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Fibrilhação Auricular e Patologia Tiroideia: a importância
da abordagem multidisciplinar
Maria Beatriz Morgado; Pedro Pacheco
USF Cova da Piedade
Enquadramento:
A fibrilhação auricular (FA) é a arritmia crónica mais comum, afetando 10% da
população com mais de 70 anos. A persistência da resposta ventricular rápida (RVR) poderá
condicionar instabilidade hemodinâmica. O hipertiroidismo contribui em apenas 1% para
todas as causas de FA. No entanto, a FA é a complicação cardíaca mais comum do
hipertiroidismo.
Descrição do caso:
Apresenta-se o caso clínico de uma doente de 59 anos, pós-menopausa, com
antecedentes pessoais de dislipidemia e patologia tiroideia em estudo, sem medicação
habitual, que recorreu à Consulta de Doença Aguda no Centro de Saúde por quadro de
cansaço, palpitações e edema dos membros inferiores com menos de 24h de evolução. O
exame objetivo e avaliação eletrocardiográfica demonstrou disritmia compatível com FA com
RVR, pelo que se referenciou a doente ao Serviço de Urgência. No hospital, optaram por
estratégia de controlo de frequência cardíaca com beta-bloqueante e foi administrada
digoxina. Dada ausência de resposta, a Cardiologia foi chamada a intervir. A doente foi
internada na Unidade de Cuidados Coronários e foi proposta para cardioversão. Verificouse,
no entanto, a reversão espontânea a ritmo sinusal, com melhoria sintomática
significativa. Procedeu-se ao cálculo do risco trombótico e iniciou-se anti-coagulação em
concordância. Ao 3º dia de internamento, a avaliação analítica, permite concluir tratar-se de
um caso de fibrilhação auricular associada a hipertiroidismo. Neste contexto, discutiu-se o
caso com a Endocrinologia e iniciou-se metibasol. Agendada reavaliação em consulta de
Endocrinologia após a alta.
Discussão:
Destaca-se o presente caso clínico pela elevada prevalência das patologias
envolvidas e pelo facto de estas poderem ter apresentações sobreponíveis - por exemplo,
palpitações, o que se coaduna com a sua estreita relação fisiopatológica. Salienta-se a
importância de se pesquisar ativamente as causas de FA de novo, incluindo o doseamento
de TSH na apresentação inicial. O tratamento do hipertiroidismo associa-se frequentemente
à reversão a ritmo sinusal. A taxa de reversão a ritmo sinusal é mais elevada em jovens,
doentes sem doença cardíaca estrutural prévia e com episódio de FA de instalação recente.
No controlo de frequência cardíaca, os beta-bloqueantes são os fármacos de eleição, pela
sua eficácia e controlo de sintomas mediados pelos recetores beta, tais como a ansiedade
e tremor – comuns no hipertiroidismo. Está descrita alguma resistência à digoxina nesta
população, mas esta pode ser administrada (se justificado) em doses superiores às
habituais. Por fim, o score CHA2DS2-VASC permite aferir da necessidade de
anticoagulação. Salienta-se a orientação clínica multidisciplinar transversal a todo o caso
clínico - essencial para o controlo metabólico, estabilidade cardiovascular, prevenção dos
eventos tromboembólicos e, em última análise, qualidade de vida da doente.