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22 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA<br />
23-2-2017<br />
Descentralização democrática do Estado<br />
Condições, autonomia e regionalização<br />
A descentralização de competências exige a<br />
recuperação e afirmação plena da autonomia<br />
do poder local, um quadro claro de<br />
condições que enquadrem essa transferência,<br />
um regime de financiamento com os<br />
meios apropriados.<br />
O que faz falta...<br />
Descentralizar<br />
implica o poder<br />
de executar mas<br />
também o poder<br />
de decidir<br />
Em resposta à deputada do PSD Berta Cabral, que se<br />
questionara sobre o facto de o PCP apresentar na AR<br />
um «discurso e um modelo distintos» do que é defendido<br />
pelo Governo, Paula Santos teve de lembrar, pela<br />
enésima vez, desmontando o sofisma, que o Grupo<br />
Parlamentar do PCP tem a sua «própria análise,<br />
diagnóstico, as suas posições e propostas» e é com essa<br />
premissa e postura que «intervém» neste e em todos os<br />
outros debates. Frisou, aliás, que sobre este tema da<br />
«descentralização, da organização do Estado», há muito<br />
que o PCP tem propostas sobre o mesmo, «não acordou<br />
agora para esta matéria».<br />
A propósito, aproveitou para dizer à deputada do PSD<br />
que não faz sentido falar de descentralização, nem falar<br />
de organização do Estado sem colocar a questão da<br />
criação das regiões administrativas.<br />
«Hoje há um conjunto de atribuições e competências que<br />
não estão bem na administração central, mas a solução<br />
também não passa pela administração local», realçou, o<br />
que do seu ponto de vista mostra bem a falta que faz a<br />
existência de regiões administrativas.<br />
Antes, na intervenção inicial, Paula Santos considerara<br />
já que «não é possível avançar para um efectivo, racional<br />
e sustentado processo de descentralização sem a<br />
instituição das regiões administrativas, como prevê a<br />
Constituição».<br />
Lembrara também que a regionalização cumpre três<br />
objectivos essenciais de uma verdadeira política<br />
descentralizadora, a saber: «dá coerência e delimita»<br />
atribuições e competências entre os vários níveis da<br />
administração (central, regional e local); potencia uma<br />
política de desenvolvimento regional envolvendo as<br />
autarquias e agentes económicos; garante a defesa da<br />
autonomia do poder local.»<br />
Em síntese, é este o enunciado<br />
de princípios em que<br />
assenta a perspectiva do<br />
PCP sobre a descentralização<br />
democrática do Estado,<br />
processo que em sua<br />
opinião implica necessariamente<br />
também a criação<br />
das regiões administrativas.<br />
É esta avaliação e corpo<br />
de ideias que estruturam<br />
um conjunto de propostas<br />
consubstanciadas em cinco<br />
iniciativas legislativas,<br />
cujo conteúdo foi dado a<br />
conhecer pela deputada comunista<br />
Paula Santos no<br />
decurso de uma declaração<br />
política que proferiu<br />
em nome da sua bancada,<br />
no dia 15, véspera da aprovação<br />
em Conselho de Ministros<br />
de uma proposta de<br />
descentralização de competências<br />
para as autarquias<br />
e entidades inter-municipais,<br />
abrangendo áreas como<br />
a educação, saúde, acção<br />
social e áreas portuárias.<br />
Ao levar o tema a plenário<br />
a bancada comunista<br />
quis à partida deixar bem<br />
claro que, hoje como no<br />
passado, a sua posição é<br />
de intransigente defesa e<br />
valorização da autonomia<br />
do poder local, «em coerência<br />
com uma organização<br />
do Estado assente na<br />
descentralização», capaz de<br />
responder «com maior eficácia<br />
às exigências» de prestação<br />
de melhor serviço público<br />
– e com isso melhorar<br />
a «qualidade e condições<br />
de vida das populações».<br />
E porque a descentralização<br />
é «um dos princípios<br />
constitucionais para a<br />
organização do Estado», a<br />
parlamentar do PCP considerou<br />
que o mesmo não<br />
se coaduna com «calendários<br />
precipitados», como<br />
parece ser o que o Governo<br />
quer impor, exigindo,<br />
sim, uma «reflexão séria,<br />
profunda e alargada».<br />
Paula Santos frisou, por<br />
outro lado, que a descentralização<br />
de competências<br />
deve ter por objectivo a<br />
melhoria da «acessibilidade<br />
e da qualidade do serviço<br />
público», bem como a<br />
elevação da capacidade e<br />
da eficiência de resposta<br />
aos problemas e necessidades<br />
das populações.<br />
Respeitar<br />
autonomia<br />
Outro aspecto central colocado<br />
pela deputada comunista<br />
é o que se refere<br />
às condições exigíveis para<br />
o pleno exercício das<br />
competências no quadro<br />
da descentralização e no<br />
rigoroso respeito pela autonomia<br />
do poder local.<br />
Aliás, a experiência do<br />
passado a este respeito não<br />
é propriamente «promissora»,<br />
como bem assinalou<br />
Paula Santos, que exemplificou:<br />
soluções que foram<br />
condicionadas pela «ausência<br />
de um nível de poder<br />
determinante no quadro da<br />
delimitação de competências»;<br />
«persistente subfinanciamento»<br />
das autarquias<br />
ou «contínuo arbítrio»<br />
de incumprimento de<br />
regimes financeiros; restrições<br />
e ingerência na autonomia<br />
do poder local, cenário<br />
este agravado sobremaneira<br />
num passado recente.<br />
Por saber que este quadro<br />
