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Descolonizar_o_Imaginario_web

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324<br />

O território, o solo e o habitat urbano<br />

Nos últimos anos estamos vivendo um processo acelerado<br />

de recomposição do território e do solo urbano. Além da<br />

especulação imobiliária, busca-se outra vez expulsar os<br />

setores “populares” para beneficiar as lógicas do capital<br />

e a reocupação pelas elites urbanas de espaços antes desprezados.<br />

Esse é um cenário comum na maioria de nossas<br />

cidades, onde o solo e o reordenamento territorial também<br />

estão em disputa.<br />

Os setores “populares” reocupam os territórios segregados,<br />

seja por meio de atividades – econômicas, por exemplo –,<br />

pela festa que irrompe na rua proibida, ou então pela disputa<br />

da propriedade do solo. Na Venezuela, é significativo<br />

o movimento de acampamentos de pioneiros, que ocupam<br />

terrenos baldios, produtos da especulação imobiliária, e a<br />

partir daí projetam novos modos de vida, no meio do centro<br />

da cidade e de bairros acomodados. Não aceitam a segregação<br />

e propõem novas convivências e relações. Trata-se do<br />

exercício do direito à cidade – a outra cidade. Não se trata<br />

simplesmente de incursionar no modelo dominante de urbe,<br />

mas pensar outros modos de vida e de convivência.<br />

Na Bolívia, não temos grandes movimentos que se<br />

dediquem ao tema do solo urbano. Há algumas associações<br />

ou sindicatos de inquilinos, mas ainda não se manifestaram<br />

fortemente como propostas de disputa da propriedade<br />

urbana que alterem a estratificação e segregação que<br />

consolidam o modelo colonial de cidade. As propostas para<br />

organizar os territórios e a moradia, a partir de um enfoque<br />

diferente dos modos de vida e das relações, tampouco são<br />

fortes – embora existam alguns casos em Cochabamba,<br />

como a comunidade María Auxiliadora, ou o que tentou ser<br />

o bairro Luís Espinal, em Tarija.<br />

No entanto, apesar de a temática ainda ser incipiente<br />

na Bolívia, ela adquire relevância no contexto<br />

latino-americano, e é um dos debates que pode levar-<br />

-nos a uma discussão mais global do tema urbano e da<br />

configuração das cidades.<br />

325<br />

A cidade como circulação para facilitar a<br />

mercantilização das relações ou como território<br />

plural de encontros e convivências<br />

As cidades contemporâneas se organizam, em grande<br />

parte, para facilitar a aceleração do tráfego de veículos e<br />

de pessoas. Com isso, conseguem apressar os consumos<br />

e despersonalizar as relações. Esse é o modelo dominante,<br />

e na Bolívia mostra-se claramente nos projetos<br />

de modernização urbanística. La Paz é o exemplo mais<br />

evidente desse processo. Corta-se o centro histórico,<br />

onde confluíam todos os setores sociais da cidade, e se<br />

habilita esse espaço para o fluxo acelerado do veículo,<br />

quebrando o espaço de encontro. A mesma lógica sustenta<br />

a reconstrução dos mercados históricos do centro<br />

urbano; isola, encerra, acelera a circulação e impede a<br />

relação: a reorganização dos postos de venda produz a<br />

reclusão de cada vendedor ou vendedora e seus clientes;<br />

perde-se o espaço compartilhado da conversação e<br />

do encontro, próprio do mercado antigo.<br />

No entanto, a maioria das pessoas recompõe e<br />

transgride esses espaços. Para os setores “populares” e<br />

indígenas, o lugar relacional tem preeminência sobre o<br />

da circulação acelerada. Os “mercados-modelo” saem<br />

de seus limites e recompõem as feiras, não diárias, mas<br />

com seus momentos, quase de ciclos. Nas feiras fluem<br />

os sentidos de fregueses e freguesas, as fidelidades e

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