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A “Sereníssima República de Veneza”<br />
Se Deus tivesse criado Veneza, mas a cidade houvesse<br />
ficado sozinha para ser habitada pelos pombos, que valor<br />
ela teria? Muito mais do que simplesmente aquilo, há em<br />
Veneza o estilo de vida, o estilo artístico veneziano, a cultura,<br />
as instituições venezianas, que modelaram as fisionomias<br />
dos palácios. E, no plano da Providência, o palácio é<br />
modelado pela cultura do homem, mas o auxilia a modelar<br />
depois a sua própria cultura. Ajuda-o a se requintar. O céu,<br />
o mar e a terra foram feitos para, iluminando a casa ou o<br />
palácio do homem, iluminar a alma de quem ali reside.<br />
Esta é a dignidade do ser humano. Tudo isso nos reporta<br />
ao fato de que a chamavam de “Sereníssima República<br />
de Veneza”. “Sereníssima” é quase mais bonito<br />
do que Imperial e Real. Dá a impressão de orvalhada<br />
por todas as calmas da noite. “Sua Alteza Sereníssima”,<br />
por exemplo, eu acho um título lindíssimo! E a República<br />
de Veneza, por ser soberana e querer se encaixar<br />
na hierarquia nobiliárquica e feudal da Europa, considerando<br />
que seu chefe tinha uma verdadeira dignidade<br />
de um duque, tomou para si o título de “Sereníssima”.<br />
Veneza era uma república aristocrática, dirigida por<br />
uma nobreza inscrita num livro chamado “Livro de Ouro”.<br />
As famílias promovidas à nobreza tinham seus nomes inscritos<br />
nesse livro, e pertenciam a uma classe social que elegia<br />
uma espécie de Câmara dos Lordes. Havia também, para<br />
as várias categorias da plebe, câmaras, conselhos, etc.<br />
Casamento de Veneza com o mar<br />
À testa disso estava o Conselho dos Dez, chefiado por<br />
um doge que usava o barrete frígio das repúblicas contemporâneas,<br />
cercado de uma pequena coroa. Tratado<br />
como um príncipe, eleito de dez em dez anos, podendo<br />
ser reeleito, o doge era o ponto de partida de politicagens<br />
finíssimas, rasteiras jeitosíssimas, mais elegantes<br />
do que passos de minueto; com a beleza de quem se habituou<br />
muito cedo a burilar a política como quem burila um<br />
cristal. Aliás, por uma coincidência bonita, as fábricas<br />
de cristal começaram a aparecer. Daí vem o famoso<br />
cristal Murano. Há qualquer coisa de cristalino<br />
na República de Veneza.<br />
Todo mundo conhece a festa<br />
anual de esplendor de Veneza. O<br />
doge, vestido com trajes fabulosos,<br />
ia até o alto-<br />
-mar num navio todo folheado a ouro, chamado Bucentauro,<br />
seguido de um cortejo de embarcações com gente<br />
a bordo tocando violinos e outros instrumentos. Ao chegar<br />
a certa altura, fazia-se o casamento de Veneza com o<br />
mar, lançando no fundo do Mar Adriático um anel. Nesse<br />
momento, a música dava o seu todo, o pessoal aclamava.<br />
Ao cair da tarde, todos voltavam, em meio aos reflexos<br />
da água do mar de Veneza, e a festa continuava<br />
na terra. Aqueles canais eram percorridos por gente em<br />
gôndolas, lanternas bonitas iluminavam os terraços, de<br />
fora dos palácios se percebia a luz das festas que se estavam<br />
dando ali dentro. O tilintar dos copos de cristal, os<br />
vivas, os cânticos se prolongavam<br />
pela noite afora.<br />
Se passarmos daí para as<br />
palafitas que constituíram<br />
a primeira Veneza, compreenderemos<br />
a enorme<br />
trajetória percorrida<br />
nesse lugar verdadeiramente<br />
privilegiado,<br />
onde a Providência<br />
quis reunir as suas maravilhas.<br />
v<br />
(Continua no próximo<br />
número)<br />
(Extraído de conferência<br />
de 2/12/1988)<br />
Gabriel K. TYP (CC3.0)<br />
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