. Corta-se o centro histórico,<br />
onde confluíam todos os setores sociais da cidade, e se<br />
habilita esse espaço para o fluxo acelerado do veículo,<br />
quebrando o espaço de encontro. A mesma lógica sustenta<br />
a reconstrução dos mercados históricos do centro<br />
urbano; isola, encerra, acelera a circulação e impede a<br />
relação: a reorganização dos postos de venda produz a<br />
reclusão de cada vendedor ou vendedora e seus clientes;<br />
perde-se o espaço compartilhado da conversação e<br />
do encontro, próprio do mercado antigo.<br />
No entanto, a maioria das pessoas recompõe e<br />
transgride esses espaços. Para os setores “populares” e<br />
indígenas, o lugar relacional tem preeminência sobre o<br />
da circulação acelerada. Os “mercados-modelo” saem<br />
de seus limites e recompõem as feiras, não diárias, mas<br />
com seus momentos, quase de ciclos. Nas feiras fluem<br />
os sentidos de fregueses e freguesas, as fidelidades e