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SCMedia News | Revista | Novembro 2019

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74<br />

O MUNDO É REDONDO, por Cláudia Brito<br />

Through the Language Glass,<br />

Guy Deutscher<br />

Arrow Books, 2011 edition<br />

Onde quer que existam humanos, existe linguagem. A linguagem é a capacidade que mais nos diferencia<br />

dos outros animais, ao ter-nos permitido gerar cultura(s), ou seja, o que um indivíduo aprende durante<br />

a vida pode ser passado à geração seguinte, num acumular exponencial de memórias e capacidades<br />

práticas. Ao mesmo tempo que os seres humanos criaram a linguagem, esta também modela a nossa<br />

percepção do mundo, expandindo-a ou limitando-a, em função da língua que falamos.<br />

» O livro “Through the Language Glass”<br />

(“Através do Espelho da Linguagem”) de Guy<br />

Deutscher é escrito quase como um romance<br />

policial, cheio de suspense, em que a própria<br />

escrita é uma personagem. Os jogos de<br />

palavras, as histórias paralelas com mensagens<br />

inesperadas e as viragens do argumento ilustram<br />

como a linguagem é mais do que um meio, é um<br />

fim em si mesma.<br />

» A partir da grande controvérsia iniciada no<br />

final do século XIX sobre a ausência da cor azul<br />

no léxico da língua grega no tempo de Homero,<br />

e da hipótese inicial de que os gregos desse<br />

tempo não tinham capacidade anatómica de<br />

distinguir essa cor, Guy Deutscher leva-nos na<br />

viagem da descoberta de que afinal a natureza<br />

não determina a linguagem. A ciência actual<br />

permite-nos afirmar que os gregos antigos<br />

viam o azul tão bem como nós, não só porque<br />

a anatomia humana está fixa há mais de dez<br />

mil anos,mas também a partir do estudo<br />

antropológico de povos remotos actuais com<br />

línguas igualmente isentas de azul. Conclui-se<br />

que qualquer pensamento pode ser expresso em<br />

qualquer língua, mas as pessoas dão nomes às<br />

coisas sobre as quais sentem a necessidade de<br />

falar.<br />

» Se a linguagem não define a capacidade<br />

cognitiva dos respectivos povos, como se<br />

pensava há 150 anos, tem, contudo, influência<br />

no nosso pensamento, ao determinar o que<br />

deve e o que não deve ser dito. A linguagem<br />

é limitada pela experiência e impacta a<br />

memória, a atenção, as associações e as nossas<br />

capacidades. Hábitos da linguagem criam<br />

hábitos da mente, definindo categorias e padrões<br />

reconhecidos por algoritmos processados pelo<br />

nosso cérebro, obrigando-nos a estar mais<br />

atentos a uns aspectos da realidade do que a<br />

outros. Existe ainda a evidência científica que o<br />

cérebro filtra através das palavras aquilo que os<br />

nossos sentidos percepcionam, uma banana é<br />

evidentemente mais amarela do que uma laranja<br />

da mesma cor.<br />

» No fim, como no príncipio, comunicamos<br />

e pensamos porque temos linguagem. A<br />

linguagem espelha o que nos vai na mente e é<br />

uma lente através da qual vemos o mundo.<br />

UM POUCO MAIS DE SOL - EU ERA BRASA,<br />

UM POUCO MAIS DE AZUL - EU ERA ALÉM. (...)<br />

-MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO<br />

Guy Deutscher tem uma licenciatura em matemática e<br />

um doutoramento em linguística pela Universidade de<br />

Cambridge. Existem cerca de 7000 línguas no mundo<br />

actualmente, 20% das quais faladas por menos de 1000<br />

pessoas e a desaparecer a um ritmo acelerado. Apenas<br />

23 línguas são faladas por mais de 50% da população<br />

mundial.

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