de asfixia financeira<br />
criou dificuldades à capacidade<br />
de intervenção das<br />
autarquias a bancada comunista<br />
defende que a<br />
«primeira prioridade» deve<br />
assentar na reposição<br />
das condições que permitam<br />
que as actuais competências<br />
possam ser realizadas.<br />
Assegurar<br />
meios<br />
Para o PCP, a descentralização<br />
de competências exige,<br />
por um lado, a «identificação<br />
e avaliação dos seus<br />
impactes e sua perspectiva<br />
de evolução, quanto às<br />
condições financeiras, humanas,<br />
organizacionais e<br />
materiais», e, por outro lado,<br />
a garantia de «autonomia<br />
administrativa e financeira<br />
das autarquias».<br />
Sem isso, advertiu Paula<br />
Santos, o que se faz é<br />
«transferir novos encargos<br />
e problemas não resolvidos,<br />
cuja resolução permanecerá<br />
comprometida».<br />
«Descentralização não<br />
pode significar a desresponsabilização<br />
do Estado,<br />
não pode corresponder à<br />
transferência de encargos<br />
e de descontentamento das<br />
populações relativamente<br />
ao que é incómodo para o<br />
Governo, passando o odioso<br />
para os outros», sublinhou<br />
a deputada do PCP,<br />
rejeitando de forma categórica<br />
que possa de alguma<br />
maneira ser posta em<br />
causa a «universalidade de<br />
funções sociais do Estado<br />
e de direitos constitucionais»<br />
ou «introduzir mais<br />
desigualdades e mais assimetrias<br />
entre os territórios».<br />
Sem deixar de valorizar<br />
a «proximidade e o conhecimento<br />
da realidade concreta»,<br />
a parlamentar salientou<br />
não ser essa porém<br />
a «questão central», mas<br />
sim a «garantia dos meios<br />
adequados para dar a resposta<br />
à altura de cada situação<br />
ou problema concreto».<br />
O mesmo vale para o<br />
princípio da subsidariedade,<br />
com Paula Santos a observar<br />
que a sua aferição<br />
A descentralização de competências não pode significar<br />
a desresponsabilização do Estado com a transferência<br />
de encargos e do que é incómodo para o Governo<br />
Dar condições é fundamental<br />
Embora haja uma aparente<br />
concordância das forças políticas<br />
representadas na AR quanto ao<br />
princípio da descentralização, a grande<br />
questão para o PCP continua a residir<br />
nas condições em que se opera essa<br />
descentralização, nomeadamente<br />
quanto às «questões financeiras,<br />
humanas, organizacionais, materiais».<br />
É que, explicou Paula Santos – e com<br />
isto respondia à deputada do PS<br />
Susana Amador, que perante um<br />
Estado «demasiado centralista»<br />
defendeu «um salto qualitativo» que<br />
cumpra os «dispositivos constitucionais<br />
em relação à descentralização, à<br />
autonomia do poder local e à<br />
subsidariedade» –, as autarquias estão<br />
ainda numa situação complicada<br />
decorrente do que foram as opções<br />
políticas do anterior governo PSD/CDS-<br />
-PP, não podendo essa realidade<br />
deixar de ser tida em conta. Aliás,<br />
observou, essa consideração tem de ser<br />
feita no actual contexto para o exercício<br />
das competências que já hoje as<br />
autarquias têm que assegurar. Daí o<br />
PCP entender que neste debate, para<br />
além de enunciação das competências<br />
que o poder local deve ter, é «preciso<br />
ver as condições para o fazer».<br />
Já ao deputado do CDS Álvaro Castelo<br />
Branco, que falara da necessidade de<br />
não se faz «pelo nível mais<br />
próximo de exercício de<br />
uma determinada competência,<br />
mas sim pela identificação<br />
do nível de administração<br />
que está em melhores<br />
condições de a exercer<br />
com proximidade».<br />
Paula Santos fez ainda<br />
questão de esclarecer as<br />
diferenças entre «descentralização,<br />
desconcentração<br />
e transferência de competências»<br />
– há quem insista<br />
intencionalmente e<br />
não por ignorância em tratar<br />
os diferentes conceitos<br />
«como se fosse tudo a mesma<br />
coisa», criticou –, sublinhando<br />
que «descentralizar<br />
implica o poder de<br />
executar mas também, e<br />
indispensavelmente, o poder<br />
de decidir».<br />
um «amplo debate público» prévio à<br />
criação das regiões administrativas,<br />
vendo por isso como «prematura» a<br />
apresentação de uma iniciativa sobre<br />
esta matéria, Paula Santos fez notar<br />
que o PCP – ao contrário do que fez o<br />
CDS-PP e o PSD no governo, em que<br />
tomaram um conjunto de opções contra<br />
a vontade das populações e ignorando<br />
a posição dos órgãos autárquicos, como<br />
foi a extinção de freguesias –, deseja<br />
ver as suas propostas «amplamente<br />
discutidas, abrir este debate da<br />
descentralização e regionalização».<br />
A deputada comunista não deixou até<br />
de registar a falta de nexo da pergunta<br />
do deputado do CDS-PP, uma vez que,<br />
recordou, a Constituição no seu artigo<br />
256.º exige a consulta popular para a<br />
criação das regiões administrativas – e<br />
é nesse sentido que vai a proposta do<br />
PCP.<br />
E reiterou que o PCP quer este debate,<br />
ao contrário das bancadas à direita, a<br />
quem acusou de «não o quererem<br />
fazer» e de optarem por «manter um<br />
Estado concentrado», depois de terem<br />
encerrado muitos serviços<br />
desconcentrados do Estado e com isso<br />
criado «imensas dificuldades às<br />
populações e aos territórios,<br />
contribuindo para maiores<br />
desigualdades e assimetrias».