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Revista Dr Plinio 270

Setembro 2020

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que as coisas saem de uma certa ordem<br />

prevista pelo sociólogo para o<br />

bem comum. O totalitarismo e o direito<br />

consuetudinário são os dois extremos<br />

hostis.<br />

Uma pessoa poderia me fazer esta<br />

pergunta: “Mas isso não cai no caos?<br />

Imaginemos os homens de hoje<br />

regidos pelo costume e veremos o<br />

tumulto que vai nascer.”<br />

Em primeiro lugar é preciso notar<br />

o seguinte: com um material podre<br />

não se constrói uma casa forte. Numa<br />

época de decadência moral tremenda<br />

como a nossa, soltando-se, dá<br />

na desordem, prendendo-se, surge<br />

a tirania. Se se nomeia alguém para<br />

governar, acaba sendo um gatuno ou<br />

carrasco. A solução não é outra senão<br />

moralizar. O direito consuetudinário<br />

supõe evidentemente um teor<br />

de moralidade, uma ordem cristianizadora.<br />

Eu não seria favorável à aplicação<br />

brusca, pura e simples de um sistema<br />

consuetudinário no Brasil de hoje.<br />

Entretanto, se em cada lugar fossem<br />

entregues paulatinamente certas<br />

funções consuetudinárias às forças<br />

sociais verdadeiras do local, tenho<br />

a impressão de que a coisa terminava<br />

bem. Porque a legítima autoridade<br />

social, por uma espécie de<br />

molejo interno, é capaz de resolver<br />

bem os casos; enquanto que a autoridade<br />

política como nós a concebemos,<br />

distanciada da vida social, é artificial<br />

e não resolve nada bem.<br />

Revogação de costumes<br />

contrários à Moral<br />

ou ao bem comum<br />

O direito de revogar um costume<br />

competia só ao rei, que o exercia<br />

apenas em dois casos: quando o costume<br />

era contrário à Moral cristã ou<br />

ao bem comum da sociedade.<br />

Nesse sentido, é bonito notar que<br />

o grande protetor dos costumes foi<br />

São Luís IX, que não só deu todo<br />

apoio aos costumes justos, mas se<br />

tornou um extirpador tremendo de<br />

maus costumes.<br />

No século XIII, como a função do<br />

rei começou a se desenvolver, o parlamento<br />

de Paris principiou também<br />

a receber essas funções de extirpar<br />

os maus costumes. Na Inglaterra alguns<br />

desses costumes estão em uso<br />

até nossos dias.<br />

Na França o processo foi diferente.<br />

Estudados os costumes dos vários<br />

feudos grandes, verificou-se que tinham<br />

traços comuns, que constituíram<br />

o Direito consuetudinário de<br />

certas regiões: Normandia, Champagne,<br />

Auvergne, etc., ao lado dos<br />

direitos consuetudinários menores<br />

das pequenas unidades. E assim formou-se<br />

a estrutura: lei de Estado feita<br />

pelo rei, costumes regionais que<br />

são os denominadores comuns dos<br />

costumes locais e, por fim, os costumes<br />

locais. E dentro dos costumes<br />

locais, os costumes para as várias<br />

classes, para os diversos pequenos<br />

lugares: rios, lagos. Temos, assim,<br />

a imensa diversificação do Direito<br />

medieval.<br />

O Direito consuetudinário fixou-<br />

-se em todo o território europeu.<br />

Com o tempo esses costumes transformaram-se<br />

em documentos chamados<br />

cartas, que eram convenções particulares<br />

nas quais havia referências<br />

aos costumes. Nos séculos X e XI essas<br />

cartas já são numerosas. No século<br />

XII começaram a aparecer estatutos<br />

municipais, consentidos por reis e<br />

outros senhores, para determinadas<br />

cidades. Principiaram a surgir também<br />

os registros das cartas feitas pelos<br />

particulares ou pelo rei. Mais tarde<br />

surgiram os livros de costumes, escritos<br />

por juristas para uso próprio. E<br />

quando esses livros eram bem feitos<br />

generalizavam-se de tal maneira que<br />

acabavam tendo, até certo ponto, força<br />

de lei. Por fim, no século XII, começaram<br />

a aparecer as compilações<br />

de decisões de juízes com base nos<br />

costumes, e constituíram uma espécie<br />

de complemento do Direito consuetudinário.<br />

Sobretudo no século XIII<br />

isto se desenvolveu.<br />

Assim nós temos uma visão de como<br />

se estabeleceu o Direito consuetudinário<br />

e de que modo podia haver<br />

ordem dentro dele. Deixo posto um<br />

problema a ser tratado futuramente:<br />

Nesse pulular de leis e de corpos<br />

sociais, como estabelecer a ordem e<br />

a medida? Dessa orquestra com milhares<br />

de instrumentos, como podia<br />

nascer uma sinfonia? v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de 1954)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma<br />

conferência, na década de 1950<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

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